Você é meu mundo escrita por Blue Butterfly


Capítulo 6
Um mundo em que te escolhi


Notas iniciais do capítulo

Particularmente, é um dos meus capítulos favoritos. Então espero que gostem.



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—Hey, Yukko, por que não espiamos nosso Fay e nosso Kurogane? Acho que seria muito bom ver o que eles estão aprontando.

—Calma, Watanuki, já expliquei que você não deve se prender em apenas um mundo. Sabedoria não é obtida assim.

—…

—Qual o problema. Saudade de casa? O que será que o Doumeki-kun deve estar fazendo agora?

—Eu não quero saber daquele idiota. Quem liga para o que aquele idiota está fazendo? Eu não ligo. Nem um pouco. Ninguém liga!

—Se você diz, Wa-ta-nu-ki.

—…

—…

—Yukko…

—Sim.

—O próximo mundo… Pode ser uma história boa?

—Estamos falando de Fay e Kurogane, é difícil a história deles ser sempre boa, Watanuki.

—Eu sei, mas…

—Uhm, porque não toca nessa agradável luz, Watanuki?

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—Tadaima.

Não houve resposta. Mais uma vez ele chegava e não tinha ninguém esperando por ele. Praguejando baixinho um monstro moreno de olhos vermelhos entrou, abandonando de qualquer jeito os sapatos na entrada. A casa sombria cheirava um pouco à poeira e abandono, revelando indiretamente quantos dias fazia desde a última vez que certo loiro hiperativo estivera ali. Era responsabilidade dele cuidar da casa, uma vez que o monstro moreno sempre acabava quebrando algo valioso quando tentava executar qualquer atividade doméstica.

O grandalhão se jogou no sofá, fechando os olhos e deixando o corpo relaxar nem que fosse por alguns minutos. Estava exausto, acabara de sair de um plantão de 48 horas, que originalmente era para ser só de seis para compensar o quanto ele vinha trabalhando, mas o acidente fez todos os policiais trabalharem até suas últimas forças.

Franziu a testa, irritado. Há oito dias um maluco terrorista explodira dois hospitais de uma vez, deixando inúmeros pacientes em uma situação crítica e matando outros tantos. A cidade de Tomoeda era regular em tamanho e população e contava com três hospitais de grande porte, com a destruição de dois todos os pacientes foram transferidos para o que sobrara, alterando o cronograma dos médicos e exigindo que eles também trabalhassem até a exaustão.

A sorte foi que eles desativaram as bombas antes que o terceiro hospital fosse atingido, quando as explosões começaram o loiro tinha acabado de iniciar seu plantão…

O monstro estremeceu. Ele não conseguia se quer imaginar o que faria se o loiro fosse ferido.

Abrindo os olhos vermelhos, Kurogane encarou a mesa de centro empoeirada, havia apenas uma toalha bordada à mão e um porta retrato de madeira um tanto antigo. Uma foto simples estava guardada nele mostrando o loiro e o moreno juntos, um sorriso puro no rosto do loiro enquanto o moreno fazia uma careta de desagrado. Kurogane sorriu, inconscientemente tocando o aro de prata em seu dedo anelar, em breve eles comemorariam seis anos juntos e ele só podia agradecer a alguma divindade lá fora por ter feito o loiro perder completamente o juízo e aceitar estar ao seu lado por tanto tempo.

Como se lesse seus pensamentos – às vezes Kurogane achava que ele os lia – a porta se abriu e um loiro cansado e cheio de olheiras entrou, arrastando sua mochila pelo chão e dirigindo todas as forças de seu ser para conseguir dar o passo seguinte.

—Tada… Tadaima – ele bocejou num sussurro, largando a mochila no chão e chutando os sapatos para longe.

—Okaeri – o policial respondeu, sentando para que o loiro o enxergasse no meio da quase absoluta escuridão do apartamento.

—Kuro-chan!

