Entrevista com um garoto escrita por fckfic


Capítulo 6
6-9


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo quebra um pouco a sequência e é focado no Beto. Espero que gostem!



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Desembarquei em Natal, Rio Grande do Norte, após algumas horas e viagem. Pior. Feriado. De. Todos. De repente meu pai resolve dar sinal de vida e diz que quer me ver? E se eu tivesse feito planos antes? O melhor é que quando ele liga, falamos por no máximo dez minutos e na maioria das vezes ficamos calados, pensando em algum assunto.

Peguei minha mala e andei até o contingente de pessoas que esperavam alguém, tentando encontra-lo. Encontrei-o mexendo e o celular e minha vontade foi de pegar o próximo voo para o Rio naquele momento. Fiz um barulho com a garganta quando me aproximei.

— Filho! – ele me abraçou e eu soltei a mala no chão.

— Achei que fosse segurar uma plaquinha. Como eu iria reconhecê-lo? Faz tanto tempo que nos vimos. O senhor poderia ter engordado ou ficado careca. Não sei.- falei ao me afastar.

— Continuo magro e com cabelo. E pelo visto você continua com um ótimo senso de humor.

— Por que queria me ver nesse feriado? Achei que estivesse lotado de trabalho.

— Família é uma coisa muito importante e eu a coloco em primeiro lugar.

— Não pareceu assim quando abandonou minha mãe.

— Okay, vamos para o carro. Está com muita fome? Pensei em almoçarmos num restaurante, mas podemos comer algo aqui mesmo.

— Não tô com tanta fome.

— Vamos almoçar no restaurante então. Você está ótimo. Começou a praticar esportes.

...

 

Devo dizer que nunca imaginei que um feriado poderia ser tão entediante. Meu pai era mestre em fingir que nada aconteceu e que tínhamos a relação mais normal que existe. Ele falava coisas do trabalho, enquanto eu olhava pra minha sobremesa.

— E você? Quais novidades você tem?

— Eu tô namorando.

— Uau, essa é uma ótima novidade.

— Um garoto.

— Imaginei. Afinal você é gay ou bi?!

— Gay. Ele é lindo e forte, faz sexo muito bem e...

— Tá bom. Não precisamos entrar em muitos detalhes nessa parte.

— Achei que passar um tempo juntos incluía conversar.

— Claro, mas há tantas outras pra se falar, não é?

— Como o quê, por exemplo?

— Isso tá um desastre. Olha Beto, se for pra ficar o final de semana inteiro assim, me avisa. Eu fiz alguns planos, mas posso desmarcar tudo. Vamos ficar olhando um pra cara do outro e vermos o que temos em comum.

— O nariz. Talvez a boca.

— Por que está agindo assim? Se existe uma qualidade que sua mãe sempre usa pra te descrever é maturidade. Estou começando a questionar isso.

— Ah, claro. A culpa vai cair em meus ombros. Porque eu sou o responsável por isso não dar certo. Por nunca ter estado presente e por me afastar ao máximo.

— Esse feriado vai ser longo.

— Espero que não.

— Tudo bem. Diga-me o que você quer. Um pedido de desculpas? Eu já pedi antes, mas não me cansaria. Porque sei que o que fiz não tem justifica e pago com isso todos os dias. Ter você longe dói, por mais que não pareça. E se não temos tanto contato é porque toda vez que conversamos me faz lembrar o que eu poderia ter tido, do que a gente poderia ser e não somos. E isso me mata. Porque eu fugi, e foi a pior decisão que já fiz na minha vida.

— O restaurante não é o melhor lugar pra esse tipo de conversa. E como você mesmo disse: nada justifica o que fez. Portanto não precisa explicar.

— Vou pedir a conta. E só pra avisar, estou morando com a minha namorada, Laura, e a filha dela, Luana.

— Esperou esse tempo todo pra dizer que eu vou ter que dividir a casa com duas estranhas?

— Vai ser um longo feriado.

...

 

Dormi um pouco quando cheguei à casa do meu pai. Apesar das brigas, ainda o chamo de pai. Quando acordei, o céu já tinha escurecido e fazia um pouco de frio por causa da janela aberta. Peguei meu celular e chequei as mensagens dos grupos, Facebook, Instagram... Cliquei em um vídeo para ver do que se tratava e alguém abriu a porta. Uma menina, provavelmente a filha da namorada do meu pai.

— Você é o Beto?

— Presumo que sim. – tirei os olhos do celular por um momento e abri um sorriso de deboche.

— Seu pai não me falou que era gatinho. Deveria adivinhar, porque ele também é. – fiz uma cara de nojo pela afirmação de que meu pai é um gato.

— Na verdade, acho que ele já é comprometido. Tente com outro velhinho.

— Gosta de fazer piadas, gostei. Sou a Luana.

