Rei do Baile 2017 escrita por WakaZ


Capítulo 3
Vai começar a ousadia


Notas iniciais do capítulo

O título desse capítulo é uma referência à musica de mesmo nome do MC Gui.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/723769/chapter/3

Um dia para o começo da competição.

Victor pensou que seria uma boa ideia dar uma volta em algum lugar com Yuuri para relaxá-lo um pouco. Como o dia estava ensolarado às 17h e o calor já dava sinais de trégua, a Praia Vermelha lhe pareceu bem convidativa para apreciar o pôr-do-sol. Própria pro banho e mais reservada do que as demais, era a ideal.

Yuuri não se animava muito com a ideia de ir para a praia, mas não era todo dia que tinha oportunidade de passear pelo Rio de Janeiro. Afinal, ele tinha vindo a treino e não a turismo.

— Makkachin, infelizmente não vou poder te levar. Não permitem mais cachorros na praia – Victor disse se despedindo do cão em frente ao portão de madeira, afagando sua cabeça.

— A gente volta logo, não se preocupe – Yuuri disse em algum lugar atrás de Victor. Makkachin latiu em resposta como se pudesse entender o que estavam dizendo.

Pela primeira vez Yuuri entrava na garagem da casa de Victor. Levou um baita susto assim que avistou o carro.

— A gente vai nisso?

— Ei, não fala assim do meu carro! Ele pode te ouvir.

— Ele é rosa!

— Sim! Incrível, não é? Tem gente que daria a vida por esse Cadillac rosa.

No carro conversível, Yuuri sentou-se no assento do carona ao lado de Victor.

Tomando a reta da Pinheiro Machado, em um instante já estavam na orla de Botafogo. A brisa que soprava do oceano brincava com seus cabelos enquanto beiravam a praia dentro do carro. Yuuri reconhecia o lugar dos cartões postais. De tanta animação, acabou se debruçando sobre o colo de Victor, que havia parado em um sinal.

— Aquele ali é o Pão de Açúcar? – Yuuri apontou para o grande par de morros que enfeitava o horizonte.

— É sim. Consegue ver o Bondinho daqui?

— Consigo. É muito mais bonito ao vivo.

— Imagina até chegar no pé dele.

O sinal trocou para o verde e Victor tirou o carro do ponto morto, passando para a primeira marcha.

— Nós vamos pra lá? – Yuuri indagou com curiosidade.

— Vamos sim. A praia que nós vamos fica exatamente do lado da entrada do Bondinho.

Os olhos de Yuuri brilhavam atrás dos óculos. Ele nunca tinha estado tão animado para uma viagem a praia antes.

Beirar a orla parecia fazer o mundo ficar muito maior: a imensidão azul, por mais rápido que dirigisse, nunca se afastava. Ela estava sempre lá, acompanhando seus olhos onde quer que fosse.

Quando o trecho de praia que parecia se estender até o infinito terminou, sentiu que tinha saído de um pedaço do paraíso e voltado para a vida real. Parecia que todos aqueles prédios, viadutos e muros faziam questão de esconder o que estava por trás, como se fosse uma visão proibida.

Alguns minutos depois eles já se encontravam na praça que se localiza logo no começo da Praia Vermelha. Não foi muito difícil encontrar uma vaga para estacionar: se a praia já era pouco movimentada normalmente, ao cair da noite ficava ainda mais vazia.

Como Victor havia dito, assim que desceu do carro Yuuri pode avistar a entrada para o Bondinho. Ele parecia enorme visto de perto. A praia era bem pequena, localizada entre duas encostas. Mesmo assim não deixava de apresentar uma vista estonteante.

— Chegamos antes do sol de pôr, ainda bem. Vem, Yuuri, vamos curtir a praia um pouco.

Eles não haviam trago nenhuma roupa de banho e trajavam apenas bermuda, camiseta e chinelo. Com os sapatos nas mãos, pisaram na areia - não tão fofa assim - da praia. Era cheia de pedrinhas que podiam machucar um pouco os pés caso pisasse da forma errada. Victor e Yuuri não se importavam muito com isso. A sensação de ter os pés afundando na areia com o vento marítimo gentilmente soprando em seus rostos valia a pena.

Decidiram entrar um pouco na água, apenas o suficiente para cobrir os tornozelos. A água estava morna e era prazerosamente relaxante sentir a maré ir e vir sobre os pés.  Yuuri precisou jogar um pouco de água com os pés pra cima das canelas de Victor, que revidou da mesma forma. Logo os dois estavam chutando água para todos os lados, rindo e deixando todo o estresse dos últimos dias ser levado pelo oceano.

Quando perceberam que o sol havia começado a se por, voltaram para a areia. Victor voltou até o carro para pegar uma canga e juntos eles se sentaram na praia, observando o céu tomar tons cada vez mais alaranjados, criando um degradê com as primeiras pinceladas do azul profundo da noite que se seguiria.

Yuuri sacou o celular do bolso para tirar uma foto do horizonte. Agora entendia o porquê do nome Praia Vermelha: durante o pôr-do-sol a areia ganhava um tom de vermelho muito único. Porém Yuuri não guardou o celular depois da foto: pelo jeito que os dedos se mexiam rapidamente, Victor sabia que ele estava conversando com alguém. E aquele momento era pra ser apena deles dois.

Aproveitando que Yuuri estava distraído, com agilidade o carioca arrancou o celular da sua mão e saiu correndo pela areia.

