Você é meu mundo escrita por Blue Butterfly


Capítulo 8
E no meio da viagem havia um Fay


Notas iniciais do capítulo

Como estão nossos meninos favoritos? Vamos descobrir ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/726534/chapter/8

—Tem certeza que essa é a luz?

—Alguma vez eu já errei, Wa-ta-nu-ki?

—Você realmente quer que eu te responda?

—Ahh, você é tão mau.

—Pare de fazer drama, não há ninguém aqui para você seduzir e destruir, só tem eu e eu nunca vou cair em seus joguinhos estranhos. Não de novo.

—Eu nunca tentaria te seduzir, Wa-ta-nu-ki. Não quando seu coração já está todo tomado de amor por outra pessoa.

—Himawari… Ela é tão linda!!! Meu coração só podia pertencer a ela.

—…

—Espere, você nunca concordou na minha paixão totalmente destinável por ela.

—…

—Quem você acha que tem meu cora… Yukko!!! Ele é um idiota! Um completo idiota, eu o odeio com todas as forças do meu ser…

—Olha que luz lindinha, vou escolher você.

x

xx

xxx

O ninja respirou fundo, o aroma familiar das cerejeiras em floração agradando seu olfato. Nihon…

Finalmente ele estava de volta.

Deu mais um passo, sentindo um pouco de desequilíbrio, era estranho se mover faltando um braço, ainda mais aquele, desde pequeno segurava a espada daquele lado, acostumara-se a compensar o peso do objeto a ponto de não se incomodar com ele.

Seus olhos encontraram rapidamente o que ele tinha vindo atrás, cabelos loiros que definitivamente não havia em Nihon, presos num laço preto que combinava com a bandagem no rosto pálido, vestindo um yukata branco e azul.

—Hey – chamou alguns passos antes, anunciando sua chegada.

Não houve resposta, não que esperasse uma, mesmo com o rosto ainda doendo após receber o golpe do loiro e após sua primeira conversa quase normal após meses de um silêncio frio e revoltado, as coisas não tinham voltado ao normal. Não que algum dia tivessem sido, desde o primeiro dia daquela viagem tudo tinha sido qualquer coisa, menos normal. Os últimos dias tinham sido a parte mais assustadora, anormal e reveladora de toda ela. De repente tudo começou a ter sentido, Kurogane ainda não entendia bem a existência dos clones ou por que eles tinham que ir atrás das lembranças da princesa, muito menos onde estava a alma da garota. Mas o maior mistério para ele finalmente estava revelado, de forma cruel, de forma brutal, sem respeito algum por suas memórias, todo o passado macabro do mago foi exposto para que ele e Shoran pudessem assistir. O garoto acabou desmaiando, a história era tão doentia, havia tantas coisas erradas, a crueldade com os gêmeos, Fay que não era Fay, era Yui. A loucura de Ashura, as duas maldições…

E quando Ceres começou a se auto-consumir, usando toda a magia que ainda restava em Fay e o condenando a morte…

Fay não se afastou quando o moreno ficou ao seu lado, o que era um excelente sinal, ainda que seu olhar permanecesse vazio, perdido no céu extremamente azul de Nihon. Com cuidado o ninja recostou o corpo em um pilar, aproveitando a brisa suave do fim da tarde e o aroma familiar que cercava o lugar.

—É um belo lugar o seu mundo – Fay falou do nada, ainda olhando o céu – Bem iluminado, com um céu agradável e cheio de cor.

Kurogane não soube muito bem como responder a isso. Ele gostava de Nihon, depois que perdera os pais aquele lugar se tornou seu lar, mas nunca pensara seriamente se era um lugar bonito ou não, antes daquela viagem começar ele se quer imaginava a existência de outros mundos, e durante toda a viagem ele não comparara um lugar com o outro, era natural aceitar as coisas como elas estavam, não era como se ele pudesse sozinho mudar um mundo que eles visitavam. Além disso, seria perigoso se pudessem fazer isso. Então ele não pensava muito, viajava pelos mundos, vez ou outra admirando algo novo, sem ficar relembrando Nihon, um dia ele voltaria para lá, era só uma questão de tempo.

