A Deusa da morte escrita por A Dreamer


Capítulo 2
A Rainha


Notas iniciais do capítulo

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Notei a atenção da criada, assim como o de muitas outras pessoas que ali estavam no Salão do trono. Mas não é comum alguém me encarar. Não é um sinal de respeito encarar a Sua Majestade.

Fiz um sinal para o guarda próximo chegar mais perto.

—- Traga aquela criada -- apontei com o queixo.

Ele fez o que ordenei, trazendo a criada com um olhar confuso. Ela era pequena. Deveria ter um pouco mais que 20 anos.

Eu poderia estalar os dedos. Ou apenas pensar na morte dela. E sua alma seria minha. Mas esses milênios todos governando eu aprendi como ditar regras aqui.

Ela terá uma punição. Mas apenas o suficiente para não fazer novamente. Posso ser a própria morte. Mas para os humanos, a morte é uma punição horrível. E se devo governar eles, não devo fazer com que me achem um monstro. Mas se não respeitarem, então irão me temer.

—- Não é educado encarar sua Rainha. -- eu disse -- E nem inteligente encarar a morte.

Ela se encolheu quando falei a ultima frase.

—- Me desculpe -- ela abaixou a cabeça -- eu não fiz por mau.

—- A não claro que não. Até porque nada você teria o que fazer. Você acha que com seu olhar acabaria me matando? -- gargalhei virando a cabeça para o teto -- Ah não, não. Essa sou eu.

Encarei ela.

Pensei nos órgãos dela parando de funcionar, no seu pulmão não conseguindo absorver o ar. Ela estava com a mão na garganta.

—- Por favor -- ela implorava entre arfadas, tentando absorver o ar.

Continuei encarando.

Pensei no estômago dela com uma hemorragia.

Então ela tossiu sangue. Mais sangue saiu de sua boca.

—- Por favor -- ela implorou novamente.

As pessoas no salão já haviam parado de fazer o que estavam a um tempo antes. Mas nenhuma me encarou. Olhavam para a garota pendurada entre dois guardas que a segurava. Mas não olhavam para mim. Ótimo.

Desviei o olhar dela e pensei na hemorragia se contendo. No estômago sarando. Nos pulmões voltando a trabalhar assim como todos os órgãos.

—- Obrigada -- ela disse, quase um sussurro. Ela estava com a mão no estômago e arfando, tentando absorver todo o ar que necessitava depois de ficar aquele tempo sem ar.

Levantei do trono. As pessoas se moveram, deveriam achar que seriam as próximas.

—- Dá próxima vez que a pegar me encarando irei deixa-la na escuridão -- olhei para ela e seus olhos encontraram os meus -- da próxima vez não terá mais visão para me encarar. -- Levantei a voz e olhei para cada rosto -- e isso vale para qualquer um que cometa um ato de desrespeito. Sou a Rainha de vocês e a Deusa da morte. E a alma de cada um me pertence. Não adianta fugir de mim. Porque eu sei exatamente onde suas almas estão.

Olhei para eles novamente e todos estavam com os olhos arregalados.

Sentei no trono ajeitando o meu manto e o vestido.

—- Podem solta-la -- falei para os guardas que ainda seguravam a criada.

Eles soltaram ela em sincronia e a criada caiu no chão.

—- Obrigada -- ela disse novamente, agora com a voz recuperada, fez uma reverência e saiu do Salão do trono.

A tensão do salão foi se esvaindo aos poucos. Recomeçou as fofocas. Os barulhos de copos se chocando. Mas dessa vez tinha menos olhares para mim.

Eu era a Deusa da morte. Não era certo que me olhassem como se eu fosse apenas um deles. Eu não era um deles, nunca fui. A unica coisa que tenho em comum é essa ''pele'' humana, mas nada humana.

Eu não me machuco, não morro. E ninguém sabe afinal. Mas acho que não tenho órgãos também, não sinto um coração batendo. Eu posso comer, beber, dormir, ter ato sexual. Mas nada disso é necessário para mim, não sou feita para isso.

