Casos e Acasos de uma Lúcia escrita por RP C


Capítulo 4
PARTE I - Meu Segundo Amor - Segredo Secreto




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— Você disse que iriamos encontrar uma cliente do escritório onde trabalha — Rafael iniciou a conversa, já que o único barulho dentro do carro era a música que tocava.

— Sim, eu conheci uma mulher há dois meses e ela me ofereceu um estágio. Essa é a primeira cliente que pede um desenho meu, então eu estou bem empolgada. E muito nervosa — completei.

Rafael não morava longe de minha casa. Eu não ousei tocar a campainha. Admito que eu fiquei com medo, então apenas liguei em seu celular novamente. Quando ele apareceu na porta, meu coração já estava acelerado. Mas quando entrou no carro, percebi que estava mordendo os lábios de tanto nervosa. Ele estava em meu carro — bem, era o carro da minha avó — e praticamente passaríamos o dia juntos. Precisava me acalmar.

— Onde estão os desenhos? — Ele olhava para mim, eu havia percebido.

— Estão no notebook no banco de trás...

— Não — ele me cortou enquanto parava no sinal vermelho. Pude então olhar diretamente para seus olhos, sem entender. — Você não tem desenhos feitos a mão?

Fui pega de surpresa. Tiago jamais havia pedido para ver meus desenhos. Não que fossem bons, mas porque ele dizia que o que eu fazia, essa paixão que eu tinha pelo Design e pelo Interiores, era algo que não deveria passar de um sonho distante, e no máximo um hobby para fins de semana alternados.

— Estão dentro da pasta branca.

O que veio a seguir com certeza fora ainda mais inesperado. Ele retirou o cinto de segurança e passou para o banco de trás. Pude acompanhar o que ele fazia pelo espelho retrovisor, e fui ficando envergonhada a medida que ele abria a pasta branca e passava o olho em cima as minhas criações. Ele não apenas olhava por olhar, mas analisava, quase como se estudasse a composição como um todo e suas partes.

— Isso aqui é incrível. Onde aprendeu a desenhar?

Eu não pude resistir a um sorriso que queria se formar.

— Bem, tudo o que eu preciso ter é uma noção de ângulos, sombras, cores...  É tudo muito técnico.

— Você só pode estar de brincadeira... Eu não sei desenhar nem um único olho... — ele sorriu, sem tirar os olhos dos meus desenhos.

Ele elogiava cada folha que olhava, e observava com tamanha admiração. E eu não conseguia parar de olhá-lo. O sinal estava vermelho e eu aproveitava para captar cada uma de suas expressões e guarda-las em minha mente. Ele era tão lindo! Como isso poderia ser possível?

Meu celular começava a tocar, logo tive que desviar meu olhar. O coloquei no viva-voz e me preparei para o sinal, que já estava verde.

—  O que você quer? — Aquele era um momento em que eu realmente não desejava falar com Tiago. Não queria ter que lidar com ele. Mas a cruel verdade era que eu não estava com vontade de escutar sua voz, que estava se tornando, aos poucos, maçante de ouvir.

Rafael havia se aproximado após ouvir o tom da minha voz. Pude sentir sua respiração quente em meu ouvido.

— Abre logo a boca porque eu estou dirigindo.

— Que educada você —Rafael sussurrou em meu ouvido, o que fez um calafrio correr em minha espinha novamente. Era uma sensação gostosa, mesmo naquele momento.

— Desculpa por hoje mais cedo — a voz de Tiago percorreu o carro.

— Você pediu desculpas por hoje de manhã. E todas as vezes que me tratou como seu bichinho de estimação? Tchau.

— Quem era?

Havíamos chegado em nosso destino. Percebi, depois da pergunta de Rafael, que eu nunca havia mencionado o fato de que eu estava em um relacionamento. Antes de sair do caro, respondi sua pergunta:

 — Tiago, meu namorado — respondi sem qualquer hesitação.

Abri a porta do carro a fim e pegar minha pasta e todas as coisas necessárias. Rafael me olhava de um modo confuso e esbanjava um sorriso que era difícil decifrar. Contudo, ele parecia estar se divertindo.

— Você tem um namorado e fica dando em cima de mim?

— Bem... É. Simples assim.

— Simples assim? Que tipo de namorada você é? — Ele sorria enquanto saia do carro, pegando a pasta e a bolsa do notebook das minhas mãos. — Por que está com ele?

— Ele fez uma declaração odiosa na faculdade há um tempo. Aceitei namorar com ele pra que ele pudesse me deixar em paz.

— Espera um pouco — ele segurou em meu braço. Naquele dia, ele estava estranhamente perto demais. Será que ele não percebia o quanto meu corpo tremia com toda aquela aproximação? — Você é a garota da declaração?

