Janta escrita por Dark_Hina


Capítulo 5
Um lugar para chamar de lar




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Quando Lena falou “casa” considerei que se referia a uma mansão. Tudo bem, estávamos em algo bem maior que uma simples mansão. Estacionamos na garagem de um luxuoso prédio no centro da cidade, fiquei ligeiramente preocupada em saber se era dela, se ela morava sozinha daquele edifício de quase 40 andares.

—Por que você está com essa cara? – Ela perguntou com o cenho franzido.

—Que cara?

—Essa de “o que diabos eu estou fazendo aqui?”.

—Ah, essa... – Olhei em volta fugindo de seu fitar analítico. O silêncio não me parecia uma boa resposta. – Eu sempre já te encontrei tanto no seu escritório que nunca parei pra imaginar aonde você morava, sinceramente eu acho que às vezes eu pensava que você morava por lá. – Pigarreei – Então, isso tudo é seu? – Perguntei sem jeito, arrumando o óculos na face.

O rosto de Lena inclinou para o lado, sua boca fez um suave bico.

—Não exatamente. – Nosso olhares se encontraram quando ela começou a explicar. – O prédio é da L-Corp sim, nós já tentamos empreender no ramo da construção civil...

—Mas...?

—Não deu muito certo, nós ainda estamos em alguns setores... – Ela estava com aquele tom distante como se procurasse ainda as palavras certas. -É da L-Corp mas esse é um prédio residencial. – Seus lábios entreabriram hesitantes. - Eu não entendi o motivo de sua a pergunta.

—Você me disse que ia me mostrar sua casa e nós chegamos nesse prédio... – Revirei os olhos. – Por um instante imaginei que o prédio fosse seu e você morasse aqui sozinha.

Ela riu nervosa.

—Não seria uma má ideia, talvez um prédio desse tamanho desse pra comportar minha solidão e o ego da minha família. – Novamente aquele revirar de olhos. –Okay, ainda correríamos o risco de não termos espaço suficiente.

Em poucos instantes o motorista estacionou o carro e abriu a porta para descermos, como de costume Lena estendeu a mão para me guiar por aqueles novos caminhos e saímos da garagem direto para o elevador. Ela apertou o ultimo botão e começamos a subir caladas. Ela tinha um olhar vigilante sobre mim, e eu não conseguia ler direito sua face, aquela expressão impassível escondia algum tipo de receio que eu não conseguia identificar bem o que era.

—Podemos conversar sobre uma coisa? – Ela falou quebrando o silêncio, seu cenho franzido mostrava o quão relutante ele estava ao começar a falar.

—Pode dizer.

—Eu entendo que às vezes posso ser um pouco extravagante, mas a intenção não é te intimidar, é só... – as palavras lhe faltaram, entretanto seu olhar continuava conectado ao meu. Ela engoliu a seco buscando uma forma de terminar. – Eu não quero te obrigar a conviver com o meu mundo, ele é chato e intimidador, frio e distante. Mas eu preciso de você na minha vida, então eventualmente você vai ver essas coisas, as mansões, os carros, as festas, tudo isso que soa tão fútil... – Ela mordeu o lábio antes de terminar. – Por favor, não fuja.

—Eu não vou fugir. – Nós que estávamos com as mãos dadas, acabamos entrelaçando os dedos, olhamos o gesto ocasional e sorrimos, cúmplices. O elevador foi parando lentamente.

—Ah, Kara, quando as portas abrirem, na minha casa não vai ter gaiolas nem correntes, mas talvez o chão seja feito de diamantes.

—As paredes são de ouro?

—Por favor, Kara, eu não sou Midas. – Nós duas rimos involuntariamente, ela não conseguia ser realmente engraçada, mas as tentativas eram adoráveis.

O elevador abriu em um pequeno hall branco e oval, uma porta de madeira de lei nos aguardava entreaberta na extremidade, brincadeiras a parte a maçaneta redonda era dourada, realmente parecendo feita de ouro, ao seu lado, um espelho em moldura vitoriana que acompanhava o contorno da parede sem desfigurar o reflexo.

Lena me levou até o vão e abriu a porta para que eu visse a sala antes de entrarmos. Era gigante, acredito que só a sala era do tamanho do meu apartamento. Um sofá enorme de couro, uma televisão que ocupava metade da parede, um centro muito sofisticado bem baixo. Eu estava em um daqueles cenários decorados por especialistas no núcleo rico das filmagens. No extremo da sala uma mulher latina de meia idade parecia fantasiada de empregada com aquelas roupas que só víamos em filmes, o jeito que ela olhava para Lena esperando alguma ordem indicava que não era algo tão “faz-de-conta” assim.

—O-olá. – Cumprimentei baixo. Ela falou comigo com um sorriso breve e um balançar de cabeça.

Eu entrei com cautela, a luz da sala era alaranjada, dando ao ambiente um ar muito quente, aquela iluminação quebrada tornava tudo diferente, até as sombras naquela luz ganhavam novos contornos, mais austeros e distintos. Senti o toque de Lena nos meus ombros e quando olhei de lado seu sorriso me aguardava.

—Vamos, quero te mostrar a casa.

Eu concordei em silêncio esperando por suas instruções.

—Está pensando em se jogar na próxima janela ou vai esperar pela varanda?

—Depende, as janelas são de cristal?

Ela sacudiu a cabeça e segurou minha mão e saiu me puxando pelo apartamento. Ela me levou pela sala, me mostrou a cozinha, os cômodos, eu não poderia imaginar como ela conseguia ocupar todos aqueles cantos, principalmente pelo tamanho, eram ambientes largos, espaçosos, bem decorados, de muito bom gosto.

