Bacchikoi escrita por Lunnarea


Capítulo 2
1º Capítulo — Rio


Notas iniciais do capítulo

Bem, e aqui estamos nós de novo. :3
Agradeço aos comentários, animo-me bastante sabendo dessa boa recepção que eu tive, e bem, desculpe-me pela eventual demora.
Mas, eu espero que 'cês continuem acompanhando essa estória em que eu me diverto escrevendo, com todo o carinho. Então, sem mais delongas (mesmo que essa frase seja uma coisa meio desnecessária), espero que tenham uma boa leitura... ♥

Ah! Sim, ia me esquecendo, temos uma palavrinha pro glossário dessa vez.

1 — Tsuru :: Uma espécie de ave, típica do Japão, que é associada a boa sorte e coisas similares, também é também uma das formas de origami mais popular que existe.



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Era uma daquelas efêmeras manhãs daquela primavera refrescante e lustrosa que não desabrochou desde o ocorrido com o garoto de olhos turvos. O sol passou pela brecha dentre as cortinas e despertou-o daquele profundo sono em que se aprisionara, mas ainda assim, banhado pela luz do dia, o simples ato de se levantar mostrava-se difícil, tal como todos os dias, tivera que lutar contra a sua vontade inata de permanecer ali, naquele ambiente frívolo que perdeu seu brilho.

Alguns minutos foram necessários para ele finalmente vencer seu desinteresse, foi a primeira de muitas de suas batalhas diárias. Abriu o tecido verde que cobria a ventana, revelando as árvores floridas de cerejeira como era de costume naquela época do ano, mesmo assim, não pôde sentir e nem mesmo descobrir o que é que antes enchia-lhe de energia quando as pétalas rosadas bailavam pelo ar.

Observou atentamente seu reflexo no vidro da janela, ainda não era como antes, mesmo enchendo-se da escassa coragem que tinha, servindo ao menos para espantar seu desânimo por hora, na esperança de que neste dia a primavera de seu coração retornasse. Continuava pedindo para que ela fosse, ao menos, momentânea.

Depois que terminou de se aprontar, finalmente pegou a bolsa recostada na cama e desceu as escadas em passos lentos e silenciosos, observando os quadros decrescentes dispostos na parede que se estendia até a porta. Ainda sentia falta de que quando abrisse a porta pudesse ver o amigo, Seiichi, ao lado da pequena árvore que havia na calçada. Girou a maçaneta lentamente, para manter a sensação de que ele estaria ali, empurrou-a enquanto deixava seus olhos focados no lugar onde o garoto sempre o esperava.

Parou por um instante por conta de sua frustação tola, sabia que ele não estaria esperando-o ali, mas mesmo assim, ansiava que ele estivesse. Continuou seu caminho e mesmo os raios solares não o animava, como acontecia com as outras pessoas, na verdade, eles lembravam-no daquele momento em que se encontraram pela última vez, quando sua família se despediu. No mesmo dia em que sentiu que ele estava fora de seu alcance.

Tomou seu caminho rumo à estação do metrô, prometeu a si mesmo que não iria procurá-lo dentre a multidão, mas mesmo assim, não conseguiu deixar de espiar sem que sua ansiedade o tomasse por completo. Aguardava pelo trem em sua plataforma, conversas fluíam em seu arredor, via as pessoas juntas e com expressões alegres, podia sentir até mesmo uma ponta de inveja em si próprio. Talvez, se tivesse dito o que guardou para si naquela noite os resultados seriam outros e não teria se tornado o que hoje é.

Chegou o trem e pôde prosseguir com sua jornada diária, sentou em um dos bancos vagos, e pôde esperar em paz o seu destino chegar. Corria a paisagem urbana pela janela, que contrastava com o azul da baía onde os barcos pescavam, e logo o trem parou na estação, desceram as pessoas que ali tinham de estar, entraram no vagão aquelas que dali deveriam sair, soou o sinal avisando de que as portas se fechariam. Como um disco riscado a cena repetiu-se várias outras vezes diante de seus olhos, os alto-falantes que anunciaram a chegada à estação em que ele deveria descer interrompeu a contagem.