—- Vossa Majestade -- uma voz cortou meus pensamentos, olhei para onde a voz estava vindo. Era o meu Capitão da guarda -- irá visitar o treinamento da elite?

A elite. Eram os meus soldados com magia. Eu tinha que ver o progresso deles.

Olhei para a janela. o sol já estava quase se pondo.

—- Sim -- falei.

Me levantei do trono. As vozes cessaram.

Desci da plataforma do trono e meus guardas vieram atrás de mim.

Chamei um guarda que estava atras de mim.

—- Mande todos embora.

—- Sim, Vossa Majestade.

E sai do salão. Seguindo à direita.

Tinha dois guardas de cada lado meu. E um atrás. Não que eu precisasse deles. Só formalidades.

Alekssander, o meu Capitão da guarda, dizia que eu não devia andar por ai com no mínimo dez guardas. Mas se eu não podia andar livre na minha própria casa ou no meu próprio reino. Então onde eu poderia?

Passamos por um corredor e então viramos a direita. Estávamos indo para os fundos do Palácio. Então a partir dai continuamos em frente, reto.

O Palácio todo tem o mesmo piso, de um marrom claro, meio brilhando. O corredor cheio de janelas que vinham um pouco abaixo do teto até a menos de um metro do chão, com cortinas vermelhas que moldavam toda a janela. Tinha muitos lustre com cristais pendurados e velas que os criados sempre acendiam.

O Palácio era um lugar que emanava realeza, quando o construí, quis deixar isso bem claro.

Viramos a direita nova mete, e mais a frente tinha uma porta dupla grande. E então estávamos no jardim de trás do Palácio.

A morte é uma coisa natural. Assim como a natureza. Eu podia ser a Deusa da morte. Mas havia beleza na vida.

Ali era cheio de árvores aos fundos, com um enorme chafariz no meio perto da porta dupla, com alguns bancos e seguindo em frente do lado direito havia uma trilha que dava para a área de treinamento de magia.

Tudo no jardim era muito verde, eu poderia passar horas ali olhando cada detalhe. As folhas, suas texturas, e cores. Ela mudavam de cor dependendo da estação. E isso me deixava curiosa. Os animais que ali viviam, eu fiz questão de trazer os que poderiam viver aqui sem que eles se sentissem ''desconfortáveis''.

O sol já estava nos deixando para a noite então chegar. Os criados já estavam acendendo as tochas e velas.

A área de treinamento de magia era ao ar livre, mas também havia uma parte coberta para caso chovesse.

—- Vossa Majestade -- disse Roul, tutor de magia.

Os alunos todos se viraram para minha direção e disseram a mesma coisa que ele. E em sincronia fizeram uma reverência.

Caminhei na direção de Roul.

—- Como está indo o treinamento? -- perguntei.

—- Muito bem. -- ele disse rápido demais.

Cerrei os olhos e ele engoliu em seco.

—- O que você está escondendo de mim, Roul?

—- Não estou escondendo nada, Vossa Majestade.

Ele caminhou para um canto. E eu o segui.

—- Fiquem aí -- falei para os guardas.

Ficamos no canto.

—- Comece à falar.

—- Não é nada -- ele olhou para mim, e continuei esperando. Ele suspirou -- trouxeram um garoto, mas não é nada muito importante que eu deveria mencionar, Vossa Majestade.

—- Então por que ele o deixa tão nervoso? -- perguntei.

—-Ele foi encontrado em uma área em que só tinha cinzas, não havias corpos, apenas ruínas e cinzas.

Desviei o olhar.

—- Disseram que ele pode conjurar fogo. Fez algum progresso com ele? -- perguntei.

—- Ainda não. Ele não se lembra de nada, nem do nome. Mas ele me deixa nervoso, e se foi ele que causou aquilo?

—- Lá não tinha muita coisa para destruir. Apenas duas famílias morreram. -- olhei para ele -- mas não podemos perder alguém com magia, hoje está mais raro.

Olhei para os alunos que agora estavam treinando. Jatos de água, chamas de fogo, fissuras na terra, furacões. Tinha de tudo acontecendo. Magia era rara, mas sempre os que tem magia são de elementos. Terra, água, fogo e ar.