— O quê?! Você viu?

— Se eu vi? O Ceuma inteiro viu! As garotas da minha sala falaram sobre aquilo por dias.

Naquele momento, não soube onde poderia enfiar toda a minha vergonha. Apenas continue caminhando enquanto ele ainda falava sobre o tal acontecido. Ele era o único que conseguia me deixar envergonhada, mas, estranhamente, de um jeito bom, não de um jeito constrangedor. Enquanto ele falava sobre como Tiago deveria ser, um pensamento passou por mim. Eu havia dito ao Rafael que havia aceitado o pedido de Tiago para que ele me deixasse em paz.

— Eu estou perseguindo você?

Rafael parou de rir de repente. Olhou desconfiado para meus olhos, em entender a pergunta.  A verdade por trás daquela pergunta era que, naquele único e rápido segundo, me perguntei se eu não estava agindo exatamente como Rafael. Pela primeira vez, preocupei-me com as consequências de tudo aquilo, já tarde demais.

— Thiago me perseguiu até que eu me cansasse e finalmente aceitasse o pedido. Agora eu me odeio. E odeio ele também. Eu estou perseguindo você?

Seus olhos negros me encararam, estavam convictos da resposta que viria s seguir. E qualquer resposta que fosse, estaria preparada para ela.

— Eu nunca tive uma stalker antes — ele sorriu. E eu queria muito sorrir com ele, mas tudo o que saiu for um sorriso medroso. Rafael estaria brincando comigo ou não?

Ele percebeu que minha mente travava uma batalha, já que minha expressão não escondia nada. Era uma terrível mentirosa.

— Você não está me forçando a nada. Ru vim simplesmente porque eu quis. Além disso, eu gosto de passar um tempo com você.

Sabe aquela sensação gostosa de quando você come o primeiro pedaço daquela torta de chocolate que você passou a tarde fazendo, de um jeito caprichado, para que saísse perfeita? Bem, aquele segundo de felicidade exalando pelo meu corpo foi muito melhor.

A próxima coisa a fazer era ir ao Monumental, edifício que ficava perto da universidade. Tomávamos um suco ao esperar o elevador. Era notável a inquietação de Rafael, além de poder perceber um tique interessante. Ele mordia o lábio superior e piscava o olho esquerdo sem parar. Ele também batia os dedos da mão direita na perna. Estava nervoso.

— Você está bem? — Perguntei, mas não tive certeza se ele estava realmente escutando. — Onde vamos? Já estamos quase lá.

Quando o elevador se abriu, saímos em direção ao corredor. Rafael andava desconfiado. Quanto mais nos aproximávamos do nosso destino misterioso, mas eu conseguia juntar todas as peças. E no motivo de tanto nervosismo finalmente havia se revelado no momento em que paramos em frente a porta da sala. Fora impossível segurar uma longa e segura gargalhada.

— Você tem medo de dentista? Mas que fofo!

Abrindo a porta, entrei no local o puxando pelo braço. Sabia que ele demoraria muito mais do que o necessário para entrar caso não o tivesse feito. Rafael se sentou ao meu lado, nossos ombros estavam se tocando. Durante o pequeno período que permanecemos daquele jeito, não pude deixar de admitir a mim mesma que, durante toda a minha a vida, aquele instante fora provavelmente o instante que eu mais me sentir feliz na presença de alguém que eu gostava.

Há alguns anos, jamais imaginaria que pudesse me apaixonar novamente. Eu também costumava pensar que, caso acontecesse de novo e esse sentimento tomasse conta dos meus pensamentos e consequentemente das minhas ações, seria por alguém como Pedro. Seria por alguém que não se daria o trabalho de tentar me conhecer. E tudo era então tudo diferente do que eu havia imaginado.

Rafael havia dito que gostava de passar um tempo comigo.

— Você está bem?

— Sim, eu estou... Aliviado. Depois que eu saio de lá, o medo passa e a fome aparece — Rafael sorria, passando o braço pelo meu pescoço. — Vamos comer, hoje eu pago seu almoço.

Sem qualquer demora, fomos direto para a universidade. As aulas daquele dia seriam rápidas, pois os alunos de Arquitetura estariam apresentando projetos e os outros cursos foram liberados uma hora mais cedo. Krause estava muito ocupado, sem tempo nem mesmo para correr ao bebedouro.

Hanna havia comprado uma torta de chocolate, — nossa preferida — especialmente para Krause, já que ele também não havia almoçado. Quando ele finalmente conseguiu um curto tempo para descansar antes de voltar, consegui perceber o tamanho da sua satisfação.

