Rei do Baile 2017 escrita por WakaZ


Capítulo 4
Convocação


Notas iniciais do capítulo

Desde já peço desculpas pela demora pra atualizar a fic! Passei um tempo viajando e assim que voltei, minhas aulas começaram, então foi complicado encontrar tempo livre pra escrever. O importante é que o Rei do Baile ainda respira, mais vivo do que nunca!
O título do capítulo 4 é uma referência à musica "Convocação" do MC Koringa.



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Os dedos giram a rodinha pra esquerda, depois um pouco pra direita.

Uma peça retangular é empurrada um pouco pra cima, depois uma ao lado pra baixo.

Bufos. Não está dando certo. Falta algo.

Aperta o play. Uma, duas vezes.

— Já sei!

Rapidamente os dedos mudam as peças novamente, ajustando a altura e volume, adicionando algum tipo de efeito.

É dado play pela terceira vez. Um satisfeito Victor agora balança a cabeça no ritmo da música que sai pelo seu fone de ouvido. Na melhor parte da música, ele desconecta os fones do computador de mixagem e deixa-a fluir pela sala acústica. Agora seu corpo todo se balança na cadeira, com os olhos fechados, perdido da sua mais recente criação. O pequeno trecho acaba e Victor volta a si.

— Perfeito!

Ele conecta os fones novamente e começa a misturar alguns canais para formar o arranjo seguinte.

Neste momento, Yuuri abre a porta.

— Então era aqui que você estava. Ei, Victor.

O MC continua muito concentrado ajeitando a reverberação da gravação. Ele não escuta.

Yuuri fecha a porta e se aproxima por trás da cadeira de Victor, curvando ligeiramente o tronco para que suas cabeças ficassem na mesma altura.

— O que você tá fazendo aí? – O paulista pergunta rente ao fone de ouvido.

Só então Victor percebe a presença de Yuuri na sala.

— Trabalhando naquela faixa que te falei. Quer ouvir? Tenho 53 segundos feitos até agora.

— Pode ser.

Victor então tira os seus fones e os coloca em Yuuri. Enquanto ouvia a música, seus olhos continuavam fixos na tela, observando a paleta varrer as faixas de timbre. Victor apenas o observava, ansioso por sua reação.

Bastaram 7 segundos para que Yuuri esboçasse um sorriso, o que fez Victor sorrir também. 53 segundos passados, ele tirou os fones, impressionado.

— O que achou?

— Ficou... fantástico. Não sabia que você mesmo produzia suas músicas.

— Geralmente eu não produzo mesmo. De vez em quando resolvo aprontar um pouco aqui ou então fazer uma mixagem como você acabou de ouvir.

Yuuri passava os olhos pela sala.

— A voz aqui sai estranha, meio abafada. É por conta do isolamento?

— É sim. Parece que ela morre logo depois de sair da boca.

Yuuri assentiu, pensativo.

— E por que você estava me procurando, afinal? – Disse Victor, terminando de salvar o seu trabalho no computador.

— Você não apareceu pro ensaio de hoje.

Victor checou a data no calendário do computador.

— Mas hoje não temos ensaio. Eu não te disse?

— Ué, não.

— Então esqueci de te avisar... Hoje nós vamos fazer compras!

Yuuri estava chocado.

— Victor, a semifinal é esse final de semana.

— Sim, exatamente. Nós vamos comprar o seu figurino! Não é legal?

— Mas eu tenho minhas roupas!

— Não, não, nada disso – Victor se levantou e pôs as mãos nos ombros de Yuuri - Roupas novas. Quero você estonteante quando subir ao palco.

Yuuri abriu a boca para contestar, mas Victor levantou o indicador, interrompendo-o antes que pudesse formar alguma palavra.

— Por minha conta.

— Tá... tudo bem...

— YES!

Victor desligou toda sua aparelhagem e ambos se dirigiram até a porta do estúdio.

