Infinite escrita por Skye Miller


Capítulo 17
Promessas quebradas e corações partidos.


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos amigos. Desculpem-me por estar tão fora de reta nos últimos meses. Mas, hoje, em meio á bebidas, cigarros e um coração partido, estou aqui com um capitulo fresquinho á vocês. Não to muito legal não, tem... coisas... acontecendo comigo, então espero que possam comentar, vocês não imaginam o que um simples comentário pode fazer.
Eu adorooooo esse capitulo, e espero que você também.



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Aeroporto de Indiana. Pessoas de diferentes classes sociais transitando de um lado para outro, com malas e mochilas abarrotadas de coisas. Algumas correm, outras parecem que nem sequer saem do lugar. Natalie e papai estão em frente ao corredor de embarque, as mãos entrelaçadas e os sussurros se misturando com risos e demonstrações de carinho.

Minha cabeça lateja um pouco. Parte de mim diz que é porque acordei tarde demais e ainda não tive um desjejum, mas a outra joga na minha cara o quanto será estranho e desconfortável passar o final de semana a sós com o meu pai, dentro daquela casa enorme sem a presença contagiante da minha madrasta.

Natalie acena para mim e eu automaticamente aceno de volta. Ela irá passar o final de semana com seus pais, em Austin, pois vem adiando essa visita desde o natal. Meu pai tem muito trabalho acumulado na editora e não poderá ir, mas prometeu acompanhá-la na próxima vez e de sobra disse que talvez me levasse junto. Não que isso seja algo bom, mas por poucos segundos fico animada, até lembrar que não devo confiar plenamente no que meu pai diz.

— Não se esqueça de checar o alarme de segurança antes de dormir. – Papai revira os olhos, o que faz com que Natalie revire os olhos, o que faz com que até eu revire os olhos. – Estou falando sério, Theo. Três vezes. – Ela lhe dá um beijo na bochecha e arruma a sua gravata antes de se afastar e me dirigir um sorriso. – Tome cuidado com o horário, Vivi.

Natalie sabe que provavelmente irei sair de casa hoje à noite. Mas, ao contrário das outras vezes, não irei apenas ficar sentada na varanda contando e recontando as estrelas no céu – As molas do meu quarto são poucas e não dá para fazer muitas somas com elas. – vou para mais uma festa com Colin. Não que isso seja algo que eu queira mesmo fazer, mas vou tentar cumprir mais um item da lista com isso.

Meu pai ergue uma sobrancelha, tentando entender o que isso significa. Mas Natalie já está andando para longe de nós. Ficamos ali por um tempo, até que meu pai suspira e diz que já vamos para casa. Fico me perguntando o que casa significa. Se o lugar onde ele e Natalie vivem pode ser considerado como um lar para mim. Se a casa onde moro com a minha mãe durante quase toda a semana é mesmo o meu lar. E, após isso, questiono-me sobre o que realmente é um lar de verdade.

Quando chegamos ao condomínio, fico torcendo para que Colin simplesmente surja no meio da rua e me arraste para qualquer outro lugar, mas ele provavelmente está ocupado comprando bebidas e programando a festa de hoje com os outros jovens . Nós passamos por um grupo de garotas conversando na área de lazer e meus olhos se distraem por tanto tempo encarando-as que não percebo que meu pai já estacionou o carro e está olhando para a mesma direção que a minha.

— São suas amigas? – Sinto vontade de rir. Já fazem exatamente seis meses que estou vindo para cá nos fins de semana e nunca, nunquinha, conversei com alguém além de Colin. A única explicação para eu encarar essas garotas é a possibilidade de uma delas ser Sky. – Se quiser, pode passar a tarde com elas.

— Não são minhas amigas.

— Não? – Ele parece confuso. Talvez, quando saio com Colin, Natalie diz que estou com minhas amigas. Acho que Natalie é, além de uma madrasta legal, confiável. Ou não. – Você poderia chamar a Mayra e Andy, então.

