O absimo escrita por Gyane


Capítulo 2
Capitulo 01 - Como tudo havia começado




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Como tudo havia começado...

            Não era como se eu realmente estivesse lá, apesar de Charles Petterson afirmar com toda certeza que tudo havia começado com a minha morte. O que me pareceu, na hora, estupidamente ridículo. Primeiro, porque eu tinha absoluta certeza de estar viva. Tanto pelo fato de meus pulmões precisarem de ar, como pelas batidas constantes do meu coração, o que naquele momento me pareceu bastante reconfortante. Segundo, porque tudo havia iniciado algumas centenas de anos atrás, e até onde eu conseguia me lembrar, tinha apenas dezesseis anos.

          Então para mim, tudo começou no primeiro dia de outono. Não que isso fizesse alguma diferença, o sol continuava reinar, as folhas não se tornavam daquele tom alaranjado antes de se desprender das árvores, não havia brisa fresca, nada que marcasse a chegada do outono, eu nem saberia que era outono se não fosse pela mulher do telejornal da manhã anunciando sua chegada.

          Mas foi exatamente nesse dia que as coisas mudaram, mais precisamente no momento em que abri a porta do meu quarto e encontrei Leda sentada na minha cama.

Às vezes tentamos ignorar os fatos nas expectativas que a realidade mude, não sei por que agimos assim, mas se tivesse que chutar eu diria que é por medo, medo de perder o controle da situação, medo de não saber como agir, medo do desconhecido.

Eu levei algum tempo para perceber o que Leda pretendia quando arrumou minhas malas dizendo aos berros que estava farta de mim. Na verdade eu estava tentando ignorar os fatos na esperança inútil de que tudo iria acabar bem, mas como sempre não acabou.

Quando finalmente chegamos ao portão de embarque do aeroporto e Leda me entregou uma passagem – só de ida - com destino a São Ângelo, eu senti vontade de gritar, de dizer o quanto aquilo era injusto e desnecessário, mas ao invés disso eu apenas suspirei profundamente me recusando a quebrar o meu voto silêncio. Não que isso fosse fazer muita diferença, nada iria fazer minha mãe mudar de idéia, ela já havia me julgado e aquela era minha condenação.

Eu sabia exatamente quando tudo havia começado, e não havia feito nada para parar, na verdade eu não acreditava que pudesse haver algo demais, era para ser apenas uma brincadeira, mas de repente tudo saiu do controle, não que eu me lembrasse de algo, e é justamente isso que me perturba.

—Eu não posso mais com você Valentina. —Disse pela milésima vez enquanto uma voz agradável anunciava o meu vôo. — Vai ser bom, passar um tempo com seu pai. — Uma bola se formou em minha garganta, mas nenhum som saiu de meus lábios, me recusava permitir que visse o meu sofrimento, porque ela sabia que era a última coisa que eu queria era passar um tempo com Bill e sua família perfeita. Tento imaginar como vai ser com Bill, não consigo ver nada além no meu futuro do que umas nuvens negras e solitárias. Mas era justamente isso que Leda queria, me torturar.

—Eu ainda não acredito em tudo que esta acontecendo. — Ela balançou a cabeça ligeiramente em sinal de reprovação, repreendo um suspiro de tédio, sabendo que em poucos minutos ela repetira seu sermão, que por sinal já havia decorado. —Onde foi que errei com você?

Obviamente ela não estava esperando uma resposta.

—Quem sabe seu pai consiga colocar algum juízo na sua cabeça.  — Eu quase sorri com essa afirmação absurda. —Eu espero que seu pai seja mais bem sucedido que eu. — Os cantos dos lábios Leda se torcem, imagino que vou sentir falta dela, tínhamos o mesmo tom de pele e a mesmos olhos, mais éramos incompatíveis na personalidade, ela era extremamente organizada o que a tornava irritante, seu tom ríspido muita vezes tava a impressão de uma mulher severa, mas eu sabia que atrás daquela mascara de durona havia uma mãe batalhadora. Ela havia cuidado de minha educação sozinha, desde que nos mudamos de São Ângelo, e isso fazia muito tempo, mais muito tempo mesmo, restando ao meu pai algumas férias frustrada, ou seja, nenhuma responsabilidade com sua filha do primeiro casamento.