Um sorriso feliz brotou no rosto cansado e os olhos que até então pareciam mortos ganharam um brilho suave e aconchegante. Descobrindo novas forças dentro de si, ele deu os passos que faltavam até o sofá e sentou ao lado do moreno, a cabeça repousando de imediato no ombro forte enquanto ele dava um suspiro satisfeito. A mão calejada de Kurogane voou para os cabelos dourados num gesto natural, era sempre assim, como um gato, o loiro ronronou, se aconchegando ainda mais na forma monstruosa do moreno.

—Há quanto tempo você chegou? – o loiro pediu numa voz cansada.

—Acabei de chegar, não faz nem meia hora. Como está o hospital?

—Cheio – e riu de leve, fechando os olhos não podendo resistir ao calor e ao aconchego que o moreno sempre lhe proporcionava.

—Com sono?

—Prestes a entrar em coma – respondeu quase dormindo.

—Quantos dias você ficou de plantão?

Kurogane precisava aproveitar o estado semiconsciente de seu parceiro para obter uma resposta sincera, o loiro tinha a péssima mania de ignorar sua própria saúde e assumir vários plantões, um após o outro, sem dormir e sem comer. Ainda mais quando a situação ficava confusa.

—Quatro dias – o loiro murmurou beirando o reino dos sonhos – Touya me mandou pra casa hoje, se não ele ia mandar você me buscar.

A informação diminuiu a carranca no rosto do moreno, ele tinha sorte de ter Touya trabalhando com o loiro. Era até um pouco engraçado, Touya era um médico sério, alto e corpulento, cabelos negros e que, se quisesse, podia fazer muito marmanjo sujar as calças com apenas um olhar. Ele tinha um companheiro que era absolutamente diferente dele e muito mais parecido com seu loiro: Yukito, o atual juiz de Tomoeda que trabalhava diretamente com Kurogane. E uma vez que Yukito e o seu loiro podiam muito bem se afundar no trabalho e esquecer o resto do mundo, cabia a Kurogane e Touya se ajudarem e vez ou outra chutar pra casa um médico quase desmaiando em cima de seus pacientes ou um juiz babando sobre a infinita papelada.

Um ressonar leve e ritmado informou que o loiro sucumbira, tomando-o nos braços como se fosse a coisa mais frágil e mais preciosa que havia no mundo, ele levou o homem para o quarto, depositando-o com carinho no colchão e cobrindo seu corpo magro. Sua mão afastou uma mecha de cabelo dourado antes dele depositar um beijo suave na testa do rapaz.

—Hum… Kuro-chan – o homem resmungou com um sorriso doce.

O moreno sorriu, seu peito se aquecendo da forma que apenas o outro conseguia fazer. Sem fazer barulho, ele voltou para a sala, na mão seu travesseiro e uma coberta leve. Afundando no sofá, ele olhou mais uma vez a foto na mesa de centro, antes de ser embalado num sono profundo.

Demorou várias horas para o loiro finalmente despertar, ele se sentiu meio zonzo no começo, porém assim que percebeu onde estava relaxou. Renovado pelo sono, ele se sentiu pronto para cozinhar e finalmente arrumar um pouco o apartamento, sabia que Kurogane não ficaria bravo por ter deixado a poeira se acumular ou as roupas amontoarem na lavanderia, mesmo assim era sua função cuidar daquilo.

Mesmo juntos romanticamente há seis anos, foi só quatro anos atrás que Kurogane praticamente arrastou o loiro para morar com ele. Um sorriso bobo surgiu em seu rosto enquanto ele desembaraçava o cabelo dourado e lembrava do tom autoritário que seu moreno usou para trazê-lo para o apartamento.