—Ceres não tinha tanta cor – Fay continuou depois que o silêncio do ninja tornou evidente que não haveria uma resposta – Tudo era mais branco e cinza, quase nunca havia sol e quando havia era tão raro que nós nem dormíamos, ficávamos o tempo todo acordados vendo como o gelo respondia a luz. O inverno durava mais da metade do ano e era muito bem dividido de acordo com os ventos, com a temperatura e com o tipo de neve. Em Ceres havia 17 formas diferentes de falar neve.

A informação surpreendeu o ninja. Ele esperou mais explicações, mas o loiro se calou absorto em seus próprios pensamentos. Kurogane estremeceu, ele tinha medo que Fay voltasse ao seu estado auto-destrutivo, ainda mais depois do que tinham passado no último mundo. Levou tempo para que entendesse, entretanto finalmente ele compreendeu quão frágil era a vida que Fay levava, apesar de ser incrível no campo de batalha e um mago poderoso como foi mostrado em Ceres, a existência de Fay era frágil, se não houvesse alguém lá de olho nele o ex-mago afundaria na escuridão.

—Por que chamam a neve de 17 jeitos diferentes? – o ninja pediu.

—Porque existem 17 diferentes tipos de neve. Não sei bem como explicar, acho que é a mesma coisa sobre as flores, você dão nomes para cada tipo de flor, embora para mim há apenas a palavra flor já que não tínhamos tantos tipos dessa vegetação. Eu percebi isso com Shoran. Em um dos mundos que visitamos começou a nevar, era o que você pode dizer neve tipo um, depois, de maneira brusca veio a neve tipo sete, eu fiquei animado e chamei a atenção de Shoran, mas ele não reagiu. Fiz a mesma coisa com a princesa e obtive a mesma reação. Foi então que entendi, a tradução que Mokona faz é baseada em equivalência, se para você há apenas um tipo de neve, ele vai traduzir qualquer um dos tipos que eu falar em apenas neve. E é por isso que quando vocês falam de neve, vocês falam sempre do tipo dois, que é a ideia que vocês têm de neve, mesmo que no meu vocabulário existam outras dezesseis formas para chamar a neve.

Kurogane refletiu na informação, ele nunca tinha perdido tempo entendendo a tradução de Mokona, não era necessário para sua missão e o ninja era um homem prático, ele sabia até onde a tradução ia, reconhecia o idioma complicado e meio cantado do loiro e o idioma seco das crianças e só.

—Você não dá nome para as flores? – o moreno perguntou.

—Não para todas, na verdade damos nomes para cinco tipos de flores porque elas eram usadas em alguns rituais. Toda vez que vocês nomeiam uma, eu só escuto a palavra flor. Veja, não havia jardins em Ceres, para plantar qualquer coisa precisávamos de grandes quantidades de magia para prover terra e calor, e entre comida e plantas para ornamentar sempre ficamos com a primeira. Por isso é tão bonito ver as flores do seu mundo, eu jamais imaginei que houvessem tantas cores e formas.

O ninja não ignorou o tom afetado sempre que Ceres era dito. Ele queria entender como Fay se sentia, o loiro era tão fechado sobre seus sentimentos que nem sempre ele conseguia entender o que o outro estava sentindo, mesmo depois de tanto tempo observando atentamente o outro homem. Quando a brisa trouxe uma pequena flor para os cabelos dourados, o ninja aproveitou a deixa e a roubou antes que os dedos pálidos aparecessem.

—Essa flor tem o mesmo nome da garota, tanto aqui em Nihon quanto no país das crianças – explicou estendendo a flor.

—Sakura – Fay nomeou com cuidado, gravando cada detalhe da planta em sua mente para jamais esquecer.

—Correto. Mas em Suwa também chamávamos de Flor de Cerejeira.

Fay sorriu, cereja era algo que ele conhecera nas viagens entre mundos e aprendera a amar, a fruta era tão macia e adocicada.