 

~~~~~~~~

 

O shopping não estava muito movimentado, por ser dia de semana. Yuuri preferia assim, pois ficava um tanto inquieto com aquele corre-corre de clientes e vendedores desesperados. O que estava o incomodando era a montanha de roupas que Victor havia escolhido para que experimentasse. Esta já era a na terceira loja que visitavam no dia.

— Essa calça vai combinar contigo! Olha essa camiseta, Yuuri! E dessa cor, você gosta?

Até os vendedores pareciam assustados.

— Não é melhor você me deixar escolher? – Ele questionou um pouco sem graça.

Victor estava se divertindo muito e ter que cortá-lo no meio da empolgação toda não era fácil. Porém a situação estava escapando do controle. Não havia outro jeito.

— Você tem razão. Quem tem que escolher é você. Já pensou em algo?

Yuuri pôs a mão no queixo, pensativo, olhando para as araras.

— Pra primeira música eu tinha pensado em alguma roupa mais folgada, talvez com um toque feminino.

— Certo, concordo.

— Já para a segunda eu não tenho uma ideia muito clara ainda. Algo que me desse presença e fosse sexy de alguma forma? Realmente não sei.

 - Vamos dar uma olhada na loja e aí talvez algo te inspire.

Andando pelas prateleiras e mar de cabides, eventualmente Yuuri fez sua escolha: uma camiseta cinza chumbo com corte alongado e gola canoa, uma calça jogger de moletom roxa, uma bermuda 3/4 preta e uma regata de moletom cinza claro com capuz e zíper.

Victor esperava inquieto do lado de fora do provador. Yuuri estava demorando demais para experimentar as roupas.

— Yuuri, tá tudo bem? Posso entrar?

— Pode, pode – ele respondeu rapidamente.

Victor abriu a cortina do provador. Yuuri estava vestindo a regata e a bermuda preta. Mesmo estando completamente vestido, sentia-se envergonhado.

— A roupa que você escolheu não te agradou?

Yuuri negou com a cabeça.

— Não é isso. Eu gostei das peças. Só não sei se vou conseguir passar a impressão que quero com elas.

Victor passou os olhos por Yuuri. Seus braços expostos realmente chamavam atenção, assim como o tecido da calça caía-lhe na parte traseira. A bermuda terminava justo no começo da panturrilha, dando-a um enfoque especial.

— A roupa caiu muito bem em você – ele concluiu.

Victor encarou-o pelo espelho do provador.

— Eu sei o que está faltando e provavelmente você não pensou nisso.

Por trás de Yuuri, Victor tirou seus óculos e pendurou-os em sua própria camisa. Com uma das mãos puxou a franja de Yuuri para trás, segurando-a gentilmente na coroa da cabeça, não desgrudando os olhos do espelho nem por um instante.

— Então, o que me diz?

Yuuri não acreditava em seu próprio reflexo. Ele estava... terrivelmente deslumbrante.

— Como você sabia disso?

Victor deu um sorriso de canto, soltando os fios que estavam presos pelas suas mãos.

— Eu sempre soube, acredite.

E afagou-lhe a cabeça, bagunçando seus cabelos negros.

 

~~~~~~~~

 

— Victor, podemos passear um pouco mais pelo shopping?

— Sem problemas. Temos o dia todo livre, afinal.

Carregando a sacola com as compras do dia, os dois caminhavam sem pressa pelos corredores. Victor não olhava para as vitrines, mas sim para Yuuri. Este corria os olhos pelas lojas, procurando por algo como um radar. Era difícil tentar adivinhar no que estava pensando. Era difícil deixar de olhar para Yuuri.

Subitamente Yuuri parou, segurando Victor pelo pulso. Seu rosto estava vermelho e fixado em um objeto da vitrine.

— É aqui, vamos entrar aqui.

Era uma joalheria. Com Victor atrás de si sem entender muita coisa, Yuuri se dirigiu ao balcão.

