Lucca escrita por littlefatpanda


Capítulo 33
XXXII. Halloween


Notas iniciais do capítulo

GENTEM BIURIFÚ,

como demorei muito, me esforcei para finalizar três capítulos para trazer de uma vez só. Eles já estavam planejados há eras, na vdd, então eu já sabia o que escrever. O problema era justamente este: escrever.

Juro que tô dando meu melhor. Lucca merece e vocês também! ♥

ENTÃO TOMEM ESTA TRIPLICATA!
(quando trabalhava em lab, chamávamos de triplicata as análises de três em três amostras)



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Outubro

Nathaniel sorriu quando enxergou Kellan.

Halloween estava próximo e a área pediátrica do hospital já estava customizada para a garotada se sentir mais à vontade, mesmo presos ao hospital. O que o Walker não sabia é que os médicos também seriam customizados.

— Cala a boca — foi logo dizendo Kellan, ao deixar o prontuário no balcão, com um sorriso de canto.

— Eu nem disse nada — riu-se Nathan, observando o loiro.

Usava uma tiara de abóboras que balançava quando ele se movia, uma das sobrancelhas estava pintada de roxa e a outra de laranja e havia um chapéu de bruxa desenhado em sua bochecha esquerda.

— Não, mas seus olhos disseram — retrucou, bem-humorado. Então apoiou-se no balcão. — E quer saber? Se a Lizzy disse que eu fiquei gato assim, eu acredito!

Nathan riu, assentindo.

Lizzy era uma das pacientes mais conhecidas naquele ano, sempre retornava ao hospital devido à quimioterapia, mas chamava a atenção que fosse sempre tão animada. Tinha nove anos, era apaixonada por Kellan e não fazia questão de esconder.

— Fiquei sabendo que vocês vão casar um dia — brincou Nathan, analisando-o.

— É verdade — concordou, rindo. — Nós iremos usar terno e vestido roxos, porque Lizzy diz que se o tênis branco que ganhou da sua mãe suja rápido, imagina um vestido de noiva!

Nathaniel gargalhou, podendo jurar que ouvira a voz da garotinha em sua cabeça, daquele jeito sabichão dela. — Sensata como sempre.

— Com certeza — afirmou Kellan, com um sorriso terno.

Já fazia um tempo que Kellan se inclinava para a pediatria cirúrgica, desde o início difícil que tiveram nela. Kellan odiava trabalhar com crianças com todas as forças, devido às vezes em que as perdiam, e Nathan teve que acalmá-lo em algumas destas.

Nathan não tinha o coração de pedra, mas sempre foi calmo e neutro em todos os casos, um dos motivos pelos quais Russell sempre o seduziu para a Traumatologia. Kellan, no entanto, era outra história.

Foi a maior ironia quando escolheu a Pediatria como a futura área de especialização, com a ideia de que, mesmo que não trabalhasse com crianças e não visse seu sofrimento, este ainda ocorreria. Tomado pela vontade de ajudar com que menos crianças tivessem as vidas tomadas para doenças ou circunstâncias ruins, a partir de sua dedicação em jamais se tornar um médico mediano para tratá-las, Kellan decidiu que não haveria trabalho algum que mais lhe satisfizesse.

Nathan se orgulhava dele por isto, já que o acompanhou nessa trajetória.

— O que faz aqui? — perguntou, referindo-se à sala de emergência.

— Russell me tirou da Pediatria por hoje, porque já ultrapassei minhas horas da semana — explicou, com uma careta. Nathan riu. — E como soube que você estava por aqui hoje, vim para lhe fazer companhia — brincou, com um sorriso de canto.

Nathan assentiu, olhando ao redor. — Hoje está estranhamente parado — comentou, dando de ombros.

— O pronto-socorro? — questionou, como se recém olhasse em volta, com estranheza. — Bizarro.

— Na verdade, dizem ser mau presságio — interrompeu Olivia, que recém chegava com pastas nas mãos. — Quer dizer que em poucas horas esta sala vai estar tão cheia que não seremos o suficiente para atender a todos.

Os dois viraram o rosto para ela, arqueando as sobrancelhas.

— O quê? — questionou, erguendo os ombros. — Eu ouvi as enfermeiras comentando.

Nathan e Kellan se entreolharam, sorrindo, antes de assentir.

— Bom, as enfermeiras sempre têm razão, lembre-se disto — ensinou Nathan, sem sair de seu papel de residente, com um riso. — Estamos mesmo esperando por um caos, então o que fazemos?

