Casos e Acasos de uma Lúcia escrita por RP C


Capítulo 3
PARTE I - Meu Segundo Amor - Melhores Amigos


Notas iniciais do capítulo

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Partindo do princípio em que todo mundo conhece alguém no mundo, pode-se considerar a amizade como algo comum. Você conhece alguém, mantém contato, socializa. Vocês tiram fotos, postam nas redes sociais, saem juntos. Vocês se divertem. Isso é visto com amizade. Quando você está em seus dias de glória, seus amigos estarão lá com você, fazendo parte desse momento.

E aquele era um desses momentos. O filme? Maravilhoso. Como eu estava acompanhada de Krause e Hannah, o programa fora melhor ainda. Éramos três amigos que nunca se desgrudavam. Nada poderia nos separar. Eles eram os únicos amigos que eu tive a felicidade de ter. e tudo aquilo era bem diferente de tudo o que eu já havia passado. Era diferente do Ensino Médio, onde aquelas pessoas apenas me suportavam. E mais diferente ainda das pessoas do Ensino Fundamental, que não tentaram me conhecer e apenas me depreciavam. O bullying que sofri, no entanto, não fora suficiente para derrubar toda a minha autoestima. Apesar do que vivia na escola, era cercada de amor vivo de todos os meus familiares. E por causa desse amor, estava ali, firme e forte vivendo a minha vida, descobrindo sentimentos que achei que fossem desnecessários pra mim. A amizade que existia entre nós, apesar de recente, era real, forte e duradouro. Eu acreditava nisso e continuaria a acreditar.

E naquele momento descontraído, Hanna nos levava até em casa, apesar de ser tão contramão, lembrando que ela morava para o mesmo lado que eu e Krause morava do lado contrário. Mas não era problema.

Enquanto conversávamos, meu celular começava a tocar.

— É o Tiago. Ele não para de mandar mensagem. Acho que ele não consegue viver, no mínimo, sem ouvir a minha voz... — Disse, com um tom de voz extremamente irônico. — Será que devo trocar de número?

Krause sorria como nunca no banco de trás, jogando em seu celular, enquanto, novamente, meu celular tocava a Marcha Fúnebre. Era o toque de Tiago.

— Preciso atender.

— Sim, e aproveita logo essa ligação para terminar todo esse seu relacionamento ridículo – esbravejou Hannah, no mesmo instante em que Krause pegava o celular de minha mão, colocando o mesmo no viva-voz.

Luci? — Escutei a voz de Tiago do outro lado da linha. — Alô?

Hannah segurava uma risada enquanto Krause simulava um vômito. Com toda a cena junta, não consegui segurar uma risadinha, assim com minha amiga, que ainda se segurava para não fazer tanto barulho.

Você está aí? Escutei uma risada — ele continuava a falar.

— Estou aqui. Estava rindo de algo que li — menti.

— E o que era?

Tiago tentava me controlar. Saber todos os meus passos, o que eu fazia. Mas eu nunca dei abertura para ele. Sinto que, pelo fato de eu ter aceitado namorá-lo, após tamanha insistência de sua parte, o fiz acreditar que ele talvez pudesse tomar controle de todo o nosso relacionamento.

— Não é da sua conta. Precisa saber de tudo o que eu faço?

Eu sei que sou, em certos momentos, lerda, desajeitada, e aparentemente fácil.

— Claro que sim. Você é minha namorada. Tenho que saber aonde vai, com...

Acontece que eu não sou nada fácil. Muito menos alguém que pode ser controlada.

— Preste atenção no que você fala. Sou sua namorada, não seu animal de estimação — e desliguei, além de retirar a bateria.

Tiago havia se declarado um pouco depois do início do primeiro período. Ele havia contratado uma banda, comprado vários balões, pendurado inúmeros cartazes no pátio da universidade. Algumas garotas gritavam, outras sorriam, talvez alguma delas até sentissem inveja. Eu daria tudo para trocar de lugar com qualquer uma delas. Aquele fora o momento mais constrangedor em toda a minha vida. Odiava esse tipo de confissão exagerada.

­

Com tanta preguiça misturada, segui direto para o meu quarto, me jogando na cama do jeito que estava. Sentia o vento gelado do ar condicionado batendo nos meus pés enquanto meu celular ligava novamente. Dez minutos depois, quando finalmente criei coragem para seguir até o banheiro, recebi uma notificação.

Sem dar muita importância, apenas o deixei no lugar que estava e segui direto para o banheiro.

