A Profecia de Éter - A arma primordial escrita por George L L Gomes


Capítulo 7
Capítulo 07 - Lutar ou Sobreviver (Parte II)


Notas iniciais do capítulo

Depois de ter o acampamento meio sangue invadido por criaturas misteriosas chamadas Assombrações, os semideuses tentam escapar com viva dos domínios que deveriam ser um lar seguro. Por conta própria, o grupo sobrevivente tenta entender o significado da profecia e o que devem fazer daqui em diante.



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De todos os anos em que estive no acampamento e fora dele em algumas missões, aquela havia sido sem Sombra de dúvidas (com o perdão do trocadilho), a pior noite de todas. E ela ainda não havia acabado!

Eu corria o mais rápido que minhas pernas me permitiam, sem olhar para trás, pois sabia que no momento em que eu o fizesse iria desistir de fugir e enfrentaria aquelas criaturas sem dúvida alguma. Contudo, não estava correndo somente para salvar a minha vida, mas principalmente para manter Ellene segura. A garota que era praticamente minha irmã mais nova, estava inconsciente nos meus braços desde que saímos do acampamento. -Vamos escapar dessa anãzinha. - falei para ela, enquanto tentava controlar a respiração e decidir para onde ir.

Depois que deixamos a Casa Grande, às costas de Quíron, fomos alvejados pelas Assombrações. De alguma forma as criaturas compostas de sombras explodiram diante de nós, jogando-nos em distintas direções. O efeito daquele manto sobre o nosso corpo era de pura dor e agonia, como se fogo perpétuo estivesse correndo nas nossa veias no lugar de sangue. Fiquei em um estado entre a inconsciência e a letargia e quando por fim consegui colocar os pensamentos em ordem novamente, estava ao lado de Moon Barton, filha de Hermes. A garota, que jamais era vista sem a irmã gêmea ao lado, ainda sofria com as dores que as Assombrações causavam ao nos tocar. -Hey, tenta se levantar. Temos que sair daqui. - tentei trazê-la de volta e estava puxando-a para cima quando Assombrações surgiram ao nosso redor, cercando-nos. Tive que deixá-la no chão para conseguir sacar de dentro da minha bolsa de ferramentas, que diga-se de passagem sempre estava presa em volta da minha cintura, o isqueiro prateado que exibia labaredas estampadas em sua decoração. Ai você pode estar se perguntando: O que você pretendia fazer com um isqueiro Ricardo? Tocar fogo nos monstros? No que eu lhe respondo: Nunca subestime um filho de Hefesto!

Logo que a primeira Assombração ergueu-se na nossa direção, movi o polegar sobre o botão do isqueiro que em vez de acender uma pequena chama, transformou-se, como em um passe de mágica, em uma martelo. Claro que não era um martelo comum, uma vez que tinha um tamanho bem maior se comparado àqueles que usamos para bater pregos, sendo forjado com ouro, bronze celestial e prata. Pura ostentação! Além de me ajudar bastante nas minhas criações na oficina o objeto era uma boa arma para batalha. Movendo-o de baixo para cima acertei a criatura que teve parte do seu corpo dissipada, sendo obrigada a afastar-se. -Tem mais de onde essa veio, querem experimentar? - falei, tentando um tom ameaçador. Na verdade, eu sentia-me aliviado por ver que o martelo (do Thor... Só que não!), provocava efeito naquele oponente. Eu já havia percebido tanto durante o ataque do captura a bandeira, quanto naquele momento vendo a luta de outros semideuses, que a maior parte das armas viravam cinzas quando entravam em contato com aquelas coisas e agora estava começando a suspeitar do motivo.

