Lucca escrita por littlefatpanda


Capítulo 28
XXVII. Tudo


Notas iniciais do capítulo

FALAÊ, gente linda ♥

FELIZ DIA DAS CRIANÇAS, um tanto atrasado. Capítulo de presente!

Eu sei que demorei HORRORES, acreditem, eu sei. Só que é isso, galerous, eu chego em casa cansada e tudo que quero fazer é comer e dormir. E outra, essa mudança de temperatura me deixou doente três vezes já (tô vivendo a terceira) nos últimos dois meses. Esse último semestre do meu curso tá acabando comigo. Então quero que saibam, enquanto tô meio off, que NÃO É bloqueio criativo, NÃO É que eu queira desistir (repito que isso não vai acontecer), é falta de tempo e fôlego. Sorry.

E eu queria postar logo 2 capítulos de uma vez, mas não vou deixar vocês esperando. Toma essa e prometo que vou tentar terminar o outro ainda nesse fim de semana!

#elenão.

Boa leitura! ♥



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Junho

A data do dia vinte e oito de junho estava marcada no calendário da cozinha com um coração vermelho ao lado. Chamava tanto a atenção que, ao adentrar na cozinha simplória, qualquer olhar se desviava para a geladeira e a cor vermelho vivo com diversos círculos naquele dia específico do mês. Era a data do nascimento de Simon, o segundo filho de Edward e Giselle, após a pequena Maggie. 

Nigel e Abigail estavam morrendo de vontade de viajar para segurarem seu pequenino neto nos braços pela primeira vez, mas não ousaram verbalizar seus desejos. Nathan trabalhava em todo o fim de semana, e Gus, apesar de não fazer nada durante este, tinha aula na sexta e na segunda-feiras. E é claro que não havia maneira no mundo em que Lucca subisse em um avião para poderem ir até o outro lado do país. 

Gustavus, no entanto, conhecia os pais na palma de sua mão, transparentes do jeito que eram. Se disponibilizou a passar os quatro dias de olho em Lucca para que os pais viajassem para a cidade do primogênito. Um ou dois dias que faltasse na faculdade não causariam dano algum, aliás, viriam a calhar. Ele precisava descansar sua beleza, brincou. 

Nathaniel não ficou nem um pouco agradado. Torceu o nariz quando visitou uma semana antes da viagem, dizendo que Gus era uma péssima companhia para Lucca e até lembrou os pais das traquinagens que o caçula aprontava quando mais novo. Não pediria para que eles ficassem, é claro, mas sugeriu, indiretamente, que qualquer pessoa no mundo seria melhor companhia para Lucca do que o irmão. Gus apenas deixou-se rir, satisfeito, piscando um dos olhos para Lucca. Agora sim o garoto ia aprender a viver como se vive na idade dele, prometeu, em voz alta, para que o irmão mais velho ouvisse. 

— Será como férias — afirmou Gus, assim que fechou a porta da frente após se despedir dos pais e deparar-se com Lucca ao seu lado. 

Lucca gostava de Gus, embora não conseguisse se sentir totalmente à vontade com ele, como acontecia quando estava com Nathaniel. Talvez fosse aquele jeito pomposo e desregrado de Gustavus, e aquela maneira como andava pelo mundo, com o peito estufado, destemido. Era até um pouco engraçado, julgando por sua aparência, em pele pálida, corpo magro e roupas de super-heróis. Lucca não tinha o olhar clínico para perceber, mas qualquer um que passasse o olho por Gus perceberia que ele era um nerd assumido. Não o tipo de nerd repleto de acne, aparelho dentário e óculos de fundo de garrafa, não. Gus era agradável ao olhar, especialmente os olhos azuis que se destacavam no rosto sorridente. A nerdice era mais interna, incrustada em seu ser, além das camisetas da Marvel e as pulseiras de maconheiro que boiavam em seu pulso magro. 

Não havia se passado sequer uma hora desde que os Walker's mais velhos partiram na aventura de conhecer o segundo neto quando o celular de Gus tocou. Os dois estavam sentados no sofá maior - Lucca aprendeu a deixar a poltrona de lado às vezes por um sinal de educação e sentar junto da visita -, assistindo à desenhos que cravaram a atenção dos dois na televisão. Gus pegou o smartphone e bastou uma olhada para que revirasse os olhos, recusasse a ligação e largasse o celular. 