Saiu da estação que ficava próxima a escola, para onde todas aquelas pessoas que trajavam os uniformes escuros se destinavam, em meio a passos inquietos e numerosos tomou seu caminho a instituição, de cabeça baixa e desatento, coisas que passavam desapercebidas para todos os outros. O semáforo acendeu a luz vermelha, fazendo com que os carros avançassem, durante a pausa pôde notar as cerejeiras que floriam em abril, plantadas no canteiro que se estendia pelo o curso do rio, que já estava coberto com as pétalas rosadas. Tudo isso remetia ao doloroso passado que trazia consigo, das lembranças que ainda se recordava de ter tido com ele.

Foi quando um pequeno pássaro de papel voou em sua direção, a dobradura voava graciosamente e pousou no chão, junto a seus pés. Por mais que tentou relutar e ignorá-lo, falhou em convencer a si mesmo, ajoelhou-se momentaneamente, pegou o tsuru ¹ e abriu a bolsa só o suficiente o colocar lá. Deixou de espiar o interior da dobradura, prevenindo-se de qualquer coisa que ali houvesse, seja um dos poemas de Seiichi ou somente uma folha em branco, confortavelmente aliciou-se de que não era uma ideia nem ao menos razoável olhar o outro lado da folha.

Não houve nem tempo de se intrigar com o porquê do pássaro estar ali, a luz verde do semáforo voltou a acender, desviando a atenção de Ren para ela, e assim ele pôde prosseguir seu caminho. Queria não pensar mais nos tempos em que viveram juntos, soltar-se do passado ao menos um instante, havia se exaurido daquele cotidiano monótono e cansativo, onde todos os dias forçava-se a fazer o que tinha de ser feito.

Havia passado tempo o suficiente imerso em seus pensamentos dolorosos, ao chegar ao colégio ainda lhe restava tempo antes da primeira aula iniciar-se. Sentou-se em um banco do pátio que era rodeado pelos edifícios onde as salas eram dispostas, dali podia observar o diamante que mesclava a grama verdejante e a terra avermelhada do campo, onde os membros do clube de baseball praticavam, onde ambos deveriam estar. Lembrou-se repentinamente da ave que havia achado, tirou-a da bolsa, respirou fundo, buscando coragem para abrir a dobradura. Segurou em uma de suas arestas e puxou o suficiente para se desfazer-se, em letras grandes, escritas com a tinta negra sobre o papel grosso, estava um pedido de desculpas.

Arqueou as sobrancelhas no mesmo instante, sorriu pela primeira vez em tempos só de pensar que Seiichi voltaria para si, mas cada vez que reavaliava a situação lhe vinha em mente que aquilo não foi escrito para ele, mesmo querendo acreditar que havia sido, afinal, não são muitas as pessoas que dobram tsuru¹ e deixam poemas em seu interior. Desmanchou o riso, baixou a cabeça e parou por poucos segundos, o suficiente para o harmonioso sinal ressoar chamando os estudantes para a instituição, logo a primeira aula teria início. Enfiou a folha dentro da bolsa e correu para dentro do prédio onde sua classe estava.

Os corredores já vazios indicavam que todos os outros alunos já haviam entrado dentro de suas respectivas salas, cada vez mais se desesperava com a possibilidade de atrasar-se logo na primeira aula. Alguns professores andavam pelo corredor enquanto encaravam-no com uma expressão não muito agradável, isso confirmava a hipótese de seu atraso.

Tratou de apressar o passo, tentando não alertar ninguém mais, e quando subiu as escadas ele pôde ver de relance o professor entrando na sala onde ele já devia estar. De fato, talvez ele não conseguisse se safar das consequências desse atraso, desta vez não teria como dar um jeito.

