Janta escrita por Dark_Hina


Capítulo 14
Se você soubesse, me amaria do mesmo jeito?




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If I got locked away

And we lost it all today...

Tell me honestly...

Would you still love me the same?

—Não faça isso. – Pedi baixinho sacudindo a cabeça.

Ela fechou a boca e seu olhar não mais me tocou.

Freddy tentou argumentar algo, mas ela voltou a mandá-lo embora. O coitado, sem reação, se prontificou a buscar logo um outro carro e pediu para que eu não fosse para casa sozinha, disse que deixaria a senhorita Lena e voltaria para me buscar, pediu também para que eu relevasse seu humor e aguardasse com ela o seu retorno.

Ficamos encostadas na penumbra assim que as luzes das lanternas traseiras da limousine desapareceram no contorno do prédio, saindo do estacionamento. Lena ainda encontrava-se no chão, literalmente. Ela tinha tirado os saltos e estava sentada em posição fetal, com os braços envolvendo as pernas, ainda com aquele rosto impassível.

—Você não precisava ter falar assim com ele.

—Você não precisa estar aqui.

Sua voz veio ríspida como um tapa, respirei fundo procurando alguma reação. Naquele momento eu sabia que ela precisava de um tempo para digerir o que tinha acontecido – ora, até eu precisava de um tempo para digerir o que tinha acontecido.

Um silêncio incômodo pairou sobre nós duas, eu a olhava complacente com medo de como seus próprios pensamentos a estavam torturando naquele momento.

—Lena? – Chamei baixo.

Esperei sua voz me atingir novamente como um golpe, mas ela nem se dignou a responder. Respirei fundo tentando achar minha compostura, seu comportamento me afetava de uma forma dolorosa.

—Você quer conversar?

Sua cabeça virou em minha direção, um “sério?!” estava estampado em seu cenho franzido, era um olhar indignado, mas também completamente magoado – e por esse sentimento eu não esperava. Havia algo no brilho do seu olhar, algo que me desconcertou e dessa vez não foi daquele jeito sedutor que me rendia, eu estava rendida sim, mas era a uma culpa infundada que eu sei que não devia sentir. Definitivamente ela não me olhava mais com os mesmo olhos de antes... E isso doía.

—Eu só quero saber como você está. – Disse baixo, senti meu olho arder, me controlando para não derramar uma lágrima sequer.

—Estou melhor do que o teto do carro. – Ela finalmente me respondeu, sua voz estava distante, perdida em seus próprios pensamentos. Sua cabeça baixou e eu escutei sua respiração pesar. – Você já pode ir embora. – Terminou de dizer entre os dentes.

—Eu vou embora, mas só quando Freddy chegar. Não vou te deixar sozinha por aqui.

Seu olhar vago congelou o tempo e as boas lembranças, afastou de mim todo calor do seu carinho, seu olhar glacial me alertou que aquela conversa seria feia, dolorosa e, por mais que eu soubesse que não éramos pessoas feias nem sadistas, nós precisaríamos passar por isso.

—Sempre a boa heroína. O que seria do mundo sem você? - Seu tom de escárnio me paralisou. O mundo a minha volta estava ficando rarefeito, era o seu comportamento indiferente que me roubava sorrateiramente o ar.

—Qual o propósito disso Lena? – Minha voz saiu como um fio quebrado. – Há exatamente dois minutos você estava completamente apaixonada por mim, como que depois de eu salvar a sua vida você não consegue nem olhar pra minha cara?

Foi a primeira vez que senti seu olhar sobre mim, e ele me fulminava, ela se levantou em um pulo e veio até mim, tinha seu dedo estendido na minha cara, naquela postura irritadiça e acusatório.

—Salvar minha vida? Como sabe que aquelas coisas não estavam atrás de você?!

Eu já tinha lutado contra androides, contra alienígenas com o dobro do meu tamanho, contra criaturas com o triplo da minha força, eu já tinha sentido a doença da kriptonita poluindo minhas veias, infectando minha saúde, me correndo por dentro em tamanha agonia que eu cheguei a ansiar pela morta para ver se a dor passava ou mesmo só diminuía. Mas em nenhuma dessas lutas, em nenhuma dessas ameaças a minha vida eu me senti tão machucada como naquele momento, com a acusação que Lena estava fazendo.

—Você acha isso mesmo? Acha mesmo que eu te colocaria em perigo? E se fosse, você realmente acredita que eu não preferiria que algo acontecesse comigo do que com você? – Eu disse atônica.

Ela percebeu meu estado e até parou por um instante, mas, depois de ponderar alguns segundos, resolveu não ceder.

—A única coisa que eu não acho, tenho certeza, é que você mentiu pra mim. Sua amiga Supergirl que me vê com o Bruce, que vai buscar sorvete na Itália, que me carrega nos braços e salva minha vida sempre. – Era uma confusão muito densa que tumultuava seu tom, sem me dar vestígios do que ela queria dizer com isso. – Você mentiu pra mim tantas vezes, de maneiras tão variadas, com coisas sérias e outras tããoo bobas.

Lá estava outra acusação.