— Eu vou querer dar uma olhada nesses anéis – Disse ele apontando para o balcão de vidro.

— O par, senhor?

Yuuri deu uma espiada para trás, seus olhos se encontrando com os de Victor. Era o que precisava.

— Sim, o par.

Nesse momento Victor entendeu o que estava acontecendo e correu para o balcão.

— Yuuri, no que você está pensando?

— Eu queria que nós usássemos alguma coisa no dia da apresentação. Sabe, como um amuleto da sorte ou algo assim.

 “Que tipo de pessoa compra um anel de compromisso como amuleto? Yuuri, você não engana ninguém” — Victor pensou consigo mesmo.

Yuuri acabou parcelando os anéis em 10 vezes porque, bem, ele não tinha exatamente muito dinheiro. Iam-se embora todas as economias que ele havia feito com as iniciações científicas e estágios. Porém ele não poderia estar mais feliz. Havia sido uma boa compra.

— Você poderia ter me deixado pagar, pelo menos.

— Claro que não! É um presente meu pra você. Nunca que iria te deixar pagar.

No estacionamento, eles guardaram as sacolas com as roupas no porta-malas do carro conversível rosa de Victor. A bolsa dos anéis ficou com Yuuri. Ele tinha alguns planos.

Victor se acomodou no banco do motorista, pronto para dar a partida. Yuuri do seu lado, porém, impediu que ele girasse a chave.

Yuuri tirou da sacola em seu colo a caixinha com os anéis. Pegou um deles e tomou a mão direita de Victor.

— Esse anel é para agradecer tudo o que você fez por mim. Eu estava numa fase muito ruim da minha vida e você me ensinou a confiar mais em mim mesmo e a buscar o que eu queria. Eu nunca vou esquecer do tempo que passamos juntos aqui no Rio. E eu quero que você nunca se esqueça também.

E, com isso, deslizou o anel pelo dedo anelar de Victor.

O MC estava perplexo, sem reação. Aquilo estava realmente acontecendo? Aquele era de fato Yuuri Katsuki por quem tinha se apaixonado meses antes? Victor sabia o que fazer. Sabia o que queria fazer. Gentilmente pegou o segundo anel da caixinha e também tomou a mão direita de Yuuri.

— Eu que tenho que te agradecer, na verdade. Eu estava tão sozinho, totalmente sem ideias para a minha carreira e para a minha vida. Até você aparecer naquela noite e me mostrar um mundo completamente novo. Você me ensinou o significado de vida e amor, Yuuri. Mesmo se tentasse, eu nunca poderia esquecê-lo.

Victor pôs delicadamente o anel no dedo anelar de Yuuri.

— Eu confio em você mais do que em qualquer pessoa. Nos dois dias de apresentação, mostre-me um desempenho que você acredita ser o seu melhor.

Os dois se olhavam ternamente com as faces ruborizadas. Yuuri não conseguia parar de sorrir. Victor passou um dos braços ao redor dos ombros de Yuuri e puxou o moreno para si, de forma que sua cabeça descansasse em seu tórax. Yuuri podia ouvir o coração de Victor batendo em seus ouvidos e aquela sensação o tranquilizava. Com Victor, mesmo estando em outro estado e longe de sua família, ele se sentia em casa. Em seguida, Victor o envolveu completamente em seus braços e deu-lhe um beijo no topo da cabeça. Yuuri também havia entrelaçado seus braços ao redor do cantor. Nenhuma das partes pretendia se soltar tão cedo.

Até que uma sirene estridente soou.

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— Esses alarmes de carro são uma droga – Reclamou Victor com um suspiro.

Ele pode sentir a vibração do riso de Yuuri em seu peito. Seu aluno quebrou o abraço e voltou para o seu assento:

— Para casa, então?

Victor se ajeitou no banco, passou o cinto e deu partida no carro.

— Para casa, então.

