Meiko

Que raiva! A atitude deles estava a irritar-me profundamente! Aquilo era tudo por causa do Quinto Setor? Estavam com medo? O que se estava a passar afinal? Aquele remate foi tão fácil que até eu o defendia! Olhei para alguém da equipa... Os únicos preocupados com a situação eram o Tenma e o Shinzuke, todos os veteranos estavam de cabeça baixa, e o ambiente à volta deles não podia ser mais pesado.

—Vamos, ânimo! É só um golo, não importa! Nós vamos conseguir dar a volta, não é, Shinzuke? Meiko?

—Sim!- o Shinzuke foi o único a responder, sorri e limitei-me a assentir. Esperava que o Tenma tivesse razão.

Voltamos rapidamente às nossas posições iniciais, onde começaríamos, uma vez mais, por dar pontapé de saída, o que não era bom sinal, só queria dizer que nos tinham marcado um golo, e neste caso, estavam à frente.

—Vamos lá!- obviamente aqueles dois continuavam animados.

O árbitro apitou e os nossos atacantes avançaram logo com a bola, sem a recuar, ou pelo menos pensava que era isso que iam fazer, tentar avançar o máximo possível para marcarem um golo, quando o Kurama-senpai teve a sua bola roubada por um dos atacantes da Eito. O que me deixou um pouco mais aliviada era que ia em direção ao Tenma e ele parecia determinado em tirar-lhe a bola.

—Força Tenma!- continuava a correr na direção deles para o tentar ajudar, mas o atacante passou rapidamente por ele e nem tive tempo de me aproximar.

—Desculpa.

—Não tem problema.- E começamos a recuar para ir ajudar a defesa.

Sabia bem poder contar com companheiros empenhados em jogar e em dar o seu melhor. O mesmo do Shinzuke que assim que viu o atacante passar o outro num passo algo e longo, deu um enorme salto e conseguiu parar a bola em pleno ar. Não pude ficar mais feliz! O Shinzuke avançou sozinho com a bola e nós dois demos meia volta para avançar para o ataque, pelo menos até o capitão lhe pedir a bola, para quem passou de imediato. O capitão apanhou a bola e passou por um adversário sem quaisquer problemas, até chegar ao mesmo adversário que já fizera a Thief Eye, a qual executou para lhe tirar a bola, ficando um vez mais com a bola.

O jogo voltou ao mesmo. Os nossos jogadores deixavam-nos passar facilmente e a bola era-lhes retirada com igual facilidade, como se nem dessem luta. Continuávamos a ser atacados sem parar. Até que o mesmo atacante que fez a Perfect Course. Tinha esperanças que ele a pare-se ao fazer a sua técnica, principalmente porque estava há imenso tempo com a mão em cima da bola como se a fosse parar... Mas não a parou. O segundo golo da Eito estava feito. Estava em choque. Eu podia jurar que ele o ia parar.

—Não acredito nisto. Como é que ele não o pode parar?- ganhei logo a atenção do Tenma, absorto no nosso goleiro, vendo o Amagi-senpai tentar confronta-lo- O Sagoku-senpai era bem capaz de defender aquela bola.
—Sim. Eu sei.

Tudo se voltou a repetir. Demos, mais uma vez, o pontapé de saida para continuar o jogo e num piscar de olhos, já o capitão da Eito tinha a bola, passando pelos nossos centro-campistas. A bola foi recuperada pelos defesas, mas rapidamente retirada. Os passes começaram a tornar-se longos e até mesmo a ir em direção ao adversário.

—Passasse algo de muito estranho com os veteranos.- Olhei para o Tenma e parecia mais sério que o normal- Este não é o futebol da Raimon que eu conheço. Sei que este não é o seu futebol.

—Sim. Algo se está a passar, e estou desejosa de saber qual será a justificação deles.

O Kurama-senpai e o capitão avançavam lado a lado, tendo o veterano a antes de a passar para o nosso capitão. O mesmo avançou um pouco mais esperando a bola chegar até ele, indo na direção de um defesa. Porém, nem foi preciso o mesmo fazer nada, bastou a bola bater no peito do capitão, como se o passe tivesse falhado. O sorriso no rosto do Tenma desapareceu de imediato. Não percebia porque razão ainda tinha esperanças nele. O defesa levou a bola e eu tentei pôr-me à frente... Em vão. A minha técnica era horrível.

—Tenma, sobe para...- olhei para trás e vi-o parado no mesmo sítio. Parei de correr- Tenma...- ele finalmente tinha percebido a realidade.

A Eito avançou um pouco mais até à área do goleiro, executando um mau passe, que acabou com a bola fora do campo. Não demorou muito até o árbitro apitar para o final daquele horrível primeiro tempo. Todos nos dirigimos para os nosso bancos. Ninguém da equipa disse uma só palavra.

—Bem, rapazes. Aqui já têm as bebidas preparadas. Lembrem-se de beber para se hidratarem.

Tal como a Haruna dissera, as botijas laranja de água estavam em cima do banco, enquanto que a a Aki e a Akane tinham nas mãos as toalhas para nos dar. Cada um agarrou na sua botija e numa toalha... E todos ficaram em silêncio. Sentados no chão, de cabeça baixa ou a beber água, mas sem abrirem a boca.