Lucca arqueou as sobrancelhas, curioso, chamando a atenção do mais velho. 

— Ah, era o ancião do meu irmão — disse ele, referindo-se à Nathaniel. Gus gostava de dizer que Nathan era mais velho que Ed e Gabe, que eram, de fato, os mais velhos. — Quer apostar quanto que ele vai ligar de hora em hora? — Gargalhou, vendo que Lucca sorriu. 

Geralmente o garoto indiano não entendia as brincadeiras de Gus e nem o telefone, envolvido nesta, mas desta vez compreendeu: Nathaniel era muito preocupado. Era sua mais pura natureza, da mesma forma como Lucca era desconfiado por tal.

Apesar de tudo, Lucca e Gus não tiveram dificuldade em se virar durante aqueles quatro dias. Gus sabia o básico da culinária, aprendera com a mãe antes de se mudar para Wingloush, e já sabia como lidar com Lucca. Sassenach também o dava um pouco de folga, já que o cachorro tomava um tanto do tempo do garoto para brincar. 

Na hora dos deveres de casa, Gus não era tão rígido. Aliás, se dependesse dele, Lucca ficava uns dez minutos fazendo suas tarefas e já estava liberado. A sorte do garoto era ele próprio, que já aprendera o básico sobre disciplina. Na hora de escovar os dentes, tomar banho e arrumar a cama - aliás, mantendo Sassenach bem longe dela -, Gus já estava mais treinado com relação ao garoto. Sabia que ele tinha preguiça de escovar os dentes, que não gostava do trabalho de secar o corpo, e que odiava arrumar a cama, afinal, logo a usaria de novo. 

Gus torcia o nariz para as vestimentas de Lucca, reafirmando o que já dissera milhares de vezes: ele precisava de roupas novas. Gostava, também, de reclamar do antigo quarto de Nathaniel, dizendo que precisava repintar as paredes, trocar de móveis e tirar aquela coleção de carrinhos e brinquedos caros que Nathaniel sempre gostou e exibiu em cima das cômodas. Lucca discordava desta parte, embora não dissesse com todas as palavras que adorava o quanto o quarto o lembrava do médico. 

Na sexta, quando Abigail e Nigel partiram, eles ficaram apenas em casa. Fizeram comida, assistiram televisão, Gus tentou ensinar um pouco sobre videogame para Lucca - e falhou -, também lhe mostrou sua parte favorita da casa... 

— Aqui — disse, subindo em um banquinho, e enfiando a mão para tatear o teto do armário da cozinha — é o nosso esconderijo. Não é nosso, na verdade — acrescentou, sorrindo de canto para um Lucca confuso ali embaixo —, é da mamãe. Ela sempre, sempre — enfatizou, puxando um pote de vidro de lá, e descendo do banco —, guarda o pote de ouro aqui. Sempre. — E alargou um tanto os olhos, com um sorriso maldoso. 

Empurrou o pote para Lucca que, com o cenho franzido, girou-o em seus dedos. Através do vidro, podia ver uma explosão de cores, todas provindas das embalagens de balas e de doces diversos. Aqueles que ganhava de vez em quando após o almoço, ou após terminar suas tarefas. Arqueou as sobrancelhas, erguendo os olhos para Gus, que deu de ombros. 

— Agora, se você for pegar alguma guloseima, pegue uma ou duas, no máximo. Você sabe, para que ela não desconfie — enfatizou, feito uma criança. — Demorei meses para conseguir essa informação quando eu era criança, não a desperdice — alertou, com um dedo apontado para o peito de Lucca. — Nem mesmo Nathan sabe onde fica, é o meu mais valioso segredo — contou, porque sempre fora orgulhoso e realmente não contara à nenhum dos irmãos a respeito do esconderijo das guloseimas. Gus era engenhoso, e sabia que Lucca era também, embora a engenhoosidade estivesse um tanto escondida por trás daqueles olhos negros. — E agora é seu também. 