Naquela noite, tive um sonho. Foi silencioso, calmo e simples. Lembro-me de estar sentado e um grande campo verde e, ao longe, o sol se punha. Aquele final de tarde era o mais bonito de toda a sua vida, o céu estava cor-de-rosa, as nuvens enfeitavam o céu e, bem longe, nas colinas, eu o via. Correndo em minha direção. Ele estava sorrindo, chamando meu nome, mesmo sem emitir qualquer som. Mas ele nunca chegava. Sempre parava no meio do caminho, tendo que retornar alguns passos. O que sempre o mantinha longe, mas eu continuava firme em meu lugar, sem levantar ou tirar os olhos, apenas esperando pacientemente.

Acordei cedo na quinta-feira, fazendo o café e me sentando na grama no quintal, em frente a porta de vidro que levava ao meu quarto. O vento ainda estava frio e os pássaros cantavam. Já estávamos entrando no mês de dezembro, fazendo quase um mês desde que comecei a perseguir Rafael.

E todos os dias, ele cumpria sua parte do trato. Tomávamos sorvete, íamos todos os dias juntos para a universidade, às vezes voltávamos juntos também. Conversávamos, riamos, compartilhávamos músicas e descobríamos bandas novas. Ele me contava coisas sobre seu curso e eu falava coisas de Bruno Munari* e sua metodologia. E quando ele falava, percebia o quando ele amava tudo aquilo, o quanto ele amava estudar todas aquelas leis, todos aqueles casos e que aquele definitivamente era o mundo dele.

— Quer ir ao cinema na próxima quinta-feira?

Ele soltou de repente, enquanto comíamos um sanduíche. Pareceu que ele pensou muito em tudo aquilo. Pareceu que ele hesitou ao continuar o convite, senti que, por um breve momento, ele se arrependeu de ter perguntado.

— Você quer ou não? – Ele chamou minha atenção, pois eu fiquei sem entender o convite.

— Tem certeza? – Quis confirmar.

— Tenho.

— Você vai me iludir? Me chamar pra sair e depois dizer que não quer nada? – Mais uma vez eu dei um passo maior do que eu poderia dar. Era comum eu falar coisas sem pensar nas consequências que aquilo poderia trazer. E eu tentei, realmente tentei não me importar com as palavras que ele soltou a seguir.

— Eu não estou te iludindo. Vamos sair como amigos, não é um encontro ou algo do tipo, porque eu avisei desde o início eu disse que eu não poderia te dar nada além da minha amizade.

Ele não foi cruel, de fato. Desde sempre ele me lembrava que era só e apenas só amizade. Então eu não deveria ficar chateada ou algo do tipo. Então eu apenas disse sim. No momento, pensei que ficar um tempo com ele fora da universidade seria divertido. Sair, comer pipoca, ver um filme. Fazer o que amigos fazem.

Mas naquela manhã, quando levantei, entrei ‘levemente’ em pânico. Sentar naquela grama, naquele tempo, geralmente fazia com que eu acalmasse meus pensamentos, mas não naquela hora. Como era estupido essa coisa de amor. Eu não entendia as regras, não fazia o que tinha que fazer e não tinha ideia de como fazer as coisas e o que deveria fazer, então fazia apenas o que sabia. Agia sem pensar.

— Oi, oi, oi, alguém em casa.

Letícia, a filha da nossa secretária, adentrava meu quarto. Seus cabelos ruivos eram curtos, assim como sua franja. Ela havia vindo de outro estado para morar com mãe. Fazia apenas alguns meses, mas já havíamos nos aproximado muito. Ela era uma ótima ouvinte, apesar de seus conselhos serem realmente contestados. Contei a ela sobre meu novo amor. Sobre como eu me apaixonei e sobre o quanto ele não me dava bola.

— Por que você está saindo com alguém desse jeito? Não sei se sabe, mas tem namorado. Tenha um pouco de dignidade — sua sinceridade era mais uma de suas marcantes características. ­— Termine com Tiago e vá atrás desse cara. Não comete a mesma burrice que cometeu na oitava série.

— Ei, seja menos rude.

— Só estou falando a verdade. Você é linda. Maravilhosa, inteligente. Rica. Tem um futuro brilhante pela frente. Está desperdiçando seu tempo com um cara que é possessivo. Abre os olhos, garota. Principalmente agora que tem esse Rafael — ela apenas falava a verdade nua e crua, mesmo que fosse muito mais cruel que a mentira, ela sempre tinha razão. Ela olhava o mundo com outros olhos, diferente de mim que vivia em um conto de fadas. — Mesmo sendo apenas um amigo, ele, apesar dos inúmeros cortes, pode começar a se apaixonar por você.

