Lucca escrita por littlefatpanda


Capítulo 32
XXXI. Waves


Notas iniciais do capítulo

Waves = ondas.

Boa leitura! ♥



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Setembro

A manhã daquele início de setembro, que tinha tudo para ser comum, começou de forma conturbada.

Lucca acordara primeiro, esfregara os olhos, sentando em sua cama, antes de relancear um médico que, como de costume, estava pregado no sono. Foi apenas quando se movimentou na cama que percebeu o que havia de estranho. Arregalou os olhos, encarando o próprio corpo antes de correr para o banheiro, batendo a porta na pressa.

Nathan despertou com o barulho, erguendo-se com preguiça, mas com sono demais para estranhar o ocorrido. Levantou-se com lentidão depois de checar o horário, dobrando as roupas de cama e erguendo o colchão de Gabe já fino pelo uso constante. Caminhou até o corredor, relanceou a porta cerrada do banheiro e o ruído do chuveiro antes de decidir ajeitar a cama do garoto.

Lucca, apesar de todas as circunstâncias relativas a ele, sempre foi disciplinado com relação a casa. Sempre arrumava a cama assim que despertava, e Nathan raciocinava a respeito enquanto puxava os lençóis para dobrá-los. Ao mesmo tempo em que o cérebro sonolento se dava conta da estranheza da situação - já que Lucca levantou com pressa, não arrumou a cama e agora estava tomando banho -, pôde discernir uma mancha na roupa de cama que arrumava.

Franziu o cenho, puxando o lençol para ver de perto, por um segundo imaginando se Lucca não houvera tido um pesadelo a ponto de molhar a cama. Estava enganado. Engoliu em seco, sabendo imediatamente do que se tratava.

— Nathan, você é médico.

Nathaniel, na cozinha após contar o ocorrido para a família, negava com a cabeça feito uma criança. Era médico formado, sim, e em menos de um ano estaria realizando a primeira etapa como cirurgião aprendiz*, mas não queria ser médico naquele dia.

— Mas, mãe... — pediu ele, nervoso. — Eu não vou ter essa conversa com o Lucca. É o Lucca! — explicou, precariamente, ao gesticular.

Gus, sentado na mesa ao mastigar um pão, riu com a boca cheia, mas disfarçadamente pra não chamar a atenção dos dois. O pai, que estava sentado de frente para o caçula, balançou a cabeça, como se concordasse com o divertimento de Gus, antes de tornar a beber seu café.

— Nathan, pelo amor de deus, menino! — reclamou Abigail, com a mão na cintura, como se Nathaniel fosse uma criança levando bronca. 

— Pai? — chamou ele, como em um último recurso, assumindo de vez o papel de criança.

Nigel ergueu o olhar de sua caneca, como se certificasse-se de que era mesmo com ele, antes de erguer os ombros.

— Não, eu não sirvo pra essas coisas — disse com calma, antes de retornar ao seu café. Gus reprimiu um riso.

— Nathan, é você quem tem que fazer isto. Você sempre sabe o que dizer, com tato, para o garoto, sempre soube como lidar com ele — argumentou ela, com carinho.

O médico ficou estático por um instante, como se considerasse a respeito. Mas, ao imaginar o constrangimento de ter que repetir as explicações – e certamente teria, pelo raciocínio diferenciado do Lucca -, e ao imaginar as espécies de perguntas que ele inocentemente faria, desanimou mais uma vez.

— Bom, agora eu não sei! — exclamou, abrindo ao braços de forma exagerada. — É o Lucca! — repetiu, como se fosse um argumento.

A mãe revirou os olhos, o pai limitou-se a rir e Gus, terminando de tomar seu café, empurrou a cadeira para trás para se levantar.

— Quer saber? — questionou, impaciente. — Eu converso com o garoto!

Nathan alargou os olhos, pensando no tipo de conversa que Gus teria com Lucca. Abriu a boca para retrucar, assim que Gus deu as costas para subir as escadas, mas o olhar repreendedor da mãe o calou.

Gus internamente riu, pensando que o ciclo fecharia ali. Os pais haviam conversado sobre intimidade com Ed, Ed havia conversado com Gabe, Gabe havia conversado com Nathan e Nathan, muito constrangido, havia conversado com ele. Agora Gus teria a mesma conversa com Lucca, e obviamente Lucca não serviria para ter este tipo de função com mais ninguém, mesmo que houvesse mais alguém na família. Era como se tudo tivesse ocorrido como devia, como se este ciclo devesse acabar ali. 