—Não havia muitas frutas em Ceres – ele contou ainda olhando a flor estendida – Nossa dieta era baseada em grãos e produtos de origem animal. Entretanto, no dia mais frio do inverno nós sempre tínhamos um festival, neste dia todas as frutas eram trazidas para o castelo e o cozinheiro real preparava pratos com elas, havia uma bebida feita especialmente para as crianças, era doce e quente e deixava a língua azul. Sempre esperei por esse festival, era o meu preferido entre os quatro festivais anuais.

—Em Suwa nós tínhamos mais festivais – Kurogane revelou – Havia os festivais ligados às plantações, às estações, à família, à nossa história, festivais de purificação e de agradecimento após uma guerra. Todo ano nos tínhamos o ritual de passagem, cada garoto era levado para a praça central e apresentávamos uma luta, mostrando como tínhamos progredido durante o ano. Eu adorava esse, meu pai tinha trabalho para conter minha animação.

—Ashura ficava louco quando eu comia muito açúcar – Fay lembrou com um sorriso suave – Ele sempre limitava minha sobremesa e me fazia ter todo o jantar antes de comer um pedaço de bolo.

Kurogane mordeu a língua, ele realmente devia ficar quieto, sua opinião sobre Ashura estava longe de ser mudada, ainda mais quando o homem morrera por suas mãos.

—Eu sei que pode parecer difícil aceitar depois do que você viu, mas Ashura não era apenas meu rei. Ele era meu pai também.

Silêncio.

—Você odiaria seu pai a ponto de matá-lo se ele cometesse um único erro? – Fay perguntou meio cansado.

—Claro que não – a resposta veio rápida e decidida.

—Como eu poderia matar o meu então?

O ninja não teve resposta. Era difícil enxergar naquele homem terrível a figura de um pai, porém havia algo tão suave no sorriso do loiro que pela primeira vez o moreno sentiu vontade de conhecer o rei de Ceres antes dele ter enlouquecido. Como teria sido ser criado por aquele homem?

—A nossa viagem acabou.

O tom morto despertou Kurogane, Fay não mais olhava para a flor, sua atenção tampouco estava voltada para o céu, o homem encarava o chão, sem um sorriso enfeitando o rosto, sem mentiras, sem máscara. Em seus pensamentos, Fay viu com desgosto que o desejo feito há tempos atrás tinha se concretizado, Kurogane tinha voltado para seu mundo e ele nunca mais correria o risco de voltar para o seu. Ceres não existia mais, seu mundo, sua casa, o lugar onde construíra uma vida e suas lembranças, onde o corpo de seu irmão descansava, nada daquilo existia mais, sua magia tinha despedaçado tudo. Ele nunca veria as montanhas brancas e os dezessete tipos de neve, nunca mais invadiria a cozinha real no dia mais frio do ano e roubaria uma caneca de bebida antes das crianças. Ele nunca mais veria Ashura e seu sorriso bondoso, os longos cabelos negros e lisos, pacientemente ensinando o garotinho suas primeiras palavras e como escrever.

Uma coisa era fugir, outra bem diferente não ter para onde voltar.

No fundo, ele tivera esperança, esperança de ressuscitar o irmão, de encontrar a cura para Ashura, de ter uma família amável no reino que o recebera com tanto amor após o tratamento cruel em Valéria…

Mas aquilo nunca aconteceria.

O loiro suspirou, tantas coisas tinham mudado desde que aquela viagem começara. Ele pensou que mataria o ninja, viu o guerreiro como um alvo fácil, um simples peão amaldiçoado que ele destruiria sem piedade e muito menos remorso. Só que de repente vieram os apelidos, as provocações, a satisfação em chamar a atenção, estudando com cuidado cada ataque que recebia enquanto fingia rir ao desviar deles. O tempo todo analisando o ninja, vendo seus pontos fracos, a forma mais fácil de matá-lo. De alguma forma, suas observações foram sendo abandonadas, a verdade é que ele nunca tinha encontrado ninguém tão sincero quanto Kurogane e isso o atordoou. Para ajudar, a princesa despertou e mostrou ser tudo o que ele não esperava, tomando um lugar em seu coração, ainda mais depois que ele se tornara um vampiro. Quando ele acordou e encarou Sakura, encarou a dor nos olhos da garota, ele encontrou a mesma dor que ele carregava por ser responsável pela morte de seu irmão, e mais tarde ele comprovou o que havia de semelhante: assim como ele perdera algo único, a menina também perdera o único ser que era um clone assim como ela.

