O absimo escrita por Gyane


Capítulo 3
capitulo 02 - Mergulho para morte


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem...



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Então tudo aconteceu rápido demais nos próximos segundos.

—Não, não faça isso. — O grito de pavor se soltou de meus lábios, uma descarga de adrenalina atravessou o meu corpo ao mesmo tempo em que minhas pernas se moviam em direção ao precipício como se pudesse evitar a queda.

O som de pneus se arrastando foi à segunda coisa que percebei, mas novamente não tive tempo para raciocinar, no instante seguinte, senti uma forte pancada, me derrubando. Deixei um gemido de dor escapar, enquanto meus joelhos e mãos ardiam.

Ergui meu rosto tentando ganhar compreensão do que havia atingido, um carro preto estava parado ainda com o motor funcionando a poucos centímetros de mim. Levantei meus olhos e pude perceber que o motorista olhava para a direção do precipício, como se tivesse presenciado a mesma cena que eu, então ele voltou seu olhar em minha direção. Eu desejei que ele não tivesse feito isso.

Senti um estranho arrepio percorrer meu corpo, olhos verdes, ameaçadores estavam sobre mim, ele usava uma jaqueta de couro preto, e tinha um boné afundado na cabeça, mas não era nada disso que me impressionava, eram aqueles olhos, tão vivo tão feroz e tão familiar, eu me senti estranhamente conectada a ele.

O som do motor roncando alto novamente me arrancou do estupor, o motorista acelerou novamente o carro, encolhi as pernas e fechei os olhos em instintos, esperando pelo pior, que não veio. Esperei ele avançar, mas ao invés disso ele simplesmente engatou a ré e sumiu pela rua vazia.

Valentina? Você se machucou? Estado tudo bem? — Bill perguntou se ajoelhando ao meu lado no instante seguinte, olhando do meu rosto para o meu corpo, como se quisesse verificar que tudo estava no lugar. — Esta doendo em algum lugar?

—Eu... Eu to bem. —Tentei dizer olhando para as minhas mãos e joelhos, mas mesmo assim ele não pareceu acreditar, era algo do tipo ver para crer.

— O que aconteceu? — A voz de Emilia me alcançou antes mesmo dela chegar, então o rosto redondo com bochechas coradas ganhou foco na minha frente. Minha meia-irmã estava com seus cabelos dourado presos em uma trança que caia sobre o ombro esquerdo, seus olhos verdes estavam curioso sobre mim, apesar de serem dois anos mais nova já era da minha altura, havia poucos traços em comum e pouco laços que me unia a minha única irmã

—Valentina quase foi atropelada. — Bill explicou enquanto me ajudava levantar.

—Atropelada. — Diana disse ironicamente olhando nos dois sentidos da rua deserta naquele momento. — Dá pra acreditar?

Todos os rostos se viraram em minha direção, então um flash de lembrança cruzou minha mente, e eu vi novamente o rapaz se jogando do precipício. Eu precisava fazer alguma, mesmo sabendo que provavelmente era inútil. Eu precisava.

— Ele pulou. Ele pulou. — Disse me voltando para o enorme paredão de pedra. O pânico estava sufocando novamente minhas palavras. Bill e Diana se entre olharam como se eu estivesse enlouquecendo, Emilia arregalou ainda mais seus enormes olhos.

—Do que você esta falando?— Bill perguntou receoso me segurando pelos ombros me obrigando a encará-lo. As lembranças voltaram novamente e um bolo estava se formando rapidamente no meu estômago.

—Alguém pulou do precipício. —As palavras saltaram para fora da minha boca antes que eu pudesse organizá-las. — Precisamos fazer alguma coisa.

Bill ergueu seu rosto para o paredão de pedra, então se voltou para mim, como se estivesse digerindo a informação.

— Eu vi. Eu sei o que vi. — Eu garanti esperando que minha voz soasse forte o suficiente para fazê-lo acreditar. —Eu vi quando ele abriu os braços e se jogou. —Eu tentei novamente, mas eu podia sentir falhando.