Olhei para Roul que estava distraído como eu, mas logo se concentrou em mim quando notou minha atenção.

—- Continue treinando ele, relate ao Capitão o progresso dele de três em três dias.

—- Farei isso, Vossa Majestade.

Ele fez uma reverência e com isso fui caminhando para os guardas.

Provavelmente o garoto deve ter perdido o controle dos poderes no dia. Mas nada o punirá mais do que ele mesmo depois de ter matado duas famílias.

 Naquela noite, eu sonhei com a morte de cada um deles, quando foram consumidos pelo fogo em suas próprias casas. As duas famílias estavam na mesa quando aconteceu. E então, eu senti a alma delas se unindo a mim.

—- Vossa Majestade, cuidado! --gritou meu capitão correndo em minha direção.

Não deu tempo de eu ver, quando uma adaga acertou bem entre minhas sobrancelhas. O mundo a minha volta parou, todos pararam o que estavam fazendo.

A adaga fazia cocegas, mas eu não sentia dor. Ali seria onde meu cérebro ficaria. Mas não que eu tivesse um para ferir.

Peguei o punhal da adaga e o puxei. Senti que as pessoas prenderam a respiração. Não ocorria isso com frequência, então para a maioria e até para os meus guardas seria a primeira vez.

Tirei a adaga da minha cabeça e senti um formigamento. Eu sei o que deveriam estar vendo, um buraco limpo, sem sangue, sem que nada desse qualquer pista que tivesse algo ali. E aquele buraco estava virando pele, onde antes era só escuridão.

Todos arregalaram os olhos, e ficaram boquiabertos.

—- Não é muito inteligente tentar matar a morte, hein?

Olhei para cada rosto que estava ali e quando olhei para um ele ficou vermelho.

—- Você. -- apontei para ele -- Estava tentando me matar?

—- Só estava querendo ver com meus próprios olhos se a Deusa da morte não era mentira. -- ele deu de ombros,

Cerrei os olhos para ele.

—- Tragam ele. -- falei para os guardas.

Alekssander pegou ele pela nuca o arrastando para a minha frente.

—- Não se pode matar a morte garoto.

Entreguei a adaga para ele, e ele olhou confuso. Porque ela estava limpa não parecia que a segundos atrás estava enfiada na minha cabeça.

—- Não vai me matar?

Sorri para ele.

—- Você não fez um trabalho muito bom. Ainda tem muito o que aprender. Qual o seu nome?

Ele desviou o olhar.

—- Eu... eu não sei.

Analisei ele. Cabelos castanhos, olhos castanhos, um rosto muito comum. Suas roupas estavam com cinzas.

—- Você deve ser o garoto novo, que matou as duas famílias com fogo e não se lembra de nada.

Ele arregalou os olhos.

—- Você não sabia? Capitão -- chamei -- amanhã depois do desjejum leve o garoto para o Salão do trono.

—- Claro, Vossa Majestade.

Me verei e fui na direção da trilha para ir embora.

—- Vossa Majestade -- eu parei -- eu matei mesmo duas famílias?

Me virei.

—- Sim, sinto muito -- disse sem emoção nenhuma.

Ele assentiu. Fez uma reverência e eu continuei meu caminho.

Alekssander logo chegou ao meu lado.

—- Eu disse que não preciso de guardas.

—- Sinto muito por não chegar a tempo.

—- Ai você estaria morto. Eu não morro Capitão. Não é certo arriscar vidas por alguém que não morre.

Encarei ele.

Ele deu de ombros e desviou do meu olhar.

—- Você ainda é nossa Rainha, mesmo sendo a Deusa da morte. É nosso dever lhe proteger.

—- Que seja, mas não quero arriscar bons soldados. Então se em qualquer lugar estiver em uma situação assim. Quero que não se metam. Eu não morro, mas eles morrem Capitão. Lembre-se disso.

—- Sim, Vossa Majestade.