Paramos num pequeno corredor com uma porta fechada, a única que realmente estava fechada, ela mexeu no bolso e tirou uma chave retangular, só naquele momento percebi como a fechadura era diferente, apesar da maçaneta ser do mesmo estilo das outras, redonda e dourada.

—O que é isso?

—Meu laboratório secreto, é aqui aonde eu guardo minhas cobaias para testar as armas de tortura. – Ela disse em um tom tão sério e convicto que fiquei em dúvida se era mais uma de suas esdrúxulas brincadeiras.

Quando ela abriu dei de cara com um quarto lilás, um cama de casal de mogno, uma bancada com um botebook carregando, duas portas no extremo, poderia chutar que uma era seu closet e a outra seu banheiro particular. Era um quarto confortável, apesar de ser bem comum, sem porta-retratos nem elementos personalíssimos, era um quarto arrumado, ponto.

—Por que você está fazendo essas caras?

—Que caras? – Eu perguntei sem jeito, olhando para as paredes monocromáticas e subindo os óculos que escorregavam pelo nariz.

—Essas expressões que eu não consigo saber o que você está pensando.

—Não sabia que podia ler mentes.

—Pelo menos não a sua.

Eu relevei seu comentário e fui até a cama, o colchão era alto e os travesseiros em cima pareciam muito confortáveis. Sentei na cama desinteressada e peguei um dos travesseiros para mim, abraçando-o. Sim, eu estava agarrada com uma nuvem. Se é que uma nuvem conseguiria ser tão macia e fofa como aquele travesseiro.

—O que é isso?

—Plumas. Deliciosas, não são? - Concordei me controlando para não explodir o travesseiros de tanto apertá-lo. Ela se sentou ao meu lado, me observando. Ela se divertia com aquilo e eu realmente não entendi como ela gostava tanto de passar seu tempo comigo, tentando tantas coisas melhores para fazer. –Se você gostou eu posso providenciar um pra você.

—Lena, não. Não precisa. - Sua cabeça inclinou para o lado, deixando por estar. Nos encaramos por algum tempo, mas seu olhar se perdeu. -Sua casa é muito bonita. – Falei tentando atraí-la de novo para terra.

 -Os Luthors sempre moraram em casas grandes.

—Você gostava? Digo, quando era mais nova, o que você achava?

—Eu não sei bem o que eu achava. Minha mãe tinha morrido e do nada eu estava morando em mansões, frequentando colégios internos... – Seus olhos reviram. – Eu não sei Kara, eu realmente não sei. – Ela engoliu a seco e me encarou por um instante. -Você sabia que eles nem sempre foram inimigos? Superman e Lex, eles eram aliados, uma força do bem.  – Seus olhos estavam gélidos, aquele olhar me contou coisas sobre uma tristeza inominável.

—Isso não tem nada a ver com você. – Eu disse honesta. Ver Lena assombrada por seus fantasmas pessoais me incomodava, principalmente porque eu não podia fazer nada a respeito. –Lena, o que tanto te assusta nisso?

Ela exalou e seu olhar fugiu do meu, ela enxugou as gostas de suor frio imaginário coçando a testa enrugada, sem olhar diretamente pra mim respondeu em uma fala pesada.

—Todos confiaram no Lex, e ele traiu a todos. – Seu silêncio seguiu de um toque na minha mão, novamente estava lá o entrançado de dedos, naquele contato caloroso. -Ninguém confia em mim, exceto você. Eu não posso te trair.

Eu assenti com a cabeça e lhe puxei para um abraço, sua cabeça muito bem encaixada no meu pescoço e seus braços envolvendo minha cintura de lado.

—Sabe Lena, quando meus pais morreram eu perdi minha casa, eu tive que viver em outro mundo, uma realidade que eu não estava preparada para lidar. Eu aprendi que casa nem sempre é um lugar, muitas vezes é uma pessoa. Seu passado não é sua casa, essas lembranças não são sua história, tudo isso é um processo que você ainda está fazendo.  - Me permiti o prazer de apertá-la um pouco mais forte do abraço, ainda ligeiramente receosa com a força que eu estava usando.

Quando Lena levantou, sua boca se aproximou assustadoramente da minha, invadindo meu espaço pessoal. Eu não sei bem o que aconteceu depois. Eu acompanhei todos os seus gestos, seus olhos na minha boca, seu aproximar taciturno, eu vi tudo acontecer lentamente e minha única reação foi esperar, sentir minhas pálpebras pesarem querendo fechar, querendo esperar aquele trajeto final de seu rosto ao encontro do meu. Mas uma batida na porta e um grito se seguiram, meu coração disparou com o susto e o dela também. O pulsar era tão forte que não precisava de uma super audição para ouvir o ressoar. Lena tinha os olhos arregalados como se tivesse sido brutalmente arrancada de um transe. Eu não estava numa situação muito diferente da dela.

—Senhoria Lena! – A voz soou acompanhada de novas batidas na porta. -A senhorita tem uma ligação.

—Desligue e mande ligar outra hora. – Ela falou entre os dentes.

—É o Senhor Wayne, ele já tentou ligar para o celular e para o escritório, ele disse que era urgente.

Lena exalou tentando se controlar, tentando arduamente arranjar paciência de algum lugar. Ela se afastou ainda naqueles movimentos bruscos e se levantou da cama contra sua vontade. Ela engoliu a seco quando virou as costas para mim, percebi que todo o seu corpo contraiu e quando ela se virou ela tentou amenizar o tom, sem muito sucesso.

—Kara, eu já volto. – Falou indo em direção a porta do quarto, abrindo-a, seguindo com sua empregada pelo corredor. Observei o contorno de suas costas desaparecem, e só nesse momento consegui respirar.


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