Podia já ouvir a voz do professor, mesmo que não conseguisse saber sobre o que ele falava, e esperou em frente à porta até que houvesse uma pausa em seu diálogo, e, quando ocorreu, Ren bateu suavemente na porta. Engoliu em seco e respirou o mais fundo que pode, para disfarçar seu desespero de ter se atrasado outra vez. Sorte que o velho professor Hiroshi não estava bem desde o começo do mês, existiam vários motivos para ele ter fama de rígido na escola, mas o professor que estava substituindo-o não faria vista grossa sobre esse atraso.

Pôde ouvir os passos se aproximando do outro lado da porta de correr, e logo ela foi aberta, todos os alunos estavam sentados em suas determinadas carteiras, olhando apreensivamente em sua direção, como se o professor já não fosse motivo o suficiente para fazer o rapaz corar. Havia uma silhueta masculina de pé, de frente a sala, mas não houve tempo sequer para que ele pudesse olhar no rosto do aluno, o professor entrou na linha de visão antes que Ren conseguisse conhecê-lo, e a porta foi fechada quando o homem passou para o outro lado dela.

Logo a severidade com que olhava para o aluno se desfez, tinha que parecer sério enquanto estava na frente dos outros estudantes, mesmo que o professor transmitisse uma extrema tranquilidade e tivesse uma gigante paciência, vez ou outra aparentava estar descontente com algo, mesmo que não estivesse de fato. Olhou para ambos os lados e, após certificar que ninguém estava à vista, passou a mão na cabeça do menino.

— Avisei-lhe da última vez — Encarou-o. — certamente não foi sua intenção se atrasar de novo, não é? Sorte a sua que o universo está conspirando ao seu favor. Alguém lá dentro diz te conhecer.

Arqueou as sobrancelhas com a reação do professor, e quando tomou conta do que ele disse, que alguém de dentro disse que o conhece, não pode deixar de associar ao tsuru¹ com o tanka² em seu interior, e assim, com seu antigo amigo que há muito não via, apesar de ainda guardar rancor de si mesmo por não conseguir contar a ele o que de fato achava de sua ida para a capital. Um brilho pôde existir em seus olhos mais outra vez.

O professor abriu a porta novamente e um breve vislumbre dentro da classe foi o suficiente para fazer com que o garoto desse um passo para trás, enquanto todos os alunos dirigiram sua atenção para a entrada da sala. As sobrancelhas curvas sinalizaram a surpresa em seu rosto, que logo se foi quando fechou e abriu os olhos.

Encararam-se por um longo tempo, como se pudessem transmitir tudo o que sentiam um para o outro. Pouco antes do professor pigarrear por atenção, o rapaz que estava de pé, na frente da sala, desviou os olhos, evitando o olhar de Ren, que parecia julgá-lo pela promessa que havia quebrado há duas primaveras.

Se estabeleceu uma tensão pouco antes de o professor finalmente entrar na sala e pedir para os dois rapazes tomarem seus lugares. Um ao lado do outro, no centro da sala, o educador fez com que ali ficassem. Assentaram-se e penduraram a bolsa na alça metálica da mesa, e pouco antes de dirigirem o olhar para o quadro negro, cruzaram seus olhares pela primeira vez desde o ocorrido há pouco.

O professor tomou o giz e começou a preencher o quadro negro com informações e datas que aparentavam ser importantes, contudo, nada disso mantinha a atenção de Ren na aula que delirava em meio a primavera que estava a desabrochar. Abriu a bolsa o suficiente para puxar de lá uma folha quadrada, formou um pássaro lentamente enquanto estava fora da vista de todos, desmanchou-o e dentro escreveu um curto poema, de exatas cinco linhas, e tornou a formar a ave com o papel esbranquiçado.  Lançou-a em um só movimento, curto o suficiente para que ninguém notasse.

