Hera

A deusa Nêmesis me orientou a procurar a vingança em Manhattan, na terra onde habitam os mortais e os meio-sangues. Eu ainda não tenho certeza do que esperar disso, mas estou pronta para uma vingança épica.

Fui ao meu templo, que diferentemente do templo de Nêmesis era em um tom rosa pastel, organizado e sem bugigangas de tortura. Peguei o meu broche, um pequeno pavão colorido.

Andando no corredor, me deparo com Ares.

— Onde está indo, mãe?

— Preciso resolver alguns assuntos inacabados.

— Vai se vingar de Zeus, não é? - Ares riu.

Eu agarrei-lhe pelo queixo, por mais que Ares fosse o deus da guerra, ele ainda era meu filho.

— Apenas escute com atenção, ou você fica do meu lado ou do lado do seu pai. Eu espero que escolha bem, pois eu não quero obstáculos em meu caminho e estarei disposta a acabar com cada um deles. Está bem, querido? - eu lhe soltei, Ares massageou o maxilar carrancudo.

— Eu não vou ficar no seu caminho, pelo contrário, conte com minha ajuda. Eu odeio os semideuses filhos de Zeus, principalmente Perseu e Hércules. - Ares grunhiu.

— Você escolheu bem, querido.

— O que vai fazer? Vai matar a criança?

— De jeito nenhum. Isso não seria nada, quero que Zeus sofra o mesmo que eu sofri durante esses séculos. Eu quero que ele clame por piedade.

De repente uma ideia relâmpago (desculpe-me pelo péssimo trocadilho) surgiu em minha mente e realmente foi como Nêmesis disse, a vingança me encontrou. Agora eu sabia o que tinha que ser feito, só me restavam encontrar as peças perfeitas do meu xadrez.

—Eu quero que me dê cobertura.

— Como assim?

— Eu vou sair do Olimpo, dar uma volta por Manhattan, se alguém lhe perguntar onde eu estou, minta.

Ares sorriu.

— Acho que sua vingança será ótima. - Espero apreciá-la de camarote.

— Ah meu querido filho, o que vou fazer surpreenderá a todos, incluindo você. - apertei sua bochecha e sorri.

Eu fui em direção do elevador do 600° andar do Empire States Building, assim que as portas se fecharam, meus trejeitos divinos foram se modificando, minha altura diminuiu, as roupas ficaram mais modernas (Eu estava usando um vestido branco ao melhor estilo Audrey Hepburn, com o broche de pavão próximo do coração). Mantive minha aparência, cabelos castanhos médios, olhos amendoados.

O ascensorista, já no térreo me cumprimentou.

—Senhora Hera.

—Você não me viu aqui, está bem?

— Opa! Cadê Hera? O ascensorista riu. - Não vou dizer nadinha.

Era fácil compilar os mortais, e isso era tudo o que eu precisava para me vingar de Zeus. O plano seria bem mais engenhoso e simples, afinal, qual é a melhor forma de fazer um deus sofrer o mesmo que eu sofri durante todo esse tempo? Simples, pagando na mesma moeda. Zeus precisa sentir a sensação de ser enganado, ser deixado de lado, ser substituído por simples mortais.

E eu tive a oportunidade de ter feito isso antes, poderia ter sido Jasão, o melhor herói de todos os tempos, ele era incrível e lhe deixei escapar.

Mas dessa vez não ficará por isso mesmo, na verdade não tem nada de simples nessa vingança, mas antes de iniciar a minha justiça eu precisava fazer algo antes.

Eu chamei um táxi, não um táxi convencional.

— Esse cheiro é familiar, flores e frutas. - disse o não convencional taxista. - Uma Olimpiana.

— Vejo que seu faro está excelente. - eu disse ao sátiro. - Preciso que encontre alguém, seu nome é Patty Wilson.

— Patty Wilson. Já ouvi esse nome antes, você sabe que é uma cigana, sempre vagando por aí, isso custará alguns dracmas a mais.

— Isso é o menor dos meus problemas, apenas encontre-a. Rápido.

Passamos por algumas avenidas bem movimentadas antes de pararmos no Central Park. Havia um grupo de pessoas reunidas em bancos, provavelmente os amigos de viagem de Patty Wilson.