Girando no mesmo local em que estava coloquei o martelo acima da cabeça e acompanhando o movimento do corpo atingi a segunda Assombração que saltou sobre mim. O efeito foi similar ao primeiro, contudo, tendo sido mais preciso que o anterior, fez com que a criatura perdesse a sua forma, virando apenas um amontoado disforme de sombras. -E agora, só falta você querida! - falei para a terceira, avançando na direção dela, confiante de que acabaria com aquela também e talvez tenha sido esse o meu erro. Tinha avançado cerca de seis passos em direção a Assombração quando ela desapareceu diante dos meus olhos sem deixar qualquer tipo de rastro; rápido o suficiente para que eu não conseguisse ver como. Parei e olhei ao redor, procurando-a e senti um calafrio percorrer a minha coluna, o que era um mal presságio. -Onde essa maldita... - quase como se quisesse responder a minha indagação, notei uma movimentação abaixo dos meus pés e vi surgir do solo vários tentáculos de escuridão que envolveram o meu corpo e me atiraram para longe. Como se não bastasse aparecer e desaparecer no espaço elas ainda podiam brotar do chão!

Antes do meu corpo atingir o solo diversas raízes de plantas me seguraram, colocando-me gentilmente em pé próximo a margem do lago que cortava parte do acampamento. Soube de imediato que fora Ellene que havia me ajudado, afinal, de todos os filhos de Deméter residentes no acampamento, somente ela dominava os poderes de sua mãe com tal perfeição. Não era a toa que comparavam-na com Meg McCaffrey! -Obrigado, anãzinha! - agradeci, como sempre implicando com ela ao juntar as palavras anã com irmãzinha, duas coisas que a representavam muito para mim, o que geralmente a deixava irritada ou a fazia rir, o que não aconteceu naquele instante. Os olhos de Ellene estavam vermelhos e lágrimas escorriam pelo seu rosto e não demorou muito para que eu percebesse que a semideusa estava soluçando. -Elas te machucaram? - indaguei, me aproximando dela sem conseguir esconder o tom de urgência e preocupação, avaliando de cima a baixo até ser envolvido pelos braços da garota que me apertaram forte, enquanto ela balbuciava palavras que eu não conseguia compreender.

 –Rafael... - ela tentava se controlar para me explicar o que havia acontecido. -Ele e-estava com-migo e... - logo ela não conseguia continuar falando, o que no fim não foi preciso. Imaginei que eles deveriam estar juntos e as Assombrações havia os separado com uma daquelas explosões.

—Hey, não fica assim. Tente se controlar! Tenho certeza que ele está bem. Rafael é uma das pessoas mais fortes que eu conheço. - tentei consolar a pequena, olhando ao redor constatando que não poderíamos ficar mais tempo parados ali. Duas Assombrações que acabavam de transformar uma semideusa em um forma negra coberta de sombra, já se aproximavam de nós. -Vem, temos que sair do acampamento. -mas como já devem ter percebido, falar é algo bem mais fácil do que fazer.

Não tínhamos corrido mais do que alguns metros quando fomos interceptados por um dragão que passou voando a poucos centímetros de nós. Quase não acreditei naquilo, mas Kaleb estava mesmo montado no dragão que guardava o velocino de ouro no antigo pinheiro de Thalia. -Deuses. Não estou acreditando no que vi. - até mesmo Ellene que ainda tentava conter o choro foi acometida com a cena. Nossa distração nos custou caro, como era de se esperar. Mal havíamos nos recuperado do primeiro susto e as Assombrações voltaram a aparecer. -Vocês não cansam nunca? - perguntei irritado, já girando meu martelo. Parecendo cientes de que minha arma tinha certo efeito contra elas as assombrações evitaram a todo custo o contato com meu brinquedinho, contudo, não recuaram definitivamente.

—Malditas! - escutei a voz de Ellene em um tom que eu nunca tinha escutado antes. A garota costumava falar de forma doce e melodiosa e agora só havia uma fúria palpável, que me espantou. Quando olhei em sua direção a vi  transformar o seu bracelete (uma peça dourada adornada com uma foice e grãos de trigo em alto relevo) em uma foice de verdade. Tempos atrás, quando Ellene ganhou a arma de presente de sua própria mãe durante sua primeira missão fora do acampamento, a garota me confidenciou que a lâmina era impregnada de toxinas das plantas mais perigosas do mundo. Mal a arma havia transmutado-se e logo a semideusa estava partindo em direção as Assombrações, executando movimentos tão precisos e atléticos que considerei no mesmo instante que ela havia sido possuída por algum espírito.