Mesmo como médico e sendo bem remunerado, a casa antiga do loiro era, no mínimo, deplorável, ele trabalhava demais e passava a maior parte do tempo no hospital. Quando saía do trabalho ajustava sua agenda para aproveitar a companhia do moreno e fortalecer sua relação. Sua casa era apenas um lugar frio e impessoal no qual ele dormia de vez em quando. Não havia quadros, a pintura das paredes estava desgastada, o aquecimento central tinha se perdido com o dono anterior e a cozinha só era um quarto com uma geladeira e um micro-ondas, mesmo que amasse cozinhar o loiro quase nunca o fazia quando morava por conta própria.

Foi com certo choque que um belo dia Kurogane descobriu onde o loiro morava, definitivamente o apartamento não tinha nada a ver com o rapaz sorridente e hiperativo que conquistava as crianças com suas palhaçadas. Ele perguntou o porquê do loiro morar ali, mas não obteve nenhuma resposta além de um simples dar de ombros e um sussurro sobre despesas.

Naquela época ele não tinha certeza sobre o policial na sua vida como algo definitivo ou transitório, Kurogane era TUDO o que ele sempre sonhara: sincero, constante, firme como uma rocha, seguro, confiável, protetor. Parecia bom demais e o loiro desconfiou, quem não desconfiaria quando do nada o homem que você passou a vida inteira admirando de repente diz que escolheu você para o resto da vida?

Foi Yukito quem acabou resolvendo o mistério. Embora trabalhasse com Touya, o loiro era mais amigo de Yukito e o homem sabia toda a história do passado trágico do loiro, assim como o loiro era uma das poucas pessoas que sabia do transtorno de dupla personalidade de Yukito – ele não tinha certeza se era dupla personalidade, muitas vezes o tal Yue parecia uma figura tão diferente e poderosa que ser apenas outro eu de Yukito era meio espantoso.

E meio que sem querer, muito por querer, foi o juiz quem contou a história do loiro para Kurogane.

Quando nasceu, o loiro não nasceu sozinho, outro bebê idêntico veio ao mundo com os mesmos olhos azuis e cabelos dourados. O nome do outro era Yui, o do loiro era Fay. As duas crianças cresceram razoavelmente bem até os cinco anos, Yui era mais frágil e muitas vezes ficava doente. A família era simples e pobre, sem parentes para ajudar com os garotos, e isso foi a maior tragédia para os dois irmãos. Houve uma época em que os dois irmãos caíram doentes, Fay com uma infecção violenta e Yui diagnosticado um tanto tardiamente com leucemia, a família não tinha como bancar os dois tratamentos e teve que fazer uma difícil escolha: qual filho seria salvo.

Depois de conversar com vários médicos, a decisão final foi ajudar Fay em primeiro lugar.

O loiro que sobreviveu descobriu o preço de existir, sobreviver era caro, exigia ser forte, enfrentar obstáculos e, principalmente, ter um pequeno monstro gritando todos os dias que ele causara a morte de seu irmão. Ele quase afundou em uma depressão profunda, incapaz de lidar com o peso da culpa, quando conheceu Kurogane.

E ao invés de afundar em sentimentos negativos, Fay afundou a cabeça nos livros, deu tudo de si e conseguiu cursar medicina numa boa faculdade e depois voltar para Tomoeda, onde o moreno estava o esperando. Como forma de aquietar seu espírito, o homem entregava praticamente o salário inteiro para o Instituto de Combate ao Câncer Infantil de Tomoeda, e com isso morava num pequeno cubículo mal iluminado e bagunçado.

Kurogane entendeu que mandar o homem investir o dinheiro em si mesmo não era a solução, podia ser a decisão que ele tomaria, porém ele sabia que Fay não era como ele – e agradecia todos os dias por isso. Então, ao invés de tentar mandar no salário do loiro, o moreno optou por trazê-lo para seu apartamento. Foi a melhor decisão de todos os tempos.

Fay andou pelo quarto, pegando roupas sujas no chão e arrumando a roupa de cama. Ele teve certeza que o local estava arrumado antes de partir para o resto da casa. Como um gato silencioso ele se movia pelos cômodos, recolhendo roupas, lavando a louça, tirando o pó e trocando as flores mortas por novas que ele cultivava num pequeno jardim que Kurogane anexara para ele na lavanderia.