 

~~~~~~~~

 

Ao acordar no dia seguinte, a primeira coisa que Yuuri fez questão de fazer foi checar sua mão: sim, ele ainda estava lá. O anel refletia o brilho ainda fraco do sol que entrava pela janela do quarto-closet, quase como se fosse sua luz própria.

— Bom dia pra você também – Yuuri falou com o anel como se este pudesse entende-lo.

A programação do dia incluía conhecer os outros participantes da semifinal do torneio. Victor e Yuuri estavam com o notebook ligado sentados junto a mesa de jantar da mansão. O site oficial do Rei do Baile havia disponibilizado todos os comerciais-entrevistas como forma de promover o evento.

O primeiro vídeo era de um rapaz moreno, com cabelo bem liso e preto e aparentemente muito carismático.

PHICHIT – SELETIVA DE RECIFE (PE)

— Meu nome é Phichit, eu sou de Natal e vou mostrar pra esses boy cheios de munganga o que um bom natalense é capaz de fazer!

Phichit falava muito rápido e sorria bastante. Era evidente que ele estava se divertindo muito com toda essa situação. No seu vídeo de apresentação ele mencionou possuir uma pequena família de hamsters, o que causou uma excelente impressão em Yuuri.

O vídeo seguinte era de um homem que devia ter quase a idade de Victor. Ele tinha o cabelo arrumado num topete com gel e um tom esperançoso e confiante.

GEORGI – SELETIVA DE SALVADOR (BA)

— Digaí, meu povo! Eu sou Georgi, sou de Porto Seguro, baiano com muito orgulho sim senhor.  E se bulir comigo, aí deixe estar.

Georgi confessou que era dono de uma enorme coleção de abadás, alguns até mesmo autografados. Georgi era uma figurinha tão carimbada no carnaval baiano que foi até chamado para subir em um dos trios elétricos – e ele fazia questão de contar isso a todo mundo com o peito estufado de orgulho.

Próximo comercial apresentava um rapaz exalando confiança que poderia muito bem ser o novo colírio capricho.

JJ  -  SELETIVA DE BRASÍLIA (GO)

— Olá, meu nome é Jean, mas todos me chamam de Jota Jota. É melhor gravar meu nome porque eu serei o novo Rei do Baile!

Ele piscou e fez 2 J’s com as mãos.

Perguntaram para ele qual era o melhor programa para final de semana. Jean, todo pomposo, gabou-se da sua incrível capacidade de organizar festas, logo qualquer festa em que ele estivesse envolvido era uma ótima saída. Sejam elas churrascos, pool parties ou apenas uma simples social, os sábados à noite em sua casa em Brasília eram bem conhecidos na região. JJ era um cara bem popular e estava sempre cercado de gente. Era fácil imaginar que todos os convidados se divertiam bastante nos encontros regados a álcool, mulheres e boca livre.

No quarto vídeo da playlist, Yuuri quase caiu pra trás. Era de um garoto loiro muito novo e podia jurar que ele não tinha idade suficiente para participar do campeonato. E os dois ainda tinham o mesmo nome! Com muita má vontade, o tal menino fazia sua apresentação.

YURI – SELETIVA DE FLORIANÓPOLIS (SC)

— Me chamo Yuri, venho de Curitiba. Sim, eu tenho 15 anos e não, eu não sou uma garota. Isso tudo é uma grande perda de tempo. Só quero competir logo.

Yuri era o típico garoto leite-com-pera criado pelo avô em apartamento. Seus pais moravam fora do país, mas sempre davam um jeito de passar pelo Brasil para passar um tempo com o filho. Perguntado se ele sentia falta dos pais, ele negou.

— Pelo menos assim eles não pegam no meu pé.

Era de certa forma divertido observar o contraste entre os competidores.

