Você é meu mundo escrita por Blue Butterfly


Capítulo 7
Um mundo do qual fugir


Notas iniciais do capítulo

Este é um capítulo agridoce. Ele me deixa triste. Como será que vocês vão se sentir lendo?



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Watanuki estendeu o lençol sobre o varal, sorrindo com o estado impecavelmente branco de tecido. Era um dia quente, mas não insuportavelmente quente, o céu tinha aquela tonalidade azul em que você podia se perder sem se dar conta e sem ficar chateado por isso. Seria tão perfeito se Himawari estivesse lá com ele, olhando o céu. E talvez, quem sabe, se Doumeki também viesse…

—Não!!! Eu não pensei nisso!!! Idiota, imbecil!!! Morra Doumeki, morra – o adolescente gritou agitando os braços e sacudindo a cabeça.

Claro que a culpa dele estar com aqueles pensamentos era do imbecil. Se ele não ficasse seguindo Himawari para cima e para baixo, disputando o lindo coraçãozinho da menina com ele, Watanuki não teria aqueles pensamentos perturbadores.

Aproveitando de um ótimo saquê, Yukko riu de seu assistente. O estado profundo de negação do garoto era hilário.

—Yukko – o Mokona preto chamou num tom sério – Não há muito mais tempo. Talvez fosse bom terminar a viagem que vocês começaram.

O sorriso da mulher caiu. A criatura estava certa, ela não tinha muito tempo. Vendo o adolescente correr pelo quintal, seu coração ficou pesado. Ela sentiria falta dele quando a hora chegasse.

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—Em Main Kumpf temos uma amostra precisa dos sentimentos de nosso Furer e seus sonhos para nosso futuro. Alguém poderia citar as palavras iniciais dessa grandiosa obra?

Uma menininha ergueu a mão, seus olhos azuis brilhando em expectativa, os cabelos dourados presos em duas harmoniosas tranças bem feitas. O professor sorriu com simpatia, deixando-a recitar o texto, seu rosto preso numa máscara de satisfação e felicidade extremamente convincente. Pela visão periférica ele podia ver através da janela algumas crianças correndo pela pista de atletismo, um professor apitando vez ou outra e berrando instruções para crianças verdadeiramente aterrorizadas com o homem. O professor de literatura quase riu. Quase.

—Muito bem – ele elogiou assim que a garota terminou – Para a nossa próxima aula eu quero a leitura das dez primeiras páginas de Main Kumpf, um resumo e uma lista de palavras desconhecidas. Estão dispensados por hoje.

Os alunos permaneceram sentados. Um menino alto e corpulento, estereótipo perfeito da raça ariana com seu cabelo claro e rosto saudável, se ergueu militarmente, o restante da sala acompanhando seu gesto. Ele foi o primeiro a estender a mão, seus olhos voltados com devoção absoluta para o quadro fixado acima do quadro negro.

—Hey, Hitler – ele bradou com fervor.

Os outros repetiram a saudação, só então voltando para seu material e se preparando para ir embora. O professor também foi até sua bolsa, guardando com cuidado seu exemplar do livro recém citado, um pote pequeno estava dividindo o espaço com o livro, seu conteúdo devidamente lacrado.

—Professor?

Ele se virou, uma menina pequena e delicada, com olhos profundos e tímidos estava parada a sua frente, cabeça baixa, o pé pequenino desenhando círculos no chão. A visão encheu o coração do mais velho, seu olhar se tornando terno.

—O que deseja, Sakura?

—É muito errado ter nossos próprios sonhos?

A pergunta estranha o pegou de surpresa, Sakura era uma menina enigmática, ela parecia feliz na maior parte do tempo, porém, se olhasse com atenção, era possível ver uma sombra por trás de seus olhos que jamais a abandonava.

—Por que seria errado, Sakura?

Era a estratégia que o professor sempre adotava. Numa época em que era arriscado declarar as próprias ideias, o bom senso o ensinou a devolver perguntas difíceis e guardar sua opinião para si mesmo.