— Uhum.

— O que quer fazer nesses dias? Conheço vários lugares legais, mas preciso saber o seu estilo.

— Tem alguma boate gay por perto? – tirei os olhos do celular novamente, apenas para checar sua reação. Ela abriu a boca por um momento, mas disfarçou rápido.

— Infelizmente não. São as melhores, não é mesmo?

— E como consegue se divertir por aqui?

— Eu tenho algumas técnicas. Chris mandou avisar que o jantar está pronto. Por sinal, você está na minha cama. O colchão inflável é pra você.

— Por acaso eu vou ter que dormir na sala?

— Minha mãe nunca me deixaria dormir no mesmo quarto que um garoto.

— O fato de eu ser gay não ajuda?

— Provavelmente não. Vai que você quer experimentar. Eu ia adorar, porque você realmente é um gatinho.

— Vamos jantar.

Durante o jantar, a mãe da louquinha tentou puxar assunto comigo. Porém eu sempre respondia com alguma piada ou palavras monossílabas. Meu pai estava estranhamente calado e Luana não parava de me olhar, o que me incomodava demais. Ao fim de jantar, Laura retirou a mesa com a ajuda da filha e eu fui atrás do meu pai.

— Por que não contou pra sua enteada que eu sou gay? Ela tá dando em cima de mim desde que cheguei.

— Não sabia se deveria contar ou não.

— Sou muito bem resolvido quanto a minha sexualidade, não tem problema contar.

— Vamos começar uma discussão por isso também?

— Não. Tenho que pegar meu colchão inflável pra dormir na sala.

— Eu te ajudo nisso.

Peguei o celular para checar se tinha alguma mensagem nova. A única pessoa com quem falei hoje por telefone foi minha mãe. Odiava pensar que eu era um desses namorados grudentos, mas senti falta de pelo menos uma mensagem do motoqueiro perguntando como eu tinha chegado.

Luana apareceu na sala e se jogou no sofá, ligando a televisão. Meu pai chegou com o colchão e pediu minha ajuda para ajeitá-lo num espaço perto da janela.

— Só pra avisar, eu não consigo dormir cedo, então vou ver TV até tarde. – aquela garota estava me afrontando?

— Eu já vou pra cama, amor. Tô muito cansada. Trabalhar em feriado é a pior coisa do mundo.

— Tente passa-lo com um pai que mal conhece. – me pronunciei e Laura deu uma risada.

— Você precisa de alguma coisa Beto? Se quiser um edredom mais fino, apesar de que por incrível que pareça, aqui faz frio pela noite.

— Tudo bem.

— Boa noite então. Boa noite filha. Você vem agora amor? – meu pai assentiu.

— Qualquer coisa, é só chamar. – ele disse antes de seguir a namorada para o quarto.

— Quer assistir alguma coisa em especial? – Luana perguntou ao abrir a Netflix.

— Se não for Crepúsculo, qualquer coisa tá ótimo.

— Eu ia começar uma série nova nesse feriado.

— Sobre o que é?

— Um casal de soviéticos em solo americano durante a Guerra Fria.

— Já assisti todos os episódios de The Americans, e recomendo muito.

— Ah, então fica sem graça já que você já assistiu. É esse o tipo de série que você gosta?

— Meu gosto é bem variado, mas eu como eu quero ser jornalista, esse tipo de série me interessa bastante.

— Estamos começando a criar uma conexão. Jornalista, hum? Eu ainda não sei o que vou fazer da minha vida quando acabar o ensino médio.

— Você tá no terceiro ano?

— Segundo. Repeti o primeiro duas vezes. Os professores me odiavam.

— Claro.

— Mas então, podemos ver Jessica Jones.

— Séries de super-herói não são o meu forte.

— Não custa dar uma chance. Você disse que não se importaria contato que não fosse Crepúsculo.

— Tudo bem. Vamos ver Jessica Jones.

— Uma observação: Eu gosto muito de comentar enquanto assisto.

— Okay. Mas cuidado pra não pegar no sono. Posso pegar um travesseiro e forçar contra seu rosto.

— Estou excitada.

...

 

— Não acredito que vimos cinco episódios seguidos. Minha cabeça tá toda desgraçada. – falei após Luana desligar a televisão.

— Que série maravilhosa, como eu nunca comecei antes? Que amigos são esses que eu tenho que nunca me recomendaram essa deusa em forma de série?

— Devo dizer, estou começando a simpatizar contigo. Provavelmente é uma crise da madrugada.

— Eu sou uma pessoa muito legal. Você tem sorte de me conhecer e dormir na mesma casa que eu.

— E essa pessoa muito legal namora?

— Sou leonina, tô fugindo de prisão. E você?

— Eu também tava fugindo, mas pelo visto sou muito ruim em corrida. Fui capturado.