A entrevista seguinte era com um garoto sério que Yuuri nunca imaginaria que pudesse dançar funk. Ele parecia ser muito mais um militar do que um dançarino. Talvez ele pudesse ser de algum Colégio Militar.

OTABEK – SELETIVA DE BELO HORIZONTE (MG)

— Eu sou Otabek, da capital de Minas mesmo. Nunca pensei que me meteria num trem desses, mas prometo dar meu melhor.

Como destaque, Otabek mencionou a sua paixão por motos. Ele era dono de várias miniaturas e réplicas de famosos modelos que Yuuri até então nem sabia existir. Além disso, ele tinha sua própria moto, totalmente personalizada, do guidão ao capacete (aliás, ele também tinha uma coleção de capacetes). Daqui a 40 anos Yuuri conseguia imaginá-lo perfeitamente como o tiozão da moto tunada, barba longa, jaqueta de couro, frequentando bares só para motoqueiros.

O penúltimo a se apresentar era um homem de cenho franzido, como se estivesse desconfiado de algo.

MICHELE – SELETIVA DE MANAUS (AM)

— Meu nome é Michele, sou daqui da região e pode apostar que eu e minha irmã Sara seremos Rei e Rainha do Baile 2017.

O técnico de Michele era um homem chamado Emil, que tinha idade semelhante aos gêmeos. O dançarino contou que inicialmente eles eram um trio de dança, mas Emil sempre se destacou muito mais como coreógrafo do que executando suas coreografias. Desde o ano passado, ele assumiu a posição de técnico dos dois, coreografando programas tanto para ele quanto para sua irmã.

Por fim, o último vídeo precisava ser dele.

CHRIS – SELETIVA DE SÃO PAULO (SP)

— Oi todo mundo! Vocês já devem me conhecer, mas mesmo assim... Eu sou o Chris, de São Paulo capital e venho defender o meu título. Conto com a torcida de vocês.

Ele fechou a frase introdutória com uma piscadela.

A entrevistadora perguntou o que Chris esteve fazendo durante esse tempo de um ano após o Rei do Baile em que fora campeão. O paulista respondeu que sua vida agora era em boates e contratos particulares. Alguns artistas haviam mostrado interesse em contratá-lo para seu balé, mas no momento Chris gostava de curtir a liberdade sobre sua própria agenda.

— Então, o que achou? – Victor perguntou descansando o dedo indicador sobre os lábios.

— Todos tem um jeito bem particular, eu acho. Hey, ainda não vimos o meu vídeo.

YUURI – SELETIVA DO RIO DE JANEIRO (RJ)

— Meu nome é Yuuri e eu sou de São Paulo. Dançar sempre foi meu hobbie e espero conseguir o título desse ano!

Foi a primeira vez que ele assistiu ao comercial do lado de Victor. Durante a parte em que ele respondeu sobre o Dois L, seu corpo foi afundando na cadeira numa tentativa inútil de se esconder.

— Você gosta tanto de mim assim, é? – Victor disse se divertindo com a situação. Provocar seu aluno e observar sua reação tinha se tornado seu passatempo favorito.

Yuuri sentia o rosto ferver e escondia-o com as mãos.

— Não fala desse jeito... – Ele respondeu, com a voz abafada.

— Você não vai negar?

Victor o apertou na barriga. Uma, duas vezes. Yuuri se contorcia na cadeira em resposta.

— Para, isso faz cócegas.

O funkeiro então começou um ataque de cosquinhas para cima de Yuuri, que agora gargalhava na cadeira.

E como ele era lindo rindo daquele jeito. Yuuri tentava se embrulhar em volta do próprio corpo para se defender, suas mãos tentavam afastar os braços de Victor e podia sentir as primeiras lágrimas se formando no canto dos olhos de tanto rir. O cômodo inteiro reverberava ao som das gargalhadas e Victor não podia evitar de rir também.

Yuuri só conseguia parar para pegar mais fôlego.

