Janta escrita por Dark_Hina


Capítulo 4
Quando a luz queima




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—Será que isso ainda vai demorar muito? – Perguntei impaciente.

—Ainda faltam dois andares – Mesmo no completo escuro vi Alex estreitar os olhos ligeiramente chateada por minha agonia.

—Por que diabos estamos no prédio mais alto da cidade? – Resmunguei exasperando, eu tentei pela milésima vez usar minha supervisão para vasculhar o perímetro, mas as estruturas tinham muito chumbo, todos os contornos embaçavam, reverberando sem nitidez. Desisti meio zonza.

—O que deu em você? Por que essa pressa toda?

—Eu estou atrasada para sair com Lena.

—Ah... – Alex assentiu e pigarreou. –O que vocês vão fazer hoje? – Não havia uma real interesse em sua voz.

—Acho que ela vai me levar na casa dela, eu não entendi direito.

—Vocês estão muito próximas, não é?

—Sim. – Eu disse vagamente, alguma coisa no tom de Alex me incomodava quando falávamos de Lena, era um tom que me deixava em alerta para não me alongar no assunto.

O breu dos corredores era fracamente quebrado pela luz da lanterna de Alex, ao mesmo tempo em os flashes refratavam nas paredes de vidro, aumentando os reflexos e deixando o andar com um túnel grande e contínuo de espelhos. Estávamos vasculhando por horas naqueles corredores desertos, com vultos fantasmagóricos e sombras disformes e nada parecia fora do normal, excerto, claro, pela atípica situação.

Assim que voltamos de uma missão em Declion-4 o DEO entrou em modo de segurança, algum intruso tinha tentado burlar o sistema interno de verificação de usuário. Na semana anterior havíamos instalado uma senha individual de reconhecimento, toda a movimentação dentro dos depósitos e dos laboratórios, além de precisarem de uma autorização biométrica, agora precisavam ser protocolados com essa senha, se ela fosse digitada errada o sistema bloqueava a liberação. No caso, o intruso simplesmente conseguiu invadir o sistema depois que entrou no laboratório usando o acesso biométrico de Alex. Essa foi a única informação que recebemos antes do blackout.

Winn achou estranho que as permissões de Alex estivessem sendo acessadas quanto eu e ela acabamos de voltar de um portal dimensional, quando ele solicitou as imagens de vídeo para localizar a pessoa tudo acabou virando uma sequência de desastres. Primeiro as câmeras falharam, depois todo o sistema elétrico entrou em pane, parando de funcionar, os elevadores e as portas elétricas simplesmente travaram, em seguida as luzes apagaram - até o gerador nuclear interno magicamente resolveu desligar. Ninguém entendia o que estava acontecendo. Sabíamos apenas que havia um intruso em alguma parte do prédio e que ele não conseguiria sair de lá nem tão cedo, o mínimo que podíamos fazer era tentar capturá-lo.

—Você acha que é a mesma pessoa que pegou minha arma?

—Eles pegariam sua arma e invadiriam o DEO? – Parei de andar e fiquei encarando como Alex ainda estava interessada nessa caça sem futuro, como seu corpo contraía tenso de preocupação.

—Eu também não estou entendo, quer dizer, pegar uma arma daquelas para tirar minhas digitais? – Sua voz saiu um pouco mais indignada do que incrédula. –Isso chega a ser ridículo.

— Eu sou uma pessoa horrível porque querer quebrar a janela e sair voando por aí? Eu não gosto dessa situação.

Alex virou pra mim e gritou “Kara!”, a princípio achei que ela estivesse me repreendendo, mas logo depois senti uma forte dor nas costelas e meu corpo foi empurrado para frente, se chocando com um dos vidros, convertendo-o a um milhão de fragmentos. Alex correu em direção ao que me atingiu e demorou uns instantes para eu me reerguer.

Era um corpo negro esguio, completamente flexível, Alex não conseguia revidar seus golpes apenas esquivar habilmente dos ataques, eu não conseguia distinguir bem os contornos, se movia muito rápido.

Quando me coloquei em pé a criatura parou de mirar em Alex e se dirigiu pra mim, veio correndo em minha direção. Dessa vez pude ver seus movimento e bloqueei com os braços o chute que viria em meu rosto. Era forte. Meus pés se fundaram no chão contendo o impacto. Aquele andar seria completamente destruído caso eu não conseguisse imobilizá-lo.

Ele se afastou preparando um soco, mas consegui segurar sua mão assim que ela avançou contra mim, sentindo a textura de couro contra meu tato. Foi quando eu finalmente olhei para sua cara, e uma máscara me encarou de volta, uma máscara de couro que cobria completamente sua face, “Como a pessoa via ou espirava dentro daquilo?”. O que mais me chamava atenção eram as orelhas pontudas em cima da máscara. “Isso são orelhas de gato?”. Quando tentei ver através da máscara novamente aquela imagem sem nitidez, tinha uma proteção de chumbo por trás do material da máscara.