Fay mudara sem perceber, enquanto viajava pelos mundos com aqueles três e Mokona, seu coração mudou.

—Sim, nossa viagem terminou – Kurogane concordou – Embora para o garoto ela ainda esteja longe de acabar.

Prevendo mais um longo período de silêncio, o ninja se aventurou:

—Hey, o que você vai fazer?

A resposta demorou, e quando veio, um riso amargo parecia acompanhar cada palavra.

—Vou continuar viajando, não é como se houvesse um lugar para voltar.

—Você deveria ficar aqui. Eu ainda sou…

—Minha fonte alimentar. Sim, eu sei.

—Não era isso que eu ia falar, embora seja um ponto válido. Eu ainda sou sua única fonte alimentar.

O alto preço de sobreviver. Sim, Fay sabia aquilo, desde cedo ele aprendeu que sobreviver tinha um preço incalculável.

Em Valéria, quando ele ainda era pequeno demais para se quer soletrar a palavra maldade, ele e seu irmão gêmeo tiveram que escolher entre um assassinato ou uma pena dupla, e para sobreviver foram trancafiados para morrer lentamente. Mais tarde, houve a pergunta “Se um de vocês pudesse sair daqui, quem você escolheria?”. Foi sua decisão mais egoísta… Não, não tinha sido, agora ele sabia, suas lembranças foram alteradas, naquele dia ele tinha escolhido seu irmão, ele tinha preferido que o outro sobrevivesse, mesmo assim ele passara uma vida inteira acreditando numa farsa. Viver com o peso de ter matado seu irmão foi tão duro…

A viagem por todos os mundos foi desgastante, cada vez que ele via a coragem do menino protegendo sua princesa, arriscando sua vida para mantê-la feliz e viva, trabalhando duramente, esquecendo suas próprias necessidades, pois as dela vinham sempre em primeiro lugar, ele pensava em quão miserável e patético fora, quão egoísta tinha sido quando criança. Ele deveria ter protegido seu irmão do mesmo jeito que o menino protegia sua princesa. Cada vez que ele via sua preciosa Hime preocupada com o bem estar de todos, absolutamente confusa sobre quem eram aqueles três estranhos e mesmo assim decidindo confiar neles, quando ela sentava ao seu lado só para oferecer sua companhia, mostrando que ele não estava sozinho, ele se sentia deplorável por ficar remoendo sua própria dor quando mais pessoas ao seu redor tinham problemas também.

Cada vez que ele baixava à guarda, o ninja estaria por perto, era irritante, quando ele menos esperava sua máscara escorregava e nunca tinha sido quando ele estava sozinho, ou perto do menino que só tinha olhos para a princesa ou da adorável Hime que era inocente demais para entender certas coisas. Não, era sempre com o ninja, o homem taciturno e durão que via por trás de suas mentiras e por trás de sua máscara, o homem valente, com seu próprio código moral, que não mentia, que não aceitava o caminho mais fácil, que não precisava de ninguém. O homem que ele odiava por ser tudo o que um dia ele sonhou em ser. O homem que ele respeitava por ter protegido seus companheiros de viagem com uma força descomunal. O homem que ele confiava para cuidar das crianças se um dia Fay morresse naquela viagem – sempre havia uma vaga esperança de que isso acontecesse e todo o fardo que ele carregava iria desaparecer. O homem que ele desprezara por ser rude e um tanto tosco e tantas vezes provocava impiedosamente. O homem que ele escolhera para viver quando Ceres estava se consumindo.

Porque quando percebeu que sua magia não poderia salvar os quatro, Fay teve que responder a uma antiga pergunta.