— Tá bom, já chega, já chega, bandeira branca! – Yuuri tentava falar entre as risadas.

Victor o largou, esperando o moreno se recompor na cadeira. Ele tossiu algumas vezes, soltou alguns “Ai Ai...”, enxugou o canto dos olhos e ajeitou o corpo no assento.

— Eu não vou negar... mas também não vou afirmar nada.

— Que maldade sua. Você pode falar isso pra toda internet, mas não consegue dizer pra mim.

— É diferente, com você é tudo diferente e-

Victor deu um tapa na mesa.

— O dobro de treino hoje, tá decidido!

— Não, por favor, isso não! Eu vou morrer, Victor!

— Você tem boa resistência. Eu sei que aguenta o ritmo.

O técnico se levantava da cadeira quando foi puxado de volta ao assento. Ele podia sentir a pressão do anel de Yuuri contra a pele do seu pulso, firme, pedindo-o para ficar. Victor olhou surpreso para seu braço, depois para Yuuri. Ele o encarava com o olhar pegando fogo por trás dos óculos.

Eugostodevocê!— As palavras saíram de sua garganta atropeladas, emboladas, uma por cima da outra.

— V-Você o quê?

— Eu não vou repetir. Agora sem treino dobrado, eu fiz minha parte.

Victor soltou uma risadinha.

— Tudo bem, sem treino extra.

Yuuri continuava segurando Victor pelo pulso.

— E você?

— Eu?

— É, você não tem algo pra me dizer também?

— Ah, Yuuri, Yuuri... - Victor tomou a mão de Yuuri que segurava o seu pulso e a beijou bem em cima do anel - ... se apenas lembrasse ou soubesse...

“O quanto me deixa louco” Victor pensou.

— O quanto eu gosto de você – ele acabou dizendo, segurando a palma do paulista contra a sua bochecha. De olhos fechados, ele sentia o calor de Yuuri encontrar seu rosto.

Yuuri tinha entrado em curto circuito. A voz de Victor era tão aveludada chamando o seu nome que o fazia pensar que o destino havia o nomeado assim apenas para essa finalidade. Em nenhuma outra boca aquele som se encaixaria tão perfeitamente. A pele de Victor era macia por baixo da sua mão e, por cima, os dedos brancos e alongados encontravam o encaixe ideal entre os seus próprios.

— Quer ensaiar agora? – Yuuri podia sentir o maxilar de Victor se mexendo abaixo do seu polegar.

E por um instante, ele se esqueceu de como se falava. Balbuciou um pouco antes que conseguisse montar uma frase propriamente e aceitar a proposta.

O ensaio não teve horas extras, mas com certeza foi mais puxado. Sendo a última semana de preparação para as finais, detalhes que antes passavam despercebidos eram corrigidos até a perfeição. No caso, até Victor dizer que estava “bom”. Ao final do dia, Yuuri sentia as pernas pesadas e a panturrilha dormente.

Nos dias subsequentes, muitas vezes Yuuri se pegava ensaiando alguns passos sozinho nos lugares mais incomuns: no chuveiro, no quarto enquanto se vestia, na cozinha enquanto esperava a comida esquentar no micro-ondas. Victor o havia pego no flagra mais de uma vez e sua reação era sempre a mais victorística possível: com um sorriso de coração estampado no rosto, ele se juntava à dança.

Foi numa dessas ocasiões que Neide percebeu os anéis. Ela gritou tão alto que até Makkachin saiu correndo para o quintal, assustado.

— VOCÊS VÃO SE CASAR? AI MEU DEUS! VOCÊS NÃO ME AVISARAM NADA! PARABÉNS PELO CASAMENTO! Imagina quando a Regina souber. A mulher teve um treco quando viu o comercial do Yuuri. Da última vez que a vi tão empolgada com casal foi com Avenida Brasil...

Foi trabalhoso tentar convencê-la de que eles não estavam noivos. Pelo menos não ainda.

 