Pousou sobre o caderno do rapaz à sua esquerda, com o que dividiu seus melhores momentos desde que o conheceu. O animal chamou a atenção de Ren, não conseguiu evitar seu interesse, mas ainda assim, suas mãos ameaçavam tremer só de pensar no que havia escrito em seu interior. Percorreu todo o caderno com a mão, empurrando a dobradura para fora da folha pautada, fazendo-a cair graciosamente sobre a superfície lisa e reflexiva da mesa amadeirada.

Espiou na mesa ao lado, e o amigo, que até então estava desfocado e inquieto, que não havia copiado nem mesmo a primeira linha da matéria, começou seus afazeres. O som do lápis correndo sobre a superfície porosa do papel lhe agradava, tanto quanto o som agudo do giz lhe causava arrepios, e seu pó, espirros. Também tomou a lição como prioridade por aquele momento.

Por algum motivo, aquela cena lembrou a Ren os dias que corriam depressa, com companhia de Seiichi, e dos fins de tarde que passavam dentro da sala de aula antes de irem para suas casas. A brisa calma e pálida do começo da primavera adentrava pelas janelas abertas da classe, faziam as folhas das mesas rente a parede se mexerem, esvoaçando o cabelo dos estudantes e levando o inverno consigo.

Era pouco antes do sinal alegre tocar, dizendo a todos que já era hora de se despedir. Quando já se arrumavam para deixar o recinto, alguns alunos se levantavam e o silêncio que era comum no ambiente cedia lugar as conversas e aos passos dos estudantes para fora dali.

Ao recolher o material sobre o tampo da mesa reparou na avezinha alva de papel que ali aguardava, arqueou as sobrancelhas enquanto espiava nos arredores, certificando-se de que não estava chamando atenção de pessoa alguma, pegou o pássaro e o desmanchou, revelando a mensagem que foi escrita na folha.

“ As águas dos rios

nascem de uma única fonte

e se separam no caminho.

Depois do percurso,

ajuntam-se no mar “

Os caracteres formados pela tinta negra sobre o papel pálido, entre as marcas das dobras que formavam o animal, traduziam exatamente o que Seiichi sentia. Virou-se para o lado em um só reflexo, encarou seus olhos escuros e puxados, sem sair de seu lugar agarrou o braço do rapaz a seu lado, pôde sentir a malha quadriculada do suéter sob seus dedos. Instintivamente ele se voltou para Ren, fitou seu braço que tinha sido pego por ele enquanto curvou os lábios em um sorriso.

— Nós podemos voltar juntos, — Soltou o braço do outro enquanto dizia. — podíamos pegar o caminho do rio.

— Não! — exclamou com um meio sorriso — O caminho do rio é bem mais comprido, não sei se tenho energia ‘pra isso. — Deixou escapar um riso.

Teve como resposta apenas um olhar de Ren, este traço preguiçoso da personalidade do amigo não habitava mais em suas memórias, e somente a sensação que obteve ao notar esse pequeno detalhe que compunha o “Novo Seiichi”, que talvez não existisse antes de ele partir, satisfez-lhe como nunca havia sentido antes da sua volta.

Pegou sua bolsa que estava pendurada na alça de apoio da mesa, levantou-se e saiu pela porta, conferiu uma vez só se havia esquecido algo seu na sala. Do outro lado da porta estava o corredor já quieto, sem a agitação efêmera que surgia minutos após o último sinal tocar, sem a presença de uma alma viva sequer, seguiu ele e o rapaz que vinha consigo.

O laranja do sol poente infiltrava-se por entre o vidro e iluminava o ambiente silencioso, mas ainda assim, confortável que se formou, fora a primeira vez desde que ele partira que pôde sentir-se bem por mais do que alguns segundos.


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Notas finais do capítulo

Bem, eu espero que 'cês tenham gostado, não deixem de dizer o que que 'cês acharam do, enfim, primeiro capítulo. Está bem...?
Então, vejamos-nos no próximo. ^^

Kisses ♥



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