Ellene, a garota que eu conheço e que eu trouxe para o acampamento meio-sangue era uma menina delicada, doce e completamente desastrada que evitava qualquer tipo de combate. A pessoa que eu estava vendo naquele momento reduzindo as Assombrações em bolhas sem formas era uma completa guerreira. Não precisei ajudá-la em nenhum momento e quando por fim as criaturas tentavam se recompor, agarrei o pulso de Ellene e voltei a correr em direção a saída do acampamento.

—Não consigo acreditar no que vi. - falei para ela, num misto de medo e admiração.

—Realmente, nunca imaginei ver alguém voando em um dragão. - ela me respondeu, tão natural que me fez cair na gargalhada. O riso se foi poucos segundos depois! Do chão, abaixo de nós, um mar de sombras surgiu e envolveu Ellene mais rápido do que eu pude puxá-la para longe, fechando-se em uma espécie de redoma de sombras vivas. -Não. - consegui gritar, já erguendo o martelo acima dos ombros, batendo-o com toda força possível contra a prisão que envolvia Ellene. Não conseguia mais vê-la, mas ouvia os seus gritos de dor e desespero. -Soltem-na! Larguem ela. - eu gritava, usando tudo de mim para libertá-la e embora minha arma dissipasse parte das sombras, novas surgiam no lugar antes que eu pudesse abrir espaço suficiente para retirar Ellene de dentro.

Eu já sentia-me esgotado quando os gritos pararam e eu pensei que o pior havia acontecido. Caindo de joelhos no chão meus olhos encheram-se de lágrimas e toda a visão ficou turva. Dentro do meu peito o coração parecia ter sido comprimido até deixar de existir. -Desgraçadas... - era a única coisa que eu conseguia murmurar. Eu havia perdido a minha irmãzinha e não tinha conseguido fazer nada para ajudá-la. Todas as minhas esperanças e vontade de lutar aos poucos iam desaparecendo, quando um feixe de luz brotou de dentro da bolha de sombras.

A princípio foi um único feixe, abrindo um buraco do tamanho de um punho. Em instantes, vários outros surgiram, intensificando-se a medida que aumentava em número, até que por fim não restava mais nada da escuridão que envolvia a filha de Deméter. Ali no chão, desacordada e ainda emitindo um brilho fraco estava Ellene, aparentemente sem nenhum machucado. -Graças aos deuses – agradeci, já segurando-a nos braços e sem perder mais tempo, indo em direção a uma das saídas do local.

Infelizmente, do ponto onde estávamos tivemos que entrar na floresta que rodeia o acampamento. O local era evitado pelos semideuses desde o tempo em que Apolo estivera no acampamento meio-sangue, como mortal e alguns semideuses desapareceram. Ainda assim, não havia outra escolha! Depois de correr com a anãzinha nos meus braços por vários minutos, já sentia meus músculos reclamarem, mas não podia parar. O pior de tudo é que estávamos perdido e eu começava a ouvir sons mais perto de nós do que eu desejava naquele momento. Não havia dúvidas de que algo ou alguém estava se aproximando.

O que nós mais queríamos era poder passar o tempo que fosse possível no acampamento nos divertindo, pregando peças em algumas pessoas e dando sustos em outras. Nunca, nunquinha mesmo, pensamos que seríamos escolhidas para algo como aquilo.

Quando a Oráculo apareceu no meio do nada, brilhando feito uma árvore de natal, tomei um baita susto e agarrei o braço de Moon no mesmo instante. Ela era mais corajosa do que eu, devo admitir. No entanto, quando vi o círculo luminoso se formar sobre a cabeça dela a larguei instantaneamente  para poder admirá-la. –Você está parecendo um anjo. – lembro-me de ter dito. A cara de admiração da minha irmã me fez perceber que havia algo sobre mim também.