— Quero ver uma foto dele agora. Qual o nome do azarado?

— Gustavo. E eu não vou mostrar foto nenhuma.

— Por que tem que ser tão chato. Não deveríamos agir como irmãos?

— Ainda não tinha parado pra pensar nisso. E olha que você deu em cima de mim no começo, sua incestuosa.

— O fato de eu não querer nada sério, não quer dizer que eu recuse uns bons beijos. Agora mostra uma foto do boy.

Peguei o celular e abri no Whatsapp. Mostrei a foto de perfil do Gustavo e Luana ficou calada por alguns segundos.

— E então? – perguntei curioso pelo silêncio.

— Só pela cara já dá pra ver que ele deve ser... complicado.

— Como assim?

— Ele tem cara de que apronta muito, mas é só uma impressão. Acontece que eu conheço muitos assim, meio que já tô acostumada. Não me parece que ele faz o seu tipo.

— Talvez ele pareça alguém durão, porém quando você o conhece de verdade, percebe que há alguém muito humano ali.

— Tome cuidado pra não se magoar. O tempo que passei com você foi suficiente pra eu perceber que é uma boa pessoa. Você sabe o que acontece com más companhias.

— Isso é papo furado. Você está julgando alguém que só conhece por uma foto.

— Vou pro meu quarto, o sono bateu. Amanhã a gente pode sair um pouco, posso te mostrar uns lugares legais se você não tiver planos com o seu pai.

— Não tenho.

— Okay. Boa noite então.

— Boa.

Fiquei bastante chateado com esse julgamento que a Luana fez do motoqueiro. Demorou um pouco pra que eu o entendesse, mas agora consigo ver que ele é totalmente diferente da impressão que passa.

Pra que merdas esse feriado serviu? Total perda de tempo ou ainda há algo proveitoso a se tirar disso? Continuo sem falar direito com meu pai, apesar de estarmos debaixo do mesmo teto e a tentativa de uma nova amizade acaba de ganhar um clima tenso.

Tô longe de onde eu queria estar e nem sei o que ele deve estar fazendo agora, já que aparece off-line na janela da nossa conversa. Resolvi então dormir de uma vez, quanto mais rápido isso acabar, melhor será.

...

 

Não aguentava mais um dia sem ver o Gustavo. Como pode isso de sentir tantas saudades de alguém que você viu há pouco tempo? Na verdade, estou arriscando porque nem ao menos sei se ele está em casa. Seria mais fácil se tivesse atendido minhas ligações ou visualizado minhas mensagens.

Bati na porta e sem demoras ela foi aberta por um garoto que eu não conhecia.

— Oi. – o garoto disse após eu ter ficado calado por alguns segundos tentando lembrar se já o tinha visto em alguma foto de amigos que o Gustavo me mostrou.

— O Gustavo tá aí?

— Sim. Pode entrar que eu vou chama-lo.

— Obrigado. – abri um sorriso que se não foi o mais falso de toda a minha vida, chegou bem perto.

Senhor, eu estava com ciúmes. Isso é completamente insano e eu sempre repudiei esse sentimento por considerar infantil ao extremo. Olha a minha situação agora, um garoto que eu nunca vi na vida, bonito por sinal (o que eu não tinha prestado tanta atenção até agora), na casa do meu namorado, com quem eu não falo por dias, pois parece que perdeu o celular num churrasco.

Várias coisas passaram por minha cabeça e estou envergonhando de estar me sentindo dessa maneira. Gustavo apareceu e veio até mim, fazendo algo que eu não esperava. Ele me cumprimentou com um selinho e garanto que foi o suficiente pra fazer a raiva pelas ligações e mensagens sem respostar passar por um tempinho.

— Já vou indo então, valeu bro. – o garoto se despediu com um toque de mãos. – Tchau. – falou ao se virar pra mim e eu sorri como resposta.

— Como foi a viagem?

— No começo foi bem chata, mas acabou ficando legal. E você, não viu minhas mensagens e ligações?

— Eu também fiz uma viagem, fiquei sem área. Acabei de voltar.

— E quem era esse?

— O Bruno? Ele é um amigo do grupo que eu conheci nessa viagem. Ele me deu uma carona de volta. Algum problema?

— Nenhum. Quer dizer, eu contei a minha mãe sobre você e ela quer que você vá jantar lá em casa. Eu sei que parece muito cedo e entendo se não estiver disposto a ir...

— Tudo bem.

— O quê?

— Eu vou lá conhecer sua mãe. A comida dela é boa?

— Sim.

— É só me avisar o dia então.

— Okay.

— Vem cá, estava com saudades. – o motoqueiro me puxou para junto de seus lábios e a conversa morreu ali.


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Notas finais do capítulo

Foi também o maior capítulo até agora. O novo sai na sexta, até lá!



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