Ego escrita por Nipatsu


Capítulo 5
Sensações




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— Como é que é?! Como assim você tem a capacidade de... De... Sei lá, se materializar desse jeito?!

Ele voltou seu olhar para mim, dando um simpático sorriso.

— Sempre tive. Esse é um dos diferenciais que tenho em relação a outros do meu tipo, como você.

Eu não conseguia acreditar. Certamente Zero havia derrubado aquela árvore em cima de si e morreu, então eu estava tendo alucinações. Ou então, o anão possuía habilidades de hipnose ou algo do tipo. Claro, essa é a resposta mais correta e justificativa mais plausível.

— Ok anão, eu não sei quais são os seus poderes ou capacidades, mas colocar a gente em um transe desses, criando alucinações assim é golpe baixo e eu exijo que você pare com isso.

O pequeno asmodiano sequer olhou para mim. Ele manuseava o cubo, mexendo em suas partes eletrônicas. Parecia estar verificando se tudo estava correto.

— Cala a boca, você é irritante. Não acredita na capacidade do Deus por ele ser melhor do que você e acaba querendo justificar tudo.

Melhor do que eu, esse cubinho idiota? Ele não se torna melhor do que eu só por conseguir ter um corpo!

— Escuta aqui, ô seu carcereiro de gaiola! Você não sabe com quem tá falando!

— Estou com vocês há semanas e especificamente falando eu já não aguento mais a sua presença perto de mim, então torço para que possamos nos separar logo mais! – ele se virou ao homem materializado. – Ande logo, Deus! Eu não aguento mais comer a comida ruim preparada por esse garoto, então se ele não aprender a cozinhar logo eu vou ter que fazer você sair dessa caixa mais e mais vezes!

Deus sequer prestava atenção em nossa discussão. Pelo contrário, estava cozinhando e ensinando a arte culinária ao Zero, que observava atento os passos lecionados.

— Você tem que tomar muito cuidado ao realizar esta tarefa. Sei de suas habilidades com aquela espada mas, caso decida fazer o mesmo neste momento, irá acabar dilacerando a carne, e o resultado não será tão bom. – ele entregou uma pequena faca ao andarilho. – Aqui, tente fazer como eu fiz no outro coelho, com cuidado.

Zero mimicava os movimentos feitos por Deus para limpar a carcaça do animal. Particularmente falando, o garoto é muito bom com lições, e aprende rapidamente a reproduzir algo ensinado ou demonstrado apenas assistindo com atenção.

Por sinal, foi deste modo que aprendeu a habilidade que hoje chama de “Grande X”. Foi quando encontramos aquele espadachim velho de cabelos vermelhos, há muito tempo...

Imagino que antes de ser apropriada pelo Zero, a habilidade que ele chamava de alguma coisa como “Crítico X” era passada por gerações. Uma vez, em Mjölnir, encontramos uma garota de cabelos que também eram vermelhos, bem parecida com esse espadachim velho.

Inclusive nessa ocasião houve um comentário sobre a habilidade do Zero ser a técnica do pai dela, mas como não tínhamos tempo pra ficar com conversa fiada, fomos embora rápido e o assunto morreu.

— Isso, muito bom.

Deus sorriu novamente e congratulou o andarilho, que surpreendentemente também sorriu, como se estivesse orgulhoso de seu trabalho. Eles então prosseguiram com a preparação dos pratos.

— ... Garoto.

Veigas então olhou para mim, com desprezo pela discussão que acabamos de ter.

— Como conseguiu isso aí, afinal? – disse, me referindo ao cubo.

— Sou um arauto do caos. O Criador me confiou a tarefa de destruir coisas para trazer o equilíbrio do universo e por isso me entregou esta arma específica.

— Por que ele confiaria isso a uma criança mesmo?

Ele pareceu incomodado com a pergunta.

— Eu não sou uma criança! Garanto que sou mais velho que você, sua espada ridícula!

A contar da data de manufatura, de fato ele deve ser mais velho. Mas eu duvido que seja mais velho do que o verdadeiro “eu”. Embora eu não me lembre exatamente de todos os dados que eu possuía quando era vivo, ainda sei que eu era um gostosão adulto.

— Que seja, é mais interessante conversar com o senhor máquina ali do que você!