—Querida, tem certeza do que esta falando? —Diana disse chamando minha atenção, enquanto ela se aproximava lentamente com seus movimentos que pareciam milimétrico calculado, como se aproximar de mim fosse pegar alguma doença contagiosa.

—Claro. Você não acha que eu inventaria uma coisa dessas?—Eu cuspi para fora, mais uma simples olhada para Diana diria exatamente isso que ela pensará.

— Não. —Ela se apressou em me contradizer. — Só estou querendo dizer... —Ela parou abruptamente como se escolhe as palavras certas. —Se você ainda esta tomando seus remédios?

Eu me lembrei nas pílulas horríveis com gosto de ferro jogada no fundo da minha mala sem ser tocada, Dr. Fred dissera que elas iriam ajudar passar por essa fase difícil em uma das inúmeras seções em que fui obrigada a participar. Eu sabia que elas não iriam me ajudar, e toda vez que as tomavam sentia o corpo esmorecido.

—Certo. — Desviei meus olhos para o paredão. — Eu não vou perder tempo discutindo isso, não quando tem alguém precisando de mim. — Então puxei minha perna machucada e caminhei em direção do precipício tentando ser ágil.

—Bill. — Diana rosnou entre os dentes como se desse uma ordem de comando.

— Ok. Valentina. — Ele me segurou pelos ombros me impedindo de prosseguir. — Eu também estava aqui, e teria percebido se algo realmente tivesse acontecido.

— Eu sei o que eu vi. — Lutei inutilmente para me libertar dos braços fortes de Bill. — Ele estava lá em cima e no instante seguinte ele se jogou. — A veia do meu pescoço saltando enquanto as palavras pareciam arranhar na minha garganta.

—Você só esta confusa. — Bill disse me segurando ainda mais firme. — Eu estava aqui, e escutaria qualquer barulho.

As primeiras gotas de chuva começaram a cair, e com elas caiu um silêncio pesado entre nós que pareceu durar uma eternidade, como se Bill lutasse para acreditar, por fim disse:

—Vamos entrar. Você precisa descansar. —Eu suspirei frustrada, percebendo que era inútil argumentar.

A sala era o cômodo mais amplo da casa, muito bem iluminado pelas enormes janelas de vidros, havia uma grande televisão, o que de certa forma me deixou aliviada, não estaria tão isolada da civilização.

—Bill, leve a mala dela para o quarto. —Diana ordenou indo diretamente para cozinha. — Você ira dividir o quarto com Emily, espero que não seja um incomodo. — Ela avisou sem se virar para mim.

E se eu me incomodasse? O que eles iriam fazer. Fiquei tentada em perguntar mais desisti assim que olhei para a expressão feliz do meu pai. Eu olhei mais atentamente para a garota vestindo calça jeans e botas de couro.

Emilia e eu éramos completamente opostas, era difícil acreditar que tínhamos o mesmo DNA. Sua pele era tão bronzeada que me fazia sentir um papel do seu lado, seus olhos eram esverdeados como o de Bill enquanto os meus próprios eram castanhos escuros sem graças, seus cabelos dourados caiam sobre seus ombros em ondas, os meu era tão liso que parecia ser escorrido, e apesar de ser dois anos mais nova ela já era da minha altura.

—Vamos. —Emily disse passando por mim e seguindo Bill pela escada acima. No andar de cima havia um estreito corredor, com um pequeno aparador de madeira. Havia apenas três portas, o do quarto de Bill, o banheiro e o que seria o meu quarto.

O quarto era relativamente pequeno para duas camas. Em uma das paredes havia um pequeno guarda-roupa também de madeira. Do outro lado do quarto uma escrivaninha com um computador e alguns livros.

—Seja bem vinda. —Emilia disse assim que Bill saiu do quarto para buscar o resto de minha bagagem, senti aquela estranha necessidade de chorar, com a certeza de que eu nunca me encaixaria naquele lugar, era absurdo demais pensar no contrario. —Sei que é meio apertado, mas acho que poderemos dividir. —Ela prosseguiu visivelmente desconfortável.