Não digo a ele que o nome delas é Mayune e Anne. Não digo a ele que Anne provavelmente está transando com Maxwel no seu quarto. Não digo a ele que Mayune deve estar em mais um dos seus encontros com o tal Taylor que ninguém faz a mínima idéia de quem seja. Não digo a ele que não considero mais elas minhas amigas, que elas não passam de companhias diárias para que eu não fique completamente sozinha. Não digo a ele que minha verdadeira amiga é uma desconhecida que encontro dentro do armário do zelador. Não. Eu apenas dou de ombros e saio do carro.

Não á muitas coisas para fazer aqui sem que Natalie esteja em casa. Papai comprou uma marmita, pois é péssimo em cozinhar e Natalie não deixou nada além de comida vegetariana congelada. Ela nem imagina que papai come bife assado e sanduíche de frango quando ela fica fora por muito tempo.  Meu pai diz que se comer mais um pedaço de salsicha de soja, vai acabar vomitando. Fico me perguntando se ele realmente ama Natalie, e, por amá-la, abriu mão da sua dieta de carne vermelha para comer apenas coisas naturais.

Mas então, poxa vida, lembro-me que este homem a minha frente com os cabelos grisalhos começando a ficar calvos nas laterais da cabeça, com sua camisa social, uma calça cáqui e um sorriso tranqüilo no rosto é o mesmo homem que está ao lado da minha mãe com uma simples roupa completamente feita de lã segurando uma xícara de chocolate quente em uma foto escondida debaixo de diversos tecidos na ultima gaveta do armário. Lembro que este homem, um gerente de uma editora bem sucedida e famosa casado com uma ruiva linda e sensível, um dia foi um simples pai de família que se importava apenas em fazer traduções de livros estrangeiros e qual seria a próxima demonstração de carinho que iria fazer para a sua amável esposa, uma mulher baixinha e com um pouquinho de quilos a mais para a sua estatura.

Então as minhas dúvidas são inteiramente respondidas quando o interfone toca e a voz que saí dos alto falantes e se espelha pela casa é a de Kiersten. Meu pai não está olhando para mim, seus dedos tremem levemente quando ele aperta a chave de segurança e a porta da sala se abre. Não consigo pensar, não consigo raciocinar, tudo o que eu consigo fazer é continuar sentada olhando para o rosto do meu pai. A sua expressão está neutra e ele abre um sorriso digno de comercial de pasta de dente quando Kiersten aparece.

— Você demorou demais para alguém que foi apenas deixar a princesinha no aeroporto. – Além do dia do enterro de Juliet e as diversas vezes que encontrei Kiersten esparramada no sofá da minha casa assistindo á alguma série new adult com a minha mãe, nunca fiquei em sua presença por muito tempo, estar no mesmo ambiente que ela faz com que meu corpo inteiro tenha espasmos e enjôos. – E eu sei que ela deve ter entupido a geladeira com proteína, vegetais e... Vivi!

Braços longos e estranhos estão me cercando agora. Um perfume importado extremamente adocicado me impede de respirar ar puro. Cabelos curtos e repicados pinicam meu rosto e me irritam profundamente. Eu a odeio. Eu a odeio tanto que sinto vontade de expulsá-la da casa de Natalie agora mesmo, sem a menor cerimônia. Eu a odeio tanto e meu pai sabe exatamente disso, pois está me repreendendo com o olhar e advertindo-me a não fazer nenhuma cena.

— Não sabia que você estava aqui! – Quero xingá-la de oportunista e perguntar qual é a sua real intenção em entrar aqui como se tudo isso lhe pertencesse, quero jogar na sua cara o quanto ela é uma vadia, que, mesmo com quase cinqüenta anos continua a mesma vadia de sete anos atrás, ou dezessete, ou uma vida inteira, nunca consigo realmente acompanhar a ordem cronológica no que se diz respeito á falta de caráter de Kiersten. – Fiz um assado de carne maravilhoso recheado com batata e...

— Eu sou vegetariana. – As palavras saem de maneira lenta e ameaçadora. Seu sorriso de plástico se desfaz no instante que eu empurro delicadamente mas não tão delicadamente assim a travessa que ela pôs em cima do balcão. Meu pai não diz absolutamente nada, apenas coloca a sua marmita no forno e fica de costa para nós. Ele deve estar com medo de Kiersten. Ou, pior, de mim. Espero que ele esteja realmente com medo de mim. – Obrigada pela intenção, mas nós vamos nos virar muito bem com o que Natalie deixou.