Nathaniel, para um médico, sempre foi muito recatado quando se tratava de assuntos sexuais. Conseguia pôr esta trava de lado quando dizia respeito aos pacientes, como um perfeito ator, mas com a família, ela permanecia ali, erguida como um muro.

Lucca já havia alcançado a puberdade atrasada quase um ano atrás, seu organismo funcionava como o de um garoto de dezesseis anos perfeitamente saudável, então não devia ser surpresa alguma o desenvolvimento sexual. Aliás, o que era surpreendente é que isto só acontecera de forma explícita - para ele e para a família - naquele momento.

Abigail apenas observou o filho, sentado à mesa com o pai, com os dedos na boca, roendo as unhas, e as orelhas atentas nas escadas do cômodo ao lado. Por vezes, a matriarca pensava que Nathaniel conseguia ser mais ingênuo do que Lucca. Ela quase podia enxergá-lo, atento aos ensinamentos descontraídos de Gus lá em cima, talvez um tanto envergonhado, mas nada que atrapalhasse sua aprendizagem sobre o próprio corpo. Se arriscasse, diria que estaria envergonhando a Gus e não o contrário.

E o médico estava ali, nervoso, perdido em pensamentos, e com os ombros caídos como se aquele fosse um acontecimento horrível. Cabisbaixo, como se o céu houvesse acabado de cair por cima de sua cabeça.

Abigail entendia o sentimento de ver os filhos crescendo tão rápido e querer que eles ficassem pequenos, protegidos em seus braços, para sempre. Mas também entendia que a relação de Nathan com Lucca, apesar de todo o carinho quase paternal, era muito diferente deste. Gostaria de poder entender melhor o filho médico, para que pudesse ajudar, mas pensou que perguntar só pioraria. 

Sempre havia comparado as ações de Nathan para com Lucca, com as ações do mesmo para com Gus. Porém, este era um território desconhecido. Quando Gus começou a entrar na puberdade, com seus treze anos, a se trancar no quarto, a ter acne, a ter vergonha do corpo perto dos pais, a estar sempre irritado, Nathan não havia reagido desta forma. Aliás, achava graça que o irmão estivesse virando “gente”, como havia dito na época, e sempre que podia implicava com ele.

Não era isto que via agora.

Gus só apareceu novamente cerca de meia hora depois. Nathan já estava sentado na grama do pátio, Nigel havia saído e Abigail estava sentada na sala, com a televisão ligada, mas com os pensamentos nos garotos da casa.

— Prontinho! — disse ele, esfregando uma mão na hora, com um riso.

Abigail balançou a cabeça, achando graça mas querendo repreender ao mesmo tempo.

— Onde está o grandão? — questionou Gus, se aproximando do sofá, ao relancear a cozinha. — Não me diz que ele ainda está entrando em pânico. — E riu ainda mais.

— Gustavus! — repreendeu a mãe. — Deixe seu irmão, ele está nervoso. — Gus ergueu as mãos, como se se rendesse. — Como foi?

Abigail, na realidade, estava tão receosa quanto Nathan com relação ao jeito desapegado de Gus com um assunto tão delicado.

— Ah, normal — mentiu, atirando-se ao lado da mãe no sofá. Mas seu semblante o denunciava, e a mãe podia ver que ele estava preocupado.

— Desembucha, Gus! — pediu ela, dando um tapinha no braço do filho.

Gus riu, mas logo o semblante apreensivo retornou. 

— Ah, eu... — Desviou o olhar, suspirando. — Foi normal — repetiu. — Foi todo aquele lance — disse, fazendo a mãe revirar os olhos para a gíria —, expliquei sobre o corpo dele, sobre o sexo em si, que era normal se sentir estranho e ter sonhos explícitos, expliquei que não é pra deixar ninguém abusar daquele corpinho... — Riu, relanceando a mãe, que o repreendia com o olhar. — Expliquei tudo o que Nathan me explicou, mas sem gaguejar a cada instante — acrescentou, gargalhando ao lembrar do médico, com seus dezessete anos e o rosto feito um tomate. 