Pensando nas coisas que Letícia havia me falado, pensei em como eu deveria levar tudo aquilo para frente. Apesar de não gostar de Tiago, ele gostava bastante de mim. Queria dar um fim naquele relacionamento, mas eu tinha bom censo. Pelo menos, achava que sim. Sentia que o certo a fazer era esperar ele voltar para que assim pudesse dar um fim em tudo. Além do mais, queria focar em apenas demonstrar a Rafael que o que eu sentia era verdadeiro.

— Ah, certo. Seu celular estava vibrando sem parar na cozinha.

As chamadas eram todas de Tiago.

O relógio já marcava sete e meia da manhã e minha avó já se encontrava na cozinha. Assim que peguei o celular, ele começou a tocar novamente.

­— Por que não atendeu antes? Sabe quantas vezes te liguei?

Sequer ouvi um “Bom dia”. De repente, me lembrei das palavras que havia dito à Letícia minutos antes. Eu não queria mais sentir pena dele. Eu realmente não acreditava que ele era possessivo, mas Tiago realmente me tratava mal em várias ocasiões, completamente diferente do cara que conheci antes dele viajar para bem longe.

­— Tiago — comecei.

— O quê? — Ele foi rude mais uma vez.

— Se você for rude mais uma vez comigo, pode parar de me ligar. E aproveitar pra ficar em Roma e nunca mais voltar. Você entendeu?

Por que fiz aquilo? Eu nunca entenderei. Era, mais uma vez uma das coisas que eu fazia sem pensar. Após desligar o celular, sentei à mesa com certa indignação em meu olhar, sentir minha voz perceber isso. Vi o celular vibrando novamente e já estava me preparando para desligar o aparelho quando olhou o identificador de chamadas.

Não era Tiago.

— Rafael... Oi.

Congelei completamente quando escutei a voz dele. Lembro que minhas pernas estavam bambas e minha avó me olhava com curiosidade. Corri para o meu quarto no fim do corredor e me joguei em minha cama.

Ele gaguejava no celular e eu não pude ter certeza sobre o que exatamente ele queria. Seria para cancelar nosso encontro? Apesar de não ser um encontro...

— O que você vai fazer mais tarde? Entre onze e duas da tarde?

— Nada — apressei-me em responder. Por um momento, senti um fio de arrependimento percorrendo meus pensamentos por ter respondido com tamanha rapidez. Mas, do mesmo jeito que o sentimento veio rápido, tão depressa ele desapareceu. — Eu preciso ir em algum lugar antes, mas provavelmente estarei livre esse horário.

— Ótimo. Me encontra na lanchonete do Monumental às 11.

— Hm...

— Tchau.

Ele desligou sem que eu pudesse me despedir corretamente. Continuei deitada em minha cama, me permitindo imaginar sobre o quanto as coisas mudaram rápido naquelas últimas três semanas. E que o primeiro progresso real fora quando ele me chamou para ir ao cinema. E depois para uma lanchonete bem longe da minha casa, sem que ele me falasse exatamente o que queria. Pensei também que eu poderia fazer um convite. Então liguei novamente para ele.

Quando ele atendeu no terceiro toque, imaginei se o coração dele pulou de surpresa, felicidade ou arrependimento por ter me ligado segundos antes.

— Oi, Lúcia. O que foi?

— Escuta, tenho algo pra fazer hoje às dez horas, na Cohama. Você... Não quer ir comigo? Você aproveita e me diz o que quer... Sei lá, é que eu vou fazer uma coisa e talvez você goste, não sei...

— Você está nervosa? Está gaguejando tanto — Ele parecia estar se divertindo com o meu nervosismo. Eu não tinha o costume de conversar por celular, em uma chamada de voz. Sentia-me estranha e aquela com certeza era uma chamada relativamente longa, juntado com o fato dele ter ligado pra mim antes. — Tudo bem, aonde vamos?

— Então você vai? — Ele resmungou um “eu vou, então fala aonde nós iremos”.  Eu vou ver uma cliente da empresa onde eu trabalho. Eu fiz uns desenhos de alguns cômodos da casa dela e ela queria que eu apresentasse cada um deles... Pessoalmente. Enfim. Posso te buscar de carro.

— Por mim está ótimo.


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