“Se um de vocês pudesse sair daqui, quem você escolheria?”.

Mais tarde, com a cabeça fria, ele mentiria e diria que era uma simples questão de praticidade, Fay precisava de Kurogane para sobreviver, e não o contrário, por isso não havia sentido sobreviver à Ceres para morrer de fome no próximo mundo. E talvez a princesa e o garoto acreditassem nisso, ele não queria que tivessem uma ideia errada sobre quem ele era, Fay não era bom. Entretanto, naquele momento ele não pensou naquilo. Ele nem se que se lembrou que era um vampiro, que faltava um olho, que o corpo de seu adorado irmão ficaria preso em Ceres para sempre. Tudo o que ele pensou foi sua escolha, foi que Kurogane deveria voltar para o seu mundo e para sua princesa. Era a vez do ninja sobreviver, como ele tinha jurado que faria.

—Eu não entendo. Você se torna voluntariamente minha presa e perde um braço para me tirar de Ceres antes que eu sumisse junto com o meu mundo. Por que faz essas coisas?

Pela primeira vez desde que se aproximara o ninja finalmente contemplou o único olho azul, confusão e medo estampados naquele único orbe com mais sinceridade do que um dia estivera nos dois olhos azuis.

—Não faça perguntas estúpidas para as quais você já sabe a resposta – Kurogane resmungou.

—Se eu soubesse não estaria perguntando. Por quê? Por que ir tão longe por alguém como eu? Por que arriscar sua própria vida tantas vezes para me manter vivo?

Kurogane leu a pergunta não feita e a que o loiro realmente queria fazer: por que, de todas as pessoas no mundo, Kurogane tinha caído no amor com o loiro?

—Por que não você? – Kurogane devolveu.

—Porque não faz sentido.

—Idiota, e desde quando algo que se relacione a você faz sentido? Você me deixa louco, você mente o tempo todo, você se esconde atrás de um sorriso, você é preguiçoso e maníaco, tem tendência suicida e as mãos sujas de sangue. Você está completamente quebrado e eu não faço ideia de como te concertar. Não faz sentido nenhum escolher você. Entretanto, eu te ameaço e te xingo sem pensar duas vezes, eu digo o que eu penso sem levar em conta os sentimentos dos outros, nem mesmo os seus, eu só pareço feliz quando estou lutando, fora do campo de batalha parece que eu odeio todo o mundo, eu sou mandão e viciado em espadas, eu fingi por muito tempo ser um ninja quando na verdade era apenas um assassino querendo vingança. Eu estava completamente cheio de ódio e não achei que você poderia me mudar. Mesmo assim, quando fomos separados das crianças e ficamos um ano naquele país, guerreando toda maldita noite, você sempre deu o golpe final, matando meus inimigos para que eu não perdesse minha força por causa da maldição. Você não entendia nada porque Mokona não estava conosco e ainda assim sempre esteve lá quando eu precisava, sendo mais do que minha sombra no campo de batalha. Então foda-se se não faz sentido para você, para mim faz.

Fay recuou. Kurogane nunca tinha feito um discurso tão longo em toda a viagem até ali.

—Eu…

O vampiro não conseguiu continuar. Ele o quê? Tinha medo? Não estava pronto? Não devolvia os sentimentos?

—Minha vida, meu coração e meu braço. Jamais se esqueça disso.

E com aquelas palavras o ninja se retirou, deixando que o loiro tivesse um momento de paz e aproveitasse os últimos raios de sol.

Quando a noite chegou Fay permaneceu no mesmo lugar, ele não tinha vontade de se mover, havia chegado à uma encruzilhada, o próximo passo definiria seu futuro e ele não tinha muito tempo sobrando para se decidir.

Ele podia continuar viajando e morrer de fome em um mundo qualquer, ele podia se alimentar uma última vez e viajar com Shoran em busca da alma da princesa, ele também podia aceitar o convite não feito e ficar em Nihon.

