Eram exatamente 19 horas quando o Professor Blossom entrou na sala de aula. Normalmente, o local estaria vazio; tanto por causa do horário, quanto por ser a primeira aula do semestre. No entanto, não havia muitas cadeiras vazias e o motivo era um só: o homem intimidador que passava em frente às nossas carteiras. Não o conhecíamos pessoalmente até então, mas sua fama era o suficiente para garantir o respeito e o cuidado da maioria dos estudantes da Universidade Federal de Santa Maria, onde eu estudava.

— Ai-meu-Deus – murmurava Beatrice, minha amiga, às minhas costas. Rapidamente entendi a que se referia, pois não era muito difícil. O professor em nossa frente era lindo. Possuía cabelo louro escuro e olhos azuis e media, aproximadamente, um metro e noventa. A expressão sombria em sua face não afetava seus traços atraentes e masculinos, tornando-o até mais sedutor, em minha opinião.

Virei para minha amiga e mordi meu lábio, soltando um riso cúmplice.

— Que homem... Só esperamos que seja mesmo um bom professor, porque o semestre passado foi terrível. Se não tivéssemos criado o grupo de estudos, não teríamos aprendido nem a metade da matéria – lembrei.

— Nem me fale, Ayla – minha amiga disse após assentir – Se dependêssemos somente das aulas da Professora Jana, não passaríamos nem na primeira fase da OAB – refletiu, enquanto abria seu caderno e organizava suas canetas na carteira. Bea era seriamente neurótica com organização.

— O pior de tudo – segui – é que vai acabar sendo um choque para a gente. Com certeza vamos nos sentir um pouco despreparadas, já que o grau de exigência do Professor Blossom é muito mais alto que o dos outros, pelo que dizem – percebi que a face de minha amiga se tornou estranha, mas não liguei – Além disso, é sempre bom que... – minha voz morreu assim que senti a presença de alguém às minhas costas.

Me virei rapidamente e minhas bochechas coraram violentamente ao ver que o professor me observava com o cenho franzido de forma nada amigável.

— Se vocês já concluíram a conversa, talvez eu possa iniciar minha aula – sua voz grave encheu a sala. Em resposta, apenas abaixei a cabeça, observando seus passos de volta à frente da sala – Como eu estava dizendo, meu nome é Alexander Blossom e eu ministrarei a disciplina de Direito Processual Civil IV. Assim como vocês, eu me formei aqui na UFSM. Meu mestrado foi feito na UFSC e meu doutorado foi concluído na Universidade Paris-Sorbonne. – enquanto ele falava, notei que fazia contato visual com alguns alunos – Já advoguei em várias áreas, inclusive penal, mas tenho preferência pelo Direito Civil e Processual Civil. Eu gosto é de patrimônio, dinheiro – seu tom de voz nessa parte tornou-se mais leve, arrancando risos suaves da maior parte da turma – Quero que se sintam à vontade para questionar a matéria ou qualquer outra dúvida relacionada às nossas aulas. O que ouviram sobre mim?

Nesse momento, meus colegas se olharam, abrindo sorrisos discretos. Até mesmo Alexander conhecia sua fama, então continuou.

— Devem ter falado a vocês que minhas provas são difíceis, mas não é verdade, pessoal. Basta prestarem atenção nas minhas aulas e estudarem. Estudo de véspera não funciona comigo, mas está tudo nos livros. Vocês leem bastante, vocês obtêm bons resultados. É simples – concluiu. Eu não achava que seria tão simples. Pelo contrário, já sentia a ansiedade crescendo em mim.

Terminada a apresentação do professor, ele passou a explicar o plano de ensino e o método de avaliação. Marcou também as provas e iniciou o conteúdo. Somente algumas horas depois nós fomos liberados.

— Ai, Bea – suspirei. Estávamos esperando nossos ônibus para voltar para casa – O aluguel do meu apartamento aumentou. Não sei como vou continuar me sustentando por aqui.

Eu não havia nascido na cidade e não havia conseguido uma vaga na Casa do Estudante, que era gratuita, tendo em vista que minha renda familiar era superior ao aceito no lugar. Entretanto, morar sozinha em um prédio localizado na região central da cidade estava se tornando caro. Na verdade, meus pais é que garantiam meu aluguel, a energia elétrica, a água e minha alimentação, então não me agradava a ideia de pedir mais dinheiro a eles para meus gastos pessoais. Ambos eram professores estaduais. Minha mãe ensinava geografia e meu pai, já aposentado, matemática.

— Tudo aumentou, né, amiga – lamentou Beatrice – A luz também. Lá em casa deu quase R$ 500,00 esse mês. Ficamos apavorados – ela pausou – Por que você não procura um estágio? As bolsas de remuneração não são muito altas, ficam em torno de R$ 900,00, mas já ajuda.

Concordei com ela e me despedi rapidamente, pois meu ônibus havia chegado. De fato, fazia muito sentido. Eu já estava no sexto semestre e ainda não havia feito estágio remunerado, apenas voluntários, os quais frequentava três vezes por semana. Estava decidido, eu passaria a procurar por oportunidades de estágio. Se eu tivesse sorte, conseguiria algum que fosse próximo à minha casa, sem necessidade de transporte para ir e vir.

Desci do ônibus e caminhei alguns metros até chegar ao meu prédio. As letras cor de bronze na fachada diziam “Ed. San Sebastian”. Entrei rapidamente, pois era relativamente tarde e eu tinha medo de ser assaltada ou algo pior. Chegando ao meu apartamento no segundo andar, larguei minha bolsa em uma cadeira antiga próxima à porta. O lugar não era grande e tinha somente um quarto, um banheiro e a sala/cozinha. Me encaminhei à bancada onde ficava a chaleira elétrica, enchia-a de água e liguei-a a fim de fazer um chá.

Enquanto aguardava a água ser aquecida, troquei de roupa, vestindo uma camisola curtinha e confortável.  Alguns minutos depois, fiz o chá e bebi rapidamente. Estava cansada e queria apenas dormir.