— Eu não quero conversar com você, você fede.

Desisto. Esse guri não consegue manter um diálogo, que caralho! Talvez eu possa tirar mais informações do caixinha, ele parece ser mais aberto a conversação.

[...]

Odeio admitir, mas foi o melhor jantar que Zero teve em tempos. Ele parecia especialmente satisfeito.

— Parece que estava bom, uh?

— O senhor Machina cozinha muito bem... Faz muito tempo que não comia algo assim...

Não percebi, mas soltei um suspiro.

— Gran? Está tudo bem?

— Está. - Não gostaria de deixar minha inveja transparecer. Eu não sabia ao certo se realmente era inveja ou o que mais seria, mas senti algo. – Você tem que descansar. Ainda temos um longo caminho a percorrer e você pode acabar sem energia para conseguir, incompetente.

Zero concordou e acabou por se acomodar em um canto que achou mais conveniente e aconchegante.

Deus havia se retirado do espaço, tendo voltado com alguns itens que reputou útil. Com isso eu quero dizer que ele localizou coisas para acomodar melhor os dois garotos, para que pudessem ter uma boa noite de descanso.

Eu o observava enquanto ele arrumava uma cama provisória para Veigas.

— Isso é uma droga.

— Sei que o senhor está acostumado com uma enorme cama macia e uma imensidão de travesseiros, mas isso foi tudo o que consegui localizar e que estava em boas condições de uso, senhor Terr.

—  Eu odeio esse lugar!

— Estou ciente, senhor. Iremos embora ao amanhecer.

— Não quero ficar na companhia desses dois imprestáveis!

— Olhe pelo lado bom, o senhor ainda tem a minha companhia-

— ... Não quero ficar na companhia desses três imprestáveis!

Deus soltou uma leve risada, enquanto afofava o travesseiro velho que havia encontrado.

— O senhor sabe que a minha companhia ainda vai ser por um longo tempo...

Veigas estava emburrado, mas deitou-se na “cama” improvisada que Deus havia preparado. O mais alto deu um leve beijo na testa do pequeno, que fechou os olhos.

— Durma bem, meu senhor. – disse, se afastando.

Eu acredito que nunca entenderei a relação que aqueles dois possuíam. Aparentemente ia um pouco além da de “arma” e “lutador”.

O que notei, após isso, foi que ele se dirigiu ao Zero, fazendo as mesmas coisas que havia feito para o lenhador de bonsai. Não havia motivos para ele fazer o mesmo, mas por aparente consideração, ele se procedeu e tomou conta do andarilho do mesmo jeito que cuidava do outro.

Assim que os dois adormeceram, ele retornou para o cubo, como se nada houvesse acontecido.

— Ei. – mais cedo eu havia pensado que ele poderia ser mais aberto a conversação, então era minha chance enquanto os outros estavam longe de prestar atenção ou se intrometerem.

O cubo se aproximou de mim, flutuando a poucos centímetros de distância.

— Pois não, Magnum?

— Já mandei parar de me chamar desse jeito, mas que cacete!

— Perdão.

— .... Enfim, qual é a do pirralho?

— A o que exatamente você se refere?

— Ele me disse que é um tal de “arauto do caos” ou algo assim. Qual é a dele?

O cubo oscilou levemente para cima e para baixo durante alguns segundos.

— Quando menor, Veigas Terr recebeu uma grande tarefa diretamente vinda do Criador: a de trazer destruição para promover o equilíbrio.

— Isso ele me disse, mas eu quero saber o motivo pra ter sido um salva-vidas de aquário como ele, e não alguém de grande relevância ou altura.

— Os critérios para a escolha do Criador são desconhecidos. Veigas Terr é o único herdeiro dos Terr, filho de Vastra e de Vince Terr. O clã por si só possui grande influência em toda Elyos, especialmente em Makai e perante o lado dos asmodianos radicais.

Ponderei por alguns minutos. Tinha que haver algum motivo para esse maluco ter escolhido justamente esse guri para um trabalho tão complicado desses, e eu ainda não sacava qual era.