— Ah, não foi nada demais. É só que as coisas que Natalie faz são tão sem... sem vida e eu preparei esse almoço exclusivamente para que eu e o seu pai... quero dizer, vocês possam comer bastante carne ao invés dessas salsichas com gosto de isopor. – Ela olha cada centímetro da cozinha, como se buscasse uma saída, ou melhor, uma solução para um grande problema. Como se, na verdade, tivesse algo extremamente errado no meio de tanta louça de porcelana. Mas não há nada ali para ela. Está tudo intacto, tudo perfeito, da maneira que Natalie deixou e que Kiersten jamais poderia deixar. É como se ela estivesse procurando a falha que a levará para a oportunidade perfeita de ser uma completa descarada novamente, e talvez ela ache que a comida seja o meio para alcançar o que tanto deseja. – E eu sei o quanto Theo adora assado.

Kiersten nunca gostou de cozinhar. Nunca, nunquinha. Nas raras vezes que tentou fazer algo ficou mais parecido com uma lavagem do que qualquer outra coisa. Mas ela gostava de observar mamãe cozinhar, não coisas em gerais, mas exclusivamente assado de carne com batata. Juliet costumava debochar que ela nunca conseguiria alimentar alguém apenas com assado de carne, mas mamãe piscava um olho e dizia que Kiersten estava tentando aprender para impressionar alguém. Então, Kiersten começou realmente a fazer o assado com a mamãe ao invés de apenas observar, pois fazíamos isso quase duas vezes por semana, por ser a comida favorita do papai. Ele dizia ser a especialidade da mamãe. Até que, um dia, Kiersten fez sozinha o nosso almoço. E ficou bom, muito bom, tão bom que papai ousou dizer que estava melhor do que o da mamãe. Kiersten disse “A prática leva a perfeição” antes de piscar um olho e sorrir de um jeito estranho e o papai sorriu do mesmo jeito para ela.

E, agora, tudo faz sentido.

O telefone de Kiersten toca antes que eu possa dizer alguma coisa e ela diz que precisa voltar para casa, mas não sem antes dar um tampinha demorado no ombro do meu pai e observar o seu perfil por tempo demais. Isso me deixa tão enjoada que preciso respirar fundo para não desmaiar. Quando ela finalmente sai, meu pai dá a volta no balcão e senta-se ao meu lado na mesa. Nenhum de nós toca no assado.

— Não sabia que você virou vegetariana.

— Não sabia que Kiersten virou sua cozinheira particular.

— Ela só está tentando ser educada.

Como a torta de abobora com gergelim que Natalie fez, pois quero me manter fiel á ela, mesmo que meu pai não seja. Sinto uma imensa vontade de lhe mandar uma mensagem, e dizer exatamente o que aconteceu, e avisá-la para tomar muito cuidado com Kiersten. Mas eu não mandei uma mensagem para mim mãe, não disse exatamente o que aconteceu, não a avisei. E, por mais que apenas eu saiba de tudo sobre quem Kiersten realmente é, não posso intervir. Não mais. Não se acabar como da ultima vez, com promessas quebradas e corações partidos. Tudo o que posso fazer é sentir ainda mais rancor e mágoa do meu pai.

— Sabe, nesse período em que estive aqui, achei realmente que você tinha mudado. Não, não, não, estou invertendo as coisas, achei que Kiersten tinha mudado.  Mas, que sorte a minha, não é mesmo? Que falta de discernimento óbvio. Ela continua igualzinha. E vocês dois vão fazer tudo de novo. – Levanto-me e sigo para meu quarto. Sei que meu pai está atrás de mim, consigo sentir o seu olhar atravessar minha nuca. – Só não faça isso com a Natalie, por favor. Ela não merece. Ninguém merece isso, na verdade. Mas, sabe o que é o pior? Eu estava pensando em realmente perdoar você, pai. Mas você está se afundando nos mesmos erros do passado, nos mesmos erros que fizeram com que um dos dias mais felizes da minha vida se tornasse o pior deles, por todos os anos, para sempre.

