Casos e Acasos de uma Lúcia escrita por RP C


Capítulo 2
PARTE I - Meu Segundo Amor - Sorvete de Chocolate


Notas iniciais do capítulo

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Todos os dias, eu seguia exatamente a mesma rotina, fazia as mesmas coisas. Era a única rotina que eu me prontificava a cumprir, não me permitindo qualquer tipo de mudança. Sem pestanejar, acordava sempre no mesmo horário. Comprava pão, fazia café, suco, separa os bolos, cortava frutas, preparava ovos... Minha mesa do café da manhã era extremamente variada.

Tudo para que minha família pudesse ter uma boa refeição juntos. O café da manhã era a única refeição em eu todos compareciam. Geralmente, minha avó costumava almoçar sozinha com meu pai.

Apesar da minha relutância em mudar minha rotina matinal, naquele dia, ela mudou completamente. Tudo foi diferente.

Começando pelo horário que acordei. Quando me dei conta, o relógio marcava 9:47 da manhã. Tomara meu café antes do me banho costumeiro.

— Hoje eu vou preparar o almoço — avisei minha avó, esbanjando um sorriso enquanto dava uma mordida em meu sanduíche.

— Desde quando você almoça em casa? — Vovó estranhou meu aviso, visto que era a primeira vez que eu almoçaria em casa sem nenhuma razão específica.

— Apenas desde o aniversário do vovô...

O motivo era claro: poder pegar o ônibus com ele novamente. Eu já tinha noção do horário em que ele estaria lá. Estudávamos no mesmo horário, na mesma faculdade. Tudo o que me restava era poder me aproximar dele e provar que o que eu sentia era o sentimento mais verdadeiro que ele poderia conhecer.

— Por que minha filha está tão bonita?

O senhor meu pai, Otávio, adentrara meu quanto enquanto me arrumava para poder sair. Meu pai sempre fora um homem muito simples. Ter muito dinheiro nunca esteve em seus planos. Nunca fora algo importante, e nunca esteve em sua lista de coisas que precisava conquistar na vida. Quando encontrou Ana Maria, minha mãe, no cinema da cidade em uma terça-feira qualquer do ano de 1995, ele soube que ela seria a única coisa que precisaria se esforçar ao máximo para conquistar. Meu avô jamais imaginou que ele pudesse estar com ela apenas por causa de dinheiro. E sempre esteve certo.

O amor sempre falou mais alto, principalmente quando em meados de novembro do mesmo ano, Ana Maria descobriu que estava grávida de mim. Ela tinha 16 anos e Otávio tinha acabado de completar 17 anos. Apesar da gravidez precoce, não houve muito alarde. Meus avós conceberam minha mãe quando ainda estavam na adolescência. Felizmente, eu sempre tive mais juízo do que todos eles juntos.

— Eu achei que o senhor já estava indo encontrar a mamãe.

— Ela ligou dizendo que ficaria presa no trabalho mais um pouco... Sairemos mais tarde.

— Tem certeza de que ela não vai cancelar?

— Claro que sim! Eu vou busca-la no trabalho mais tarde.

Um pintor muito talentoso, meu pai nunca foi conhecido por nenhuma de suas belas obras. E como não tem qualquer remuneração em cima das pinturas que faz, transformou todo o seu talento em um hobby, e para poder ganhar seu próprio dinheiro, mantém um restaurante perto da minha faculdade. Ele não cozinha bem, mas administra como ninguém.

— Espero que vocês tenham um ótimo encontro.

Vendo meus pais felizes um com os outros, meu desejo na vida era poder levar uma vida simples e ao lado de quem eu possa amar de uma maneira simples. Mas como eu disse, amor não é algo tão simples.