Quando o conheci, ele havia acabado de trancar seu curso de Direito. Um dia, quando se sentiu confortável o suficiente, contou-me sobre o que o levou a abandonar o antigo curso. Seu pai o pressionou por toda a sua vida para que seguisse a mesma carreira que ele e seus avós.

Havia aceitado toa a pressão de sua família porque sua vida com a agarota de seus sonhos estava prestes a começar.  Ambos estavam de casamento marcado quando a jovem faleceu em um acidente. Após muito tempo relembrando o último pedido dela, ele finalmente resolveu seguir o que ela queria desde o início: que ele finalmente fizesse o que queria fazer. Meio semestre depois, cancelou seu curso e se matriculou em Arquitetura. Tenho certeza de que sua noiva ficaria orgulhosa, principalmente se ela pudesse olhar o brilho de felicidade que era perceptível nos olhos de Felipe Krause, mesmo tão cansado.

— Melhor torta do mundo — ele disse de boca cheia. Não era a melhor torta do mundo, mas com certeza era realmente saborosa. — O que minhas mulheres vão fazer mais tarde?

— Eu não vou fazer absolutamente nada, mas a Lúcia...— Hanna me olhou como se eu fosse fazer algo... Adulto.

— Para onde você vai?

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— Ela vai ter um encontro!

— Não é um encontro!

— E com um acadêmico de Direto!

— Hanna!

— Hum, que bom partido você arranjou, hein? — Krause chegou mais perto, já tão eufórico quanto Hanna. Ele ainda não sabia sobre minha nova paixão, mas graças a Hanna, estava prestes a saber. — Diga o nome dele, talvez eu o conheça. Posso falar bem de você.

Krause não sabia sobre minha nova paixão, mas realmente não havia motivos para não contar. Ele poderia até mesmo ter razão: poderia mesmo conhecer Rafael. Ou talvez não. Mas qualquer que fosse o caminho, não faria tamanha diferença, já que realmente estávamos nos aproximando naqueles últimos dias. E não era coisa da minha cabeça.

Meu telefone tocava enquanto conversávamos. Rafael avisava que estava no estacionamento à minha espera. Era minha deixa.

— Era ele? — Krause indagou de boca cheia. Eu não pude deixar de transparecer minha felicidade. Era impossível e eles percebiam isso. — Não vai me dizer o nome dele?

— Rafael Azevedo. Até amanhã.

Quando me despedi e virei as costas, não pude perceber a expressão que o nome de Rafael deixara no rosto do meu melhor amigo e mais tarde passaria por momentos angustiantes por causa disso.

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Rafael me aguardava sentado em um banco perto da fonte do estacionamento. Estava com seu Vade Mecum e mais alguns livros pesados no braço.

— Tem certeza que vai ter paciência pra me explicar algum assunto de algum desses livros?

— Foi um trato. Uma aula de Design por uma aula de Direito.

— Existe um motivo para eu não ter feito Direito.

Preguicitis Agudis? —  Ele brincou enquanto caminhávamos para o carro, que não estava longe dali.

— Sono Regulado.

— O que?

— Seus livros de Direito me farão dormir mais e deixaram meu sono desregulado.

— Vou tomar isso como ofensivo.

No entanto, ele sorriu. No caminho para o cinema, que não durava mais do que dez minutos, ele contou sobre seus gostos para filmes. Contou sobre seu vício em filmes românticos. Era a primeira vez que encontrava um cara que preferia romances a filmes com sangue e tiros, o que me cativou ainda mais. Quando o vi pela primeira vez, não tive certeza sobre a resposta por trás daquela famosa pergunta.

Por que eu gostava tanto dele?

Mas foi no decorrer da nossa convivência que pude encontrar pequenas coisas que poderiam responder a essa pergunta.

— Filmes de romance também são meus favoritos.

Não fora difícil escolher o filme. Haviam dois romances em cartaz e um deles já havíamos visto em ocasiões diferentes. A escolha era mais do que óbvia.

— Por que gosta tanto de filmes românticos?

 — Não sei. Gosto de me imaginar em uma situação onde o amor que sinto por alguém é mais forte do que qualquer coisa. Depois da tempestade, um arco-íris pode aparecer. 

Depois, fora impossível eu não me perguntar se eu sobreviveria a um romance onde tudo e todos tentam me separar de quem eu amava. Não sabia se conseguiria manter um amor tão desgastante assim. No fim, não pude responder a esta dúvida e apenas a deixei de lado.

Após o fim do filme, quando os créditos já subiam na tela, Rafael não se levantou. Esperou até a última pessoa sair da sala para que falasse alguma coisa. E no fim, suas palavras saíram como um sussurro:

— Você é a única pessoa no mundo que sabe que eu tenho medo de dentistas.

  


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