Ainda com o mínimo de barulho ele foi para a cozinha, queria preparar algo especial e absolutamente caseiro para seu adormecido policial, um sentimento de paz e plenitude em seu coração ao ver o homem dormindo.

Kurogane estava em casa. Seguro.

Foi o cheiro que despertou o moreno, ele reconheceria o suave e envolvente odor da comida de Fay mesmo que estivesse no inferno. Abrindo os olhos vislumbrou a mais bela imagem de todas, um loiro magrelo, com os cabelos dourados caindo um pouco abaixo de seus ombros, rodopiava entre o balcão, pia e fogão, assobiando baixinho uma música de sua terra natal. Ele vestia uma das camisas de Kurogane, a peça imensa chegava até a metade de suas coxas e revelava uma pele branca e delicada ao redor do pescoço. Uma calça de moletom, também de Kurogane, completava o vestuário, revelando pequenos pés, o moreno suspirou, seu loiro era belo, mas quando estava com suas roupas…

Sem resistir, ele atravessou a sala com algumas passadas e abraçou o loiro por trás, sorrindo com o leve susto que deu nele.

—Kuro-chan! – Fay reclamou de brincadeira, largando de imediato a faca.

—Hey – o moreno respondeu orgulhoso de sua abordagem silenciosa – Isso tem um cheiro bom.

—Está com fome?

—Morrendo. Precisa de ajuda?

—Definitivamente não. Saia da minha cozinha, Suwa – o loiro mandou sorrindo.

Em troca Kurogane roubou um beijo, enroscando seus dedos nos cabelos que ele tanto amava. Por alguns instantes Fay fechou os olhos, adorando a sensação, até que uma panela começou a ferver e ele se afastou, voltando para seus ingredientes.

Conformado em sempre ser enxotado quando o loiro cozinhava, o moreno voltou para a sala, só então dando atenção as cartas sobre a mesa, na sua maioria eram contas e propagandas inúteis. Havia uma carta da prima do moreno, um informe médico que Fay recebia quinzenalmente, uma carta sem remetente…

Kurogane largou os outros papéis, olhando para o envelope com espanto.

—Fay – chamou sabendo que o outro o ouviria – Eu vou ao mercado, precisa de alguma coisa?

—Hum, pode trazer mais macarrão? Eu pensei em levar um pouco de ramen para uma paciente.

—Claro – garantiu mantendo a voz estável.

Mesmo assim, o loiro notou algo estranho. Em alerta, ele se virou e encarou Kurogane, olhos azuis brilhando enquanto tentava adivinhar o que estava errado.

—Kuro-chan? – pediu em dúvida.

—Não é nada, só estou com um pouco de dor de cabeça – ele respondeu, o que não era mentira.

—Tudo bem. Mas não demore lá fora, ouvi que vai nevar hoje a noite, então volte logo.

—Antes que você sinta minha falta eu estarei de volta – prometeu pegando um casaco e passando pelo loiro, um beijo foi depositado em seus cabelos.

—Então não saia, já sinto sua falta – Fay confessou.

—Eu volto logo – prometeu com seriedade.

Foi só quando estava do lado de fora, uma quadra longe do apartamento que ele finalmente abriu a carta, seu semblante se tornando ameaçador com a mensagem simples e direta:

“Você quer brincar na neve? Por que não fazemos mais anjos da neve? Ou você prefere que eu cace seu anjo?”

A carta foi esmagada em sua mão, raiva fazendo seu corpo tremer. Praguejou, furioso, chutando para longe uma pedra inocente que estava quietinha no canto dela. Tomou o celular, grato por ter saído com ele, o segundo número de sua discagem rápida era sua chefe e foi ela quem atendeu logo no terceiro toque.