Ele toca meu ombro e isso é o suficiente para que as lagrimas rolem pelo meu rosto e deixe minha visão turva. Antes que ele tenha a sensibilidade de falar alguma coisa, já estou me afastando, já estou fechando a porta, já estou indo para debaixo da cama, já estou contando e recontando as molas. Já estou me afundando nessa lama preta e densa mais uma vez. Já estou tentando encontrar o infinito, mas o infinito como sempre está tão distante que jamais poderei alcançar. E, quando finalmente me canso,quando finalmente fecho os olhos e me encolho como uma bolha, desejo que Juliet estivesse viva, e uma dor se espalha pelo meu peito ao me lembrar que, mesmo que ela estivesse aqui, não poderia fazer nada, não iria fazer nada.  Não faria a menor diferença.

***

Meu quarto. Estudando a probabilidade estatística que quebrar um osso ou sofrer uma leve fatura ao pular de uma altura de dois metros. O céu está escuro, as luzes dos postes estão acesas, o silencio é tudo o que consigo ouvir.

Quando eu assistia Juliet sair de casa escondida pela janela do quarto, com suas botas de couro vermelha, saia jeans e uma blusa preta colada ao corpo, ficava me perguntando quando seria a minha vez. Se seria realmente interessante ir para festas, se a sensação de estar em um lugar fechado com diversas pessoas, música alta e um cheiro peculiar de cerveja, cigarro e alguma outra coisa indescritível era realmente boa.

E agora que isso está acontecendo comigo, que eu literalmente estou vivenciando esse momento de se esgueirar por uma janela e saltar diretamente para os arbustos recém cortados, pergunto-me se vale mesmo a pena tamanho esforço, se estou mesmo feliz em tentar ser como Juliet. Fico pensando nisso por tanto tempo que nem percebo quando estou parada em frente ao salão de festa. Então todas as dúvidas passam, pois Colin está me esperando com um sorriso lindo no rosto, o cabelo loiro grudado na testa e os braços abertos para me receber.

Ele diz que eu estou bonita. Ele diz que está feliz em me ver. E que a noite é uma criança, então eu devo me divertir, devo me permitir brincar sem me preocupar.

E então entramos. E eu esqueço da minha mãe, do meu pai, de Kiersten. Esqueço-me que Juliet não está mais entre nós, e que eu estou tentando seguir seus passos. Esqueço-me que sou uma farsa, uma marionete fajuta sendo controlada por mim mesma. Esqueço-me de absolutamente tudo, apenas respiro fundo e abro um sorriso no rosto.

Não demora muito até que eu já esteja balançando o meu corpo de maneira descontraída. Ao contrário da ultima vez que estive uma festa, não estou presa em um banheiro sentindo-me péssima e tendo efeitos reversíveis por ter bebido. Não, eu estou sorrindo. E meu sorriso parece contagiar todo mundo, pois eles sorriem de volta e deixam claro que adoraram me conhecer, que meu entusiasmo os fazem lembrar de Juliet chapada, e isso me deixa ainda mais feliz, mesmo que eu não esteja chapada, apenas alegre.

Colin me convenceu a convidar outras pessoas, então mandei um sms para Anne e Mayune. Não mandei para Aaron, não porque não quisesse, mas não sei bem como eu iria agir se ele estivesse aqui. Mas eu o sinto aqui, de alguma forma, e isso parece estranho, faz com que eu pense que estou paranóica. Mas sei que não estou, pois Colin me disse, em um tom amargo, que Ramona o convidou. É claro que Ramona o convidou, ele fazia parte do seu grupo de amigos, o mesmo grupo de Juliet, o mesmo grupo da foto que encontrei em seu quarto. Então tento não me preocupar com isso. É um local grande, talvez eu nem sequer tope com ele.

Quando Anne e Mayune chegam, já estou tão elétrica pela música, pela dança e pelas pessoas que se interagem comigo que nem sequer fico chateada por elas me olharem torto. Eu estou feliz. Estou rindo tanto, tanto, tanto. E não ligo para o fato de minha voz estar saindo em um tom mais alto que o normal, pela minha maquiagem já estar borrada e a minha visão estar turva. Eu só quero que a tensão da tarde de hoje passe, eu só quero que meu pai esteja realmente no seu quarto agora e não em algum outro lugar com Kiersten.