Na época, tinha odiado o irmão desde o momento em que entrou em seu quarto e começou a gaguejar. Como um imperfeito adolescente, o que é muito comum, odiou que o irmão viesse explicar coisas desnecessárias e vergonhosas sendo que ele pensava que já sabia de tudo aquilo, como um perfeito sabichão de treze anos. Mas depois de velho, adora lembrar daquele momento e tirar sarro do irmão por isto. 

Minutos antes, no entanto, presenciou uma reação bem diferente da sua, como era o esperado se tratando de Lucca. Não diria que ele não ficou envergonhado, porque ele pareceu um tanto sem jeito ao ouvir tudo, mas a cara de paisagem permaneceu ali e, com curiosidade, pareceu mesmo querer ouvir tudo sobre o que não sabia.  

— E o que te preocupa? — questionou a mãe, vendo além do que as piadas do filho tentavam disfarçar. 

Gus piscou, focando os olhos azuis nos da mãe, com uma careta, relembrando da última pergunta que Lucca fizera. 

— Mãe... — murmurou ele, com um sorriso fraco. — É melhor não.

— É o que eu estou pensando? — questionou a mais velha, mas Gus riu.

— Não sei o que você está pensando, eu hein — retrucou o filho, rindo mais uma vez. No entanto, retornou o olhar para ela com intensidade. — Mãe, deixa quieto, tá bom? — pediu, e ela suspirou, escorando a cabeça no sofá. — O importante é que ele entendeu tudo, me fez umas perguntas bem engraçadas — riu-se, vendo que arrancou um sorriso dela —, e, é claro, ficou horrorizado com tudo o que descobriu.

Abigail não resistiu e deixou-se rir junto do caçula, e em seguida sentiu que ele passou um dos braços por seus ombros, deixando um beijo no topo de sua cabeça.

— Ele vai ficar bem, não vai? — perguntou a mãe, em um murmúrio, aproveitando do abraço do caçula.

Gus suspirou, sem saber se agora ela se referia ao garoto ou ao médico.

— Todos vamos ficar bem, mãe.

*

Mais tarde, Lucca e Nathaniel caminhavam em direção às florestas, com Sassenach ao lado. Era parte da "terapia" do Lucca, que ele permanecesse algumas horas em seu antigo lar, pelo menos a cada duas semanas, para que se sentisse seguro.

Sem falar que era algo que ele aprecisava e muito. Sassenach também não podia reclamar. 

Lucca até se preocupou, embora não fosse dizer em voz alta, que o médico tagarela não estava nada tagarela durante o dia todo. Era um dia estranho por inteiro. Como Lucca não era bobo, soube que a estranheza do Nathan provavelmente tinha tudo a ver com a estranheza do acontecimento pela manhã e da conversa com Gus.

Lucca até se dignou a sentir vergonha pelo que ocorreu. Não se recordava do sonho, mas apesar daquilo nunca haver acontecido antes, soube, quase como um instinto humano, o que era que havia acontecido. Não que fosse saber sobre tudo o que Gus lhe contou, mas no fundo, não ficara tão admirado assim. Sentia que seu corpo era capaz de surpreender-lhe ainda mais. Era tudo o que seu corpo havia feito desde que começou a viver ali.

Haviam meses que se surpreendia consigo mesmo, desde coisas simples como o porquê de sentir o peito apertar ao se dar conta que Nigel e Abigail estavam idosos até o porquê de se sentir irritado com a aliança que encontrou no quarto do Nathaniel. Este tipo de coisa não acontecia na floresta. Lá, ele brincava com Sassenach quando podia, subia e por vezes ficava horas em cima das árvores ao ver algum guarda florestal passar pela área em que estava e ter medo de descer e ser descoberto, comia quando tinha fome - às vezes tinha que caminhar por mais de hora pra alcançar o laboratório, se estava longe -, bebia quando tinha sede, dormia quando tinha sono, e era basicamente tudo muito simples.

Tudo ficou em ordem quando encontrou um lar, por fora, mas tudo ficou uma bagunça por dentro. E ainda por cima, começara a mudar por fora. Houvera percebido os pêlos em seu corpo, e que cresceu, e que a voz ficara estranha, e agora isto: seu corpo tinha necessidades maiores do que imaginou possível.

