Janta escrita por Dark_Hina


Capítulo 15
Nada poderia descrever a dor




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For all the air that's in your lungs

For all the joy that is to come

For all the things that you're alive to feel

Just let the pain remind you hearts can heal

Oh, how were you to know?

 

—Quer dizer que vocês brigaram? – Havia um tom de julgamento velado na pergunta de Alex. Seu olhar encontrou com o meu quando colocou sobre a mesa um latte bem espumado, ainda fumegante. Peguei o copo nas mãos observando o dançar do vapor, que fazia contornos abstratos no ar.

—Não, ela brigou comigo.

—Não está parecendo. – Sua boca curvou com a afirmação.

Alex me encarava com aquela cara de irmã mais velha. A mesma cara que ostentava um cenho franzido observando meu comportamento. A expressão em sua face era sugestiva, como se ela já tivesse diagnosticado várias coisas não ditas a respeito do meu aborrecimento.

—Você parece mais magoada que chateada com isso tudo. – Ela disse no fim de sua análise silenciosa.

—Está muito cedo para você falar qualquer coisa que faça algum sentido. – Retruquei mexendo o café, dissipando a espuma.

—Você me parece entender muito bem. – Sua voz prosseguiu lentamente. - O que você gostaria de ter dito a ela?

Estreitei os olhos encarando Alex, que insistiu em sustentar seu olhar insinuativo.

—Eu gostaria de ter dito várias coisas. – Tentei desconversar bebericando o café.

—Como...? – Insistiu.

Parei por um instante e entortei a boca ao pensar no assunto. Os flashes da noite anterior me açoitavam como as ondas de um ressaca tropical à praia.

—Eu não gostei dela ter me levando praquela boate, eu não gosto daqueles lugares, são apertados, quentes, eu me sinto claustrofóbica no meio daquelas luzes e da música alta barulhenta. – Parei revirando os olhos. – Eu não gostei dela ter levado aquele cara, dela estar dançando tão próxima a ele. – Levei o copo de café aos lábios, o líquido ainda fumegava, senti seu calor querendo curtir a derme da língua, sem sucesso. Era um sensação agradável, apesar de tudo, apreciei o calor em minha boca antes de voltar a falar. –Eu fiquei realmente magoada por ela ter dito que eu a colocava em perigo, foi isso que mais me chateou. Em qualquer outro cenário, se ela não soubesse que eu sou a Supergirl, ela estaria mortificada, se sentindo culpada, tendo certeza que de alguma maneira colocou minha vida em risco, ela teria enchido minha sala de flores e teria me levado pra Itália para tomar aquele sorvete lá mesmo. - Eu podia escutar meu próprio tom, e bem no fundo eu sabia que era um tanto quanto patético.

Alex balançou a cabeça.

—Kara, você não me disse uma única coisa da qual realmente fizesse sentido ficar com raiva, você só está me contando um péssimo encontro com uma briga no final. – A cabeça de Alex pendeu para o lado. - Das coisas que aconteceram, a pior de todas você nem sequer comentou, que foi o fato da Lena só ter se aproximado de você com segundas intenções, que em todo esse tempo de amizade ela sempre nutriu outros sentimentos por você. E, pra minha surpresa, em toda essa história nem sequer passou por sua cabeça se sentir traída por isso.

Eu engoli a seco quando Alex terminou de falar, mas no mesmo instante estava sacudindo a cabeça. Como eu diria a Alex que as coisas com Lena foram um processo lento e gradual? Como eu lhe contaria que nós duas percebemos o que estava acontecendo e mesmo assim deixamos acontecer?

—Não tem nada disso Alex, a questão foi o momento.