—Eu não sei – ela murmurou, parecia tão perdida – É que, às vezes, eu sinto como se algo errado estivesse acontecendo, eu não sei explicar direito. Eu fiz a mesma pergunta para meu irmão.

—E o que ele te disse?

—Que eu não devia pensar nessas coisas.

Era uma boa resposta, ele elogiou o rapaz mentalmente.

—Então por que ainda pensa nisso?

—Eu… Eu quero entender o que o Shoran me disse aquele dia – ela murmurou tão baixinho que ele mal conseguiu entender – Se sonhar é permitido, por que ele teve que ir para longe? Por que ele… Sumiu?

O professor congelou, Shoran era um assunto tabu, nenhum professor estava habilitado a falar desse assunto com os alunos, não depois do escândalo que a prisão e condenação da família Lee causou. A garotinha a sua frente fora amiga do menino, muitas vezes ele encontraria os dois almoçando juntos ou fazendo seus deveres debaixo de uma árvore, o menino tinha verdadeira adoração pela garota. Era normal a preocupação dela. Mesmo assim, para a segurança de Sakura ele precisava manter o tabu valendo.

—Seu irmão está certo, você não deve pensar nessas coisas. Não esqueça seu dever de casa, está bem?

E sem esperar por ela, o professor se retirou, seu coração batendo dolorosamente em seu peito num protesto mudo contra suas palavras.

“Você não deve pensar nessas coisas”.

“Seus sonhos para o nosso futuro”.

“Grandiosa obra”.

“Não questione a decisão do Furer”.

“Esqueça o que aconteceu aqui se quiser viver”.

“Não pense sobre isso, não fale sobre isso, não faça nada arriscado”.

“Não é sua decisão”.

“Não…”.

—Fay?

Uma mão pesada e cheia de calos segurou o professor de literatura no lugar, olhos vermelhos procurando ansiosamente o rosto a sua frente, preocupação estampada na eterna careta de desgosto do homem. O professor de literatura tremeu, só então se dando conta de onde estava, ele tinha deixado a escola e estava atravessando o parque direto, completamente esquecido do encontro que marcara para aquela tarde.

—O que aconteceu? – o homem de olhos vermelhos pediu um tanto nervoso.

—Acho que vou vomitar – Fay anunciou abraçando o próprio abdômen.

—Pode segurar até chegarmos em casa? Ou devo te levar a um hospital?

—Não, tudo menos um hospital – o loiro pediu, o desespero tomando conta de sua voz.

O homem concordou, num gesto impensado ele bagunçou os cabelos negros, seus olhos vermelhos vasculhando com cuidado o arredor para ter certeza que estava tudo bem, não era o momento para ser descuidado, não depois de ter conseguido tanto com discrição e cuidado. Ele largou o professor loiro, arrumou sua própria bolsa, um apito pendendo em seu pescoço. Voltou a andar, sendo seguido por um tanto esverdeado Fay que tentava controlar a todo custo o fluxo anormal que insistia em invadir sua garganta.

Eles caminharam por meia hora, uma chuva leve surgiu quando faltavam apenas mais alguns passos, lavando seus rostos e molhando seus cabelos. O professor de educação física abriu a porta, o bairro em que estavam era de periferia, quase nunca alguém importante passava por lá, a polícia fazia uma pequena ronda uma vez no mês e era a única vigilância que aquele bairro ganhava. De certa forma, era bom morar lá, mesmo que o inverno fosse cruel. O enjoo de Fay tinha diminuído, embora os cabelos dourados colados na pele branca não lhe dessem um ar mais saudável.

Sem esperar autorização, o loiro retirou os sapatos na entrada, se jogando na única poltrona da sala sem se importar em tirar o casaco úmido. O moreno não disse nada, com cuidado ele organizou os dois pares de sapatos no devido lugar, deixou a bolsa e o casaco no lugar correto e foi até a cozinha preparar um chá, conhecendo o loiro como ele conhecia sabia que era preciso uma boa xícara de chá bem adocicado antes que ele estivesse pronto para conversar.