Depois daquele momento mágico, posso dizer, seguimos para a Casa Grande junto de outros semideuses e foi ali que tudo começou a dar errado. Como se não bastasse termos sido atacadas no Acampamento durante o Captura a Bandeira agora estávamos sendo atacadas mais uma vez por coisas de sombras que me apavoravam só ao serem mencionadas. Pior de tudo, aqueles que deveriam nos proteger ou não estava ali ou estava mandando a gente correr e se  virar sozinhas. De mãos dadas com Moon sai correndo, emergindo em um mar de monstros. –Eu estou com tanto... – sabia que minha irmã completaria a minha frase, uma vez que os nossos sentimentos em noventa e oito por cento dos caso eram os mesmos, mas antes que ela pudesse fazer isso algo nos lançou para longe uma da outra. Senti tanta dor que devo ter passado alguns bons minutos desacordada e quando voltei, senti que meu corpo estava sendo carregado por alguém. Me desesperei e logo imaginei que aquelas coisas estavam me levando para mundo inferior. Habilmente alcancei o punhal que tinha escondida dentro da jaqueta e cravei, sem  pestanejar, nas costas daquele monstro.

Foi somente quando escutei um grito, que até parecia humano e fui jogada ao chão, percebi que não era uma assombração que me arrastava para fora do acampamento e sim o filho de Apolo, Rafael Wester. –Puta merda. – falei ao perceber o erro que havia cometido.

O semideus caiu de joelhos tentando alcançar a arma que estava cravada na altura do seu flanco esquerdo. –Mil desculpas! – pedi a ele, erguendo-me e indo ajudá-lo. –Isso vai doer. – anunciei, puxando o punhal, vendo o sangue esvair com maior abundância.

—O que você estava pensando? – ele me perguntou, mostrando que começava a sentir dificuldade de respirar, pressionando o local do ferimento. –Não acredito que você me apunhalou! - Agora, vendo-o ali, nem eu mesma acreditava que havia feito aquilo. Rafael era o tipo de pessoa tão atenciosa e bondosa com todos, que até mesmo eu que somente era leal a minha irmã, sentia-me de certa forma ligada ao garoto, o que o fazia sempre ser poupado das nossas brincadeiras. Havia uma espécie de respeito e admiração intrínseca.

—Pensei que você fosse uma daquelas coisas. – senti o meu próprio sangue concentrar-se no meu rosto. –Deixa eu te ajudar. – caminhei até ele, auxiliando-o a ficar de pé, segurando o bastão que ele carregava para que o rapaz tivesse a mão livre para pressionar o ferimento e a outra se apoiar nos meus ombros. Estávamos perto dos limites do acampamento que dava para a floresta. -Para onde você estava indo? – perguntei.

—Esse caminho era o que estava mais livre para fora do acampamento. As assombrações parecem ter se concentrado, por algum motivo, do outro lado, em direção aos chalés e saída principal.  – ele me disse, olhando ao redor como se precisasse confirmar a informação que estava me dando. –E tive... – ele parou, repensando o que iria me dizer, ficando calado.

—O que? – perguntei, curiosa e desconfiada. –Teve alguma intuição? Visão? Pressentimento? – continuei, dando opção para o rapaz. Sabia que as palavras às vezes sumiam da nossa cabeça quando mais precisávamos delas. Isso acontecia muito comigo e era sorte eu ter Moon ao meu lado para me ajudar. Lembrar da minha irmã me fez encher os olhos de lágrimas, o que deve ter sensibilizado Rafael.

—Pensei ter visto Ellene vir para esse lado. – ele falou, parecendo envergonhado e apreensivo ao mesmo tempo. –Acho que seria esse o caminho que ela seguiria.

—Espero que minha irmã também tenha conseguido escapar. – falei para ele, secando no ombro do garoto as lágrimas que escorriam pelo meu rosto. –Você é filho de Apolo, certo? Poderia fazer uma profecia onde todos nós escapamos dessa vivos? - aquilo foi mais um pedido do que uma pergunta.

—As coisas não funcionam assim. – foi o que ele respondeu, parando de súbito, voltando a olhar para os lados como se tivesse escutado alguma coisa. Nem precisei perguntar o que ele estava procurando e logo comecei a ouvir uma espécie de vibração ao nosso redor. Era um som particular e intrigante, que me fazia quase lembrar de alguma coisa... Então, à nossa frente, uma assombração surgiu,  me fazendo gritar de medo. Nunca fui a mais corajosa do grupo, mas também nunca fui a completamente inútil, então, sem perder tempo movi o bastão de Rafael, acertando a criatura de sombras. Não teve muito efeito e logo tive que soltar o garoto para lutar com a coisa usando o punhal que momentos antes eu havia acertado no semideus.