Ramona está servindo bebidas em uma bancada. Ela não fala comigo, mal ergue os olhos quando eu me aproximo. Tenho uma súbita vontade de perguntar se ela vai para o treino de segunda, mas a resposta será obvia, ou talvez ela nem se de o trabalho de me responder. Eu a encaro. Deus, Ramona é tão linda. A maquiagem preta de sempre não está tão pesada, e o pierceg do nariz enorme foi substituído por uma simples pedra vermelha. Seus olhos são selvagens. Sem falar absolutamente nada, ela coloca um copo com uma bebida rosa na minha frente. É o que tenho bebido a noite inteira. Eu lhe dirijo um sorriso enorme e ela apenas dá de ombros.

Sento-me no estofado ao lado da bancada. Meus olhos vagueiam entre as pessoas que estão aqui. A maioria mora no condomínio, e são bem mais velhas do que eu. Mas não me preocupo tanto com isso, não ligo por nem ter dezoito anos ainda, por ser uma pirralha em meio á esses “jovens adultos”. Estamos todos nos divertindo.  E então eu estou dançando, completamente bêbada e louca. E Mayune também dança comigo, e eu estou sorrindo depois de tanto tempo. E talvez eu esteja imaginando coisas, mas Aaron está do outro lado do salão, sentado perto do DJ, encarando-me. Sinto seu olhar em mim arder cada centímetro da minha pele, como uma brasa viva, que me deixa extasiada e em desejo, um desejo que não reconheço, subir do dedinho do pé até meu ultimo fio de cabelo. E é claro que eu ignoro esse sentimento.

Estou cansada, então volto-me a sentar. Tem um garoto do meu lado. Ele está falando alguma coisa sobre ter me observado dançar, e eu estou assentindo, como se estivesse realmente prestando atenção. E minha cabeça parece girar um pouco, mas eu sorrio e assinto nos momentos certos. Eu o conheço de algum lugar, mas não imagino de onde. E agora ele está me elogiando, e chegando perto demais, e eu estou me afastando, pois realmente não estou me sentindo tão confortável quanto deveria. E Aaron parece estar cada vez mais perto e ao mesmo tempo cada vez mais longe, e uma terrível e obscura parte de mim deseja que ele estivesse aqui agora.

Então Maxwel e Anne sentam-se ao nosso lado. Maxwel e o garoto estão conversando sobre alguma coisa da escola, e agora eu o reconheço como o garoto que ficou me encarando no Quinns, no meu primeiro jogo. Anne está com os braços cruzados, o olhar distante, acariciando o ombro de Maxwel e às vezes o apertando com força, como se pedisse atenção, como se pedisse qualquer outra coisa e ele simplesmente não faz nada a respeito.  E antes que eu possa me controlar, as palavras já estão escapando da minha boca:

— Você é um bosta, Crass.

Por um segundo, tenho a impressão de que a música parou, que as pessoas não estão dançando mais, que tudo está congelado, que a minha frase foi capaz de fazer com que todos saíssem de sua zona de conforto. Mas é claro que isso não é real. Está tudo normal, tudo menos o olhar estranho que Maxwel me dirige.

— O que você disse?

Eu deveria calar a boca, deveria sim, com toda a certeza do mundo. Mas o álcool se fundiu em meu sangue, e minha mente parece estar entorpecida. E as palavras parecem brincadeira de criança quando saem pelos meus lábios:

— Que você é um bostinha que só pensa em si mesmo. Nunca gostei de você, sempre te achei arrogante. Acha que não sei que você trai a Anne com qualquer puta da Walter? Que só vai atrás dela pra fazer sexo? Você é um bosta. – Eu paro de falar por um segundo, respirando com força todo ar que consigo, antes de me virar para Anne, que está com os olhos arregalados, olhando-me como se eu fosse louca. – Ele é um otário, amiga.

— Vivi, qual é o seu problema? – Opa, essa não é a reação que eu esperava de Anne, não mesmo. – Quão bêbada você está? Por que você está dizendo isso?

— Porque é o que eu acho.