Olivia piscou, recém percebendo que era uma pergunta séria.

— Estocar suprimentos, reorganizar as macas, liberar espaço e separar os pacientes por ordem de prioridade — ditou ela, rápido, obtendo aprovação de Kellan, impressionado.

— Serve — concordou Nathan, sabendo que faltara alguns itens ali. — Mãos à obra! — indicou, e Olivia abriu um sorriso largo antes de dar as costas e saltitar para dar um jeito na sala de emergência por conta própria.

Nathan e Kellan se entreolharam mais uma vez antes de rirem.

— Logo ela vai odiar este trabalho — comentou Kellan, e Nathan riu, assentindo. 

*

— Bem-vindo ao meu cafofo!

Lucca estava em mais uma de suas visitas ao HH, e Nigel, que havia feito amizade com a jovem Srta. Julia, estava no pátio conversando com ela. Tyler, por fim, o levou até seu quarto para buscar um baralho de cartas, insistindo que Lucca precisava aprender algum dos jogos.

Os dormitórios eram tão simples quanto o resto da instituição. O quarto de Tyler e Chad, em si, era pequeno, com uma cama simples de cada lado, uma mesa de estudos compartilhada, e dois guarda-roupas, cada um em frente às camas.

No lado do Chad, havia alguns pôsteres pequenos de filmes e na cabeceira da cama uma foto dele com uma garota. Tyler não tinha nada em suas paredes a não ser um quadro que falou ter ganhado da Srta. Julia, por insistência do mesmo, já que o quadro ficava na entrada da instituição.

Em sua cabeceira haviam duas fotos: uma dele com uma senhora de idade, e outra de um cachorro.

— Eu sei que não tem muita coisa, mas eu ‘tô aqui faz, tipo, menos de um ano — falou, se abaixando para puxar uma caixa debaixo da cama. — E eu não tenho muita coisa. ‘Tô tentando fazer a Srta. Julia me dar mais um quadro, aquele doidão que tem na sala. — Lucca arqueou as sobrancelhas, embora já acostumado com a linguagem do amigo. — Eu adoro arte! — Então, riu, abrindo a caixa que foi posta em cima da cama. — Chad diz que é coisa de gente que não tem o que fazer, mas cara! Mesmo não tendo o que fazer, ainda assim eu não conseguiria pintar esta lindeza!

Lucca seguiu seu olhar para o quadro na parede. Foi difícil compreender, porque não era uma pintura realista e haviam muitas cores diferentes nela, mas se tratava de uma rua deserta, com bancos na calçada e prédios em torno da mesma.

Lucca gostou do que viu, embora não soubesse dizer o porquê, já que não se identificava com a pintura. Aquela era uma cidade grande, muito diferente do Acampamento e muito diferente de Cherubfield. Talvez ele apenas fosse um apreciador das artes, assim como Tyler.

— ‘Cê gostou, né não? — perguntou, com um sorriso de quem sabe tudo, ao ver que os olhos negros de Lucca permaneceram na pintura. Lucca sorriu para o jeito dele, achando graça, o que causou risos no outro. — Depois eu te mostro as pinturas da sala que, mano, são fodas! Mas aquelas grandes a Srta. Julia não quis me entregar de jeito nenhum — resmungou, estalando a língua. — Venha, vamos jogar!

Com o baralho em mãos, Tyler seguiu para fora do quarto junto de Lucca, seguindo o corredor até se depararem com o pátio da instituição uma vez mais.

No caminho, esbarraram em uma garotinha já conhecida.

— Lucca!

Heather tinha o cabelo castanho solto, desta vez, por sobre os ombros. A roupa era igualmente colorida, como as que Lucca já houvera visto, e havia a mesma chupeta em sua boca.

— Ah, pronto — reclamou Tyler, revirando os olhos.

Sempre que Lucca se deslocava até a instituição, para ver Tyler - ele gostava de enfatizar esta parte -, Heather o roubava para ela.

A mulher que a acompanhava, um pouco de longe, apenas riu, sentando-se em outro banco de pedra com um livro ao passo que Heather agarrava a mão de Lucca e o puxava para longe.

Tyler foi atrás, impaciente com a criança.

Não muito longe da mulher, os três sentaram-se no chão. Heather insistia que devia brincar de esconde-esconde, mas Tyler bateu o pé dizendo que Lucca jogaria cartas com ele e que Lucca não era criança para estar brincando de esconde-esconde.