—Não, Kara. Um momento isolado não pode ser responsável por tudo isso que aconteceu. – Os olhos de Alex encararam diretamente os meus. – Agora, isso não seria um problema se tudo fosse recíproco e ela sentisse que era recíproco. Essas coisas só acontecem dessa forma, só vão tão longe, se forem cientes pelas duas vias. – Alex insistiu em me encarar e em algum momento meu semblante me traiu, ela levantou o e apontou para minha face. - Essa cara, essa expressão no seu rosto, Kara... Era recíproco! Você sabia! – Ela parou um instante. -Você não contou absolutamente nada pra mim! – No mesmo momento ela expirou e forçou um sorriso condescendente. - Lena tinha vários motivos pra ficar chateada também, principalmente porque não parece que ela mentiu, parece que você era quem estava tendo segredos, mentindo pra ela.

—Você é parcial e tendenciosa, sua namorada também mentiu pra você. – Disse decisiva. Alex, em resposta, teve a sua vez de estreitar seus olhos para mim e eu sabia que suas próximas palavras seriam massacrantes.

—E qual a desculpa para deixá-la sozinha de noite esperando o motorista? – A pergunta veio ácida, o único ponto que eu não tinha aprofundado sobre a noite.

Minha cabeça, envergonhada, involuntariamente baixou encarando o café.

—Eu fiquei tão chateada com as coisas que ela tinha dito... Eu cheguei a ficar paralisada de raiva. – Minha voz saiu frágil, como um fio quebradiço. – Claro que nada justifica, mas eu realmente não conseguia mais olhar pra ela. Eu fiquei com medo de parar de vê-la como eu a vejo, eu sei que foi egoísta mas nós duas estávamos indo pra direção de muita dor.

Alex parou e cruzou os braços se recostando na mesa da sala de J’onn, a mesma sala que a via mais do que sua própria casa. Do lado de dentro da mesa tinha uma sacola encostada no chão com roupas limpas, próximas a uma nécessaire com produtos de higiene pessoal ainda lacrados. Eu sabia que as coisas que ela guardava em seu armário já tinham esgotado e, em seu lugar, o espaço estava ocupado com um amontoado de roupas sujas. Fazia algumas semana que ela não parava pra dormir direito, muito menos se alimentar, que Maggie não mais lhe via e que a sua companhia constante fora substituída por Batman – o que, convenhamos, foi uma péssima troca para Alex. Ela estava passando por tempos sombrios e eu, como sempre, conseguia ocupar sua cabeça com ainda mais problemas.

—Sabe Kara, - ela começou em um tom mais sério do que eu esperava – a verdade é que eu não gosto muito da Lena, mas eu gosto menos ainda da forma como você está lidando com essa situação. Em nenhum momento você está sendo honesta. Se você sabia que a Lena gostava de você...

—Ela não me disse que gostava de mim, ela só me atacou.  – A interrompi ligeiro. - Duas vezes! – disse gesticulando o numeral na sua cara. Alex ainda me encarava com o cenho franzido.

—Não é a mesma coisa. – Ela disse com a voz antipática. – Não é como se você fosse uma garotinha indefesa e a malvada Luthor estivesse se aproveitando de você, apesar dessa possibilidade ser inacreditavelmente mais confortável que a realidade. – Ela parou percebendo o sarcasmos em seu tom. -Você espera que eu diga “tadinha da Kara, que não conseguiu dizer pare”? – Novamente aquele tom pedagógico da Alex, cruelmente delicado. -Você alguma vez disse que esse campo de relacionamento estava fora dos limites? Que você só a queria como amiga? Porque toda vez que falamos sobre ela você parece enfeitiçada. Você estava muito feliz por ela ter te levado pra ver estrelas, e ver estrelas, no meu mundo, significa outra coisa. – Alex suspirou, ela precisava respirar depois de ter jogado tudo aquilo na minha cara. –Agora, se você está com raiva porque ela minimizou seus sentimentos, porque ela se apressou demais, você tinha que falar isso pra ela, você não pode esperar que as pessoas adivinhem o que você está pensando e sentindo, ela não é o J’onn. Agora, seja honesta e admita que você também estava sentindo algo, que você gostou de tudo que aconteceu e que isso te assustou, bastante. E depois se pergunte o que exatamente te assustou tanto. Céu, Kara, ela estava bêbada, como diabos você espera que alguém consiga pensar claramente assim? Como você pôde esperar alguma reação normal dela? Pior, como você pôde largar ela assim? E mais! Fez isso alegando estar se protegendo de uma dor, uma dor muito egoísta, Kara.