— Ah, e quer saber o que eu acho, Vivi? – A voz de Maxwel é cheia de sarcasmo, e o seu maxilar treme quando ele aproxima o rosto ao meu, deixando apenas cinco centímetros de distancia. Seus olhos são frios, calculistas, e completamente escuros. – Que você é uma mimadinha que fica chorando pelos cantos por causa da porra da sua irmã morta.  Que age como se todos nós tivéssemos culpa por causa da porra do que aconteceu. – Ele olha para o garoto ao meu lado e balança os ombros, impotente. – Você merece porcaria melhor do que esta, Jimmy. Não vale a pena perder seu tempo com essa garota. Ela é uma otária, amigo.

Meu rosto inteiro esquenta. Minhas entranhas se retraem. Minha cabeça dá uma volta completa no planeta Terra e volta. Sou tomada pelo impulso de tal forma que pego a minha bebida e jogo com tudo em Maxwel. Gotas rosas se espalham pela sua camiseta amarela, e seu rosto está ensopado. Ele urra e xinga enquanto se levanta. Tenho medo de que faça algo contra mim, que diga palavras ainda mais cruéis, que tome alguma atitude brusca ou algo do tipo. Mas não, ele apenas balança a cabeça, em desgosto.

— Achei que você fosse melhor do que isto, Violet.

Não sei se estou surpresa pela calma na sua voz ou por ele saber meu nome verdadeiro, ao invés de me chamar de Vivian, como todo mundo. Engulo o caroço em minha garganta e o observo partir em direção ao banheiro, com Anne ao seu lado apertando seu ombro, olhando-me como se não me reconhecesse. Poucas pessoas notaram meu espetáculo e Ramona é uma delas. Os olhos fixos em Maxwel, depois em mim. Aaron também. Ele está se aproximando cada vez mais, está cada vez mais perto, e sei que ele vai me dar uma bronca, sei que ele vai me humilhar, fazer com que eu me sinta péssima, como uma criança idiota.

Olho para Jimmy. E ele está olhando para mim. E ele é um completo desconhecido, que parece estar tentando entender o que aconteceu. Nem mesmo eu entendo o que aconteceu. E Aaron está á menos de dois metros de distancia, está prestes a abrir a boca, quando eu simplesmente me aproximo de Jimmy, passo os braços por seu pescoço, e o beijo.

É um beijo completamente molhado e fora de sincronia. Eu tento acompanhar seu ritmo, mas a bebida me deixou lerda e risonha, então a todo instante rio em meio ao beijo. Minha cabeça dá voltas e faz perguntas estranhas, do tipo: Ele não deveria estar tentando usar a língua? Mas não há línguas, apenas lábios uns contra os outros. E mãos. Mãos que sobem e descem pelo meu corpo.

Nunca beijei um estranho, não desta maneira. E é diferente, é algo que nunca me imaginei fazer. E confesso que uma onda de adrenalina faz com que eu incline mais a cabeça, chegue ainda mais perto. Não sei se estou gostando do beijo ou da sensação de estar fazendo algo completamente fora da minha zona de conforto, mas eu continuo a beijá-lo, continuo a soltar risadinhas a todo instante e deixar que minhas mãos deslizem por seus ombros e cabelo. Até que, enfim, nós nos afastamos. E nos encaramos. E eu digo:

— Oi.

Ao mesmo tempo em que ele diz:

— Preciso ir agora.

Minha cabeça gira. A adrenalina esvazia do meu corpo. O meu sorriso se desfaz.

— Como assim?

— Eu vou voltar. Só tenho que... – Ele olha para os lados, perdido. – É rápido.

Um estranho embrulho faz meu estomago se retorcer.

— Promete? – Jimmy arqueia as sobrancelhas, talvez medindo o quão bêbada eu estou. – Olha nos meus olhos e promete que vai voltar.

— Prometo.

E ele se foi. Se misturou á outros corpos em meio a multidão. E agora estou sentada, sozinha, com um copo vazio e os lábios formigando. Aaron não está aqui, claro que não estaria, por que ele perderia seu tempo vendo-me beijar outro cara? Talvez agora ele veja que não sou uma criança completa, que ele pode até nunca ter se interessando por mim, mas outros caras, sim. E o tempo passa, depressa e ao mesmo tempo de maneira lenta. E Jimmy não volta. E eu começo a perguntar para as pessoas por ele, começo a dizer que ele vai voltar, sim, pois ele prometeu. E então tudo está rodopiando e eu o vejo do outro lado do salão, dançando,com outra turma, com outra garota.

