A Melodia da Sereia escrita por Pilar


Capítulo 2
Piratas


Notas iniciais do capítulo

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Um tremor percorreu meu corpo de cima a baixo. Encarei Becca novamente, e suas feições demonstravam total pavor. Sequer pensei que vivenciaria isso outra vez. Me recordo remotamente do que aconteceu dez anos atrás, mas lembro de meu pai, que conseguiu com muito custo esconder eu, minha mãe e um sonolenta Becca em umas tábuas ao fundo da casa. E ainda lutou bravamente contra aquele homem com o cabelo coberto por um lenço e dentes podres, que sorriam ao ver a destruição que eles e seus companheiros provocavam, porém quando mais dois homens chegaram, meu pai perdeu todas as chances de sair vitorioso e foi morto com um tiro de espingarda.

Ainda me lembrava de ver meu pai caindo e de congelar com a cena. Lembrava daqueles homens rindo e bebendo rum, enquanto cuspiam no corpo inerte de meu pai e festejavam mais um assassinato.

Preciso salvá-las.

Acordei das lembranças com um estalo devido a gritaria do lado de fora. Novamente nós, os litorâneos, sofreríamos mais. Levantei-me em um pulo e tomei o facão da mãe da minha mãe, que se assustou com o gesto, pois seu olhar estava totalmente fixo na porta instantes antes. Ela estava disposta tentar feri-los, embora estivesse muito assustada a ponto de sua ingênua arma quase escapar de seus dedos trêmulos.

— Mãe, proteja Becca! – eu a agarrei pelos ombros e comecei a conduzi-la para perto de minha irmã, que estava encolhida na cama, fechando os olhos, como se isso fosse capaz de fazer todo aquele caos cessar.

— Não, Rick – ela se desvencilhou em um protesto e tentou tomar de volta a faca.

Ouvimos um estrondo, e a voz de Isaac foi ouvida ao longe em meio ao caos.

—Não, deixem ela em paz.— ele gritava e em seguida ouvi sua mãe soltar um grito esganiçado.

Céus eles estavam...

Empurrei minha mãe com força em direção as madeiras no fundo do quarto, assim como meu pai fizera anos antes. Ela pegou minha irmã pela mão e logo as duas estavam invisíveis no amontoado marrom que estávamos juntando há algum tempo para expandir a casa.

Portei-me ao lado da soleira da porta apenas esperando. Ao fim que pareceu uma eternidade, a parede a minha esquerda fora derrubada por um grandalhão que começou a vir em minha direção. Empunhei a faca e adquiri uma posição defensiva. O homem investiu contra mim com um soco, que eu desviei. Ele tentou de novo, mas sua grande quantidade de massa muscular dificultava o trabalho, tornando-o lento. Sorri e enquanto ele recuava o braço esquerdo, com o qual tentara desferir o último golpe. Antes que o braço atingisse a posição inicial, afundei a faca em seu braço, e o homem urrou de dor, curvando-se um pouco.

Aproveitei-me do descuido e com um soco forte na boca de seu estômago, o homem curvou se mais, enquanto tentava, sem sucesso, estancar o ferimento.

Me senti valente e sorri, como se nada no mundo pudesse me derrubar.

Contornei o homem ajoelhado, agora olhando o mesmo com desprezo. A primeira vista, ele seria um oponente a ser batido, mas agora, é apenas um bebê chorão derrotado por alguém que sequer lutou na vida. Olhando para suas costas, dei um pisão nas mesmas, e o homem caiu de cara no chão. A sensação de poder apenas aumentou. Agora o grande final, pensei com determinação. Empunhei a faca de modo a fincá-la nas costas do homem. Consegui pelo menos um.

Durante a trajetória de descida da faca, senti meu rosto latejar e o mundo girou e perdeu o foco por alguns segundos. Ouvi um xingamento próximo, e quando recobrei os sentidos, tomei conhecimento do homem mais baixo e de certa forma, meio raquítico que passou pela abertura e sem que eu visse, me deu um soco no rosto, a fim de salvar o companheiro.

— Merda, Alvi! – o recém-chegado praguejou para o outro, olhando seu ferimento. Corri os olhos pelo cômodo, a faca estava a uma relativamente perto, eu só precisaria me esticar um pouco para conseguir alcançá-la, mas minha cabeça doía e lesava meus movimentos.

— Eu sei, Sid, eu sei – Alvi gemeu. Sid ergueu os olhos e me fuzilou. Ele começou a analisar a casa, como se buscasse por algo. Somos pobres, ele não pode querer nada daqui. Em seguida, o mais baixo foi para o outro cômodo, e só me restou rezar para que ele ignorasse as tábuas.

Lentamente me esgueirei pelo chão até a faca, para evitar que Alvi ouvisse e alertasse seu amigo. Com ela em mãos, retornei ao meu lugar de início, me preparando para surpreendê-los.

Ouvi passos vindo do outro cômodo, e voltei a fingir a letargia de instantes antes, enquanto escondia a faca com a minha sombra. Minha camisa estava totalmente ensopada, eu ofegava, e além da minha respiração, o outro barulho na casa era os gemidos de Alvi, que agora postava-se de pé.

