Mais um dia comum escrita por Jotagê


Capítulo 9
Micos e milk-shakes


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novinho e com comida no título outra vez! Eu, pessoalmente, fiquei bastante satisfeito com este capítulo e espero que vocês gostem da leitura!



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— Com isso, terminamos as apresentações da noite! — a diretora anunciou pelos alto-falantes, ainda sem aparecer. A noite parecia não acabar, mas eu agradecia por estar mais perto de comer meu sandubão com o João — Em dez minutos, nossos juízes voltarão para anunciar o vencedor!

— Ah, tá de brincadeira! — pensei em voz alta, cansado por esperar ainda mais, o que fez com que toda a plateia na quadra me encarasse.

Na fileira do meio de simples cadeiras de plástico, eu não enxergava muito além das paredes azuis e o palco de madeira escura, só um pouco mais alto que o piso. Mas eu era alvo fácil pros olhares de julgamento, e a minha vergonha já estava em mais de oito mil!

Tentei apelar pro Lucas, sentado ao meu lado, mas ele nem fazia contato visual comigo. Apenas observava ao redor como se estivesse descobrindo o mundo agora, como se nem me conhecesse. Nem parece o mesmo cara que insistia em apertar minha coxa por todo o show, né?

— Tá de brincadeira que já vai acabar? Poxa, eu queria ver mais! — disfarcei, com medo de não colar. Pra minha sorte, todos começaram a sair da quadra aos poucos pra tomar um ar e pegar um lanche enquanto os juízes não voltavam. Ufa, acho que os convenci!

— Onde é que eu tô? — perguntou Lucas, que parecia bem grogue. Ele fazia pausas entre rir e beber seu milk-shake de morango, e eu me dei conta que aquele já era seu sétimo milk-shake. Será que eu deveria me preocupar com o tanto de açúcar que ele... Espera, os dentes dele estão coloridos? — Será que eu tô na Lagoinha, será que eu tô em um matagal?

...

— Não acredito que a “Fantabulosa Leticia e suas Pulgas Adestradas” ficaram em primeiro lugar! — exclamei frustrado, enquanto saíamos pelos portões após o fim do show. Algumas pessoas ao redor paravam antes de sair pra admirar o jardim, conversar ou comprar mais comida, mas o relógio marcava 20h e nós queríamos estar em outro lugar — Tá, aquelas pulgas foram maravilhosas dançando Beyoncé, mas você merecia ao menos o segundo lugar!

— Não faz mal, sério! — João respondeu com animação, ao tirar o terno e jogá-lo sobre o ombro. Ainda vestido com sua camisa social branca, a calça e sapatos, parte do conjunto do terno, ele continuou — Fazer o que eu gosto com uma plateia foi maravilhoso, e o que foram aqueles aplausos, cara? E mesmo sem ter ficado em primeiro, foi bom te ver na plateia...

— Milk-shake! — Lucas gritava agitado como uma criança, tentando voltar pra dentro. Mesmo com o rosto sujo por tantos milk-shakes, ele ainda tinha sede de açúcar. João e eu o seguramos para evitar maiores estragos, mas Lucas se acalmou e mudou de foco, saindo aos pulos atrás de um morcego — Batman!

— Digo, foi bom ver vocês dois na plateia! — ele se corrigiu, aumentando a voz em uma atuação péssima como se quisesse que mais alguém ouvisse, olhando de um lado pro outro, e finalizou piscando os olhos pra mim.

— Quê? — perguntei, sem entender aquela série de gestos estranhos.

Enquanto eu decifrava aqueles sinais, ainda me esforçava em conter um riso, pra ele não achar que eu estava zombando dele. Talvez eu estivesse, só um pouquinho! Quando viu que eu não havia entendido, repetiu os mesmos gestos até cansar e segurar um olho aberto enquanto piscava o outro.

Notando o que ele estava tentando fazer, eu me aproximei e sussurrei, rindo de leve com o esforço gigante que ele fez para dar uma piscada e mandar uma mensagem que não precisava ser oculta — o Lucas estava muito ocupado bancando o Coringa atrás do coitado do morcego.

— Você não sabe piscar com um olho só? Não era melhor usar outro sinal?

— Eu... — ele estufou o peito ao começar a frase, com uma postura confiante, o que me fez esperar um bom argumento ou defesa. Mas ele apenas bufou, envergonhado — Nem parei pra pensar nisso.