Eu respirei fundo.

—Meu problema não é gostar dela, Alex. – Falei piscando os olhos furtivamente para dissipar o ardor das lágrimas que não iriam rolar. – Meu problema é justamente não conseguir pensar em mais nada fora ela.

Alex se aproximou tomando a copo de café da minha mão e deixando sobre a mesa de J’onn. Ela voltou para o sofá, se sentou ao meu lado e me puxou para um abraço, me aninhando em seus braços que pareciam ser a única coisa forte o suficiente pra me proteger de mim mesma.

—É tão difícil te aconselhar quando eu sei que sua maior fraqueza é aquela destrói todo mundo. – Ela disse deixando que minha cabeça se encaixasse no seu pescoço. –O tal do amor, Kara, é a kriptonita universal.

Alex me teve cativa em seus braços por um longo instante, eu pensei em dizer alguma coisa mas Batman entrou abruptamente na sala, chamando nossa atenção. Ele carregava uma pasta na mão e o ar a sua volta condensava em tensão, o curvar em sua boca era apreensivo e eu sentia toda a energia pesar a nossa volta.

—Nós temos um problema. – Disse rude.

Ele jogou a pasta no colo de Alex, recobrei a compostura imediatamente, assim que os olhos de Alex encontraram as letras impressas seu queixo caiu, ela fitou o papel visivelmente consternada, começou a folear página por página, seus olhos correndo pelas letras mais rápido do que eu poderia acompanhar, uma série de números e gráficos, alguns desenhos vazados em formato esférico, e algo que parecia uma rede de pesca os envolvendo, nada que eu realmente entendesse.

—Isso é possível? – Ela perguntou incrédula, a comoção de Alex me chocou num primeiro momento.

—Tudo completamente autorizado pelo governo americano. – Ele a respondeu no mesmo tom sóbrio.

—Mas a L-Corp já executou o projeto?

Ele balançou a cabeça.

—Não, esses foram os esboços iniciais.

—Quem é o engenheiro encarregado? – Alex perguntou voltando a encarar as folhas.

—A própria CEO está a frente do projeto. – Ele respondeu seco.

 -A Lena? O que isso tem a ver com ela?  - Perguntei a Alex que ainda encarava pasma as folhas.

—Eu já te explico, Kara. – Alex me cortou e voltou seu olhar para o Batman. – Esse projeto está incompleto? – Ele afirmou positivamente com a cabeça. – É possível que só a Lena Luthor consiga terminar essa planta? – Ele voltou concordar com a cabeça. Alex me olhou atônita e voltou a encarar o Batman – Ontem de noite a Mulher-Gato atacou Lena e a Kara, foi por isso o ataque? Eles querem a Lena? – Meu coração bateu descompassado quando Alex terminou a pergunta, olhei trêmula para o morcego que mais uma vez assentiu vagarosamente com a cabeça.

Eu não o ouvi ele falar, quando dei por mim já estava voando janela a fora me dirigindo para a L-Corp. Não sabia se ela realmente estaria lá, nem como diabos iria encontrá-la naquela sala subterrânea em que ela estava alojada. Não ponderei muitas coisas no caminho, aquela não era uma manhã típica, ela poderia ainda estar em casa, de ressaca. Ela poderia ter saído da cidade para me evitar. Ela poderia estar atrasada, presa no tráfico a caminho da empresa... Ela poderia ter feito muitas coisas, inclusive nem ter chegado em casa.

O peso da culpa pulsava aceleradamente em minhas veias, foi por um acréscimo de segundos mas todas as ideias macabras passaram pela minha cabeça, das trágicas às terríveis. O se era torturante, e se Freddy não voltou? E se algo aconteceu com ela na volta para casa? E se a atacaram novamente pela manhã? Ela poderia estar com raiva de mim, mas ninguém conseguiria me odiar mais do que eu mesma naquele momento.


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