De tanto insistir, Heather acabou desistindo e começou a rodopiar feito uma princesa em torno deles.

Tyler riu, se aproximando de Lucca para murmurar: — Mentira minha, não existe idade para brincar de esconde-esconde — garantiu, sábio. 

Lucca sorriu para aquilo, nem sabendo o porquê de ver tanta graça na sentença proferida pelo amigo.

Tyler, então, fez questão de ensiná-lo ao menos um jogo de cartas: Uno*, e levou a tarde toda para isto. Lucca demorou para compreender todo o sentido do jogo, mas assim que aceitou que não havia algum, pegou rápido o esquema de combinar matemática simples, o acaso e a lógica.

— Cara, se eu não ‘tiver aqui quando você vier — começou Tyler, divagando em meio ao jogo —, eu vou estar visitando minha avó.

Lucca deixou mais uma carta por cima das outras, franzindo o cenho.

— A da foto? — perguntou ele, o cérebro trabalhando.

Tyler sorriu, assentindo. — Ela mesma. Eles me deixam visitá-la vez ou outra, quando alguém daqui pode me acompanhar — contou, descartando duas cartas para pagar pelo que Lucca cobrara.

— Se tem avó, por que está aqui? — questionou Lucca, depois de pensar a respeito por um tempo.

Por semanas houvera ouvido diversas explicações, tanto dos tios quanto de Tyler a respeito de como locais como HH funcionam. Sabia que se Tyler estava ali é porque não havia ninguém capaz de cuidar dele.

Tyler suspirou.

— Eu vivi um tempo com ela — contou, entristecido. — Sabe, quando as coisas ficaram feias. Meu pai foi morto quando eu era pequeno, mas eu mal o via então nem senti falta — contou, com certa tranquilidade. — Ainda mais porque minha mãe voltou a usar drogas de novo depois que ele morreu, então eu tinha mais com o que me preocupar. Eu a encontrava às vezes dormindo na calçada, ou engasgando no próprio vômito — comentou, baixinho, mexendo nas cartas sem nem ver. — E quando ela me deixou trancado no quarto porque estava irritada comigo e me esqueceu lá por três dias, me tiraram dela. Eu tinha uns onze anos. Foi bom — acrescentou, erguendo os olhos castanhos para Lucca com um sorriso forçado. — Minha vó não se dava bem com a mãe, mas ela cuidou muito bem de mim.

Lucca sentiu-se entristecido pelo amigo, compreendendo além do normal sobre o sofrimento dele.

No entanto, ponderou consigo mesmo se não havia escutado a resposta, porque Tyler pareceu que não diria mais nada e ainda não havia respondido a pergunta. Jogou mais uma vez, sem nem se importar muito com a carta, com os olhos negros fixos no rosto desanimado de Tyler.

Tyler pigarreou, despertando dos devaneios, sob os olhos curiosos de Lucca.

— Só que então minha vó começou a esquecer o meu nome... — continuou, tardiamente, em um murmúrio. — No início, eram coisas simples, tipo o dia, o mês, o que havia feito de comida no almoço, se era dia ou noite... Então, ela passou a esquecer o próprio nome. — Lucca estranhou, ponderando sobre como isto era possível. Fez uma nota mental de perguntar a Nathan mais tarde. — E às vezes não sabia quem eu era e tentava me expulsar de casa, pensando que eu havia invadido — finalizou, rindo, mas Lucca ainda notava a áurea triste dele. — Ela tem Alzheimer. É uma doença — explicou, quando Lucca franziu o cenho. — Ela não sabe mais cuidar de si mesma, então a mandaram para um abrigo, e me mandaram para cá.

Lucca assentiu, soltando as cartas, já que Tyler havia feito o mesmo, deixando-as de lado.

— Enfim, eu posso vê-la de vez em quando — finalizou, tentando espantar o sentimento ruim. — A louca geralmente não lembra de mim — brincou —, mas ela sempre tenta me conhecer mais uma vez. E ela sempre deixa que eu a abrace — comentou, com uma alegria tão genuína que Lucca sentiu um aperto no peito.

— Eu te abraço, Ty! — disse a garotinha que brincava pelo pátio, ao chegar por trás e fechar os braços em torno do pescoço de Tyler.

Tyler se assustou, mas riu, fazendo o máximo que pôde para abraçar Heather também, apesar dela estar pendurada nas suas costas, aproveitando que ele estava sentado ao chão.