Lucca sentia tanta coisa que às vezes tinha que tomar um respiro, colocar a mão no peito, e certificar-se de que não ia explodir. Fazia isto quando estava sozinho ou com Sassenach.

— Lucca, está tudo bem? — questionou o maior, olhando-o com o cenho franzido. Ironicamente, era isto que Lucca queria perguntar para o médico o dia todo.

— Bem — respondeu, como de costume.

Nathan suspirou, e pareceu que estava fazendo um sacrifício como se jogar na frente de um trem quando perguntou: — Você... Quer conversar sobre o que aconteceu hoje? — perguntou, mas sem olhar para o Lucca.

Lucca olhou-o de baixo, com atenção.

Na verdade, queria sacudir o médico, como havia visto em um filme em que uma mulher nervosa falava coisas desconexas e o cara havia a sacudido até que ela se acalmasse. Queria sacudir Nathaniel para que ele voltasse a ser como era, porque Lucca o conhecia, e aquela versão do médico estava bem estranha.

— Não. — Ergueu os ombros, sentindo-se um pouco envergonhado ao lembrar de tudo o que Gus havia lhe esclarecido. — Conversei com Gus.

— Eu sei — falou ele, finalmente pousando os olhos castanhos nos negros de Lucca. Sorriu, carinhoso. — Eu sei, mas eu quero que saiba que... Se você quiser conversar comigo também, eu sempre vou te ouvir. Sempre. 

Lucca encarou Nathaniel por um tempo, os olhos tão fixos nele que conseguiu deixar o médico sem graça, mas ele não desviou o olhar, querendo saber o que viria a seguir. E Lucca o surpreendeu ao sorrir.

Não entendia a si mesmo, mas ouvir aquelas palavras aqueceram seu coração. Estava se sentindo assustado o dia todo, digerindo as palavras de Gus, e assustado consigo mesmo, odiando o próprio corpo por não conhecê-lo, por não seguir suas ordens, por surpreendê-lo...

E Nathan, sendo Nathan, o fez sentir seguro novamente.

— Não falo muito — resolveu dizer, pensando que devia responder algo ao pensar no que o médico disse. Sempre vou te ouvir. 

Isto trouxe um riso para o mais velho. — Não, não fala.

Nathaniel fez um cafuné rápido em seus cabelos emaranhados, como sempre fazia, e continuou a sorrir, sentindo-se um tanto mais tranquilo. Era bobagem, afinal, que tenha ficado tão apreensivo com o acontecimento daquele dia, como se marcasse o fim de uma era. Não existia um ponto específico que marcasse tamanha grandiosidade. Se as coisas estavam mudando, elas vinham mudando há algum tempo. 

Infelizmente, esta concepção tornou a deixá-lo apreensivo, mas Nathan afastou os questionamentos de si. 

Lucca ficou aliviado com a mudança de sua postura. 

— Que tal uma aposta? — questionou Nathan, apontando para as árvores mais ao longe. — Quem chega primeiro? Eu, você ou Sassenach? — perguntou, brincando com as sobrancelhas, fazendo-o sorrir.

— Sassenach é mais rápido.

— O quê? — exclamou, fazendo careta, mas rindo. — Você não sabe disto!

— Sei — retrucou Lucca, sem entender.

Havia corrido com Sassenach pela floresta desde que o cachorro era filhote, e quando ele cresceu e se transformou naquele lobo, ele passou a sempre ganhar de Lucca nas corridas.

— Lucca, estou propondo uma brincadeira — explicou, mas feliz por isto não haver mudado do dia pra noite. Lucca continuava o mesmo. — Iremos correr até a floresta, e quem chegar primeiro, ganha um prêmio — falou, arregalando os olhos, como se fosse algo incrível. — Porque sim — acrescentou, rápido, quando Lucca abriu a boca para perguntar o motivo de mais uma bobisse humana.

Sem esperar que fizesse mais perguntas, Nathaniel correu para longe, sendo imediatamente seguido por Sassenach, que adorou a brincadeira, mesmo ela mal ter começado.

Lucca os observou de longe por uns cinco segundos, e foi o que bastou para se sentir na necessidade de ficar em segundo lugar. 

Correu, correu, e correu.