Imagine-se lutando com um braço e uma perna presos e somando a isso acrescente um olho cego e um ouvido surdo. Bem, era mais ou menos assim que eu sentia-me lutando sem Moon ao meu lado! Meu estilo de luta era diretamente ligado ao dela e acredito que foi somente graças a agilidade inerentes aos filhos de Hermes que consegui me mover rápido o suficiente para desviar das investidas da Assombração e depois de algumas tentativas, acertá-la no centro do corpo. Superando as minhas expectativas, a criatura virou cinzas no mesmo momento que a arma a atingiu.

—C-como você conseguiu  fazer isso? – Rafael me perguntou, chamando-me a atenção.

—Se descobrir, me avisa. Vamos, temos que sair daqui. – voltando a ajudá-lo, saímos do acampamento sem olhar para trás. Sem me incomodar em limpar o punhal, guardei-o dentro do bolso da jaqueta novamente.

Depois de andar por longos minutos no meio da floresta, tivemos que parar para Rafael descansar. Ele ainda estava perdendo muito sangue e cada vez mais ficava branco como papel. –Se você morrer por minha culpa, eu te mato. – falei para ele, olhando-o por alguns instantes, dando-lhe as costas e começando a me afastar. –Não saia daqui, vou conseguir ajuda. – declarei, sem dar importância ao que ele estava falando. –Só espero encontrar o caminho de volta. – pensei. De alguma forma, talvez divina até, sempre consegui me guiar bem dentro da floresta, como se o caminho já fosse conhecido. Minutos depois ouvi passos e uma respiração ofegante o que deixou claro que eu estava perto de alguém. Furtivamente, comecei a seguir  o som, mantendo-me oculta até descobrir se era realmente seguro ou não.

Nunca pensei que um dia diria que tive sorte de encontrar Ravenna Whitmore, a temida filha de Hades. No entanto, ali estava eu caminhando pelas adjacências do acampamento meio-sangue, fugindo das Assombrações e deixando todos aqueles que eu conhecia para trás, seguindo os passos da semideusa mais encrenqueira e perigosa que eu conhecia, sendo grata a ela por livrar o meu pescoço pelo menos três vezes na última hora. Junto a nós estava também Moon, a filha de Hermes que até aquele dia eu jamais havia visto sem a companhia da irmã gêmea, Sun. -Fique tranquila, vamos encontrar todos os outros! - disse para ela, talvez pela décima vez apertando o seu ombro de leve, tomando cuidado para não machucar o braço da garota que ainda sangrava. Notei pela visão periférica o olhar que Ravenna lançou sobre nós o que deixou claro para mim que ela não acreditava nem por um minuto naquela minha afirmação.

Bem, o fato é que eu não poderia julgá-la por pensar daquele modo uma vez que até mesmo eu já começava a considerar essa possibilidade. No entanto, Moon assim como eu e Ravenna havia enfrentado muitos obstáculos para conseguir sair do acampamento no meio daquele caos. Seja lá o que realmente fosse aqueles seres sombríos, sabíamos agora que eles eram extremamente poderosos e completamente diferente de tudo o que fomos preparados para enfrentar.

Depois que sai da casa grande ao lado dos outros semideuses escolhidos para cumprir a nova grande profecia, fomos orientados por Quíron para nos mantermos em segurança, o que mostrou-se ser algo quase impossível. O acampamento tornara-se um campo de guerra e por todos os lados havia semideuses sucumbindo as Assombrações. Antes mesmo que eu pudesse sequer sacar a lança de batalha, fui arremessada para o lago que divide parte do acampamento e quando acordei estava cercada pelos inimigos. Mesmo sendo uma excelente combatente, eu teria sido subjugada pelas sombras antes mesmo de derrotar duas delas e foi nesse momento que a minha salvação veio de onde eu menos esperava.