Lucca apenas os observou, pensativo.

Tinha severos problemas ao deixar que os outros encostassem nele, apesar de haver amenizado e muito no último ano. Ainda assim, não abraçara ninguém além de Nathan, e ver Tyler agarrado àquele único momento do abraço raro com a avó como se fosse a melhor coisa que se passava na vida dele, sentiu-se peculiarmente triste por não fazê-lo mais vezes.

Quiçá fosse disto que precisava, de uma nova perspectiva.

Um abraço é um ato de carinho, sabia, e pela primeira vez pensou na outra pessoa ao invés de si próprio.

Imaginou se Nigel e Abigail não se sentiriam mais amados e acolhidos caso Lucca os abraçasse ao menos uma vez. Faziam tanto por ele que sentia como se não retribuísse o suficiente, e agora ponderava se algum dia seria capaz de retribuir o carinho, já que não era capaz sequer de retribuir um simples abraço.

Pelo resto da tarde, Lucca ficou com o pensamento preso ali, apesar do assunto morrer e Tyler voltar a se alegrar, fazendo cócegas em Heather e a fazendo rir.

Tyler ainda comentou sobre o Halloween, que seria naquele fim de semana, e que gostaria de se fantasiar de algo assustador para pôr medo nos amigos. Heather, pelo contrário, afirmou que seria a Cinderela, e concordou com Tyler quando ele sugeriu que Lucca fosse Mowgli.

— É mesmo! Você é o Mowgli, é o Mowgli sim! — afirmou Heather, tirando a chupeta da boca para falar melhor.

Lucca ficou confuso com a afirmação, porque não sabia o que diabos aquilo queria dizer, mas Tyler explicou, rindo até dobrar-se ao fazer a ligação da figura de Lucca com o garotinho do desenho.

Aparentemente, havia algo de muito engraçado sobre Lucca haver nascido como um personagem de desenho animado.

*

Nathaniel relanceou um Kellan despreocupado, enquanto os três estavam detrás do balcão, sentados, reorganizando prontuários, já que o pronto-socorro continuava estável.

Observou o rosto pintado do amigo bronzeado, bem como o acessório em sua cabeça que ele não fez questão de tirar, antes de comentar por cima sobre o desenvolvimento e a puberdade de Lucca, sem entrar em detalhes. 

— Que ótimo! — exclamou Kellan, animado, mas então pôde perceber o semblante sério do amigo. — Não é ótimo?

Nathan piscou, novamente se virando na cadeira de rodinhas e alcançando mais uma pilha de pastas para organizar.  

— Não — resmungou, meio aéreo, mas então percebeu o que dissera. — Quero dizer, sim. — Kellan estreitou os olhos verdes. — É claro que é ótimo. Ele é saudável. Depois de todo o inferno pelo qual passou, ele conseguiu sair ileso. Perfeitamente saudável — confessou, e realmente sentia-se satisfeito com isto.

Mas, ainda assim...

— Mas...? — estimulou Kellan, percebendo as reticências na fala dele.

Nathan suspirou, largando o prontuário de mão ao se virar para o loiro.

— Mas ele está crescendo tão rápido! — resmungou, encolhendo os ombros. — Eu queria que ele ficasse daquele jeitinho dele, de criança, por mais tempo.

Kellan também parou o que estava fazendo, encarando o colega. Arqueou uma das sobrancelhas, claramente o julgando, ao também tentar entender.

— Exceto que ele já não era criança mesmo quando apareceu — lembrou ele, analisando-o.

Nathan voltou-se para o balcão, sentindo-se subitamente irritado. — É claro que era, Kellan.

— Ele tinha quinze anos, você que me contou — lembrou ele mais uma vez, porque ficara surpreso quando Nathan compatilhara a informação descoberta com ele.

— Quinze é criança.

Kellan quis rir, mas do absurdo que ouvia, enquanto Olivia apenas ouvia tudo, tentando entender de quem falavam.

— O básico do estudo que nos trouxe até aqui nos diz do contrário — retrucou, achando graça, ao referir-se à medicina.

Tudo o que se passava por sua cabeça loira naquele instante é que com quinze anos havia perdido a virgindade com uma mulher mais velha. Hoje julgava a mulher pelo abuso de menor que ele nem sequer percebeu que sofrera, mas ao mesmo tempo sabia que, virgem ou não, nada teria impedido e nem desacelerado seus hormônios de adolescente na época. Justamente por não ser uma criança. 