— Achei esse pano – Sid jogou um tecido para Alvi, que o pegou e começou a torcer em torno do braço.

Uma blusa de Becca.

— Ora, acho que deve haver mais pessoas nessa casa – o mais alto me olhou com um sorriso diabólico e engoli em seco. Eles não podem descobri-las.— Uma mulher, pelo que vejo – ele ergueu o braço agora coberto pela blusa em uma espécie de gaze.

— Primeiro vamos nos resolver com esse carinha, depois vamos atrás da donzela que ele esconde. – Sid se aproximou com as mãos apoiadas na cintura.

— Ele é meu – Alvi anunciou, aproximando-se ferozmente. Sid deu um passo para a esquerda e seu amigo ergueu meu rosto, pronto para me nocautear.

Agora.

Peguei a faca e devido ao ângulo que ele me proporcionava ao se curvar para me levantar, consegui finca-la em sua barriga. Ele arregalou seus olhos e eu girei a mesma, e o corpo caiu inerte em cima de mim, enquanto eu girava a faca.

Pelo ângulo de Sid, ele não percebeu nada, até que Alvi caísse por cima de mim.

— SEU FILHO DA PUTA – ele gritou. Apenas consegui chutar o corpo para longe antes de ser puxado pelo cabelo pelo pirata que ainda restava. – Parece que o pescadorzinho de merda gosta de matar. E o que você acha de ser morto? – estava cansado, então apenas cuspi em seu rosto. Em seguida, ele desferiu uma sequência impressionantemente rápida de socos em meu rosto, e quando eu estava a ponto de perder a consciência ouvi um grito ao longe.

— Solta ele! – merda, mil vezes merda.

Sid foi atraído pelo som e olhou a soleira da divisão entre cômodos. Seu sorriso diabólico retornou e um arrepio subiu pela minha espinha. Becca estava parada ali, com uma pá na mão, afim de me salvar, e minha mãe estava um pouco mais atrás.

— Becca... Foge – grunhi, mas ela se manteve firme.

— Becca? – o sorriso do pirata aumentou mais, isto é, se algo assim fosse possível. Ele me jogou no chão e começou a se dirigir à ela. Minha irmã mantinha-se firme com a pá empunhada como uma espada, uma pequena valente, porém nada intimidadora.

Facilmente Sid arrancou a pá de sua mão, deixando minha irmã indefesa.

— Calma, bebê. – ele acariciou o rosto dela, que se encolheu minimamente. Um grande defeito de minha irmã: odiar demonstrar fraqueza. – Podemos nos divertir, o que acha? Quantos anos você tem?

Silêncio. A teimosia dela era enorme. Sid lhe deu um tapa na face.

— Responde! – novamente ele gritou, perdendo aquele ar dócil dissimulado de minutos antes.

— D... dez! – ela encarou o chão, provavelmente estivesse chorando, e possivelmente, eram lágrimas de vergonha. Ter medo não é fraqueza sequer motivo de vergonha, quantas vezes terei que repetir?

— Não vou te machucar, não precisa chorar.

— Largue ela, seu monstro! – minha mãe esbravejou. Ele simplesmente sacou uma pistola e atirou no peito de minha mãe, que caiu assim como Alvi havia caído instantes antes. Um silêncio mortal assolou a sala.

Mamãe. Como um gatilho, diversas lembranças me assolaram, vendo minha mãe e a mim mesmo como um garotinho e algumas memórias recentes. Caí de joelhos, chorando.

— Agora vamos nos divertir. – ele começou a puxar Becca em direção a uma das camas.

Avancei novamente em sua direção, ele não iria ferir minha irmã. O puxei pela camisa e o lancei em direção aos baldes em que mais cedo lavamos a louça. Os baldes caíram no chão, molhando tudo em seu caminho.

— Você é um inútil, Sid – uma voz se fez presente pela abertura feita por Alvi. – Precisamos de apenas um, pode ser esse cara mesmo e... – ele analisou o ambiente, o corpo inerte de minha mãe e o de Alvi, e eu e Becca em um canto ofegantes, com ela pendurada em meu pescoço. – Merda, eu gostava do Alvi, embora ele fosse um idiota – ele rolou os olhos. – Precisamos zarpar.

— Já vou – Sid disse se levantando – Queria me divertir um pouco com a bebê – ele gesticulou para Becca, que se encolheu mais contra mim.

— Pode aproveitar, mas ficará para trás, temos um prazo a cumprir o capitão precisa zarpar. Esse rapaz que matou Alvi? – Sid assentiu – Ele será muito valioso para nós, afinal é muito valente, ou muito burro. Vamos ver o que o capitão fará com ele.

Sid e o novo pirata começaram a avançar em minha direção.

— Corra Becca, proteja-se, amo você – sussurrei para minha irmã, que rapidamente contornou os homens e saiu pela abertura na parede. Que Deus a proteja.

Era inútil lutar agora, não tinha arma alguma ao meu alcance, então apenas abaixei a cabeça e esperei. Sid me deu um soco e tudo ficou escuro de repente.


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