—Oh Vale como pode... —Antes que Leda começasse novamente com o seu discurso, peguei minha bagagem de mão e caminhei para o portão de embarque, me virei uma última vez para a minha pobre mãe parada no terminal como se tivesse perdida, eu mesma estava.

Lentamente o avião começou a se separar do portão embarque aumentando a velocidade gradualmente com estabilidade. Eu acreditei que a minha irritação diminuiria quando começamos a decolar, mas eu estava enganada. Ela só aumentou.

Eu passei às próximas seis horas tentando relembrar mentalmente os motivos que haviam me empurrados para aquele abismo, e em todos Lauren estava envolvido. E agora nem era mais minha amiga, ela fazia questão de apontar a todos que eu era a única culpada pelo que aconteceu a Sofia, mesmo eu não me lembrando de nada, mas Lauren não teria motivos para mentir sobre algo tão sério, ou teria?

Meu corpo estremeceu com aquele pensamento, a imagem de Sofia deitada numa cama de hospital, enquanto o policial Carter me interrogava insistentemente surgiram na minha mente, respirei fundo tentando não chorar, já havia chorado demais nas ultimas semanas e essas lágrimas todas não consertaram nada.

Quando finalmente o avião pousou no pequeno aeroporto de São Ângelo, Bill me esperava sentado em uma das cadeiras laranja de frente para a porta de detectores de metais. Ele não havia mudado muito deste da última vez que o vi, no natal passado, quem sabe estivesse mais queimado pelo sol ou os cabelos brancos estivessem aumentado, mas ainda sim ele continuava usando chapéus e botas de couro como um verdadeiro cowboy.

Era difícil imaginar Bill e Leda juntos, eles eram completamente opostos, Leda era conservadora demais para ter se casado com um cowboy, um sorriso brotou em meus lábios com esse pensamento, o mundo realmente era irônico.

Bill levantou-se e caminhou em minha direção assim que me viu, ele parecia verdadeiramente feliz com minha chegada, muito diferente do que eu havia imaginado. Quem sabe ele não soubesse ainda toda verdade.

—Fico feliz que esteja aqui. — Ele disse me abraçando e eu senti que ele queria dizer algo mais do que aquilo, só que não o fez, e eu agradeci silenciosamente por isso. —Você parece mais alta?—Ele disse dando dois passos para trás me analisando.

—É acho que cresci alguns centímetros. —Eu respondi educadamente, na verdade eu ainda continuava com meu um metro e sessenta e cinco. Ainda grata por ele não tocar no assunto de Sofia.

Bill pegou minha bagagem e caminhamos para fora do estacionamento em silêncio.

São Ângelo aqui estamos.

Lá fora, o céu estava coberto por uma grossa camada de nuvens negras, deixando tudo abafado. São Ângelo nada mais era do que uma pequena cidade localizada no interior do norte do país, com uma população que não ultrapassava trinta mil habitantes e que a partir daquele momento seria o meu novo lar. Eu sei apavorante.

A caminhonete de Bill estava estacionada na frente do aeroporto quase vazio. Bill jogou minhas bagagens na carroceria, enquanto eu dava a volta para entrar ao lado do passageiro. Passamos por algumas ruas que eu não fazia muita questão de prestar a atenção, todas pareciam extremamente iguais, era difícil imaginar o que as pessoas faziam naquele lugar, vegetavam? Quando mais eu olhava para janela mais o pânico crescia dentro de mim.

Então finalmente chegamos à velha e assustadora Rua das Oliveiras. Não entendia muito bem porque Bill fazia questão em morar em um lugar como aquele, talvez seja porque a casa tinha sido dos seus pais ou porque era só que o pouco dinheiro permitia, mas isso não diminuía o arrepio que me dava ao entrar naquela rua sem saída.