Ravenna surgiu dos céus, literalmente caindo sobre as Assombrações, passando a enfrentá-las como uma máquina de destruição, o que apenas serviu para confirmar o título que ela carregava de melhor guerreira do lugar! Com sua espada feita de ferro estígio a garota de cabelos acobreados derrotou em poucos minutos metade dos nossos oponentes e com um pouco da minha contribuição, tivemos por alguns minutos o caminho livre para tentar escapar. Apesar de nunca termos trocado mais do que algumas palavras, seguimos lado a lado, protegendo uma a outra até encontrarmos Moon, ferida e desamparada.

Agora estávamos seguindo em direção a cidade. -Mais alguns minutos e conseguimos alcançar o extremo da floresta, que vai dar acesso a uma das rodovias principais. - falei, quebrando o silêncio mais uma vez. Fora eu quem dera a ideia de seguirmos para a cidade, que embora fosse arriscado por ter muitos pontos de atração de monstros, era onde estava o único lugar que eu conseguia pensar ser seguro naquele momento.

Ravenna não tinha achado o meu plano algo bom, mas de toda forma ela também não tinha nada melhor para sugerir. O clima naquela parte da floresta era frio, não tanto quanto estivera na presença das Assombrações, mas ainda assim gelado ao ponto de fazer todos os meus pêlos estarem levantados. O único som além da nossas respirações era o das pequenas criaturas que ali habitavam e isso de certa forma me deixava aliviada. Preocupante seria se nem mesmo os animais estivessem se sentindo seguros ao ponto de estarem completamente calados.

Havíamos andado um pouco mais de cinco metros quando ouvimos um som que destacou-se dos demais. Era quase como se a floresta estivesse se movimentando, ou melhor dizendo, as árvores. -Isso não parece nada bom. - falei, entredentes, retirando a lança das costas e olhando para as duas garotas ao meu lado. O som foi se intensificando e o que fosse que estivesse causando aquilo estava se aproximando. Sem que precisasse falar qualquer coisa, as outras duas entenderam assim como eu que a melhor opção era correr. Apoiando Moon com o braço que estava livre, começamos a correr na direção contrária ao som, mas logo calculei que não iríamos conseguir ser rápidas o suficiente.

Não tínhamos corrido mais do que dois minutos e pudemos ver, sobre o ombro, uma grande figura ainda oculta pelas sombras do local. A medida que a criatura se aproximava as árvores ao seu redor iam tombando, sendo forçadas a se afastarem para dar passagem para a “coisa”. -Ele vai nos alcançar. Vamos ter que lutar. - gritei para que as outras pudessem me escutar, uma vez que o som de destruição as nossas costas estava cada vez maior. Ravenna sinalizou algo e tive que estreitar os olhos para conseguir ver o que ela estava apontando. A nossa esquerda havia uma pequena fonte de luz, provavelmente de alguma fogueira e logo pude identificar o espaço aberto que deveria ser uma clareira. Concordando com a cabeça, segui a garota naquela direção! Se tínhamos que enfrentar o nosso perseguidor, isso seria melhor em um campo aberto sem o risco de sermos esmagadas por uma das árvores derrubadas e com mais espaço para fugir ou atacar.

Estavamos a menos de três metros de distância quando consegui identificar algumas formas à luz da fogueira e estava quase sorrindo de alívio quando senti o impacto ás minhas costas, me lançando para frente junto com Sun. Meu corpo rolou pela grama e pelas folhas secas e antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, alguns pares de mãos em colocaram de pé mais uma vez.

Ao meu lado estavam Ricardo e Sun, outros dois semideuses que estiveram na casa grande após a nova reclamação. Mais atrás, deitados lado a lado, estavam Rafael e Ellene, ambos inconscientes. E a nossa frente, estava um dragão com sua enorme boca aberta, em completa exuberância. -Espera um pouco, esse não é o…

—Grande e poderoso Peleuzinho. - a voz veio das costas do dragão e não demorei para reconhecer o seu dono. Surgindo por trás da cabeça da criatura surgiu o filho de Dionísio, sorrindo debilmente, nos encarando com um grande olhar de satisfação. - Gostaram da minha entrada triunfal? - ele nos indagou, saltando de onde estava e jogando algo para o dragão que eu não consegui ver o que era, mas que agradou e muito o ser que horas antes protegia o velocino de ouro no acampamento.