E estou chateada. Não por ele. Mas por mim. Por me deixar enganar. Por acreditar em pessoas mentirosas, pessoas que prometem e não cumprem. Pessoas como meu pai, que aperta minhas mãos delicadamente, olha-me diretamente nos olhos e promete que tudo ficará bem, que eu serei sempre sua princesinha, que serei sempre inocente e meus sonhos e certezas vão permanecer intactos. E ele destruiu tudo. A promessa foi quebrada de maneira bruta e cruel.

Não choro nem nada disso, apenas caminho até a porta do salão. Estou me sentindo sufocada, e sei que Aaron está me observando a distancia. Não quero falar com ele agora, não quero falar com ninguém agora. Colin grita meu nome, diz que está cedo demais para ir embora, mas eu continuo andando, até que paro na porta, com os braços cruzados, o cabelo sendo chicoteado pelo vento.

Ramona Lancaster está sentada na grama. Ela olha para as estrelas e murmura palavras que não entendo. Seus dedos estão rodeando uma garrafa verde, as unhas pintadas de preto estão descascando nas pontas. Ela fecha os olhos e eu me aproximo. Sento ao seu lado. E não dizemos nada uma à outra. E eu sinto que já fiz isso antes, em algum momento, mesmo que nunca tenha estado tão perto de Ramona antes. Mas a sua presença ao meu lado parece ser algo que conheço, algo ao qual estou habituada. E eu me permito respirar fundo e relaxar.

Deito-me, para que possa ter uma visão melhor das estrelas. Começo á contá-las, mas elas acabam se misturando umas com as outras e viram um emaranhado de pontos brancos brilhantes que me deixam confusa. Minha cabeça parece girar e eu fecho os olhos, respirando com força. Quando os abro novamente, não é o céu que eu vejo, é um teto, as telhas alinhadas metodicamente e perfeitamente. Estou na varanda da casa do meu pai. Sei disso. Mas por que estou aqui?

Aaron aparece no meu campo de visão, a testa franzida, sobrancelhas unidas. Pergunta se tenho a chave de casa e eu balbucio alguma coisa incompreensível. Ouço um suspiro. É Ramona, ela está com as mãos ao redor dos quadris e empurra o tapete para o lado. Será se ela acredita que Natalie seria idiota o suficiente para deixar um chave dando sopa assim? Será se ela realmente acredita que a vida é como nos filmes americanos?

E, o pior, é que ela está certa. Há realmente uma chave embaixo do tapete. Aaron me levanta, e eu me sinto pesada, apesar de ele estar me carregando como se eu fosse uma pena, os braços rodeando meus tornozelos e costas, minha bochecha pressionada contra o seu peito, tão rígido que me pergunto se Aaron só aparenta ser magro, mas não é.

Meu pai não está em casa, sei disso porque a porta que dá acesso á garagem está aberta e o carro não está lá. Não faço idéia de que horas são, mas sei que é tarde, e isso só pode significar uma única coisa. Meu estomago embrulha mais uma vez e minha garganta fecha de tal forma que aperto o braço de Aaron para tentar me manter calma.

Ramona tira meus sapatos e espalha meus cabelos no travesseiro quando Aaron me deita na cama. Eles ficam lá, parados, encarando-me. Então Ramona simplesmente vira e sai, como se nada disso tivesse importância, como se estivesse apenas fazendo um ato de caridade. Talvez seja isso mesmo, mas quero acreditar que, assim como eu, ela deseja ser minha amiga. Uma amiga de verdade, como Sky é para mim.

Aaron permanece cruza os braços e se encosta na porta do quarto. Seus olhos, o azul mais lindo que já vi em toda a minha vida, estão indecifráveis. Espero que ele brigue comigo, que diga que fui longe de mais, que, assim como Maxwel, esperava que eu fosse melhor do que isto. Mas ele permanece em silencio, e isto é o que faz com que eu me sinta tão inquieta.

— Desculpa. – Sussurro. – Nem sei porque estou pedindo desculpas, mas estou.