Lucca assentiu, embora internamente estivesse pensando que jamais encostaria naquele pote de vidro sem a permissão de seus tios. Podia ter vivido recluso por anos, mas sabia o mínimo sobre o certo e o errado. Explicar isto para Gus, no entanto, estava fora de cogitação, visto que o mais velho parecia ter uma visão distorcida do mundo.  

Sem falar que Lucca acabou por sentir-se satisfeito por saber de algo que Nathaniel não sabia. Sempre que aprendia alguma coisa nas aulas particulares, ou até mesmo provenientes dos tios adotivos, ou da televisão, o médico já sabia a respeito e o escutava com carinho. Era bom saber de algo que geraria surpresa no rosto carismático do médico. Mas Lucca também era leal, e pôde perceber que o quanto aquela coisa boba era importante para a criança que via nos olhos azuis de Gus. 

No fim, Gus deixou o tom misterioso das palavras de lado e gargalhou, jogando uma bala para Lucca e pegando outra para si antes de pôr o vidro no local de onde tirou. 

Além de mostrar o local das guloseimas, ensinar-lhe algumas piadas - e explicá-las, já que Lucca não entendia nenhuma -, traquinagens para fazer com os pais, como trapacear banhos e deveres de casa, quais filmes tinha que assistir e quais bandas tinha que escutar, Gus ainda mostrou como fugir pela janela do segundo andar. Sentiu-se culpado por isto, mas imaginou que já haviam pessoas demais tratando Lucca como um caso policial e poucas tratando-o como um adolescente normal. Todos os Walker's já haviam escapado por uma daquelas janelas ao menos uma vez, e Lucca tinha que saber também. Talvez um dia viesse a conhecer alguma garota e precisasse escapar para vê-la. Afinal, até mesmo Nathaniel houvera feito isto! 

— Sabe, Nathan não era chato deste jeito quando era mais novo — contou, descontraído, ao jogar uma bala de gelatina na própria boca. 

O fim de semana chegara, e os dois caminhavam em direção à pracinha próxima à casa, depois de haverem passado no centro da cidade e feito uma visitinha básica à melhor loja de Cherub Field. Candy Store não era nenhuma It's Sugar da vida, mas ainda assim dava e sempre deu pro gasto pra garotada da pequena cidade. Saíram de lá com um saco cheio das mais variadas balas de gelatina, as preferidas de Gus e que logo se tornariam as preferidas de Lucca também. 

Tudo bem, Gus estava mesmo entupindo o garoto de doces, mas ao meio-dia e à noite eles colocavam um pouco de comida de sal para dentro. Lucca que o diga, já que não tinha restrição alguma para comida. Se era comestível, ele não pensava duas vezes antes de estocar o estômago. 

— Nathaniel não é chato — murmurou Lucca, já podendo enxergar a pracinha de onde estavam. 

Gus riu, achando previsível a negativa do garoto.

— Você diz isto porque ainda não conviveu vinte e cinco anos com ele — deduziu, rindo. 

Gus podia muito bem lembrar-se da versão mais jovem de Nathan, aquele cara alto cheio de si. Sorridente e bem-humorado, sempre o foi, mas mais despojado que era nos dias atuais. Mais descansado. 

— Nathan era bem cara de pau — contou, lembrando-se das traquinagens. — No colégio, ele tirava boas notas, tinha vários amigos e namorava com a líder de torcida. — Lucca fez uma careta, sabendo que líderes de torcida não eram tão bem representadas pelos filmes. Ao menos, aqueles que ele assistiu. — É, pois é. — Gus concordou com a careta de Lucca. — Nathan era aquele cara — disse, e Lucca soube que ele falava do famoso líder de futebol americano, embora tivesse quase certeza de que este não era o esporte daquela área. — E em uma cidade pequena como a nossa, ele era bem conhecido. O ordinário passava a noite toda acordado, saía pela janela pra aprontar com os amigos e voltava antes do amanhecer, e ainda conseguia fazer os trabalhos do colégio antes de começar as aulas. Ele era foda. — Gus riu-se, achando graça. 

Lucca até esqueceu de jogar as balas na boca, acumulando-as nas mãos ao usar do automático de seu cérebro para enfiar a mão no pacote que Gus segurava. Completamente atento, até alargou inconscientemente os olhos ao focar no rosto nostálgico de Gus, quase podendo ver o que ele via, naquele passado distante. 