Eu tinha segurado com força seu punho, era hora de revidar, quando pensei em levitar para jogá-lo contra alguma coisa ele pulou sobre mim, literalmente, seu salto foi assustadoramente veloz, quando percebi ele estava nas minhas costas, senti meu corpo sendo puxado pela capa e sendo jogado contra as janelas de vidro, trincando-as.

Antes que Alex conseguisse nos alcançar, o intruso correu em minha direção e quando pensei que estaria esquivando de seu chute, sua real intenção era acertar a janela trincada, atravessando o vidro atrás de mim. Eu olhei assustada, assim como Alex, que parou imediatamente de correr e olhou espantada para o buraco em meio a enorme janela. As luzes da cidade nos atordoaram, era um contraste muito forte entre as luzes vermelhas sinalizadoras dos prédio, os telões de propagandas, a própria iluminação da rua e o escuro sombrio da noite. Na queda livre o intruso parecia um ponto minguando para o nada, quando pensei em voar em sua direção, ele aterrissou em um dos telhados dos prédios desaparecendo na escuridão, foi nesse exato momento que as luzes do DEO voltaram, nos ofuscando. Eu e Alex nos entreolhamos atordoadas, seus olhos incomodados pela súbita claridade e eu sem saber exatamente o que fazer. Tudo aconteceu em uma fração de segundos me tirando completamente a reação.

—O que acabou de acontecer? – Ela perguntou em um tom indecifrável, era um misto de frustração e espanto.

—Eu não sei. – Confessei quase envergonhada. –O que era aquele cara?

—Não era um cara, era uma garota.

—Como?

Alex engoliu a seco.

—A porra de uma cópia de Matrix! – Ela gritou. -A gente acabou de apanhar da Trinity! – Alex não estava falando aquilo para mim realmente, ela só estava pensando alto. -A roupa de couro, as luvas, o chute, o salto... Foi a porra de uma cena de ação!

Foi a minha vez de engolir seco, concordando no silêncio eloquente de minha surpresa como tudo aquilo foi estranho e confuso.

Lena tinha um olhar paciente sobre a tela do celular, assim que Freddy abriu a porta de trás para que eu entrasse no carro seu rosto dissipou qualquer vestígio de impaciência e iluminou-se com um sorriso acolhedor. Naquele exato momento eu me senti culpada por estar com tanto mal humor.

—Como você faz isso? – Soltei sem nem lhe cumprimentar direito, mas seus braços estavam abertos para me acolher carinhosamente eu aceitei aquele breve enlace de paz.

—Faço o que? – Ela perguntou me soltando e dando espaço para que eu me ajeitasse no banco.

—Ser assim. – Hoje seus cabelos estavam soltos, ela estava com um sobretudo branco e os lábios em um cor carmim estonteante.

Ela sorriu balançando a cabeça, relevando meu comentário. O carro começou a se mexer, e entramos naquele ritual de perguntar sobre o dia da outra, conversar sobre vários nadas dizemos inúmeras coisas, com ou sem relevância.

Apesar de Lena se esforçar para deixar o ambiente leve, eu não estava muito no clima de conversar, o papo vinha fácil mas naquela situação em particular era difícil esconder minha frustração. Sentir-me tão bem com ela era um peso a mais, eu gostaria de poder contar a ela tudo, absolutamente tudo que se passava. Manter-me em silêncio sobre isso, ou desconversar sobre a parte mais tensa do meu dia me soava como uma mentira, ou mesmo como uma descarada enganação.

Andar pela cidade naquela carro e ver de relance as luzes passando como meteoros me lembravam daquele salto mortal que a ladra tinha feito, meus lábios entreabriam me traindo, querendo confessar aquele singelo pecado, mas eu sabia que as consequências seriam altas demais, então eu simplesmente fechava a boca e me deixava embriagar por sua visão, seu olhar para mim, aquele sorriso, e aqueles gestos que quase conseguiam amenizar meu tormento.

—Você parece chateada. - ela falou me tirando do transe de pensamentos. - Tem certeza que quer ir? – Sua preocupação era palpável.

—Não, desculpa. – Eu mordi o lábio. – Eu estou meio aérea né? Sinto muito.

—Se aconteceu alguma coisa nós podemos voltar. A Alex está bem? - Sorri por sua boa intenção, reconfortada. Mas tive que sacudir a cabeça e mentir.

—Não aconteceu nada, na verdade. Só eu e minha cabeça de vento que está atacada hoje. – Eu ri sem graça e ela engoliu aquela desculpa esfarrapada só para não me pressionar a falar. Agradeci em pensamento seu ato solidário. -Então, - comecei a desconversar – você escondeu as jaulas da sua casa direitinho?

—Sabe, pode ter ficado uma ou duas a mostra, mas eu prometo que as correntes estão sendo utilizadas pelo meu exército de escravos, e meu instrumentos de torturam ficam no meu Porão da Dor então resolvi não apresentar essa parte da casa pra você... Ainda. – Ela falou com a sobrancelha arqueada, num sussurro final.

Deixei minha mão encostar na sua, nossos dedos se entrelaçarem, trocamos olhares cúmplices e algo que eu ainda não sabia exatamente o que era.


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