Seu coração tremeu, por mais maravilhoso que aquele mundo fosse, não era sua casa, havia cor de mais, brilho de mais, além de um silêncio esmagador e costumes que ele não entendia nem um pouco. Era tão diferente de Ceres que ele se sentia zonzo, se ficasse ali ele murcharia a vista de todos e não seria uma visão bonita.

Mesmo perdido em pensamentos ele percebeu quando a adorável princesa se aproximou, seu rosto familiar lembrando encontros de outros mundos.

—Princesa Tomoyo – ele saudou respeitosamente, se curvando num arco gracioso.

—Fay-san – a menina devolveu sorrindo com ternura – Eu gostaria de chamá-lo para o jantar. Sei que não posso oferecer nada de seu agrado, porém ficaria muito feliz em ter sua companhia.

—Será uma honra, princesa Tomoyo – ele prometeu.

—Fay-san, porque não me chama de Hime?

O único olho azul se arregalou, aquela era uma palavra que ele conhecia e soube de imediato a diferença que a garota estava apontando.

—Em Ceres, só há um rei. Uma vez que juramos lealdade a ele, nenhum outro deve receber o título de rei oficial. Eu jurei minha fidelidade a Sakura, ela é a Hime que eu sigo e obedeço, as outras princesas, por mais encantadoras que sejam, serão apenas princesas.  Espero não ter lhe ofendido com isso.

—Não ofendeu, eu apenas fiquei curiosa – a princesa garantiu – Os costumes de seu mundo são bem diferentes do meu, não?

—Sim. Na verdade, pouco tenho visto de similar, é realmente interessante ver um modo de vida tão diverso.

—Eu sinto muito por seu mundo, porém estou grata por ter chegado até nós em segurança, Fay-san. Você é muito especial para este reino.

—Obrigado – respondeu sem jeito, pessoas como aquela princesa o deixavam inquieto – A propósito, poderia perguntar o que significa para vocês a frase “Minha vida, meu coração e meu braço”?

Olhos violetas se arregalaram, um tanto surpresos. Porém logo voltaram ao normal, ela sabia que algo estava acontecendo entre seu guerreiro e o mago, ela só não esperava que já estivessem naquele ponto.

—Não tem nenhum sentido para Nihon. Porém é uma frase típica do antigo reino de Suwa. É a forma com que um guerreiro de Suwa pede sua pessoa amada em casamento. Em uma maneira mais ampla, é como pedem para alguém ficar ao seu lado por toda a vida. A vida significa o que o guerreiro está disposto a compartilhar, significa tanto compartilhar uma vida em comum quanto compartilhar literalmente uma vida.

Sendo a única fonte de alimento de alguém, deixar que alguém tomasse seu sangue, se enquadrava perfeitamente naquela frase, Tomoyo pensou.

—O coração simboliza o que o guerreiro está disposto a oferecer, que é seu amor sincero e fiel, também indicando que o guerreiro vai viver por sua pessoa amada e dá o direito para que essa pessoa o faça feliz ou triste, já que está entregando todos os seus sentimentos nas mãos dessa pessoa.

Depender de um apelido idiota para voltar a respirar sem dor era um ótimo exemplo na opinião da princesa.

—E por fim, o braço significa lutar com todas as suas forças, sacrificando o que for preciso para manter sua pessoa amada segura, até mesmo um braço. É uma frase bem bonita, mas faz muito tempo desde a última vez que ouvi falar dela, é mais uma das tradições de Suwa que perderemos com o tempo.

O mago não respondeu, impressionado com o significado. Ele não esperava por aquilo, muito menos que fosse uma tradição de Suwa.

—Eu temo que é uma comparação grosseira, e peço desculpas desde já, entretanto, Kurogane também perdeu seu mundo, Fay-san. Mesmo que Nihon e Suwa estejam no mesmo plano, nossas tradições eram diferentes. Quando ele chegou, ele estava perdido, demorou para se acostumar com nosso modo de vida,  assim como você ele é um príncipe que perdeu seu reino. Eu sei que não é a mesma coisa, só quero dizer que tudo bem se achar que ninguém pode te entender, mas se pensar com cuidado, talvez perceba que vocês dois tem mais em comum do que parece.