~~~~~~~~

 

Sexta-feira, véspera da semifinal. Os participantes dos outros estados já haviam chegado ao Rio e foram todos convocados para a HSBC Arena, o local da competição, para os ensaios técnicos.

Pelo grande dia estar chegando, a staff corria apressada por entre os corredores, dava os últimos check-ups no palco e no jogo de luzes. Era importante que os candidatos estivessem ali para saberem onde ficava o acesso ao camarim, ao palco, a ordem de apresentação, a localização das câmeras.

A equipe do evento tratava Victor e Yuuri com muito afeto. Yuuri tinha a impressão que Victor já conhecia toda aquelas pessoas. Talvez ele realmente já as conhecesse.

— Dois L, vai voltar quando?

— Meu sábado à noite não é o mesmo quando você não está no palco.

— E aquela música que você prometeu, vai sair?

Victor sempre respondia com um sorriso. Yuuri conseguia, agora, ver que aquele não era um sorriso verdadeiro. Para ele, era um sorriso amarelado. Como os outros não conseguiam perceber algo tão óbvio? Aqueles comentários também estavam o irritando um pouco. No mais alto da sua cordialidade, Victor apenas respondia “Por enquanto foquem no meu trabalho atual” ou “Vocês deveriam prestar atenção mais no Yuuri do que em mim”.

Victor tinha razão. Ele podia ser um artista famoso nacionalmente, mas a estrela agora era outra. Quem estaria sob os holofotes pelos próximos dois dias seria Yuuri e ele queria que todos os olhares estivessem voltados para o paulista.

Na verdade, era um sentimento conflituoso. Até então, apenas Victor conhecia o verdadeiro encanto de Yuuri e se via contra sua mente para deixar que o resto do Brasil o visse dessa forma. Victor gostava da ideia de ter o seu “show particular” nos ensaios dentro do estúdio, algo para ele e somente para ele, porém seu egoísmo não os levaria a lugar algum.

Os 8 participantes estavam reunidos num espaço circular logo abaixo do palco. Yuuri notou que, diferentemente da etapa de seleção, praticamente todos vinham acompanhados de algum técnico ou instrutor. Os irmãos Crispino conversavam entre si e com Emil, o coreógrafo de cabelo loiro escuro e cavanhaque. Yuri trocava algumas palavras com Otabek, ambos recuados em um ponto mais distante dos demais. Uma mulher de cabelos ruivos acima dos ombros, ao lado de Yuri, prestava atenção na conversa dos dois. JJ trocava carícias com a namorada e Phichit fazia vídeos para o Snapchat. Georgi estava se divertindo com um senhor calvo de cabelos grisalhos, tirando o seu chapéu de fedora e colocando sobre sua própria cabeça, fazendo o que deveria ser uma imitação do seu técnico. Já Chris observava Yuuri e Victor com muita atenção, enquanto Masumi o tentava dizer algo.

Assim que Chris percebeu que Yuuri olhava em sua direção, gentilmente pediu licença para Masumi com um toque sutil em seu ombro e seguiu a linha reta que separava os dois. Yuuri sentiu o corpo gelar por baixo das roupas enquanto os olhos verdes de seu conterrâneo não desviavam dos seus enquanto se aproximava.

O atual campeão do torneio, frente a frente com Yuuri e Victor, curvou-se ligeiramente para ficar na mesma altura que Yuuri.

— Então você é o novo pupilo do Victor? Eu espero que ele esteja te tratando direitinho.

Yuuri sentiu a garganta fechar em um reflexo de intimidação. Antes que pudesse pensar em algo para retrucar, Victor o puxou pela cintura mais para perto de si e respondeu em seu lugar:

— Eu sei cuidar muito bem do que é meu.

E agora os dois veteranos se encaravam, o azul encontrando o verde. Chris endireitou sua postura e os dois passaram a dialogar como se Yuuri nem estivesse ali presente.