As casas estavam localizadas todas do lado esquerdo, a maioria dos seus moradores já eram pessoas bem idosas, o que há tornava um pouco melancólica. Do lado direito tudo que se podia ver era uma faixa estreita de floresta que acaba assim que um enorme paredão de rochas surgia, se levantando para o céu, como se fosse uma muralha. Ao final da rua havia um velho casarão, com portões de ferros enormes, a propriedade se estendia ao longo da floresta. Havia sido uma casa imponente em tempos passados, era fácil perceber isso, por suas estruturas e colunas grandiosas, mais hoje não aparentava ser apenas um casarão antigo abandonado.

Bill estacionou diante de um sobrado, todo branco, com um pequeno jardim na frente, as janelas estavam todas abertas e do lado de fora era possíveis ver as cortinas verdes se agitando.

A porta da frente foi aberta no instante em que pulei para fora da caminhonete, Diana apareceu usando um horrível terninho bege, seu cabelos dourados cortados cuidadosamente sobre o ombro, seu batom vermelho combinava perfeitamente com a cor nas suas unhas.

—Olha quem chegou. —Ela disse e sua voz estridente fez meu ouvido doerem, sabia que toda vez que ela abrisse a boca seria uma tortura. —Com foi a viajem?— Ela perguntou fingindo mais interesse do que realmente sentia.

—Bem. —Eu não achei que ela realmente se importava pela resposta.

—A que ótimo. —Ela sorriu novamente, daquele jeito que fazia seu sorriso parecer de plástico, franzindo seu nariz arrebitado. Ficava me perguntando como Bill podia ser casado com uma pessoa como aquela. Devia ser a prova real que o amor era cego.

—Valentina. —Bill me chamou colocando minha mala no chão. Virei para ele compadecia bom parecia que ele havia recebido um bom castigo por ter me abandonado e se tornar um pai ausente.

—Seja bem vinda. —Ele disse meio sem jeito, colocando suas mãos no bolso do jeans velho, seus olhos estavam sobre a casa a nossa frente. Eu acompanhei seu olhar, não antes de ver Diana revirando seus olhos, às vezes imaginava que a palavra madrasta havia se originado por causa dela.

—Quero que se sinta em casa. —Ele disse se virando em minha direção eu tentei sorrir de volta, mais não havia como eu estar feliz, também não havia probabilidade de ser minha parte dramática dizendo. Era só a realidade dura e fria.

O vento começava a sobrar, ele ergueu seus olhos para céu, que começavam a ser cortado por clarões constantes.

—Vou tentar. —Disse assim que percebi que ele esperava por uma resposta, só que não havia qualquer tipo de esperança na minha voz.

—Você vai conseguir. —Ele disse silenciosamente, eu quase desejei não ter dito nada, Bill só estava desejando o melhor para mim, só que o meu melhor não era ali, era na minha casa, com Leda, com meus amigos, e longe de tudo aquilo. Meus olhos se marejaram com esse pensamento, eu pisquei algumas vezes tentando evitar as conhecidas lágrimas, e desvie meu olhar para o paredão de rochas bem a minha frente. Era uma imensidão.

Algo se moveu no topo das rochas, chamando minha atenção, primeiro pensei que fosse um animal qualquer, no entanto o vulto foi ganhando forma e pude perceber que era uma figura pequena de um rapaz, ele estava próximo demais da beirada e usava uma estranha capa que se afastava do seu corpo toda vez que o vento batia contra. Eu imaginei que seria uma boa sensação de liberdade. De ver todos aos seus pés. E desejei poder estar lá em cima, livre de tudo aquilo que me cercava.

—É melhor entrarmos. —Bill disse ainda olhando o céu escuro. —Parece que está chegando uma tempestade daquelas.

O vento sobrou novamente afastando ainda mais a capa do corpo, ele deu um passo para frente e abriu os braços, como se quisesse sentir o vento.  Pelo menos foi o que imaginei até ele curvar o corpo pela frente e cair no vazio.

Então tudo aconteceu rápido demais nos próximos segundos.


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