— Imaginei! Só não vai dar um passo em F.A.L.S.O.S.™, hein? — exclamei, rindo ao imitar sua má atuação, e lançando piscadelas só pra mostrar que eu sei. Meu riso logo se tornou uma gargalhada, mas agora era ele com um olhar confuso que me fazia sentir a obrigação de explicar — É o nosso plano pra poupar o coração com buraquinhos do Lucas, não te contei? Poxa, a piada foi ótima!

— Ah, sim! — João forçou uma risada, mas foi interrompido por um Lucas selvagem que o derrubou quando o morcego voou por cima da sua cabeça. Ele parecia precisar de ajuda para levantar e pegar o terno que acabou jogado no chão, mas eu estava ocupado demais impedindo o Lucoringa de continuar atrás do Batman. João levantou, dolorido, e falou o que eu temia — Acho que vou precisar levar ele pra casa, foi mal... Eu ligo depois, ok?

— Tá bem — não pude disfarçar meu desânimo ao concordar sabendo que a noite acabaria assim. João segurou Lucas pelo torso e colocou um braço do playboy sobre os ombros. Olhando de perto, notei que eu não poderia deixa-los naquele momento. Acima de tudo, eles são meus amigos, e amigos se ajudam — O pai do Lucas me mata se eu aparecer na casa dele, mas... Eu posso acompanhar vocês.

— Seria ótimo — ele respondeu após um momento de hesitação, com um sorriso largo e sincero — Eu também não sou muito querido naquela casa, mas a gente dá um jeito.

— O que temos aqui? — disse uma voz familiar, em um tom de satisfação, que viria a ser a voz da conhecida “velhinha do k-pop” — Meu ship virou realidade!

João e eu olhamos para o lado, para observá-la se aproximando em seu vestido lilás de mangas longas, que cobria um pouco além dos seus joelhos. Suas sapatilhas simples combinavam em cor com a tiara roxa que puxava seu cabelo grisalho e crespo para trás, deixando mais à mostra seu rosto escuro e marcado por rugas.

— Dona Marisa, a senhora veio! — por um segundo, João pareceu animado querendo abraça-la, mas lembrou que estava segurando o Lucas e firmou-se no chão pra os dois não acabarem caindo. — Tom, acho que vocês já se conhecem!

Espera, virou festa da uva? O João não só é amigo do Lucas, como conhece a velha k-popeira? Já ouvi falarem que a cidade é pequena, mas isso é tão surreal que renderia uma fanfic!

— Seu nome não é velhinha do k-pop? — fui a sua direção, já que eu estava livre pra dar um abraço, que ela retribuiu. Tá, nos conhecemos essa semana, mas ela tem lugar no meu coração por incentivar #Jomás desde que eu conheci o João e por ser uma vó mais legal que a halmoni — É muita coisa pra processar em um dia só! Como vocês se conhecem?

— Nós moramos na mesma rua. Eu chamei a dona Marisa pra assistir meu show, também, mas não sabia se ela viria! — João respondeu, se esforçando para se manter em pé.

Corri para segurar Lucas pelo outro lado, aliviando o peso, mas sacrificando meu ombro junto. Quem diria que músculos pesam tanto? Pior ainda, Lucas continuava consciente e ainda era o Lucas, então eu não podia evitar seus toques inconvenientes sem soltá-lo no chão. Ele levaria uma voadora tão bem-dada, se não estivesse sob efeito de açúcar e corante...

— Mas não dá pra bater papo com vocês nessa situação! — afirmou a idosa, nos guiando até um carro azul, baixo e arredondado. Ela abriu a porta esquerda de trás e explicou — Podem vir! Foi minha neta Charlotte que me trouxe, ela pode dar carona pra vocês!

— Obrigado, mas não prec-... — João começou agradecendo, mas eu o cortei antes que ele pudesse continuar.

— É falta de educação recusar carona!

Foi como o interrompi, jogando Lucas no banco de trás e entrando sem cerimônias. João, sem opção, entrou pelo outro lado e Lucas acabou deitado, apoiado em nossos colos. Não demorou pra ele colocar o polegar na boca e cair no sono, e não tem como a noite ficar mais estranha. A velhinha do k-pop — como vou me acostumar com “Marisa”? — sentou-se com calma no banco de carona.

— Fala aí, Jota! Trouxe companhia, hein? — indagou a voz suave de Charlotte no banco do motorista, virando-se para nos cumprimentar com a cabeça. Uma moça negra, de rosto cheinho, longos dreads pretos e olhos escuros. Nós cumprimentamos de volta, acenando — Pra onde vamos?

— Sabe onde é a casa do coronel Albuquerque?

...