— Isso deve  ser suficiente pela corrida, por encontrar Patty Wilson e para manter seu silêncio. - eu lhe entreguei um saquinho de dracmas para o  velho sátiro que abriu um enorme sorriso.

— Pagaria cinco corridas, duas vezes por encontrar a cigana e três vezes o meu silêncio, Rainha Hera.

— Essa é a intenção, querido.

— Devo lhe avisar que ouvir dizer que Zeus enviou espíritos da natureza do Olimpo para protegerem a criança e a mulher.  

— Então Zeus teme pela vida do filho. - eu ri. - Que tocante, mas dessa vez ele errou, eu não pretendo fazer mal algum a criança ou a amante dele, bem não por enquanto. Obrigada por me avisar…

— Gregório.

— Quando eu precisar de um táxi, me lembrarei de você. - eu sorri gentilmente.

Eu desci do táxi de Gregório e caminhei em direção a aglomeração de pessoas. Dois homens, os seguranças que Zeus enviou para proteger Patty e a criança, me interceptaram. James e Nionx se vestiam como hippies dos anos sessenta, roupas excessivamente coloridas e largas, óculos com armação e lentes redondas e coloridas, colares de contas e com simbolo “paz e amor” também coloridos. os hippies gostavam de cores, não é mesmo?

— A senhorita deseja comprar uma pulseira de miçangas?

— Não, na verdade eu estou procurando por Patty Wilson. eu sei quem vocês são, e sei que sabem quem sou eu, então vamos pular essa parte de venda de pulseira de miçangas.

— Zeus nos ordenou para que  protegêssemos   a criança e a mulher, Rainha Hera. E vamos fazer isso mesmo que custe nossas vidas. - disse Nionx.

— É muito bonito ver a lealdade de vocês por Zeus. eu mesma sempre fui fiel e leal a ele sempre era apunhalada pelas costas. Tomem cuidado. - eu comecei a caminhar em direção a multidão.

— Não está planejando fazer mal a uma criança, está? - disse James.

— Fazer mal para crianças indefesas nunca me incomodou. - eu ri. - Eu só quero conversar com Patty, vê-la de perto. Vocês têm minha palavra, podem até ouvir o que vou dizer. - eu sorri.

— Venha. - disse Nionx.

Patty Wilson estava sentada em um banco um pouco mais afastado dos outros. Quanto mais eu me aproximava dela, buscava entender o motivo de Zeus ter lhe escolhido entre tantas outras mortais. o que Patty Wilson teria de especial? Seria sua beleza? O fato de ser mais jovem do que eu? (bom, não que isso me preocupe tanto, pois posso ter a aparência que eu desejar e as amantes mortais de Zeus sempre eram alguns longos milênios mais jovens do que eu) Mas ainda sim me perguntava o que ela tinha.

— Patty, você tem visita.

— Olá Patty. - eu disse.

— Olá…

— Hera.

— Hum… que nome diferente, mas eu gostei.

— Sim, é de origem grega, significa heroína, minha mãe era grega. - e eu também. - Seu bebê é lindo, posso ver o rostinho?

— Pode, claro. - Patty virou a criança para mim. Era um menino, tão pequenino e frágil, com os poucos fios de cabelo pretos e os olhos ainda fechados, mas ele tinha a mesma expressão entediada de Zeus.

— Qual é o nome?

—Dimitry.  Esse era o nome do meu avô, ele fazia parte do movimento hippie dos anos sessenta. meu avô conheceu minha avó nessa época, Maria Hernandez, que era cigana. eles rodaram o mundo juntos, e assim foram meus pais e será eu e Dimitry.

— Mas seu filho não é muito novinho para viajar?

— Sim, mas os médicos disseram que a saúde dele é incrível, além disso, meu filho é especial e forte como o pai. - Patty deu uma risada como se dissesse “ meu filho é um semideus, engole essa!”

Toda a ternura que a criança me fez sentir morreu dentro de mim após essa frase. Lembrar que esse garotinho é filho de Zeus me causa dor.

— Te desejo boa sorte, para você e o pequeno Dimitry.

— Obrigada, Hera.

— Tenha uma boa vida. - sorri.

As primeiras peças da minha vingança já foram encontradas.