Ele não respondeu.

x

xx

xxx

O braço de metal era assombroso. Kurogane jamais se imaginou usando algo como aquilo, o peso era desproporcional, a aderência ainda não estava perfeita e os movimentos eram lentos. Mas puta merda, ele tinha um braço de novo.

Quase sorriu, aquele maldito mago ainda iria enlouquecê-lo com seus gestos inesperados e decisões malucas, dar o resto de sua magia em troca de um braço para o ninja era uma tremenda loucura.

—Eu não te entendo – ele confessou para o ex-mago sentado ao seu lado.

—Eu não faço sentido, Kuro-tan – Fay lembrou sorrindo em diversão.

—O que isso quer dizer? – o moreno perguntou humildemente.

—Que eu também faço caridade – Fay provocou escondendo a verdade, um truque que o ninja já conhecia de trás para frente.

—Eu sei que está mentindo – avisou mal-humorado – Mesmo assim, obrigado.

Ele se levantou, louco para pegar sua espada e ver o que aquele novo braço era capaz de fazer, estava na porta quando Fay soltou:

—Minha alma, meu futuro e minha magia. Tanto em Ceres quanto em Valéria é o juramento que fazemos.

—Para seu rei? –Kurogane arriscou.

—Também.

Um sorriso minúsculo surgiu no rosto do ninja. Fay já tinha dado sua magia, ele trataria com cuidado os dois últimos itens quando eles viessem.

—Treine comigo. O que quer que aconteça, preciso ter certeza que posso usar uma espada.

—Como se algum dia você não pudesse usar uma espada, Kuro-tan. Eu tenho certeza que nasceu colado a ela, do mesmo jeito que apostei com a princesa Tomoyo que você nasceu com essa cara assustadora.

—Vocês dois o quê?

E sem nada afiado por perto, o ninja se contentou com o que havia de mais letal: um pesado volume sobre etiqueta palaciana que Tomoyo lhe dera anos atrás e que ele nunca tinha se quer aberto.

—Ahhh, Kuro-tan quer me matar! Socorro! Algum ninja forte e corajoso pare Kuro-tan – Fay gritou correndo até a janela mais próxima e pulando para fora com graça, um ninja furioso logo atrás.

—Pare quieto para eu te acertar – Kurogane exigiu.

—Socorro Tomoyo!!!

E quem estivesse passando pelo jardim veria um vulto dourado voar pelo ar, seguido por uma sombra densa com olhos vermelhos e um pequeno sorriso satisfeito.

Sua vida, seu coração e seu braço.

Sua alma, seu futuro e sua magia.

Um preço perfeitamente equivalente. Tão perfeito como Hitsuzen.

x

xx

xxx

—Minha nossa!

—Watanuki?

—Eu preciso anotar isso. É perfeito, se eu disser para a Himarari qualquer uma dessas frases ela vai simplesmente cair aos meus pés. Nada ficará no caminho do nosso amor puro e verdadeiro. Isso sim é Hitsuzen!

—Não seja tolo, com esse braço branco e magrelo acha mesmo que ela vai aceitar? Além disso, desde quando você oferece sua magia quando não consegue nem mesmo usá-la para se proteger?

—O que eu disse sobre estragar a felicidade alheia? Por que não pode torcer por mim nem uma vez?

—Está bem, vou te ajudar com uma dica muito importante: há uma pessoa que tem um braço muito forte e magia suficiente para afastar as coisas ruins de você. Embora a frase: “Meu olho, meu sangue e minha eterna paciência para sua descomunal lerdeza e estado de negação” fosse mais apropriada.

—Você está completamente louca, eu nunca mais vou deixar uma garrafa de saquê perto de você sua…

—Olha, outra luz bonitinha.

x

xx

xxx

xx

x

Minha vida, meu coração e meu braço.

Minha alma, meu futuro e minha magia

Meu olho, meu sangue e minha existência.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comentem!!!!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Você é meu mundo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.