—Era você esse tempo todo, seu louco? - perguntei irritada, subindo meu tom de voz algumas oitava, deixando nesse momento o meu sotaque surgir por descuído. -O que pensa que estava fazendo? Poderia ter nos matado, seu imbecil. - continuei, apontando a lança na direção dele, me aproximando em passos firmes até sentir uma mão segurar meu ombro, me impedindo de prosseguir. Olhei e vi que tratava-se de Ricardo, que assim como eu demonstrava completa incredulidade nas atitudes do garoto a nossa frente.

—Ah, qual é loirinha? Era só uma brincadeira e o Peleuzinho se divertiu bastante. Não queríamos machucar o seu senso de coragem! - ele respondeu aproximando-se de nós ainda sorrindo. -Então, fomos os únicos a sobreviver? As coisas lá atrás ficaram bem feias não é mesmo? Quase tão feias quanto a cara daquela filha de Hades. Aliás... Opa. Falei demais. - ele cuspia as palavras e somente parou quando Ravenna surgiu as costas das gêmeas que até esse momento se abraçavam e avaliavam uma a outra, como se a anos não se vissem.

—Não sei dizer quem mais escapou. Acho que cheguei a ver Victor e o semideus novato indo em direção aos chalés. - falei, olhando de Kaleb para Ricardo e em seguida para os outros que estavam ali. E o que aconteceu com Rafael e Ellene? - perguntei, voltando a encarar os dois que estavam deitados um pouco mais distante.

—Ellene foi atacada pelas Assombrações. Elas a cercaram em uma espécie de bola de sombras e algo bem estranho aconteceu. - Ricardo começou a falar, seu rosto se transformando à medida que ele parecia lembrar o que tinha acontecido. -Sun nos encontrou aqui na floresta. Senti que estávamos sendo seguidos e depois de nos esconder, vi que tratava-se dela que nos levou até onde Rafael estava. Ele foi ferido e perdeu muito sangue! Desmaiou logo depois que o encontramos. - ele contou, cruzando os braços, mudando o peso do corpo de uma perna para a outra. Estava claro que ele sentia-se incomodado. -Não sou lá muito bom com primeiro socorros, então...

—Vou dar uma olhada neles. - falei, me distanciando e indo verificar como os dois estavam. Não que eu fosse boa com esse tipo de coisas, o curandeiro daquele grupo era mesmo Rafael, mas eu sabia alguma coisa. Me ajoelhei entre eles e verifiquei primeiramente que o garoto que suava, mesmo com a noite fria e tinha uma mancha vermelha na blusa onde o sangue se destacava. Levantei o tecido e retirei de cima o pedaço de pano que Ricardo provavelmente havia usado para tentar estancar o sangue. O ferimento era relativamente pequeno, não mais do que quatro centímetros e já não sangrava com intensidade, mas estava claramente infeccionado, o que justificava a febre que descobri quando coloquei a mão sobre a testa do garoto. -Nada bom. - sussurrei, voltando-me para Ellene que aparentemente não tinha nenhum machucado e parecia apenas que estava em um sono profundo. -Temos que arrumar ambrosia e néctar para Rafael, o mais rápido possível. - falei quando voltei a me juntar com os outros cinco semideuses. Estes conversavam sobre o próximo passo que deveríamos dar.

—Posso ter algo que sirva. - Kaleb falou, se distanciando e voltando para onde estava o dragão que naquele instante descansava como se fosse um cachorrinho adestrado.

—Se for uma daquelas suas bebidas suspeitas... - comecei a falar, não acreditando que pudesse vir algo produtivo daquele garoto, quando ele retornar com algo que emitia um leve brilho dourado, que devo admitir, me surpreendeu imensamente. -V-você roubou o velocino de ouro? - abismei-me.

—Roubar é uma palavra muito forte corujinha. Digamos apenas que eu o peguei emprestado para fins não especificados. Agora me diz, isso serve de alguma coisa para as princesas adormecidas ali? - sem me dar o trabalho de responder, peguei o objeto mágico das mãos dele e levei até onde os dois estavam. Não conseguia acreditar que eu estava com o Velocino original das histórias. Repousei primeiro sobre Rafael a quem eu julgava estar em um estado mais crítico do que a menina. Quase de imediato foi possível ver a melhora dele que parou de tremer e suar, logo sua respiração voltou a ter um ritmo normal. Deixei que o Velocino fizesse a sua magia e retornei ao grupo.