— Já eu, era um nerd total. Mas não um nerd de tirar notas boas, não — acrescentou rapidamente, com outro riso de canto. — Meu boletim era um filme de terror pros meus pais. Eu era aquele que não tinha muitos amigos, jogava videogame o dia todo e usava camisetas de banda. — Lucca até se surpreendeu um tanto, porque falante do jeito que era, sempre o imaginou cercado de amigos. — Nunca estudava, mas entregava os trabalhos em dia, talvez por isto nunca repeti um ano — divagou, mastigando um tanto mais. — E sim — apontou, olhando para Lucca de canto —, quando criança eu aprontei bastante. É o que dizem, que os filhos caçulas tendem a ser mais rebeldes. Foi o meu caso. Você não teria visto Nathan escalando árvores, ralando o joelho, colocando bicho morto no armário do professor — numerou, segurando o riso ao ver as sobrancelhas de Lucca unirem —, ou sendo encontrado pelo xerife pichando os muros da Prefeitura. — Gargalhou da lembrança, sentindo um estranho orgulho de si mesmo pelas traquinagens. — Não. Este fui eu. 

Bom, isto não era novidade. Tudo em Gus parecia gritar rebeldia, mesmo que ele agisse comportado. Era algo em seu olhar, em seu sorriso, em sua forma de falar. Podia até entender como Abigail não conseguia manter um olhar reprovador para o filho por muito tempo, o sorriso teimando em aparecer em seu rosto já repleto de rugas. Este era Gus. 

Nathaniel era diferente. 

— Nathan tem um histórico impecável. Aprontava, mas fazia os deveres ao mesmo tempo, não estudava mas tirava notas boas assim mesmo... Eu não sei como ele conseguiu — sussurrou, abismado, como se recém se dasse conta do impossível que a versão mais nova do médico conseguira. — Ele era bem divertido, sabe? Era o meu herói — contou, sorrindo com carinho, e naquele instante Lucca pôde ver ainda mais a semelhança entre eles. 

Gus só era um pouco mais baixo e mais magro, e o formato do rosto era mais parecido com o da mãe do que com o do pai, como era o caso de Nathan, mas de resto eles eram bem parecidos. A cor dos olhos e dos cabelos eram distintas, mas as expressões risonhas e carinhosas eram exatamente as mesmas. 

— Só que aí começou a pressão da faculdade, no último ano do colégio, e ele baixou a cabeça e estudou. Estudou muito, o tempo todo, largando de mão todas as antigas prioridades. Ele era esforçado e inteligente, e nada podia desviá-lo do seu foco da faculdade de medicina. Ele soube o que queria e se encontrou. — Lucca não pôde evitar sorrir de lado, sem sequer perceber, sabendo que tudo que Gus contava era verdade. Aquele era mesmo o Nathaniel que conhecia. — Me orgulho dele por isto, mas poxa, depois que a faculdade dele começou, meu deus, o homem foi de mal à pior! — Riu-se, abismado. — Estudo aqui, estudo ali, estudo em todo e qualquer lugar. Sempre lendo, sempre estudando, sempre com a cara enfiada em livros! — Então, relaxou o rosto por um instante antes de cutucar o ombro no de Lucca. — E sabe o que era ainda mais assustador? 

Lucca franze o cenho, mas nega devagar. 

— Que ele parecia gostar. 

Lucca sorri, vendo Gus fazer o mesmo, adentrando na grama da pracinha envelhecida e acompanhando Lucca até o balanço. Apesar de todos os brinquedos que ali haviam, mesmo que fossem um tanto enferrujados, Lucca não gostava de nenhum dos outros. Até que gostava da casinha do escorregador, porque era pequena e no alto como sua casa da árvore, mas sempre preferia o balanço. Gus, sabendo disto, sequer questionou, caminhando de forma automática até os três balanços lado a lado que haviam ali. Já o conhecia. 