E continuamos nosso trajeto pela trilha. Passamos pelo chafariz, pela porta dupla e seguimos mais um pouco pelo corredor à esquerda. Paramos diante da porta que dava para minha torre.

—- Avise a criada para não mandar meu jantar.

Ele assentiu e foi embora.

Abri a porta e entrei. Dava para dar uns quatro passos antes de ter uma escada. E antes uma porta que dava para um jardim privado, que apenas eu tinha acesso.

Era uma escada grudada na parede da torre sempre em círculos, subindo e subindo até chegar em uma parte plana, os meus aposentos. Nele tinha uma cama enorme com dossel, uma penteadeira com perfumes, maquiagens e coisas que as criadas traziam. Havia um canto para leitura, uma estante cheia de livros com um divã e uma vela perto. Uma porta para a sala de banho e outra para o quarto de vestir. E era isso.

Meu quarto tinha tons de dourado com rosa pastel. As grandes cortinas em rosa claro com fios de ouro que davam brilho, e ainda mais quando estava de dia e o sol batia ali. A penteadeira com de madeira pitada de branco e com fios de ouro e a cama a mesma coisa, sua colcha era rosa claro com fios de ouro costurados em ondas como o vento, seus travesseiros e lençóis de seda branca.

Era um quarto que diriam ser de uma princesa e não de uma Deusa da morte. Ou da própria morte.

Tirei meu manto, e entrei na sala de banho, liguei a água e ouvi a porta de baixo da torre se abrindo, provavelmente a criada. As torneiras da torre quando ligada puxavam um sino na ala dos criados, e eles vinham correndo trazer água quente.

Ela logo entrou na sala de banho, despejando a água quente na banheira, que logo se misturou com a fria.

—- Já pode ir.

Ela assentiu, fez um reverência e saiu.

Me despi, tirando o vestido que usei aquela tarde toda. Um azul escuro com brilhos da cor do tecido. Ele era de manga longo e se grudava em todas as minhas curvas para no joelho se abrir e deixando uma calda para trás. Os criados insistem em colocar em mim esses vestidos exagerados.

Quando o vestido caiu no chão suas pedras fizeram barulho. Tirei o colar de diamantes negros extravagante demais que estava no meu pescoço e o coloquei em uma cadeira, depois um criado viria arrumar.

Entrei na banheira. A água estava morna, e fez com que os meus músculos tensionados relaxassem. Deitei a cabeça para trás, fechei os olhos e deixei meus pensamentos vagarem.

Foi muita coragem daquele garoto atirar aquela adaga. E se eu não fosse a Deusa da morte e ele tivesse matado uma Rainha? Coragem demais para o próprio bem dele. Já vi vários do tipo dele, e sempre acabam mortos pela sua crise de coragem.

O que o faria perder a memória? Será que ele bateu com a cabeça? A vida humana é muito frágil. Eles morrem por qualquer coisa, perdem memória por qualquer coisa.

Como deve ser ter uma mãe? Eu nunca tive uma mãe. Cresci sozinha. Nasci na escuridão, escuridão. Quando era pequena, ainda não existia humanos. Era só eu. Mas esse lugar. Esse lugar sempre foi minha casa, meu lar. Lembro de ser o primeiro dia nesse mundo e ai então quando chegou a noite, a escuridão se acumulou em mim e lá estava eu. Antes eu só via, só era uma coisa vendo, mas quando escureceu e ela se juntou a mim. Eu era carne e osso. Não literalmente, mas mais para escuridão e pele.

Abri os olhos. E me levantei da banheira.

Já estava tarde, não que eu precisasse dormir, mas me fazia bem. Eu me sentia nova.

Me enxuguei e fui para o quarto de vestir pegar uma camisola.

A criada que encheu minha banheira com água quente deve ter tirado os travesseiros e almofadas desnecessários porque agora só tinha dois. E a colcha não estava mais lá. No lugar um edredom.

Puxei o edredom, me enfiei de baixo dele.

E então Morrigan, Rainha do Reino de Morrigan, Deusa da morte e da escuridão, a própria morte.

Adormeceu.


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Notas finais do capítulo

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