Estava um pouco enferrujado, mas ao passo que a velocidade aumentava, sentia como se retornasse ao seu velho e bom ser. Alcançou Nathaniel, enquanto Sassenach corria na frente. 

O Walker era bem mais alto, tinha pernas mais longas, mas não adiantava negar: era o mais lento. Logo, Lucca o ultrapassou, recém percebendo que estava rindo alto. A garganta ardia por isto, devido a boca aberta, o peito relampejava pelo riso, mas ainda assim valeu a pena.

Nathaniel não mais se empenhou em colocar todo o esforço na corrida, sentindo-se leve como se nada pesasse ao ouvir a gargalhada tão rara do pequeno. Ah, como a amava!

Perdeu as forças, passando a correr devagar.

Estava tendo um dejà-vu ao ver Lucca correr à sua frente, o corpo magro e ágil bloqueando a imagem mais à frente do cachorro que, desta vez, latia em meio ao exercício.

No dia de sua recordação, estava morto de medo de haver perdido Lucca. Agora que pensava a respeito, achava bobagem. Lucca não se perdia na floresta, na verdade, se encontrava nela.

Desta vez, Lucca parou nas primeiras árvores, lembrando que era uma aposta. Esperou por Nathan, relaceando Sassenach que continuou floresta adentro. Aquela floresta pertencia ao cachorro também.

— Ganhei — disse Lucca, quando Nathaniel o alcançou, lembrando-se que ele havia dito isto naquela guerra de água no chuveiro.

— Sassenach ganhou — corrigiu o médico, arqueando uma das sobrancelhas.

— Ganhei por segundo — retrucou o garoto, sequer entendendo de onde veio a própria competitividade. 

Nathan riu. — Isto, esfrega na minha cara que eu fui o último!

Lucca o observou, desde o rosto avermelhado até os cabelos negros grudados na testa. Nathaniel era muito branco, e bastava um pouco de esforço para avermelhar. Lucca já havia percebido que todas as vezes em que iam para a floresta, ele acabava ficando desta forma, porque apesar de nem sempre correrem, era um caminho longo desde a vizinhança até as árvores que as cercavam.

— Qual é o prêmio? — questionou Lucca, começando a caminhar entre as árvores, sendo seguido por Nathan. 

Nathaniel não tinha realmente pensado nesta parte. 

— O prêmio é... — Pensou por um momento, aproveitando para respirar direito. Estava ficando velho e enferrujado. — Um sachê daqueles para o Sassenach e... — Pensou mais um pouco, olhando para Lucca em seguida. — O que você quer?

Lucca parou subitamente, fazendo Nathan quase esbarrar em seu corpo. Ergueu os olhos negros para os amendoados de Nathaniel. 

— Eu quero ir pra sua casa.

Nathan piscou, demorando alguns segundos para entender. Afinal, a casa deles era a mesma.

— Ah, para o meu apartamento? — questionou, estranhando. — Em Wingloush?

Lucca assentiu, e aquilo trouxe um sorriso para o médico, por mais que ele tentasse desvendar o garoto.

— Por quê?

Lucca ergueu os ombros. — Gostou.

Achou que seria muito longo ter que explicar que, apesar de ter odiado o carro e a viagem até lá, e odiado o movimento, o trânsito, as luzes, os barulhos e o que parecia ser infinitas pessoas... Havia adorado o apartamento do Nathaniel.

Gostou dos livros grandes de medicina e das explicações dele para as suas perguntas, e gostou que haviam retratos dele, roupas dele, e quarto dele, e tudo dele por lá. Era um apartamento pequeno, que honestamente o fez sentir um pouco claustrofóbico durante os dois dias, mas ainda assim, tinha o cheiro de Nathaniel, a cara de Nathaniel, e o jeito de Nathaniel. Era como um covil do médico, como o de coiotes.

Ao menos, achava que era por isto que havia gostado tanto, embora cruzasse em sua mente que talvez fosse porque os dois ficaram completamente sozinhos por dois dias inteiros.

— Ok, veremos isto mais tarde — falou ele, sorrindo, mas com um pé atrás por não entender de onde havia surgido aquilo. — Venha, vamos procurar por Sassenach, ele deve ter se perdido.

— Sassenach não se perde.

E Lucca tinha razão.