Nathan bufou.

— Eu sei que ele é um adolescente, Kellan, por favor — disse, sem muita paciência. — Mas você entendeu o que eu quis dizer.

Kellan assentiu. — É claro que eu entendi, mas, Nathan...

Nathan ergueu o olhar para ele ao perceber que ele se interrompera e não finalizara a frase. Tinha os olhos verdes por sobre o Walker, com análise no olhar.

— O quê? — questionou, incomodado.

Kellan suspirou.

— Nada — falou, mas obteve uma sobrancelha arqueada como resposta. — Nada, é só que vocês são, tecnicamente, filhos dos mesmos pais, como irmãos. — Nathan franziu o cenho, baixando o olhar. — E ainda assim, às vezes você age como se fosse pai dele, e às vezes...

Nathan parou o que fazia, vendo que Kellan parecia procurar as palavras. Ele não estava gostando nada do rumo daquela conversa.

— E às vezes...? — questionou, impaciente.

Kellan balançou a cabeça. — Nada.

Aquilo quase foi o suficiente para enfurecer o moreno.

Olivia, que observava tudo com curiosidade, sentiu sua atenção ser ainda mais atraída para aquela conversa. Queria saber do que exatamente eles estavam falando, já que também queria se inteirar nos assuntos.

— Finaliza — desafiou Nathan, quase como se o ameaçasse a dizer o que se passava por aquela mente distorcida.

— Não é nada, Nathan — falou, chateado que ele houvesse ficado bravo por motivo algum. — É só que vocês têm uma relação complicada, só isto, e eu nunca sei como falar com você sobre isto — admitiu, erguendo os ombros. — Toda vez que falamos sobre ele, eu tenho que mudar de perspectiva para poder te dar um conselho — falou, parecendo preocupado.

Aquilo trouxe uma ruga entre as sobrancelhas de Nathan.

— Vocês não são irmãos, não são pai e filho, não são primos, não são apenas amigos... — Enumerou, fazendo uma careta confusa. — E quando penso em te aconselhar sobre como você teria que agir na situação como um irmão mais velho, você vem e age como se fosse o pai do garoto!

Nathan abriu e fechou a boca algumas vezes, acabando por deixar os ombros caírem. Sabia que era verdade. Cada vez que falava sobre o Lucca, Kellan parecia mais e mais confuso porque não parecia entendê-lo. Nathan se irritava com isto, mas com Kellan colocando as coisas desta forma, Nathan até conseguia entender o porquê.

— Eu acho que, como você não tem nenhuma designação para a relação que tem com o garoto, acaba assumindo um pouco de cada — continuou Kellan, em um tom calmo, sem querer acusá-lo de nada. — Acho que devia assumir uma delas logo, para que isto não se torne mais confuso, especialmente para o Lucca.

Nathan permaneceu em silêncio, digerindo as palavras honestas de Kellan com certo rancor, especialmente por pensar que ele estava certo. Mais do isto, também sabia que não queria escolher papel algum naquela relação, porque tinha medo de qual escolheria. E com o tempo passando rápido, comprovado pelo crescimento de Lucca, Nathan começava a se sentir pressionado de uma forma que sequer podia pôr em palavras. 

E o pior é que isto estava acontecendo bem quando se sentia, também, pressionado com relação à sua carreira e seu futuro. 

Estava desgastado. 

— Somos família, Kellan — respondeu, simplesmente, quando encontrou a palavra que serviria, com os olhos no que fazia.

Kellan o olhou, surpreso que ele houvesse respondido depois de passados alguns minutos. Sorriu, por fim, digerindo a informação.

— É, acho que “família” é o termo correto — concordou, com um sorriso.

Nathan ficou em silêncio, ao passo que o assunto morria, mas internamente pensou que, apesar de ser o termo correto, eles não precisavam de termo algum. Lucca e ele não precisavam de rótulos.

Nathaniel o amava. E sentia que Lucca o amava também. Ele cuidaria do garoto pelo resto da vida, sabia disto, e para ele aquilo era o suficiente. 

— Acidente na rodovia! — gritou outro residente, adentrando no local de forma espalhafatosa, chamando a atenção de todos ali. — Colisão de um caminhão com vários carros. Eles vão mandar mais de uma dezena de pacientes para cá — informou, olhando para todos. Kellan e Nathan imediatamente levantaram. — Vamos logo, pessoal, vocês sabem o protocolo!