—O que aconteceu? – perguntou após depositar uma xícara de chá e dois bolinhos já secos na frente do loiro.

—Sakura veio falar comigo hoje. Ela não consegue aceitar o que ocorreu com o garoto Lee.

O moreno praguejou baixinho, se havia algo arriscado para se aproximar, perguntar ou pensar, pode ter certeza que um Kinomoto o faria. Era assim com o irmão mais velho da garota e parecia que a qualidade era uma herança familiar. Fay mordiscou um bolinho seco, perdido em pensamentos para reclamar do alimento.

—Kuro-puu, é errado ter os próprios sonhos?

—O que você acha?

O loiro piscou, concentrando seu olhar no moreno agachado a sua frente. Sem avisar ele largou o bolinho no prato e beijou os lábios rachados, um beijo que misturava desespero e aceitação. O moreno se permitiu ser beijado daquela forma, permanecendo estático e acessível. Quando finalmente o beijo acabou, o loiro soluçou, lágrimas percorrendo seu rosto magro, ele descansou sua testa na testa morena e fungou dolorosamente.

—Por favor, não me responda assim. Eu estou cansado de ouvir apenas respostas apropriadas.

—Inferno, é claro que não – o moreno garantiu revirando os olhos com a pergunta estúpida – Não importa o que digam, você é livre para sonhar com a merda que quiser. Só não pode esquecer a diferença entre sonhar e sair por ai dizendo o que sonhou, isso sim é perigoso.

—Kuro-puu, eu estou com medo.

O moreno quase sorriu, desde sempre tinha sido assim, o loiro brilhante, o grande gênio, pequeno prodígio que tinha encantado meio mundo, vindo de uma das mais tradicionais famílias arianas, com seu belo rosto magro de anjo, cabelos de ouro e olhos mais puros e azuis que o céu, era humano também. Mesmo se fazendo de forte, mantendo as aparências de que tudo estava bem, trabalhando incansavelmente e ensinando coisas que ele não acreditava com tanta convicção, quando estava com o moreno a máscara caía e o que restava era um jovem com medo, conhecedor do quanto custava ter suas próprias ideias e defendê-las abertamente. Era uma versão mais humana dele que qualquer outra que Fay mostrava fora daquela casa.

O moreno envolveu o loiro em seus braços, tomando o corpo pequeno em um abraço apertado, ficaram assim até que as últimas lágrimas rolaram e Fay parou de tremer.

—Hey, já disse que não tem que ter medo, idiota, eu não vou deixar nada de ruim acontecer.

—Eu sinto que o ruim já aconteceu. Céus, temos uma besta infernal guiando nosso povo – o loiro balbuciou num fiapo de voz – Não posso se quer proteger meus próprios alunos.

Kurogane fechou os olhos. Perder Shoran tinha sido difícil para os dois, o garoto era um bom rapaz, corajoso, puro, novo demais para entender o mundo em que vivia e o ódio que lhe era destinado.

—Não foi sua culpa, não havia nada que pudéssemos fazer.

—Uma parte racional dentro de mim sabe disso – Fay confessou – Só que como explicar isso para Sakura? Como contar que ela nunca mais verá aquele garoto? Eu tenho medo de mandar minhas crianças pensarem e acabar destruindo suas vidas. Tenho medo de falar de poesia e elas encontrarem a palavra liberdade. Tenho medo de dizer sobre a beleza da vida quando elas não podem encontrá-la.

E lá estava quem Fay era de verdade: um intelectual, um sonhador, um idealista, alguém que nasceu para viver entre livros, longe da sujeira do mundo e seus horrores, tomando uma xícara de chá extra adoçado, comendo bolinhos que acabaram de sair do forno e escrevendo poesias sobre uma borboleta pousando numa flor, o amanhecer em cima de uma colina. Frágil, querendo proteger o mundo quando mal podia se proteger, sofrendo dolorosamente o aprisionamento do conhecimento como se cada livro queimado e cada ideia rasgada fosse um parente.