Naquela tarde, ele estava subindo os degraus do ônibus enquanto eu corria pelo terminal para alcança-lo. E eu consegui. Rafael, por mais que possa parecer rude a primeira vista, tinha um lado doce, gentil e preocupado e eu pude perceber parte desses traços da sua personalidade na minha primeira conversa com ele. No ônibus, conversamos como se fossemos amigos há muito tempo. Apesar de ele ter se segurado um pouco, se permitiu rir comigo. Era o sorriso mais lindo do universo inteiro. Pelo menos do meu.

Lutar por aquele sorriso era a coisa mais louca que eu poderia fazer em toda a minha vida. E eu decidi vivenciar essa loucura. Era uma explosão de sentimentos que um dia eu senti por Pedro Gonçalves, meu primeiro amor.

— Rafael.

— O que foi?

Ele observava os prédios passando através da janela. Logo estaríamos chegando ao nosso destino final e eu não poderia perder aquele momento. Me joguei naquele sentimento de cabeça e não aceitaria perder para nada nem ninguém. Lutaria por aquele sorriso.

— Vamos sair – sorri da forma mais convincente que poderia. Quis ser corajosa, mas estava quase tento um infarto. Meu coração batia tão rápido que fiquei com medo que ele pudesse escutar.

— Não.

Era meu segundo fora em dois dias. Meu coração continuava batendo rápido, mas era de pura decepção. Eu não tinha onde enfiar minha cara de tanta vergonha, mas segui em frente, tentando apenas ser forte.

— Por que não? É só um cinema e um Subway, não tem nada demais nisso.

— Por que eu não quero – ele sorria, como se eu continuasse a contar piadas super engraçadas – Mas nós podemos pegar o ônibus juntos.

Mais três paradas e chegaríamos ao nosso destino. Decidida a não desistir, mostrar o que eu sentia era o mais importante:

— Você ainda acha que eu não gosto de você?

— Claro que sim. Você sentou ao meu lado uma vez, conversamos e você sentiu alguma conexão ou algo do tipo, mas... É tudo coisa – ele tocava minha testa coberta pela franja com o dedo, cutucando com força – da sua cabeça.

Ele levantou e pediu parada. Quis continuar no ônibus e ir embora com minha vergonha e jogar minha força de vontade no lixo, mas eu me proibi disso. Force-me a levantar da cadeira e segui-lo. Enquanto pensava comigo mesmo, pensei em utilizar de suas próprias palavras, ditas no dia anterior.

— Então, vamos fazer uma aposta.

— Do que você está falando agora? – Ele parou no meio do caminho.

— Você falou isso ontem.

Depois da minha simples e desajeitada confissão, ele proferira a seguinte frase:

Aposto que até o ano novo você já esqueceu essa história de gostar de mim. É coisa da sua cabeça.

— Você ainda está com isso na cabeça?

— Quem se importa? Apenas vamos fazer! Ou você está com medo de estar errado?

— Quem está com medo?

Ele continuou andando, estávamos passando em frente ao supermercado, quando ele se dirigiu ao quiosque onde vendiam sorvete. Seu pedido fora uma casquinha de chocolate. Após pagar e receber, seu próximo movimento fora oferece-lo para mim.

— Você é como uma menininha mimada. Se eu te der um sorvete, você para de chorar?

— Quero sorvete todos os dias. Você vai me dar todos os dias?

— Todos os sorvetes do mundo. Prometo de dar todos os sorvetes – ele segurou em meus ombros e respirou aliviado.

— Então nossa aposta está feita. Até o ano novo, eu vou te mostrar que todo o meu sentimento por você é verdadeiro. E você me deve sorvetes diários.

— O quê?!

Sua reação não poderia ter sido melhor.

— Se eu perder, te concedo um desejo. Mas se você perder, você me concede um desejo.

— Você...

— Eu não tenho nada a perder. E você também não. Tchau, tchau... Rafael.