—Porque razão estão a jogar tão mal?!- todos olharam de imediato para mim- Que tipo de futebol foi aquele no primeiro tempo?!

—É verdade! Não é apenas o Sangoku-senpai e Kurumada-senpai que estão a jogar mal, mas também o Amagi-senpai, Minamisawa-senpai, Kirino-senpai. Kurama-senpai e Hamano-senpai. Capitão...- o Tenma avançou até ele, passando pelos veteranos- Porque razão não estão a jogar de verdade?

—Olha, Tenma. Não podes ficar a dizer essas coisas.

—Mas é a verdade, Midori! O que ele está a dizer não é mentira nenhuma.- A Midori não conseguiu dizer nada mais. Sabia que ela também era veterana, mas isso, agora, não queria dizer nada- Vão dizer que quando um joga mal, todos jogam. O jogo da Raimon no primeiro tempo foi horrível! Se vocês estivessem a jogar como sabem, teriam quebrado a defesa da Eito sem problemas.

—Porque não estão a jogar como sabem?

—Vocês sequer estão a esforçar-se para vencer? Não se importam de perder?!

—Não, não se importam.- Não podia acreditar que aquelas palavras vinham da Haruna. Encarei e vi-a de cabeça baixo e uma enorme tristeza nos olhos azuis-escuros- Lamento. Lamento imenso não vos ter dito nada. Mas antes de começar o jogo já se decidiu que a Raimon perderá por três a zero.

—Estava decidido que perderíamos?

—Isso é possível?- não estava a perceber. A Haruna estava a tremer. Creio que tentava controlar os nervos, mas ainda assim, ergueu a cabeça e sorriu.

—Sabem o que é o Quinto Setor?

—Sim, claro. É a Organização que regula e organiza o futebol.- Pelo que já tinha percebido, eram muito mais do que isso.

—Sim, mas não se limita simplesmente a regula-lo. O Quinto Setor também decide quem ganha ou perde. Decide até o numero de golos e envia a ordem de resultados aos institutos.- Fiquei boquiaberta. No que o futebol se tinha tornado.

—Até o número de golos?

—Mas porque fazem isso?- só eles dois conseguiam dizer algo. Aquilo que pensava sobre o futebol, estava a ruir diante dos meus olhos.

—Para proteger o sistema.

—O sistema?

—O que decide o prestigio dos institutos é o valor do seu futebol. Se uma equipa é má, o instituto não vale a pena. Por isso o Quinto Setor envia ordens de resultados para repartir igualmente as vitórias a todos os institutos. Se se cumpre as suas instruções, recebem-se diretivas de vitória e os institutos recuperam o seu prestigio.

—Quer dizer que tudo pré-decidido.

—Sim.- Foi a única resposta ao que dissera- Por isso só um tipo de pessoas sabe o que se passa. Este é a realidade do futebol de hoje em dia.

Estava em choque. Não sabia o que dizer. Não sabia o que pensar. Não sabia como reagir. Não sabia que parte de mim tinha sido mais afetada; se a parte humana, a minha parte divina, como anjo do futebol.

—Isso é uma injustiça. Decidir o resultado antes de começar o jogo?- as minhas mãos tremiam com os nervos- Não! Isso não é futebol!

—O que sabes tu?!- o grito do capitão arrepiou-me, fazendo-me encara-lo- O que podes saber tu quando cresceste rodeada pelo futebol?!

—Não fales do que não sabes!- ela não sabia a minha história. Não sabia o meu passado. Não tinha o direito de falar assim.

—E tu sabes como nos sentimos quando jogamos futebol?!- a sua voz elevou-se ainda mais- Como se sente o Sagoku-senpai cada vez que lhe dizem que tem que deixar meterem-lhe um golo? O que sabes tu?!- não pude responder. Não tinha resposta- Nós também queremos jogar assim. E se pudéssemos jogaríamos com todo o coração ao futebol que mais gostamos, mas se enfrentamos o Quinto Setor, podem tirar-nos o futebol quando quiseres. Já o viste. Por isso, não temos outra opção a não ser...

Passou por mim sem dizer um só palavra. O Kirino-senpai ainda o chamou, para que parasse, mas continuou.

O futebol... O futebol que eu tanto admirada... O futebol que a minha família e amigos deixaram para trás... O legado deixado na Raimon... Não existia mais. O futebol era controlado. Era algo falso e sem importância.

—Não fazia ideia. Não sabia que o futebol agora era assim.

Só o Shinzuke falava. O Tenma estava sentado no banco, de cabeça baixo, sem dizer uma palavra. Senti um estranho à minha volta. Sabia o que era mas não podia deixar-me ser dominada pelos meus próprios poderes, pela minha raiva.

—Ei, Tenma. O jogo vai começar.- Dei meia volta, após a chamada de atenção da Midori, e vi que ele ainda estava no banco. Caminhei até ele e agarrei-o pelo braço, obrigando-o a levantar.

—Meiko...

—De uma coisa podes ter a certeza. Este jogo não vai acabar assim.

Controlarem o futebol, era como controlarem uma parte de mim, e eu jamais deixei que me dominassem.