—Eu estou do seu lado e não vou sair – o moreno jurou.

Fay relaxou. Aquele era Kurogane, corajoso, forte, um guerreiro, um protetor, alguém que nasceu para cuidar e lutar até o último suspiro pelo objeto de seu afeto, bebendo um chá amargo que lembrava a terra de sua mãe e praticando com uma espada toda noite antes de dormir. Majestoso, vivendo para manter quem ele amava vivo também, cuidando de cada aluno como se fosse um filho e sofrendo quando a crueldade tocava seus mundos.

Mais calmo, o loiro se afastou, sua mão buscando na bolsa o pote que guardara com todo o cuidado o dia inteiro. Ele estendeu o objeto para o moreno, um sorriso delicado e pequeno, absurdamente sincero, tocando sua face.

—Sei que são dias difíceis. Obrigado por permanecer ao meu lado – agradeceu com simplicidade.

Kurogane apenas balançou a cabeça e murmurou um “claro que vou ficar do seu lado, idiota” antes de abrir o pote, o conteúdo fez seus olhos se alargarem, um brilho especial tomando cada orbe rubi.  Dentro do pote repousavam oito bolinhos de arroz, um temaki e oito sushis, todos arrumados com carinho, um tsuru de papel de seda tendo seu lugar especial lá dentro.

—Feliz aniversário, Kuro-puu – Fay desejou.

O moreno não conseguiu responder, ele mal podia começar a imaginar as dificuldades que o professor de literatura tivera para encontrar os ingredientes e a receita para aqueles alimentos, era a comida que sua mãe preparava quando ele era pequeno, uma recordação agridoce que aquecia seu coração nas noites frias quando o loiro não estava por perto. Ele bagunçou o cabelo dourado em gratidão, finalmente sorrindo quando um par de hashi surgiu. Outra coisa importante sobre Fay: ele era frágil, na maior parte do tempo medroso, entretanto não havia limites para agradar quem ele amava.

—Esse é o milésimo tsuru que você faz para mim – o moreno percebeu.

—Você estava contando? – os olhos azuis brilharam em pura felicidade.

—É claro. Hey, não entenda errado, não é como se eu contasse todos os presentes que já me deu – ele contava – E nem significa que eu guardo esses pássaros de papel idiota – ele guardava – Há uma tradição, quando você faz seu milésimo tsuru, você pode fazer um pedido e ele se realizará.

Como uma criança que acaba de ganhar o melhor presente de todos, o loiro se agitou, mal parando sentado na poltrona.

—Eu quero que o Touya consiga fugir essa noite com a Sakura e o Yukito – ele desejou do fundo do coração – Eu quero que eles cheguem com segurança num lugar em que os três possam viver bem, mesmo o Yuki sendo judeu. Eu quero um dia poder rever o Yuki vivo e feliz, quero ouvi-lo tocando e sorrindo, ainda acreditando que o mundo é um lugar bom e que vale a pena viver.

Kurogane podia avisar que não era assim que funcionava, que para dar certo cada Tsuru tinha que ser feito com o desejo em mente, que o desejo não podia ser dito em voz alta… Mas naquela noite, ele apenas concordou. Porque se ele tivesse feito mil tsurus, depois da felicidade de Fay, ele desejaria que seus amigos conseguissem fugir e encontrar um pouco de paz.

O quarteto tinha se conhecido na infância de uma forma inesperada, Fay sempre tinha sido uma pequena estrela iluminando todos ao redor com seu sorriso fácil e sua inteligência incomum, ele aprendia qualquer coisa com uma velocidade espantosa e tinha devoção absoluta aos livros. Esse pequeno gênio era extremamente tímido na infância e tinha dificuldade em se relacionar com outras crianças, seu único amigo era outro garoto igualmente inteligente: Yukito, um adorável garotinho de óculos que sempre tratava as pessoas com uma bondade impensável. Yukito também era um tanto tímido, apaixonado por música, magrelo por genética uma vez que a quantidade de alimentos que ingeria num único dia quebrava recordes. Os dois garotos faziam uma boa dupla, silenciosos, responsáveis, com sorrisos inesquecíveis e jeito tranquilo. A vida deles só ficou mais agitada depois que Touya Kinomoto entrou nela.