Eu não soube como consegui coragem o suficiente para juntar todas aquelas palavras em uma frase. Aposta? Eu realmente havia me metido em uma aposta. E eu não tinha qualquer esperança em cima disso. Essa era a verdade. A minha vontade, o meu desejo naquele momento, era ter meu sentimento, no mínimo, reconhecido por ele, mesmo que não houvesse uma resposta se quer, e se tivesse, mesmo que um não fosse o resultado, poderia conviver em pais com isso.

Com o sorvete na mão, acelerei o passo, desejando que ele viesse atrás de mim, mas não foi caso. Caminhar através do estacionamento do shopping, atravessar a avenida, subir a rua e finalmente adentrar os portões da universidade... Todo o percurso pareceu durar uma eternidade, ainda mais pelo simples fato de que eu ainda esperasse que ele se juntasse a mim em algum momento. Momento este que não chegou. Meu coração estava celerado, minha mente ocupada com a situação.

Havia o conhecido no dia anterior e já estávamos metidos nessa situação, graças... Graças a mim.

Mais do que isso, percebi que, durante aqueles dois dias, ele era o dono dos meus pensamentos. Em 48 horas, não havia pensado em qualquer outra coisa a não ser ele...

Rafael.

            Naquele momento em que eu estava sozinha, resolvi organizar meus pensamentos.

            - Eu não posso apenas focar nisso.

Disse a mim mesmo enquanto atravessava na praça de alimentação e, apenas enquanto me aproximava da rampa foi que me dei conta de que alguém me chamava.

Alto, forte, de uma personalidade doce e gentil, seus pontos fortes me fizeram ver nele um amigo fiel e companheiro, como o irmão que nunca tive. Ele era domo de uma voz grossa e ao mesmo tempo acolhedora. Assim como seus olhos, que sempre me transmitiam um calor que me acalmava, e naquele momento, trouxe calmaria para meus pensamentos inquietos por causa do meu novo amor.

— Você anda bem distraída hoje...  Além disso... Não almoçou aqui hoje? Eu e Hannah estávamos te esperando.

Felipe Krause, estudante de arquitetura. Grande amigo, nos conhecemos durante as férias de fim de ano. Desde então, não paramos de nos falar mais.

— Eu almocei em casa... Eu comecei a fazer isso, bem, ontem. Meu pai e minha vó sempre almoçam sozinhos... Pensei em fazer companhia pra eles – sorri, mas na verdade, estava aliviado por tê-lo encontrado.

Krause sempre consegue levantar meu astral, sempre consegue fazer com que eu me sinta em paz comigo mesmo e naquele momento, precisava acalmar meus pensamentos. E apenas sua companhia poderia me causar tamanho conforto. Ele era como um melhor amigo para mim.

— Onde está Hannah?

— Ela foi até o Tropical comprar material, ela perdeu duas grafites.

— E porque você não acompanhou ela?

— Ela não quis minha companhia – ele sorriu, brincalhão. – Vamos, eu vou acompanhar você até a sala.

Esbanjando um sorriso sem mostrar os dentes, ele passou os braços pelo meu pescoço e pousou sua mão em meu ombro, me fazendo caminha em seu próprio ritmo. Krause, como era conhecido por todos e já foi estudante de Direito, era um Herdeiro.

Eu já havia visto seu rosto algumas vezes, mas foi apenas no começo daquele ano, pouco depois de conhecê-lo, que me dei conta de quem ele era. Ao todo, existiam cinco famílias que comandavam o império da Advocacia no Brasil, e uma delas era a família Krause. Somado a ela, havia a Companhia Albuquerque, Boaventura Seguradora, as Torres Boueres e por fim, mas não menos importante, Velásquez Advocacia.

Eu nunca o escutava falando sobre sua família. E nunca perguntava. Nunca passei por isso, e não poderia imaginar o quanto, não apenas a mídia, como as pessoas já o haviam perseguido ao longo se sua vida. E ele tinha apenas 22 anos.

— Você quer sair hoje? – Ele perguntou, de repente. De quando em quando, costumávamos sair nós três. Eu, Krause e Hannah.

— Pra onde iremos?