Eles o encontraram apenas ao chamá-lo, então Lucca correu mais uma vez, a pedido de latido do cachorro. Nathan teve, mais uma vez, a sensação de estar perdido ou de haver perdido os dois, mas eles sempre apareciam de volta. Era como se os dois pudessem farejá-lo.

O médico sorriu, cansado, e se permitiu sentar apoiado em uma árvore, sentindo-se seguro o suficiente de que eles voltariam mais uma vez, com razão. 

Inspirou fundo aquele ar puro da floresta, sentindo-se imediatamente limpo por dentro. Wingloush era poluída e Cherubfield era quase limpa, mas aquele local minado de árvores e natureza exalava pureza. Entendia o porquê de Lucca gostar tanto dali. Talvez, até, fosse esta belíssima natureza que o mantivera vivo por tanto tempo. 

Nathan estava se sentindo tão mal pelo acontecimento da manhã e não entendia nem o porquê. Ele gostaria de manter Lucca em um potinho, caso fosse possível, intocado pelo tempo. Gostava dessa versão do garoto, ainda mais do que a versão anterior, porque sabia que nesta ele era saudável, amado, protegido, e sabia muito mais do mundo do que o sabia quando apareceu naquela madrugada.

O problema é que Nathan tinha medo da próxima versão.

Estava travado porque não queria ver o que viria a seguir, e estava assustado demais para perguntar a si mesmo o porquê. Não queria impedi-lo de crescer, de evoluir, de estar preparado para o mundo lá fora. Então não sabia exatamente o que temia, o que fazia seu coração apertar, o que o deixava inquieto.

Sentia como se estivesse novamente na praia, naquele mar assustador e poderoso, que o puxava para longe, e tudo o que ele podia fazer era afundar os pés na areia, tentando impedir de ser levado. 

Talvez o que realmente temesse era de gostar da sensação, caso viesse a ser arrastado.


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Notas finais do capítulo

Eu sei, demorei 2 meses. Shame on me.

Devia ter explicado isto no capítulo anterior, mas aqui vai:
*Não sei se vocês sabem como funciona a medicina lá pra cima. Vou explicar mais ou menos, no caso do médico querer ser um cirurgião (há vários tipos de medicina, certo?). O médico tem sua formação depois de 4 anos cursando a graduação, então ele vai pro hospital “colocar a mão na massa” por alguns anos, na chamada residência. O primeiro ano é chamado de internato, onde ele aprende todo o básico do hospital (no final deste, tem uma prova pra comprovar que ele pode passar pra próxima etapa), e nos próximos 4 anos, totalizando 5 anos de residência (outra prova no final desta), ele aprende tudo o que pode. São 5 anos lá dentro, o suficiente pra saber em que área ele quer trabalhar (apesar disto, os residentes tem que totalizar x horas em cada área, porque ele precisa de todo o conhecimento pra se tornar um cirurgião). A partir daí, ele se torna um atendente no hospital. No caso do Nathan, como Traumatologista, eu pesquisei e a especialização varia do hospital, mas dura em torno de 1 a 2 anos. E tecnicamente, na especialização ele já é um atendente (por haver passado na prova pra confirmar o conhecimento da residência), mas eles chamam de “fellow”, que eu traduzi como “cirurgião aprendiz”, porque cirurgião “especializando”, igual a gente fala mestrando e doutorando, ficaria muito bizarro HAHAHAHAH.

Sobre o capítulo, eu só precisava de um assim, específico, pra marcar esta mudança do Lucca, mas como eu já reforço no próprio capítulo, as coisas vêm mudando já faz um tempo. Mas assim... Ele não vai começar a transar loucamente e a usar drogas só porque é um adolescente tá? HAHAHAHAHAHAHAHHA. Sorry, não podia perder a piada.

Outra coisa: sobre o mistério que o Gus faz, vocês irão saber em algum momento do que ele tava falando. ;)

Os próximos cinco capítulos já estão esqueletizados e preciso preencher com o corpo, se é que vocês me entendem. Gente, eu gosto de metáforas tá? HAHAHAHAH. O próximo já tá escrito pela metade - queria terminar pra postar os 2, mas travei e resolvi postar este logo.

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam, PELAMOR DA MÃE FLORESTA DO LUCCA. ♥



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