O garoto era um esportista, amava vencer e comandar, tinha um jeito agressivo e mal humorado que afastava as crianças de sua idade, ainda mais quando sua pequenina irmã estava por perto. Irritadiço, ele sempre se isolava a menos que houvesse um jogo. Até que um dia ele acertou sem querer uma bola direto no delicado e frágil Yukito, quebrando o nariz do garoto.

Foi um acidente infantil e comum de se acontecer naquela idade, mesmo assim Fay fez uma confusão tão grande, gritando por ajuda enquanto acusava Touya e proferia insultos ao moreno – uma cena que mais tarde faria os professores rirem ao lembrar que Fay era para Touya o que uma formiguinha era para um leão – que o que era para ser simples e comum mudou a vida daqueles três garotos.

A perigosa mistura de um Kinomoto mais arrependido do que realmente precisaria e um loiro exigindo vingança a qualquer custo de alguma forma uniu os três e por algum evento extraordinário, como o alinhamento de planetas, a realização de uma profecia milenar, uma sexta-feira treze, macumba ou hitsuzen – yeah, foi hitsuzen – eles se tornaram inseparáveis.

Kurogane apareceu depois, já na adolescência. O garoto de olhos vermelhos e expressão carrancuda jamais pensaria seu futuro ao lado do trio, eles pareciam tão completos, cada um em sua própria genialidade, Yuki, o grande pianista, Touya, o atleta imbatível, Fay, o feiticeiro das palavras, ninguém podia ficar muito tempo perto e muito menos fazer parte do grupo. Porém, quando certo loiro botou os olhos no moreno, o mundo virou de pernas para o ar.

Usando variações improváveis do nome de Kurogane (Kuro-chi, Kuro-puu, Kuro-yay, Kuro-pi, Kuro-king, Kuro-dog, Kuro-meow, Kuro-wan, Kuro-pon, Kuro-chu, Kuro-chan, Kuro-bad, Kuro-pet, Kuro-wolf, Kuro-tan, Kuro-fraülen, Kuro-hyuu que era dito com um assobio final), o adolescente provocou, irritou e infernizou a vida do mestiço sem descanso. Até que um dia Kurogane se deu conta que estava entre os três gênios, almoçando junto e se divertindo junto, e descobriu qual era sua genialidade: aturar Fay sem matá-lo até o fim do dia.

O primeiro casal que surgiu foi Touya e Yukito, não houve espanto quando pela primeira vez Touya segurou a mão de Yukito na frente dos outros dois, era tão óbvio a linha que os ligava que nem o loiro nem o moreno precisaram perguntar o que estava acontecendo, eles simplesmente aceitaram. Também aceitaram Yukito quando a perseguição começou. Não importava quem tinham sido os avós ou tataravós do homem gentil e sorridente, Yukito era Yukito e só isso importava.

O plano de fuga fora idealizado com cuidado, como o mais genial dos quatro, Fay tinha planejado cada passo, usando seu dinheiro e alguns contatos no exterior para garantir uma fuga mais segura possível. Quando Touya avisou que estava partindo junto, levando também a irmã, nem o loiro ou o moreno tentaram impedi-lo, ao invés disso preparam o terreno para que tudo corresse bem.

E mesmo depois de tantos anos juntos, Fay e Kurogane permaneciam amigos, vez ou outra, um procuraria o outro para um beijo desesperado ou simplesmente para ter um pouco de calor durante uma noite fria. Nada além disso, mesmo os abraços eram restritos para momentos de dor, Kurogane era protetor e Fay do tipo que precisava de proteção, a relação deles parecia presa naquilo, sem avançar e sem regredir. Eram tempos difíceis o que estavam vivendo, algumas decisões deviam esperar ou nunca serem tomadas.