— Não faz sentido. Ele podia ter escolhido um dos pais dele, já que é assim. Ele está dando uma arma letal para um bebê, o que se demonstra inútil! Afinal, até o momento, pelo que entendi você veio diretamente do Criador, eu nunca vi algo tão grandioso assim-

— Todas as escolhas do Criador estão além da compreensão de meros mortais. Aliás, muito obrigado pelo elogio.

— ........... C-cale a boca, e-eu não quis te elogiar! – desviei meu único olho rapidamente.

— Você possui mais algum questionamento?

Eu possuía. Embora estivesse sem saber como reagir ao comentário anterior, eu não poderia perder a oportunidade.

— T-tenho, claro! – Foco, Grandark. Isso é importante, não perca a oportunidade. - .... Qual é a desse poder de ter um corpo?

— Eu possuo a singular habilidade de converter uma porção da energia do núcleo de alma em matéria. Isto é útil para algumas ocasiões, como foi demonstrado hoje.

— Ele pode ser usado sempre? Tipo... Não tem um “prazo de validade”? A materialização expira?

— Você parece bem animado com isso...

— Só me responde logo, cacete! - eu claramente estava nervoso.

— ... Sim, ela pode ser usada sempre, desde que a fonte de energia seja suficiente para tanto. Inclusive o tempo de materialização também depende disto. Eu não vejo motivos para gastar minhas energias sempre com este tipo de habilidade, portanto a uso apenas quando necessário.

“Quando necessário”. Que grande desperdício para esse tipo de singularidade. Embora eu fosse contra este desperdício, havia uma última pergunta a ser feita. Dependendo da resposta, talvez eu...

— Você... Consegue fazer o mesmo com outros núcleos de energia?

Deus permaneceu silente.

— Me responda.

— ... Nunca houve uma tentativa. Eu nunca encontrei semelhantes a mim, afinal.

— Você possui um à sua frente. É a sua chance de tentar.

— Não possuo registro de protocolos de segurança para esta operação.

Eu devia persistir. Era uma esperança de conseguir um corpo de verdade.

— Qual é, Deus... Nos conhecemos a tempo o suficiente para você confiar em mim, não é? Afinal, eu e o Zero que estivemos guiando e protegendo você e o garoto todo esse tempo que passamos juntos...

Talvez chantagem emocional funcionasse. Todo esse tempo havia passado e acredito que ele de fato havia despertado mais confiança em nós, o suficiente para se revelar desse jeito e parar com um pouco das respostas automatizadas.

Aliás, é claro que não os protegemos, apenas coincidiu de que, nas batalhas que travamos, alguns oponentes nos focavam juntos, o que resultava no Zero atacando primeiro. Até parece que eu ia querer proteger marmanjo.

— Tudo bem, podemos tentar. Não há garantia de que irá funcionar, porém. – disse, materializando-se novamente.

Deus estava de olhos fechados, a poucos centímetros do meu corpo metálico. Eu podia notar que estava se concentrando ao máximo para tentar realizar a proeza tão requisitada por mim.

Conseguia sentir o fluxo de energia que passava pela espada aumentar, me causando uma sensação boa e leve. Se eu tivesse um coração, estaria acelerado neste momento. Uma luz forte começava a ofuscar a minha visão, seguida de muitos dos mesmos efeitos que cercavam o cubo e o corpo de Deus.

Pouco a pouco, eu começava a ter sensações diferentes das que eu estava acostumado. Tato, olfato e demais sentidos que eu já não me recordava ter possuído foram despertados. A luz foi se apagando, e eu notei que era eu quem estava ali, bem em frente ao outro homem. A espada encostada em minhas costas passava uma sensação fria.

Soltando um profundo suspiro como se respirasse pela primeira vez, eu percebi que havia "me tornado" um ser, de fato, vivo.


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Notas finais do capítulo

Oi oi, tudo bem?

Eu posso ter cometido alguns erros gramaticais ou deixado algumas frases incompletas ou soltas nessa fanfic por conta do horário que eu estava escrevendo e por não ter quem fizesse uma revisão, então já me desculpo antecipadamente!
Qualquer feedback é positivo para que eu saiba se o estilo de escrita e a narrativa estão bons ou até mesmo em que posso melhorar, então agradeço a quem quiser colaborar dessa forma ♥
Espero conseguir focar mais nela daqui em diante, sem ser uma atualização por ano UAHUAHAU



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