— Nathan também tinha a mania de viver comprando kits de emergência pra gente — volveu a contar, arregalando os olhos ao lembrar, como se fosse um filme de terror a persistência do irmão —, e ficava puto quando algum de nós se machucava. — Estalou a língua, balançando a cabeça, antes de tomar impulso e começar a balançar. — Você acha que ele é preocupado demais com você? — perguntou, embora Lucca nunca houvesse mencionado ou reclamado disto. Todos da família sabiam que ele era assim com o garoto. — Isto porque você não viu o verdadeiro inferno que ele era com a gente! — Riu ainda mais, lembrando do começo da faculdade de Nathan. — Mas você já deve ter percebido que apesar dele ser todo "médico" — continuou, fazendo as aspas com os dedos das mãos — pra cima da gente, ele continua sendo o palhaço que sempre foi. É de família, quem sabe? — perguntou-se, vendo Lucca dar de ombros. — Eu sei que eu também não mudei nada. Ninguém muda, ao crescer e se tornar adulto. A gente só aperfeiçoa — filosofou, satisfeito, e Lucca achou graça no jeito dele. Mas então o Walker fez uma careta. — Ao menos eu espero que seja isto que eu esteja fazendo! 

Gustavus gargalhou mais uma vez, e Lucca se aventurou a soltar um riso também. 

Impulsionando o corpo para frente e para trás no balanço, sentiu-se um pouco mais livre no brinquedo, como sempre acontecia. Era como voar. Aproveitou o tempo em que Gus enchia a boca de doces para digerir tudo o que ouvira a respeito de Nathan.

Lucca não saberia dizer qual dos dois é mais papagaio. Relanceou o Walker ao seu lado que, pela cara, apressava-se para engolir as balas azedinhas porque parecia lembrar-se de mais alguma coisa para falar, rindo em antecedência, com a boca cheia. É, Gus ganha esse prêmio. 

Lucca nunca conhecera alguém que falasse tanto. Até percebeu que, nem falando pouco como ele próprio e nem falando tanto como Gus, a voz das pessoas desvaneciam. Curioso. 

— ... aqui o tempo todo se ele tem tanto o que estudar. O que vocês tanto fazem, afinal? 

Lucca piscou, focando os olhos na expressão curiosa do rosto de Gus, que já não mais balançava rápido. 

O que eles tanto fazem? 

Em geral, tudo o que Lucca faz é aproveitar a presença de Nathaniel. Sua presença, sua voz calmante, seu cheiro, seu carinho para com ele. Não importa se estão conversando, se estão assistindo televisão, brincando com Sassenach, fazendo os temas, dormindo lado a lado... Desde que estejam juntos. 

Lucca ergue os ombros, desviando o olhar. 

— Aposto que ele não o ensina a jogar videogame — riu Gus, erguendo um dos dedos na conta numérica —, nem o ensina a sair pela janela, nem o entope de balas, nem o ensina a flertar com as gatas, nem conta qual é a melhor cerveja, nem nada que seja interessante. Nathan é seguro demais para isto. Eu — disse, colocando a mão no peito — sou o irmão divertido agora. 

Lucca sorri, mas se sente na necessidade de defender o médico. — Nathaniel ajudou na casa da árvore. 

Gus pondera a respeito, estreitando os olhos, e logo estala a língua em derrota. — Tá bom, mas só um ponto para ele. 

Lucca impulsiona o corpo novamente, deixando com que o balanço o levasse para frente e para trás em uma velocidade aceitável. Gus o observa, sentado de lado, com o corpo mais virado para Lucca do que para frente. 

Pensativo, com os olhos azuis em Lucca, Gus deixa escapar em um murmúrio quase silencioso: — Gosta dele? 

Lucca prende um tanto os pés no chão para diminuir a velocidade, tentando compreender onde Gus queria chegar com a pergunta peculiar, ao girar os olhos negros até focá-los nele. No entanto, nem mesmo Gus sabia de onde havia surgido a pergunta. Ou, ao menos, não queria admitir à si mesmo o que estava passando por sua mente. 

A verdade era que conseguia visualizar toda uma vertente de significados distintos para o "gostar", ao qual se referira. Como todo tabu, Gus se recusava a pensar muito a respeito, ou a se questionar muito a respeito, ou sequer considerar o que passava por sua mente. Tinha certeza, no entanto, de que não era o único que ponderava até onde iria esta conexão entre Nathan e Lucca. E mais ainda, até onde havia ido. Por parte de Nathan, era mais fácil saber que tudo o que via era tudo o que era possível ver. Por parte de Lucca, no entanto, era outra história. 