Seus olhos piscam. Uma, duas, três vezes. E assente.

Apenas isso.

Isso é tudo o que tenho de Aaron, um aceno de cabeça e um piscar de olhos.

— Eu acho que... – Ele engole em seco, hesitante. Seus olhos varrem todo o meu cômodo, parando por um demorado tempo na minha parede esquerda, coberta de fotografias antigas. – Vou para casa.

Ele já está dando meia volta quando eu sussurro:

— Não quero ficar sozinha.

Seus ombros ficam tão rígidos que acho que vão acabar sendo faturados. Ele gira a cabeça em minha direção, analisando-me cuidadosamente, talvez testando se estou blefando ou não. Eu odeio Aaron. Odeio tanto que meu peito dói só de pensar. Eu odeio o seu sorriso debochado quando digo que quero ser perfeita como Juliet. Odeio as músicas de rap que tocam no seu carro. Odeio seu olhar desafiador, duro, impotente. Odeio que ele sempre pareça estar certo sobre algo. Odeio não esquecer quem ele era no passado. Odeio esperar que ele volte a ser aquele garoto por quem um dia me apaixonei. Odeio Aaron.

Mas, poxa, eu me sinto tão... infinita quando estou com ele. E isso me assusta, pois tenho medo, tenho medo de que, quando ele se for, como todos os outros, o meu infinito simplesmente se esvaia. Isso me deixa amedrontada.

Eu me afasto para o canto da cama, deixando claro o que ele deve fazer em seguida. E ele faz. Tira as botas de coro e deita-se ao meu lado. Estou por baixo de uma camada grossa de edredom, e ele não. Ficamos, juntos, encarando o teto do meu quarto. Consigo sentir o movimento da sua respiração, e isso faz com que eu consiga respirar normalmente, também.

— Acho que nunca mais vou beber na minha vida.

Aaron surpreendentemente sorri, de uma maneira rouca e gostosa de se ouvir.

— Pense pelo lado positivo: Você completou dois itens da lista.

— Completei?

— 5° Dance em um bar e fique bêbada. – Ele se vira para mim, ainda sorrindo. – Não era bem um bar, mas dá pro gasto. Você sabe mesmo como mexer os quadris, Violet. – Seus olhos estudam o meu rosto, e eu sinto novamente aquele fogo pelo meu corpo, consumindo-me por inteira. E então o seu sorriso se desfaz. – 16° Beije um estranho.

— Ele não era um estranho.

— Não? – Sua voz sobe um tom que não consigo identificar necessariamente o que significa.

— Ele é amigo do Maxwel. Mas eu só fui descobrir isso depois daquela cena toda. E, bem, tá, ele é mesmo um estranho. E me abandonou tipo, do nada.

— Bom, agora sabemos que ele é um idiota.

Meu rosto cora e eu sorrio mais uma vez. Assinto, meio elétrica. A bebida já abandonou parcialmente o meu corpo e estou aos poucos recuperando meus sentidos.

— Eu só queria entender porque você o beijou justamente quando eu iria levá-la para fora, sabe, e me certificar de que estava bem depois de ter jogado sua bebida em Maxwel.

— Eu tive medo de você me dar uma bronca e começar a encher o saco.

— É, eu iria fazer isso, também.

— Então eu fiz a coisa certa o evitando ao beijar Jimmy.

Os olhos de Aaron escurecem e ele me encara tão diretamente que preciso lembrar a mim mesma como respirar.

— Você fez tudo errado, Violet.

Então ele fecha os olhos e não diz absolutamente nada em seguida. Sigo o seu exemplo, aproximando-me até que seu ombro esteja encostado ao meu, mesmo que uma grossa camada de manta nos separe. A sua presença faz com que eu consiga me sentir segura e não fique tentada a contar infinitamente.

E eu morro de medo do que isso significa.


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Notas finais do capítulo

Então Violet, pq tu não beijastes o Aaron ao invés do Jimmy? Tudo bem que ele não teria uma bora reação, mas com certeza não te abandonaria no meio da ficada kkkkkkkk
aiaaiaiaiaiaia vcs já sabem/tem noção de quem é a Sky pq vcs não são idiotas tenho certeza


booom, bjs de luz seus lindjos



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