—Suwa! – ela berrou, visivelmente bêbada – Você vai voltar e beber com a gente? Nem precisava ligar pra avisar. Traga Fay. Eu amo Fay. Todo mundo ama o Fay. Fayyyyyy…

—Escute cadela – ele cortou sério, embora admitisse que a mulher era um demônio na hora de capturar criminosos, seus antecedentes com bebidas e roupas decotadas impediam que ele a respeitasse completamente – Acabe logo com essa ressaca, acabei de receber uma carta. Estão ameaçando o Fay.

Silêncio imperou no outro lado da linha, seguido do som de objetos sendo lançados para longe.

—O que a carta diz? – a mulher perguntou incrivelmente sóbria.

Kurogane leu o conteúdo do envelope, seu rosto cada vez mais sombrio.

—Onde o Fay está?

—Em casa. Vou voltar agora para ele.

—Traga-o para cá. Precisamos protegê-lo.

—Chego em quinze minutos.

E desligou. Capturar o maníaco que tinha explodido os hospitais tinha sido fácil. Fácil até demais, os bons policiais sabiam que algo estava errado, por isso, quando as cartas começaram a ser enviadas eles já estavam meio que prontos para sua chegada. Suas famílias foram postas sobre ameaça, ninguém tinha morrido ainda, porém a filha de um policial tinha desaparecido um dia após a carta chegar e outros acidentes graves tinham ocorrido. Kurogane não deixaria nada acontecer com seu loiro, nem que tivesse que caçar o verdadeiro assassino no Tártaro.

Seu coração parou de bater quando ele chegou perto do apartamento.

A porta estava arrombada.

A sala estava uma bagunça.

O cheio de comida queimada impregnava o lugar.

Jogado sobre a mesinha de centro, um corpo magro e pálido estava brutalmente exposto.

Havia sangue no chão.

O mundo de Kurogane desabou.

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Touya correu para a sala de emergência, seu coração acelerado de uma forma ruim. Chegou a tempo de acompanhar a maca que levava seu colega de trabalho e amigo pessoal.

—Qual é o estado?

—Traumatismo craniano, hemorragia significativa, precisamos de uma tomografia de cérebro para determinar os danos, precisamos recuperar sua pressão sanguínea antes que ele entre em choque. Frequência respiratória insatisfatória – a outra médica informou, os olhos marejados com a imagem do loiro inconsciente – Doutor Kinomoto, ele pode morrer – ela murmurou assustada.

—Ele pode, mas ele não vai – Touya jurou – Você não vai nos deixar, Fay. Não vai!

Correram para a sala de cirurgia.

Na sala de espera, um monstro andava de um lado para o outro, desesperado. Se ele tivesse ficado em casa, se tivesse ouvido o pedido do loiro…

—Kurogane.

Ele se virou em direção a voz conhecida, com os olhos úmidos Yukito correu para o homem, pequenas lágrimas que ele lutava para manter percorriam seu rosto.

—Como ele está? – Yukito pediu, uma mão tocando de leve o ombro do moreno numa tentativa de conforto.

—Eu não sei. Eles o levaram para a emergência, Touya foi chamado para ficar com ele.

Os dois homens se encararam, Yukito não tinha ideia do que o moreno estava sentindo, ele nunca esteve tão perto de perder Touya como Kurogane estava de perder Fay.

—Ele vai ficar bem – Yukito prometeu com convicção.

O moreno voltou a andar de um lado para o outro, não controlando a tensão que irradiava de seu corpo.

A cirurgia levou seis horas.

Touya apareceu na sala, seu jaleco úmido de suor e com manchas de sangue. Seu parceiro correu para ele, o policial em seu encalço.

—O pior já acabou – o médico contou – Agora temos que esperar. Ele precisa acordar por conta própria, se fizer isso antes do meio dia de amanhã ele ficará bem. Se isso não acontecer, teremos que conversar.