— Não é seu tipo de coisa fazer isso, Victor. Largar os palcos pra se dedicar a um campeonato que você mesmo era contra... não faz sentido.

— Muita coisa pode mudar em alguns anos.

Yuuri sentiu a pegada de Victor ficar mais forte na sua cintura. Ele se sentia acuado e muito pequeno diante de duas pessoas tão imponentes. Os dois homens eram circundados com uma aura tão poderosa que o fazia arrepiar e sentir os joelhos moles como gelatina. Yuuri não sabia exatamente o que estava acontecendo ou o porquê de existir toda essa tensão, mas uma coisa ele entendia: Chris era um competidor para ser temido.

Chris assentiu com um suspiro e voltou sua atenção para Yuuri novamente.

— Eu lembro do seu vídeo do youtube. Estou ansioso para te enfrentar lá – Ele apontou para as vigas metálicas que cruzavam o teto acima deles.

— Eu também – Foi o que Yuuri conseguiu dizer, lutando com a bolinha de ping-pong imaginária enterrada em sua garganta.

Chris voltou ao seu lugar, olhando por cima do ombro para encará-los uma última vez. Yuuri sentiu seus músculos relaxarem e suas pernas voltarem a ser firmes como o normal. Victor o soltou e suspirou bem fundo.

Yuuri tinha várias perguntas para fazer, mas teriam que aguardar mais um tempo para serem respondidas, pois uma integrante da staff chegou esbaforida até onde estavam todos reunidos, com os cabelos ligeiramente despenteados. Ela se desculpou pela demora e guiou todos pelas instalações da Arena.

Quando subiram ao palco, Yuuri se sentiu tonto. O mar de assentos vazios era mais intimidador do que parecia. Ele já podia imaginar a plateia gritando e o observando, ansiando por cada movimento. Ao mesmo tempo que sentia medo, também sentia a inquietação subir-lhe a mente. Ele queria fugir, mas não podia deixar de desejar por aquele momento. Queria mais do que tudo competir e ser o centro das atenções, como se sua vida inteira estivesse destinada a viver aquele momento.

No centro do palco havia uma caixa de material transparente posta sobre uma plataforma branca. Dentro dela haviam bolinhas amarelas, em um total de oito. A assistente explicou que usariam o sistema de sorteio para determinar a ordem de apresentação dos competidores. Cada um veio até a caixa e pegou uma bolinha. Ela possuía uma abertura, igual a um brinde de Kinder Ovo, e dentro se encontrava o papel com o número sorteado. Na sua prancheta, ela listou a ordem do sorteio:

1) Chris

2) Georgi

3) JJ

4) Phichit

5) Yurio

6) Otabek

7) Yuuri

8) Michele

Victor segurou sua mão enquanto a assistente explicava e indicava os lados por onde teriam que subir e sair, para onde exatamente deveriam olhar durante a transmissão, explicando o que deveriam fazer depois de se apresentar. O paulista virou o rosto para encarar o seu tutor, que também fitava as cadeiras vazias logo a frente. Sentindo os olhos de Yuuri sobre si, ele sorriu em sua direção. Ter Victor ao seu lado era tranquilizador, pois assim sabia que ele não estava sozinho. Por mais calmo que Victor pudesse parecer, ele também lutava para a inquietação e nervosismo não transbordarem para o exterior. Mesmo que estar em cima de um palco fosse o seu trabalho, era impossível conter a expectativa do momento.

Yuuri correu os olhos pelos outros competidores: todos eles haviam a mesma determinação e inquietação no olhar. Amanhã, a HSBC Arena ia pegar fogo.

E Yuuri estava convencido a fazer o mundo inteiro se acabar em chamas.


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Notas finais do capítulo

Me desculpem se utilizei alguma gíria ou expressão de forma errada kkkkk eu dei uma pesquisada na internet e não sei se ficou bom. De qualquer forma, espero que vocês tenham gostado do retorno do BR AU!



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