A Melodia da Sereia escrita por Pilar


Capítulo 3
O Capitão de Graaf


Notas iniciais do capítulo

Se gostar, me deixe saber :)



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Risadas. Cada vez mais fortes e altas. Não eram risadas confortáveis e contagiantes, daquelas que nos fazem rir junto. Eram grotescas, e podiam se assemelhar facilmente a granidos ou grunhidos.

Ainda sem abrir os olhos, senti a luz do sol arder em meu globo ocular. Minha cabeça latejava e eu tinha certeza que assim que abrisse os olhos, a dor pioraria.

De repente, as risadas cessaram e me forcei a abrir os olhos para achar o que quer que tenha parado com aqueles sons.

Oh meu Deus.

Um homem alto, aparentemente forte – difícil distinguir por baixo daquelas roupas espessas – e com um proeminente barba ruiva estava parado à frente da cabine do capitão. Seu ar inspirava autoridade. Suas roupas eram uma simples calça, uma camisa branca de manga cumprida, suponha, visto que um pouco do tecido branco com babados sobressaia sobre seus punhos. Um colete preto, e um sobretudo preto constituam sua postura imponente, com um grande chapéu com uma pena, como eu havia visto tantas vezes nos piratas dos livros que Beca trazia para casa.

Então tomei consciência de minha situação.

Estava em um navio, amarrado à um mastro. As cordas perpassavam sobre meu tronco e também prendia minhas mãos. Estava entre dois homens, também amarrados. Pelo visto amarraram todos os prisioneiros ao mastro. Discretamente tentei forçar o nó, porém nada de ele sequer ficar mais frouxo. A corda estava me machucando.

— Bem vindos, caros amigos ao Tigre! – o capitão ruivo nos saudou com um carregado sotaque holandês e abriu os braços, a fim de contemplarmos seu território. – Sou o capitão Laurens de Graaf – já havia ouvido falar dele, e por coincidência ou não, ele que atacara minha vila anos atrás no ataque que matou meu pai.

E seu ataque mais recente matou a minha mãe.

— Vocês, meus caros, servirão a um grande propósito. – ele continuou – Imagino como devem estar se sentindo desolados, longe de casa e de suas famílias, e de antemão me desculpo pelos meus marujos, eles não sabem se comportar – um sorriso irônico se abriu naquele maldito rosto. Ele estava deliciado com a situação e sua última frase serviu como um aviso para nós, de que deveríamos obedecer, caso terríveis consequências nos assolariam. – Mas tudo isso será compensado, afinal, vocês serão heróis.

— Há... Há alguma chance de voltarmos para casa? – um rapaz que aparentava ser mais jovem que eu e estava preso pelo em uma espécie de coleira, com mãos e pés amarrados também.

Aquilo foi como um estalo e de um silêncio absoluto, o navio explodiu em risadas.

— Sinto muito, meu jovem. Receio que não – respondeu o capitão, tentando conter a risada.

Estão claramente rindo e se divertindo as nossas custas.

— Me desculpem pelo tratamento. – ele retornou a falar e repentinamente como começaram, as risadas cessaram. – Homens, os libertem. E garantam que tenham uma boa adaptação... Ao estilo pirata.

Dito isso, De Graaf deixou o convés e voltou para sua cabine.

— Sou o Tenente, isto é, segundo no comando. Vamos ver se vocês são aproveitáveis ou apenas cães sarnentos.

Três homens começaram a cortar as cordas e um quarto foi até o rapaz com a coleira e começou a cortar suas amarras também. Balancei meus braços para cima e para baixo, massageando os vergões, e estendi um pouco as pernas, tentando aliviar a dor e diminuir o inchaço causado pelo aperto.

— Doeu, desgraçado? – ergui o olhar de meus machucados e Sid estava parado à minha frente. Ele estava adorando me ver machucado, e suspeito que faria pior se pudesse. O ódio que exalava era quase palpável. – O capitão deseja falar com você. Espero que receba o que merece.

Ele e o brutamonte que matei deviam ter uma ligação especial.

— Sid – Tenente chamou da porta da cabine do capitão – Traga-o aqui e pare de enrolar.

— Sim senhor. Me acompanhe, cãozinho.

O segui até a cabine do capitão, ele parou e deu passagem para que eu entrasse, assim como Tenente, que estava ao outro lado da soleira, aguardando que eu entrasse. Seu olhar inspirava certa curiosidade, me analisando, talvez pensando como alguém pequeno como eu tenha conseguido matar um grandalhão como Alvi.

Já dentro da cabine um pouco maior do que eu imaginava, cerca de nove metros quadrados, o capitão me aguardava, sentado atrás de uma mesa de madeira escura, repleta de mapas e outros tipos de cartas de navegação. O mapa que estava sobreposto aos outros mostrava uma pequena ilha, quase invisível a olho nu, marcada com um “X”. Talvez este seja nosso destino.

— Então meu jovem, qual o seu nome? – ele disse, enchendo duas taças com uma bebida cobre, rum El Dorado pelo o que consegui ler no rótulo. De Graaf me deu uma das taças e tomou a outra para si, dando um gole generoso na bebida e um ar de satisfação se espalhou pelo seu rosto.

— Richard, Richard Carter – deu um gole mínimo na bebida e a mesma desceu rasgando toda a minha garanta, como se derretesse a mesma. Fiz uma careta, e isso pareceu divertir o capitão.