Gus optou pelo silêncio, arriscando um sorriso confiante para o rosto pensativo de Lucca, à espera de uma resposta que não sabia se viria. Mas Lucca assente, e ele nem soube por que esperou qualquer coisa diferente do garoto. Acrescenta, então, o que mais gostaria de saber: — Quanto? 

Lucca suspira, um tanto nostálgico, pegando Gus de surpresa. 

Sem saber o que pensar, Gus observa o garoto com atenção. Os cabelos castanhos, que já precisavam de um corte, enrolados no pescoço; o suéter bege por cima de uma camiseta larga; a calça de moletom escura e as meias que deveriam ser brancas mas estavam da cor de chocolate. Lucca as encarava, olhando para os próprios pés cobertos pelas meias imundas, as sobrancelhas unidas.

Gus havia permitido, com um dar de ombros, que ele tirasse as botinas de lã ao chegar na pracinha e ficasse apenas com as meias. Eles podiam comprar outras, afinal, Lucca até estava precisando. Aquele fim de semana era deles. 

— Tudo — murmura, por fim, ao encontrar a palavra certa. 

A resposta acaba confundindo o mais velho por alguns segundos, mas ele logo encontra o porquê. "Tanto quanto possível", ele quisera dizer, ou que de zero a cem, ele gostava de todos os cem. Tudo. 

Gus assente, desviando o olhar para os próprios pés também, envoltos pelos tênis surrados. 

Bastou ouvir a resposta singela e verdadeira de Lucca para recordar-se do principal motivo que o impulsionava a ignorar todo e qualquer questionamento acerca dos dois. Aquele motivo singelo que fazia com que todos ignorassem estes questionamentos. 

O amor. 

Aquele amor puro e genuíno que brilhava em ambos os olhos, os negros e os cor de amêndoas do médico, e a noção extensiva de que nada podia haver de errado com isto.

Aquela resposta simplória de Lucca, em um tom despreocupado, o trouxe de volta às coisas que importavam e afastou-o daqueles detalhes que não faziam a menor diferença, que apenas o impulsionavam à uma rebelião entre o amor e o ódio, comum em uma sociedade na qual vivia. 

O que importava era o que podia ver, e tudo o que via era o benquerer. 

Gus solta um riso pelo nariz, chamando a atenção de Lucca ao erguer os olhos dos tênis para o garoto. 

— É, ele também gosta tudo de você. 


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Notas finais do capítulo

Iti malia esse Lucca. :3

GENTEM LINDA, queria só abrir um parêntesis aqui pra dizer que eu estou com vocês.

Sei que pode não significar nada, e que você podem nem estar preocupados com isto, mas eu quero dizer o seguinte: eu sempre estarei com vocês. Nosso país têm sido um lugar assustador nestes últimos tempos, e eu sei que estamos todos tensos. Independentemente do voto de vocês, sei que boa parte dos leitores é "minoria", sejam lgbtq+, sejam mulheres, sejam negros, sejam pobres, etc. E eu queria dizer que eu votei, e sempre vou votar, pensando não só em mim, mas em todos os outros que precisam que os demais pensem neles. Eu sei o que é fugir do padrão, eu sei o que é ter medo de sair na rua, eu sei o que é sentir como se não houvesse nenhum lugar no mundo para mim, e eu não vou deixar de lutar para que vocês saibam que qualquer lugar no mundo é de vocês. O mundo é de vocês e vocês são do mundo. Não desistam de vocês mesmos e não desistam do lar de vocês. E o lar de vocês - aquele onde vocês podem confiar seu coração - é onde vocês quiserem, onde se sintam seguros, onde encontrem uma família, seja ela formada de parentes ou de desconhecidos. Lucca encontrou o lar dele, e vocês encontrarão também, não tenham dúvida alguma. Eu tô com vocês, e espero que estejam comigo também. A luta continua, e não importa o resultado, nós somos vencedores, e nós estamos juntos. ♥

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam!



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