Kurogane ofegou, ele entendia muito bem que tipo de conversa seria.

—Quais são as chances dele, de verdade? – pediu numa voz morta.

—Eu não sei – e como seu parceiro tinha feito antes, Touya tocou o ombro do moreno – Eu queria muito poder te dizer, mas não sei. Temos que esperar. Sei que é difícil, mas é tudo que podemos fazer agora.

Kurogane desabou na cadeira, enterrando a cabeça nas mãos, lágrimas rolaram em seu rosto moreno e escorreram por seus braços. Ele não podia perder Fay…

—Touya – Yukito sussurrou angustiado – Me deixe ajudar – implorou.

—Yuki, eu não tenho certeza se é uma boa ideia. Yue…

—Yue também ama o Fay. Ele jamais o machucaria com sua magia. Eu sei disso.

O médico se rendeu, ele estava assustado assim como seu companheiro, perder Fay não era uma possibilidade aceitável. Aproveitando a pequena confusão que uma mulher estava causando na sala de espera ele puxou Yukito pela mão, levando o garoto para onde Fay descansava.

Kurogane permaneceu onde estava, seu celular vibrava loucamente e ele estava fazendo um ótimo trabalho ignorando o objeto. Só quando a meia noite chegou e seu estômago não parava de rugir é que ele se levantou, conhecia muito bem o hospital, passara tempo suficiente esperando o loiro terminar seu plantão para acompanhá-lo até em casa e sabia que uma máquina com lanches naturais e sucos o esperava assim que cruzasse o corredor.

Meio socando, ele escolheu qualquer lanche, entorpecido pelo medo e pela raiva, Yukko colocara todo seu pessoal nas ruas, ela realmente amava Fay e levara o ataque para o lado pessoal. O celular vibrou mais uma vez, dessa vez ele se dignou a ver o número, notando que era o de sua prima. Tomoyo era um tanto estranha, ela sempre sabia quando ele estava encrencado.

Ele voltou a guardar o celular, pronto para voltar para seu banco quando um enfermeiro passou por ele. Seu instinto foi aguçado imediatamente. Ele encarou o homem, não havia nada de extraordinário nele, altura mediana, cabelos escuros, um rosto fácil de esquecer, vestia um jaleco meio sujo, calça jeans branca, botas de combate…

O policial enrijeceu.

O enfermeiro entrou no elevador, virando seu corpo em direção ao corredor e devolvendo o olhar de Kurogane.

A porta começou a se fechar.

Com um aceno, ele sorriu para o policial, seus lábios se movendo lentamente.

“Vou matar seu anjo.”

Antes que o policial corresse, a porta tinha se fechado.

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Frio em ondas, tocando seu peito, envolvendo seu corpo. Era agradável, refrescante.

Vozes familiares sussurrando baixinho. Uma gota caindo em sua bochecha. Uma prece para que ele ficasse bem. Um toque suave em seu braço, como a pena de um anjo.

Ele estava confortável, a escuridão era boa, aconchegante, ele se sentia em paz. Parecia seguro ali na escuridão, ele não tinha que enfrentar a dor, ele não tinha que ser forte, ele não precisava fugir. Era uma sensação familiar.

Olhos vermelhos. Estavam por toda parte, puxados olhos vermelhos orientais que faziam seus pequenos pacientes correrem com medo. A pele morena e sempre quente, mãos calejadas que tocavam seu corpo como se fosse um templo. Lábios rachados. E a sensação de segurança também estava lá.

Era difícil escolher entre a escuridão e os olhos vermelhos, a primeira era tranquila, fácil de aceitar, bastava continuar como estava, nada mudaria, talvez a única diferença é que o barulho insistente de algo batendo de forma ritmada parasse. A segunda exigia ser forte, gastar energia abrindo os olhos, sentir dor, náusea, medo. Só que aqueles olhos eram tão preciosos…

O frio refrescando seu corpo se foi, silêncio absoluto encheu sua cabeça e ele suspirou em contentamento. O silêncio era bom.