Os médicos e enfermeiros mal puseram-se a se deslocar pelo andar quando ouviram as sirenes das ambulâncias já próximas do hospital. Em seguida, os paramédicos adentraram com os pacientes, pouco a pouco, enquanto mais ambulâncias chegavam, informando-lhes da situação.

De maca em maca, trabalharam com agilidade, enquanto parecia que os pacientes não cessariam de chegar.

Aquela era a tempestade, precedida da calmaria.  

Já haviam declarados dois óbitos em menos de meia hora quando mais um paciente em estado caótico chegou.

— Homem, casa dos quarenta, estado de pós-trauma — foi informando a paramédica, ao passo que carregavam sua maca para um dos quartos equipados. — Não identificado, encontrado na cena do acidente, aparentemente estava a pé. Trauma craniano, fraturas no...

Nathaniel se perdeu quando pousou os olhos melados nos braços e nos dedos do homem, inclinando a cabeça para enxergá-lo melhor.

— Peça uma tomografia, Olivia — disse, sem olhá-la, mas ela entendeu, correndo porta afora. — Você disse que ele estava a pé?

A paramédica assentiu. — É o que pensamos. Ele não estava em nenhum dos veículos e se encontrava naquele barranco ao lado da rodovia.

— A que horas exatamente ocorreu o acidente? — questionou, vendo que as pupilas estavam dilatadas.

— Há cerca de uma hora. Acha que ele já estava lá? — perguntou ela, também analisando-o com mais calma, já que a possibilidade lhe passara pela cabeça.

— Não tenho certeza, mas eu já vi ferimentos assim antes — indicou ele, apontando para os braços. — São ferimentos de defesa. E veja isto, no rosto e nos braços, o sangue parece ter coagulado há mais tempo do que só uma hora — apontou, para que ela visse, ao passo que as enfermeiras administravam os remédios indicados por Kellan. — Por que ele atravessaria a rodovia no início da manhã, fora da linha de pedestre, sem documentos, sem carregar nada com ele?

— Tem razão — concordou ela, assentindo.

— Devo informar a polícia? — questionou o loiro para Nathan.

— Não até termos certeza do que estamos lidando, não é? — Entreolharam-se, assentindo em uma comunicação silenciosa, antes que Nathan gritasse: — Olivia! Tomografia? — perguntou, quando a viu se aproximar.

— Está pronta para nós — afirmou, e eles mal esperaram antes de carregar a maca, o mais rápido possível para o segundo andar.

Com todos os exames de sangue, de raio-x e tomografia, e com a ajuda de um atendente, concluíram mesmo que o homem estava atirado, sem ser visto, ao lado da rodovia desde a madrugada, aproximadamente.

Os traumas eram tão severos que foram facilmente confundidos com os de uma pancada de carro. Estava sangrando pelo cérebro e pelo abdômen, e um tempo ainda se passou enquanto os médicos discutiam que operação era mais urgente até que concordaram em fazê-las ambas juntas. Era a melhor chance do homem desconhecido. 

Russell suspirou, depois de chamado pelo sua opinião profissional, e já esperando pela polícia.

— É, esse cara foi espancado. 

— Feliz Halloween — comentou Nathan para as imagens do desconhecido, em um murmúrio pesaroso, antes de suspirar e se encaminhar para o centro cirúrgico.


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Notas finais do capítulo

*Uno é o mesmo que temos aqui no Brasil.
*Mowgli, ou Mogli na versão brasileira, vocês sabem quem é! Hahahhaha.

Gente, eu assisti o filme (2018) não faz muito tempo e eu ENXERGUEI O LUCCA durante todo ele. Hahahhahahah. É sério. E eu tive que voltar em algumas cenas iniciais pra prestar atenção na história, porque só conseguia ficar encarando o menininho. HAHAHAHAH. Eu não sei como não pensei nisto antes. Lucca é o Mogli! ♥ (detalhe: dica do atorzin também, porque até na aparência física, gentchy, fiquei chocada)

Sobre o capítulo: pesado, sobre o Tyler, pesado, pelos sentimentos confusos do Nathan, e mais pesado ainda quando vir a história do John Doe (John Doe é tipo "Zé Ninguém", ou "João alguma coisa", nome dado aos pacientes não-identificados). Ele em si não é muito relevante para a história, mas o que ocorreu com ele sim.
Sobre a demora: sorry, sem mais.
Sobre vocês: lindxs. ♥

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam!



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