ELA.

É um nome engraçado, você concorda comigo? Conforme o tempo passou, acabei me acostumando a tratá-la como se fosse uma pessoa. Sabe, bem lá no fundo, ela se parece com aquela tia da qual você não gosta. Pode não ter notícias por um bom tempo, mas sabe que está lá e vai ter que enfrentá-la uma hora ou outra. 

Muitas pessoas me perguntam como foi quando fui diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica — a mesma doença do Stephen Hawking. Isso faz de mim um gênio? Considerando minhas notas em Geografia, não... —, e tudo que consigo responder é que foi um saco. Estraga as férias de qualquer um, isso é fato. No instante em que o médico deu a notícia, tive absoluta consciência de duas coisinhas que, por algum motivo, nunca tinha reparado com a devida atenção antes:

a) Minha vida vai acabar, mas

b) ainda não acabou. 

Isso, claro, misturado ao imenso vocabulário de palavrões pertencente a uma pessoa de quinze anos. 

Provavelmente está se perguntando que diabo está lendo, e eu preciso confessar que não sei a resposta. Pode chamar de diário, agenda, livro ou talvez só "aquela porcaria comprada na banca da esquina/capinada num site da internet" — sim, esse seria um bom título! —, o que te fizer sentir mais confortável. O mais correto, no entanto, seria chamar de "Coisas aleatórias escritas por Helena no caderno de capa azul que sua mãe lhe deu [por achar que ela precisa desabafar com alguém]". Como isso é absurdo, além do nome ser extremamente longo, vou induzir quem quer que possa estar lendo a chamar de lista, apenas.

Lista de quê? De compras, de vítimas, de fórmulas?, você pode perguntar, meu caro gafanhoto.

Meu nome é Helena, como você já teve o prazer de descobrir há algumas linhas. Eu tenho, no máximo, um ano antes de começar a perder a capacidade de controlar meu corpo. É o que essa doença faz com você, além de outras coisas, como dificuldade para respirar e engolir. Por sorte, raramente afeta funcionamento da bexiga, intestino — brinquei com a minha mãe que ela ao menos não voltaria a trocar minhas fraldas e ela chorou o resto da tarde. Desculpa, foi sem querer —, ou órgãos dos sentidos.

Mesmo que, durante o dia, fingisse estar calma, passei a última noite em claro, com a ajuda de muito café — que por sinal estava tão gostoso quanto um copo de água com terra, cortesia do meu irmão —, decidindo o que fazer com o tempo que me resta.

Se eu vou morrer?

Bom, é óbvio que sim. Todo mundo vai. 

Quando?

Não faço a menor ideia. 

Questões como essas e outras como qual deve ser o gosto de banana com bacon me rondavam a mente lá pras duas da manhã — lembra daquele meme que dizia "hoje eu vou dormir cedo//às três da manhã (insira uma pesquisa do Google maluca aqui)"? Então, foi mais ou menos isso — quando uma lâmpada se acendeu sobre a minha cabeça e iluminou todo o quarto. Abri o caderno e, sem pensar duas vezes, anotei uma ideia no topo da página.

#1 Experimentar uma nova comida

Percebi que era aquilo o que eu queria; uma lista de coisas a fazer antes de morrer — ou ficar babando numa cadeira de rodas, o que vier primeiro. 

Na verdade, acho que todo mundo devia cumprir cada um desses itens em algum momento da vida. Vou contar aqui a minha história e espero que ela te faça algum bem.

Boa sorte pra nós dois, não é?