— Eu o conheço desde as fraldas, ele sempre amou mágica! — Marisa continuava a falar do João durante a viagem, e todos ríamos com as histórias do mini-Jota. Eu me divertia tanto que chegava a esquecer que o Lucas estava dormindo no meu colo — Eu o dei de presente o primeiro livro dele, Harry Potter, e depois tomei de volta porque também queria ler!

— Meu primeiro livro foi a Bíblia em coreano que a halmoni me obrigava a ler. Eu tinha só um ano! — eu comentei, gargalhando, o que também arrancou mais risos dos outros no carro — Mas o primeiro que eu consegui ler de verdade também foi Harry Potter, lufano com orgulho!

— Então, vocês estão num encontro, né? — Charlotte mal esperou o assunto acabar para perguntar, quase como se estivesse afirmando com certeza. João e eu nos entreolhamos, e ela completou — Notei a química.

— Bom, nós íamos ao Subway depois que o show acabasse... — João pausou sua resposta com um suspiro.

— Mas esse cara abusou do milk-shake, e agora estamos aqui — continuei sua explicação, apontando pro Lucas. Com todos rindo e se divertindo, decidi parar um pouco para admirar as ruas pela janela de vidro ao meu lado. As casas e construções ficavam cada vez mais luxuosas e bem-preservadas, e mesmo sem conhecer bem, eu sabia que era a zona nobre.

Ali, a mansão Albuquerque triunfava. Parecendo um castelo de marfim pelo pouco que se via atrás dos muros gigantescos de tijolos beges. Charlotte pegou nos braços um Lucas encolhido e adormecido — como ela consegue? — e caminhou um pouco com sua vó em direção ao alto portão dourado, que era totalmente fechado como se dissesse ao resto do mundo que não merecemos aquele lugar.

João e eu achamos melhor permanecer no carro. O coronel Albuquerque não vai muito com nossa cara e guarda armas em casa, então é melhor ter cuidado, né? No tédio pela primeira vez naquela noite, nós apenas baixamos as janelas, onde nos apoiamos, e assistimos enquanto elas tocavam o interfone...

— João... — chamei-o, decidido a quebrar o silêncio. Ele desviou a atenção dos portões da mansão e olhou pra mim, esperando o que eu tinha pra falar, então eu comecei — Eu sei que a noite não saiu como o planejado, mas eu me diverti demais e nunca trocaria essa viagem por um sanduíche. Nem mesmo o de frango teriyaki.

— Eu... Eu digo a mesma coisa... — ele respondeu, tropeçando um pouco nas palavras. Sob a luz do poste e com as luzes do carro acesas, eu conseguia notar que ele estava corando de leve, e não lembro de ter visto nada mais fofo ou apaixonante. Ele completou com um sorriso brilhante, que me fez ver que a noite valeu a pena — Faz tempo que eu não me divirto tanto!

— Lembra quando eu disse que tínhamos a noite toda? — demorei a engolir o nó na garganta, mas quando soltei as palavras, ele assentiu com a cabeça. Eu o encarei com um pequeno sorriso e desfiz o cinto que me prendia. Joguei de lado qualquer coisa que atrapalhasse o caminho, para dobrar as pernas sobre o banco e aproximar nossos rostos cada vez mais.

Talvez ele notasse meus tremores, ou falta de fôlego por nervosismo, mas eu não ligava. Tentei sentir cada parte de seu rosto macio ao acaricia-lo e senti sua respiração soprar em meu rosto. Tomando coragem depois de tanto tempo, nossos lábios acabaram se tocando naturalmente.

Eu envolvia seu corpo com meus braços, e ele fazia o mesmo. Talvez seja exagero dizer que eu ouvi tocar minha música favorita e me senti acolhido apenas com aquele beijo, mas aconteceu. Um pouco ofegantes, separamos nossos lábios ao ouvir as portas do carro abrindo outra vez.

— Nós não estamos aqui, hein? — Charlotte falou em um tom cantado e debochado. Eu esperava que ela se acabasse de rir a qualquer momento, mas ela parecia estar segurando bem os risos.

— Podem continuar, ninguém viu nada! — completou dona Marisa, o que deixou João e eu ainda mais envergonhados. Em um silêncio constrangedor, colocamos os cintos e esperamos o carro dar partida, mas as duas moças apenas nos encaravam.

Quando o moreno e eu demos as mãos, nos afundando de vergonha no banco, elas pareceram satisfeitas e eu ouvi o carro dar partida...

Valeu muito a pena.


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Notas finais do capítulo

*imaginem o final desse capítulo com uma música de sedução, ou não*

Se quiserem comentar, estou aberto a críticas e respondo com carinho cada comentário que recebo! Até o próximo capítulo, kisu! ~



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