Eu exalei impaciente, peguei os óculos com tanta força que entortei a armação no gesto, sacudi no chão de tal maneira que desceu como um projétil quebrando o asfalto do estacionamento, trincando o chão, uma pequena nuvem de poeira se dissipou no vento perto da erupção na terra. Ela encarou com os olhos arregalados, havia um vislumbre de medo no brilho de seu fitar silencioso.

—Lena, é a porra de um par de óculos, só você não quis ver. – Eu disse exaltada.

Aquele medo que espreitava seus olhos tinha tomado conta da sua face... Era só o que me faltava, ela estava com medo de mim?

Lena sacudiu a cabeça.

—Eu via muitas coisas em você, Kara, coisas mais nobres e imponentes do que uma capa e olhos fogos, eu talvez não visse em você a Supergirl mas eu também jamais vi em você uma mentirosa... – Ela eu deu ombros. –E eu estava completamente errada não é mesmo? Você se sai muito bem nesses dois papéis.

Eu engoli a seco sentindo minha garganta rasgar por dentro com esse gesto, era como se tivesse descido por ela várias bolas de arame farpado dilacerando minhas entranhas, fazendo arder todo o meu interior em agonia.

Eu estreitei meus olhos, respirando fundo, tentando recuperar a compostura que eu havia perdido totalmente naquele meio tempo.

O que mais me preocupava naquela conversa era sua indiferença. Lena parecia bastante conformada com o fim de algo, e havia uma real chance desse algo ser o nosso prematuro nós.

—Você me odeia Lena?

Aquela parecia a pergunta das nossas vidas, eu nem conseguia me lembrar de quantas vezes já havia lhe perguntado isso antes, principalmente quando eu chegava atrasada nos nossos compromissos.

Quando ela voltou a retribuir meu olhar não esperava que sua expressão vaga desse lugar a incredulidade tão genuína, mas ela não veio sozinha, estava revestida de uma indignação crescente, intensamente explosiva.

—Você acha mesmo que depois de tudo que passamos, depois de tudo que eu fiz, há espaço dentro de mim pra te odiar? – Não foi uma pergunta retórica. Eu percebi minha escolha infeliz de palavras naquele contexto, ela estava tão perdida dentro de si que não se tocou na referência.

—Lena, eu não quis... – Ela me interrompeu antes que eu pudesse terminar.

—Eu sei bem que você não confia em mim, mas... – Não continuou a falar, em seu rosto brotou-se um sorriso amargo. – Pois é, Kara, eu não percebi que você é a Supergirl, mas você nem sequer tentou perceber como eu gostava de você.

Gostava, no passado. Cada palavra de Lena me atingia arranhando minha alma.

—Você está dizendo várias coisas que vai se arrepender amanhã.

—Do que exatamente eu vou me arrepender? De dizer o quanto eu estou machucada por você não confiar em mim? De admitir de uma vez por todas como eu me sinto em relação a você? Eu não sei de mais nada Kara, eu olho pra você e não sei quem você é ou porque você estava comigo, e eu só consigo achar que você quis me manter por perto esse tempo todo para me vigiar, para ter certeza eu estava andando na linha.

Novamente um daqueles socos no meu estômago que me tiram o ar e me deixam completamente sem reação.

—Você acha mesmo que eu passei todas aquelas noites com você pra te vigiar? Que eu deixei você me arrastar para o meio do nada só pra manter essas fabulosa atuação? Você está delirando, está bêbada e paranoica e não consegue pensar claramente agora, então Lena, você vai ter sim o que se arrepender amanhã quando perceber o quão grave são as coisas que você está em acusado.

Ela tomou uma profunda lufada de ar nos pulmões.

—Certo, Kara, diga e ache qualquer coisa que te ajude a dormir bem a noite, agora, só vá embora.

Sua imponência murchou, ela deu de costas e voltou a se sentar no chão próxima aos saltos. Eu observei aquela Lena amarga que eu não conhecia, aquela Lena que disse coisas sabendo que me machucaria mesmo sem ter convicção, só para me fazer sofrer junto com ela.

—Se eu for talvez eu não volte. – Blefei sabendo que minha voz estava falhando.

—Bom, não sou eu que vou pedir pra você ficar

Me perguntei por alguns instantes se aquela era a pessoa que eu gostava e a resposta me causou pânico. Encarei sua indiferença, seu asco para comigo. E eu percebi que não queria estar ali, eu não queria apanhar mais de seu ego ferido, eu não queria ver tudo o que eu sentia por ela ser deteriorado naquela noite. Eu não conseguia mais estar ali. Virei de costas e fiz exatamente o que eu não queria, saí de lá voando alto, deixando-a sozinha na penumbra, no meio daquele estacionamento gigantesco e deserto logo depois de um atentado contra sua vida. Eu atribui ao meu cansaço, aos resquícios de álcool em seu sistema e as emoções barganhadas com a adrenalina daquela noite, todas as palavras ácidas trocadas.

Deixei para trás uma Lena fria que choraria no meio da noite assustada com o que aconteceu, e fui me encontrar com uma Kara chateada por tudo que foi dito, que também choraria naquela madrugada com medo de descobrir que seu coração poderia estar partido.

If I showed you my flaws

If I couldn't be strong

Tell me honestly

Would you still love me the same?


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Notas finais do capítulo

Locked Away do Travis Atreo