Kurogane comeu em silêncio, Fay finalmente trocou de roupa, tomando emprestadas algumas roupas do moreno e deixando as suas para secar na sala, algumas vezes ele se perguntava quando os dois teriam que fugir também, nada indicava que corriam perigo, mas ele não iria arriscar a vida de Kurogane a toa, a melhor maneira de sobreviver era fugir antes que o cerco se fechasse demais,

—Kuro-puu – chamou do quarto.

Não houve resposta, ele chamou uma segunda vez e ainda assim não recebeu nada além do silêncio, inquieto, voltou para a sala, uma prece silenciosa banhando cada um de seus pensamentos. Relaxou quando encontrou o moreno dormindo, sentado confortavelmente na poltrona, o pote que Fay tinha trazido depositado com cuidado no chão, vazio. Sabendo que ele jamais conseguiria lidar com o peso daquele homem sozinho, o loiro voltou para o quarto, tomando a manta mais pesada que encontrou e voltando para sala, sem hesitar ele foi para o colo do moreno, que mesmo dormindo se moveu para aconchegar o menor em seus braços. Fay cobriu os dois, depositando um beijo suave na testa do moreno antes de fechar os olhos.

Amanhã ou depois eles precisariam fugir, encontrar um lugar mais seguro onde Fay pudesse pensar livremente e Kurogane respeitar a cultura de sua mãe sem precisar se esconder. Mas eles podiam esperar pelo menos uma noite. Por pelo menos uma noite eles podiam deixar seus títulos de lado, sem se preocupar com a aula de literatura ou o próximo jogo em educação física, abrir mão do reconhecimento em ser um ariano puro e um miscigenado. Por uma noite, podia ser apenas os dois.

—Eu acho que te amo, Kuro-puu – Fay arriscou, seu coração tremendo com a verdade daquelas palavras – Meu sonho é que um dia nosso mundo possa ser um lugar em que possamos ficar juntos, em que não precisemos dizer adeus aos nossos amigos para que eles permaneçam vivos. Um mundo em que eu possa te dizer abertamente que você é o meu mundo.

E se calou, dormindo em seguida. Olhos rubis se abriram, um rosto moreno pensativo.

—Você também é meu mundo, idiota.

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—O Shoran…?

—Sinto muito.

—Por que você tem que ser tão esquisita? Você matou meu irmão logo no primeiro mundo!

—Eu não matei o garoto Shoran, Watanuki, eu nem se quer estou nesse mundo…

—Você entendeu o que eu quis dizer!!! Eu quero voltar para casa!

—Você realmente quer ter essa discussão de novo?

—…

—Já sei, por que ao invés de ficar emburrado não vamos fazer uma pequena visita para nosso Fay e nosso Kurogane? Acho que já se passou um bom tempo desde a última vez, tenho certeza que podemos encontrá-lo num momento bem importante se dermos uma olhadinha na viagem deles.

—…

—Watanuki?

—Tá bem. Mas é melhor ser um momento feliz! Céus, qual é o seu problema com a felicidade alheia?

—Você ainda está irritado por que interrompi seu pick-nick com o Doumeki-kun? Eu pensei que você não ligava…

—Calúnia! Perjúrio! Eu não ia fazer nada com aquele idiota, a culpa é dele! Toda dele! Se ele não fosse tão idiota a Himawari não teria desmarcado em cima da hora e nós teríamos uma tarde linda juntos.

—Claro, Watanuki, se você se sente melhor mentindo pra si mesmo, eu não vou estragar sua felicidade alheia. Mesmo depois que você só cozinhou o que o Doumeki-kun pediu.

—…

—Ohhhh, parece que cheguei num ponto sensível.

—Apenas nos leve para o próximo mundo!


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Notas finais do capítulo

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