— Richard Carter – ele repetiu com seu sotaque arrastado, balançando levemente a taça de ouro. – Senhor Carter, apesar de tudo, o senhor parece mesmo um grande lutador, só não é tão alto – ele riu, e eu sorri sem graça.  Apenas se controle e tente não ser morto. Um insulto a ele e eu viraria comida de peixe. – Mas é aí onde moram as grandes surpresas, sabia? Imagine um pequeno frasco, onde se encontra o mais mortal dos venenos. Uma grande surpresa, certo? Creio que um dia o mundo deixará de ser dos grandes e passará a ser dominado pelos pequenos frascos e objetos. Você não acha senhor Carter? – ele estreitou os olhos, me analisando.

— Concordo, capitão – beberiquei novamente a taça, como desculpa para não falar. A ardência não era como antes, visto que minha garganta já estava anestesiada devido o gole anterior.

— E o senhor foi exatamente assim. Com muito pesar fui informado da morte de Alvi. Ele foi membro da minha tripulação durante quinze anos, era um bom rapaz e desde cedo, um bom marujo que abraçou a pirataria com uma extraordinária paixão. Ele já era da Elite do navio. Sabe o que é Elite, senhor Carter? – balancei a cabeça, dizendo um não silencioso – Presumi que não. Um pirata pertencente à Elite da tripulação é um oficial que auxilia a mim e o nosso navegador, Nuno. É um merecedor do posto, pois não é um serviço fácil comandar um bando de primatas como os nossos rapazes da pólvora, e nossos criados-de-bordo. Sabe o que eles fazem, senhor Carter? – neguei novamente – São espécies de piratas que fazem todas as funções, desde limpar as armas como serviços de criados, sob comando da Elite. Mas o que mais aprecio na Elite é sua lealdade. E em um reino, como o mar, é preciso que um rei mantenha os mais habilidosos e fiéis em seu castelo.

Por que está me explicando a hierarquia do navio?

— Além de lealdade, aprecio coragem para proteger os seus. – ele me olhava com os olhos azuis brilhando em expectativa – Quem você estava protegendo de Alvi? – baixei a cabeça, e as lembranças ainda frescas tomaram forma como um vendaval. Minha mãe estirada no chão com a roupa ensopada de sangue, e Becca, que Deus a guarde e que ela me perdoe por abandoná-la. Que ela esteja em segurança. — Me diga, Richard.

— Minha mãe e minha irmã – sequei uma lágrima solitária que escorreu pelo meu rosto.

— O que aconteceu com elas? – ergui o olhar, mas o dele não transmitia nada além de indiferença e um pouco de divertimento com minha dor.

— Minha mãe foi morta por aquele rato maldito lá fora, e minha irmã conseguiu fugir. – assim espero.

— Oh, meu Deus. E você atacou Alvi para protegê-las, compreendo. Sinto em lhe dizer rapaz, mas Alvi não faria nenhum mal a elas. Ele é um dos poucos marujos que não se rende a prazeres mundanos como matar e se satisfazer com uma mulher que o repudia enquanto está em uma missão. – arregalei os olhos – Isso mesmo Richard, era só dar a ele o que ele queria, e sua mãe e irmã estariam sãs e salvas agora.

Ele está jogando comigo. Eu não vou cair.

— Pode duvidar de mim o quanto quiser, mas para ser um dos melhores desse navio,  e ainda mais, um de meus amigos mais íntimos, é preciso ser descente. Se você se mantiver preso com idiotas por muito tempo sem alguém realmente inteligente para conversar, você acaba se tornando um idiota. E eu mantenho alguns seletos inteligentes e comprometidos nesse navio. Alvi era um deles.

É um jogo, um jogo.

— E você não se intimidou com meu amigo – ele continuou – A ponto de mata-lo. Você é corajoso senhor Carter, e eu aprecio muito. A morte de Alvim não foi em vão, afinal, me proporcionou exatamente o que eu precisava: coragem. Você é uma peça fundamental para meu objetivo, senhor.

— Que objetivo? – me forcei a falar, e as palavras saíram estranhamente amargas, como se outra pessoa estivesse falando em meu lugar.

— Você acredita em sereias, senhor Carter?


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Notas finais do capítulo

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pS: Capitão De Graaf realmente existiu (vou deixar um resumo sobre sua vida)

[...]Outro pirata holandês do século 17, Laurens de Graaf era um cavalheiro fora da lei que viajava pelos sete mares com violinos e trombetas, os quais tocava para seus homens. Ele começou sua carreira como um marinheiro cumpridor da lei, mas virou-se para a pirataria, depois de perder seu emprego em um navio, e, em seguida, ser capturado por piratas em outro. As fontes divergem sobre sua infância, alguns historiadores afirmam que ele foi um prisioneiro ou escravo dos espanhóis, enviado às colônias da Espanha nas Américas como punição.

De qualquer maneira, de Graaf acabou nas Índias Ocidentais, onde capturou o seu navio mais famoso, o Tigre, originalmente um navio de guerra espanhol de 24 canhões. Durante décadas, ele e seus homens pilharam guarnições e povoados espanhóis e ingleses em todo o Golfo do México e também mais ao sul. Mesmo com um grande número de piratas e outros caçadores de recompensas o procurando, de Graaf nunca foi capturado, mais tarde, ele retirou-se-se para o sul dos Estados Unidos, onde se acredita que tenha morrido. [...]

Fonte: http://kid-bentinho.blogspot.com.br/2014/06/10-piratas-desconhecidos-que-foram.html



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