Só que não durou muito, de repente havia uma nova pessoa ali, sua voz era estranha, havia um toque de crueldade que fez seu sangue gelar, uma mão pegajosa tocou seu rosto e ele quis se esquivar do toque repulsivo.

—Vá para o céu, pequeno anjo – a voz cruel sussurrou em seu ouvido lançando uma baforada morna e nauseante em sua face.

A escuridão aumentou, porém tomou nova forma, não era mais aconchegante, era opressiva, o sufocava, seu silêncio prenunciava a dor e não o esquecimento. Teve medo, medo de deixar pra trás as vozes suaves que estavam com ele pouco tempo atrás, medo de nunca mais poder sentir aquela mão calejada em seu corpo ou brincando com seus cabelos, medo de não beijar os lábios rachados ou ficar hipnotizados com o movimento deles. Teve medo de perder o que tinha conquistado, o diploma em medicina, o emprego, o apartamento simples e bem cuidado que ele dividia com sua pessoa mais importante.

Algo foi pressionado em seu rosto, cortando o fluxo de ar. Ele tentou se mover, entretanto o corpo não respondia aos seus comandos, a sensação de estar sedado impregnando suas veias. Cada vez mais a escuridão apagava tudo o que ele tinha lutado para ter. Não tinha mais forças. Tinha que se render.

Um estrondo único explodiu, deixando-o atordoado. Uma nova confusão começou, houve gritos e passos apressados, mais gritos, o que estava em sua face foi jogado para longe e algo feito de plástico que ele deveria saber o nome foi posto em seu rosto, o ar entrando novamente em seus pulmões. A escuridão recuou um pouco, respeitando o direito de decidir do loiro.

Ele não teve dúvida. Embora aceitar a escuridão fosse fácil, ele tomaria o caminho difícil, enfrentaria a dor e daria um jeito de voltar para aqueles olhos que sempre tinham o observado com imensa ternura. Como alguém que acabou de se afogar, ele inspirou ruidosamente, tossindo com a chegada tão almejada de ar.

Seus olhos se abriram.

No meio da confusão de corpos e roupas brancas e equipamentos e policiais, Fay encontrou um par de olhos vermelhos fixos em seu rosto. Estava seguro novamente.

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—Tadaima.

Não houve resposta. Um monstro moreno de olhos vermelhos entrou, abandonando de qualquer jeito os sapatos na entrada. A casa estava sombria

A única luz que vinha era do quarto.

Um homem magro parou no batente da porta, a luz tocando seu cabelo dourado e lhe dando uma aura quase mágica. Vestia uma das camisas do policial. E nada mais.

—Okaeri, Kuro-chan.

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—Não! Não me faça sair agora. Eu não quero…

—Watanuki…

—Qual é, esse mundo é ótimo. Tem o Yue, eu passei os últimos três meses estudando sobre as duas criaturas que Clow criou. Eu quero ver Yue de novo.

—Watanuki…

—E o Kurogane como policial é assustador, embora você parecesse tão embriagada nesse mundo como é no nosso.

—Watanuki…

—Ah, só mais um pouquinho…

—Watanuki Kimihiro! Nós temos que voltar. Um cliente acaba de chegar na loja.

—O quê? Como assim? Mas ainda há tantos mundos…

—Mais tarde voltaremos aqui. Agora devemos ir. Além disso, o que vai acontecer nesse mundo agora não é algo que rapazes saudáveis e inocentes deveriam querer ver, Wa-ta-nu-ki. Imagino o que a Himawari-chan diria se eu contasse a ela que…

—Ahhhhhhh, calúnia, difamação!!! Você está bêbada de novo. Eu só quero rever o Yue, sua pervertida.

—Claro, tudo o que você diz, Wa-ta-nu-ki.


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Notas finais do capítulo

^^



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