—Tudo bem. —Eu silabei sem saber o que realmente dizer, não queria que ela pensasse que não gostasse dela, só ainda era meio difícil aceitar que essa era minha nova vida.

—Aquela é sua cama. —Apontou para cama ao lado da janela com lençóis rosa com ursinhos espalhados por ele, nada mais infantil, eu caminhei sem vontade e me debrucei sobre a janela. A única vista dali era a o paredão de rocha. De repente pude reviver o momento da queda, aquelas imagens estariam para sempre gravada em minha memória, tinha certeza do que tinha visto.

—Precipício Wester. —Emilia falou como se me apresentasse alguém. —Todos disse que recebeu esse nome por causa do Doutor Edgar Wester.

Eu me virei parcialmente para ela, não querendo deixar visível meu interesse.

—Quem era esse? —Perguntei quando percebi que ela não ia prosseguir, na verdade eu não estava a fim de saber, mas o silêncio era perturbador demais, senti necessidade de dizer algo.

—Ele era um médico bastante conhecido na cidade. Mais enlouqueceu.

—Enlouqueceu? —Parecia que tínhamos algo em comum, também acreditava que estava enlouquecendo.

—Depois que sua única filha desapareceu. —Emilia voltou-se novamente para dentro do quarto. —E ele foi acusado por isso. E acabou enlouquecendo, afirmando que ela tinha sido levada por almas amaldiçoada, e que ele iria buscá-la. —Ela fez uma pausa dramática, não parecendo levar a historia a sério. — E então ele pulou.

—Pulou. —Eu me virei espantada para Emilia, claro que ela estava falando aquilo pelo que havia acontecido, senti a raiva brotar dentro de mim, mais me mantive imóvel.

—Sim, mais nunca acharam o corpo dele, nem o de Meredith. —Então ela sorriu, havia algo mais naquele sorriso, era como se fosse desafiador. — Sem corpo, sem provas. —Meus olhos se deterão novamente nas rochas sólidas na minha frente, eu sabia exatamente o que havia visto, mais ouvindo Emily falar agora, tudo parecia tão surreal.

—Acho que você quer descansar. —Emilia me olhou de uma maneira estranha, ai me dei conta que meu rosto estava contorcido de raiva, acenei com a cabeça satisfeita quando ela saiu do quarto.

Eu deixei a mascara de felicidade cair do meu rosto, não que eu tivesse usado ela com sucesso, mas agora eu não precisaria esconder todo o meu desânimo.

Eu olhei através da janela novamente para a enorme casa. Se não fosse por Lauren eu não teria me metido em problemas e também não teria amigos. Eu não era o tipo de pessoa falante muito menos divertida ou que chamassem a atenção das pessoas, Lauren sim, ela sabia como lidar com as pessoas, fazê-las entrar no seu jogo. Era por isso que ela conseguia facilmente tudo o que queria. Ser amiga de Lauren era como ter as portas abertas sempre. E tudo que eu precisava fazer era deixá-la decidir o que iríamos fazer. No começo era fácil e divertido, Lauren ditava as regras e o resto de nós seguias, até quando ela parece acreditar que realmente podia realizar feitiços.

Eu desvie meus pensamentos, aquilo provavelmente me levaria a uma choradeira, e isso era tudo que eu menos queria.

Deitei-me sobre minha cama e fitei o teto com forro de madeira. Podia se ouvir o som dos trovões cada vez mais forte. Sem corpo sem provas, as palavras de Emily ecoavam pela minha mente. Era isso. Eu iria provar que não havia delirado nada, que havia um corpo em algum lugar aos pés do precipício, eu encontraria.

Em algum ponto dos meus devaneios o sono me atingiu com intensidade me fazendo adormecer. Foi um sono tranqüilo.

Acordei com o sol batendo sobre meu rosto na manhã seguinte. A cama ao meu lado estava vazia e arrumada o que indicava que deveria ser tarde.

 


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