—Acho que vai servir sim. - conclui, sentando-me ao lado de Ravenna que mantia-se mais afastada dos demais. -Você está bem? - perguntei a ela que apenas me encarou por alguns segundos e voltou a olhar para a escuridão da floresta, como se esperasse que a qualquer momento alguma coisa pudesse surgir dali. Interpretei o silêncio dela como um sim e voltei-me para os outros. -Deveríamos estar todos juntos. Era o que Quirón queria... - comecei a exteriorizar os meus pensamentos, lembrando-me das palavras do centauro. -Os doze deviam desvendar a profecia juntos. - falei suspirando ,dando uma pausa de quase um minuto onde o silêncio perdurou nos deixando escutar o roncado do dragão.

—Acho que vi o filho de Zeus e a novata filha de afrodite saindo do acampamento em um pégasus.  -Moon falou, sendo a primeira vez desde que eu e Ravenna a havíamos encontrado, quebrando o silêncio. Talvez fosse pelo fato de agora ela estar ao lado da irmã a quem ela tanto era apegada. -O que deixa faltando apenas dois de nós?! - naturalmente, fora Sun quem completara o raciocínio, interrompendo o curativo improvisado que fazia no braço da irmã.

—Sim. Mas não temos a mínima ideia de onde eles possam estar e estamos completamente vulneráveis fora dos limites do acampamento, sem qualquer proteção. Não sabemos quando as Assombrações podem surgir novamente e  como todos vimos, elas são muito mais fortes do que qualquer coisa que alguém aqui já tenha enfrentado. Temos que descobrir como detê-las ou ao menos nos manter seguros até conseguir decifrar essa profecia. - respirei fundo antes de continuar. -”O tempo nada ajudará e ao nascer do novo ano, o ser das trevas vencerá!” - recitei o último trecho da profecia. -Isso quer dizer que temos até o ano novo para vencer esse tal mal que está ressurgindo. O que nos dá...

—Exatamente um mês contando a partir de hoje, se já tivermos passado da meia noite. - Ricardo completou, olhando para mim como se esperasse uma confirmação.

—”A arma primordial deverão recuperar, para novamente o equilíbrio reinar.” - a voz veio das nossas costas e sem que eu precisasse virar, Rafael sentou ao meu lado, com uma fisionomia muito melhor do que minutos antes. O velocino, que antes o cobria, agora estava sobre Ellene. O poder daquele objeto era realmente algo impressionante. -Acho que o objetivo ficou bem claro nessa profecia. Agora, ajudaria muito se tivessem dado uma dica mais específica sobre o que é realmente essa arma primordial. Aliás, obrigado por cuidarem de mim. - ele falou, sorrindo com simpatia.

—Quem sabe tenhamos que roubar novamente o raio de Zeus. - a voz de Kaleb se destacou, meio embargada, logo depois dele tomar mais um gole da bebida secreta que ele mantinha sempre dentro daquela garrafa. -Sun e Moon poderiam fazer isso de letra se tiverem as mesmas qualidades do irmãozinho delas.

—Não fala besteira! - Ricardo tomou a frente, censurando-o. Apesar de todos que estavam ali já estivessem à algum tempo no acampamento e conhecessem as histórias antigas, mencionar, mesmo que indiretamente Luke Castellan, em especial para outros filhos de Hermes, era algo bem deselegante e insensível.  -Ravenna disse que você tinha uma ideia de onde poderíamos ir, Luana? - ele mudou de assunto, voltando a olhar para mim.

—Verdade. Acho que o lugar mais próximo que podemos ficar seguros e onde possivelmente possamos conseguir algumas resposta seria o Empire State Building. Acho que devemos fazer uma visita aos nossos pais... Devemos ir até o Monte Olimpo!




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Notas finais do capítulo

Depois de um bom tempo sem publicar nenhum capítulo novo devido alguns problemas pessoais, esse capítulo vem apenas para fechar o primeiro arco da história. Espero que gostem e peço perdão aqueles que acompanham pela ausência.



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