— Hannah disse que estreou um filme novo.

— Parece legal. Então vamos.

Com o primeiro horário reservado para a aula de Semiótica, tentei focar ao máximo na aula, mas de quando em quando, ainda me pegava pensando nos olhos negros de Rafael, que causavam aquele já conhecido arrepio na espinha.

Nem mesmo percebi quando Hannah arrastou sua cadeira para próximo de mim, enquanto o professor explicava o assunto. Apenas me dei conta na sua aproximação quando ela cochichou em meu ouvido.

— No que anda pensando? Você tá muito distraída hoje.

— Eu não ando distraída – mentira detectada -, só não estou falante.

— Que mentira deslavada.

Ela me olhou, desconfiada. Conheci Hannah há muito tempo, na época do meu ensino fundamental. Ela era aluna de outra sala, mas havia conhecido a minha história através das bocas mentirosas e maldosas que espalhavam boatos sobre mim. Diferente da maioria, ela nunca riu de mim, e se sentia compungida por não ter se aproximado de mim na época. Mas então, nos conhecemos na universidade. Ela era extremamente talentosa e tinha uma enorme facilidade com todos os programas necessários para a sua formação. Dedicada e muito inteligente, ela tinha um estilo indie. Enquanto eu andava com meus laços, ela exibia estampas de sorvete em seus casacos e saias pregueadas pretas, e suas inúmeras botas e oxfords diferentes. Apesar do estilo diferente, nosso gosto musical era praticamente igual, o que ajudou bastante na nossa aproximação.

Diferente de mim, ela é reservada e um pouco tímida, mas de uma beleza incrível. Costumava chamar atenção nos lugares e era sempre surpreendida com alguma cantada da internet, o que sempre a deixava envergonhada.

— Eu estou gostando de alguém.

— O Thiago fez alguma coisa que preste dessa vez pra finalmente gostar dele?

— Não, é outra pessoa.

Hanna, então, me olhou surpresa. Imaginei que, talvez, ela pudesse ter voltado ao fundamental em seus pensamentos, quando tive meu primeiro amor. Se ela pensou isso ou não, a poupei da dúvida.

— Faz muito tempo que eu não me sentia assim.

— Quando você conheceu ele?

E foi quando eu me abri pra ela. Contei quando o vi, contei sobre ônibus e tudo o que havia acontecido. Contei o que havia em meu coração, enquanto ela me escutava atentamente e jogava suas dúvidas na conversa de quando em quanto. Atenciosa, ela me perguntou se eu sentia medo dessa vez.

— Eu já me declarei pra ele...

Ela sorriu maldosa. Pediu para que eu os apresentasse, mas talvez eu não estivesse pronta ainda. Naquele momento, queria ele só para mim. Apresentar ele a meus amigos ainda não era necessário. Talvez depois. Tipo, quando eu vencer a aposta e ele parar de duvidar de meus sentimentos.

— Uma mensagem do Thiago – comentei com Hannah, quando a aula enfim terminou. – Por que você não me ligou ontem? E também ainda não me respondeu hoje.

— Apenas termine com ele. É um pé no saco. Aproveite que ele tá na Europa e de um pé na bunda nele.

Era uma ideia magnífica, que eu tinha todos os dias, mas me sentia mal em fazer isso enquanto ele estava tão longe. Seus sentimentos por mim eram fortes, não havia como negar, mas os meus por ele... Simplesmente não existiam.

Quando às seis horas da tarde marcaram no celular, já nos encontrávamos na praça de alimentação. Entre as conversas, olhava para a saída, imaginado se Rafael já havia ido embora. Desejava que ele ainda estivesse por aí, mas não. Às seis e meia, Krause se juntou a nós e seguimos até o cinema. Sem qualquer esperança de vê-lo naquele dia, decidi que o filme seria uma maravilhosa distração. Uma saída com os amigos, o frio da sala somado a pipoca bem quentinha.


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