— Me devolve, Victor! Isso não tem graça!

— Você quer? – Ele balançava o celular com a capinha azul acima da cabeça – Então vem pegar!

Yuuri começou a correr atrás de Victor pela praia. Correr na areia era certamente difícil, mas ele confiava bastante na sua resistência. Yuuri estava ficando mais rápido ou Victor que estava mais lento? Quando o MC deu por si, seu aluno já estava quase o alcançando. Ele se virou, correndo de costas:

— Vai precisar mais que isso pra me alcançar!

“Ah é?”

Surpreendendo Victor, Yuuri deu um grande impulso na areia e se jogou em cima dele, agarrando-o pela cintura e jogando-o na areia como um jogador de futebol americano usando todas as forças para evitar um touchdown. O celular caiu enterrado na areia e o par de óculos azuis saiu voando para a direção oposta.

E Yuuri foi cair bem em cima de Victor. Usou as mãos para aparar a queda, o que resultou em várias pedrinhas ralando sua pele. Seus braços foram fincar na areia ao lado do corpo de Victor, poucos centímetros abaixo da altura dos ombros.

Eles pararam assim, ofegantes, sem saber o que fazer a seguir. O cabelo de Victor estava uma completa zona e cheio de areia, assim como toda sua roupa. Sob a luz do crepúsculo, os fios adquiriam um belíssimo tom dourado. Ele sorria olhando para Yuuri, a cor das bochechas combinando com a areia avermelhada.

Yuuri não sabia que azul poderia ser uma cor tão quente. O olhar de Victor o fazia sentir calor pelo corpo inteiro, como alguém que se aquece rente a uma fogueira depois de passar o dia todo andando pelas ruas congeladas no inverno. Seu coração batia rápido e não sabia dizer exatamente o motivo – talvez fosse da corrida da praia. Ou talvez não. Seus dedos enterrados na areia não queriam se mover.

O funkeiro agora ajeitava a franja de Yuuri delicadamente com os dedos, tirando-a de cima dos olhos. 

— Agora sim você faz jus ao nome Nikifarofa – Yuuri brincou.

Victor abriu um sorriso maior ainda, deixando o braço que estava usando para ajeitar os cabelos pretos bater novamente contra a areia da praia:

— Victor à Milanesa.

Ele rolou o corpo um pouco pra esquerda, o suficiente para suas mãos alcançarem o celular caído.

— Você venceu. É todo seu. – E o entregou para Yuuri.

O rapaz pegou o celular juntamente com os óculos caídos do lado oposto e se sentou. Victor também se sentou, tentando inutilmente espanar a areia do cabelo e das roupas.

— Desculpa ter te derrubado. Agora você está todo sujo.

— Isso? – Victor balançou a cabeça, deixando grãos de areia voarem para todos os lados – Não é nada, relaxa.

— Você ficou chateado comigo?

— Não por isso. Com quem você estava falando no telefone?

Victor tentava espiar a tela do celular.

— Com a Minako. Eu estava mandando a foto pra ela... Dizendo o quanto aqui era bonito.

A noite finalmente havia caído. O mar se tornou preto como tinta e perto da linha do horizonte era possível ver as luzes de alguns barcos cruzando a enseada. Já era hora de voltar para casa.

Na volta, dentro do carro, Yuuri admirava a noite de final de verão estrelada. Apreciando o gigante tapete celestial ao lado de Victor, ele se sentia etéreo e infinito.

Silenciosamente, desejava que Victor se sentisse do mesmo jeito.

Silenciosamente, a recíproca era verdadeira.

 

~~~~~~~~

 

O Rei do Baile funcionava da seguinte forma: nos principais estados do país, uma seleção de participantes é feita. Todos acima da idade de 15 anos podem se inscrever e participar do torneio.

A primeira fase é a etapa de seleção dos semifinalistas. Em cada estado participante, os competidores são separados em enormes grupos de 50, e destes apenas 20 são selecionados para a continuar. Mais uma fase de seleção e temos 5 escolhidos. Então estes 5 dançam novamente e apenas um é eleito pelos jurados para, enfim, competir no palco contra os outros 7 vencedores das outras seleções.

Era uma peneira grande e cansativa.

A segunda fase ocorre na semana seguinte a esta, no sábado. É aqui que o grande show começa: com um palco todo à disposição, os 8 competidores aprovados na peneira dão o seu melhor. Há transmissão de TV e um público bem animado também. Nessa semifinal, apenas 2 avançam para a próxima etapa.

A terceira e última fase é a grande final, no domingo. É realmente um grande evento, com direito a show de abertura e encerramento, iluminação, balões de torcida e, obviamente, a premiação.

Victor, Yuuri e Dona Neide estavam do lado de fora do ginásio do Maracanãzinho para a seleção carioca. É claro que Dona Neide não deixaria de comparecer ao evento. O sol do Rio de Janeiro quase às 13 horas não dava descanso sobre os três e mais outros tantos na fila que aguardavam (não tão pacientemente assim) a abertura do portão.

Yuuri usava uma camiseta azul marinho, bermudas e tênis brancos e um boné vermelho. Victor vestia uma jaqueta jeans leve, com as mangas dobradas até a altura dos cotovelos, bermuda verde-menta e mocassim marrom, além de óculos escuros. Dona Neide, por sua vez, trajava bermuda jeans, blusa e sandálias pretas. Ela se abanava com um leque para tentar espantar o calor.

Neide perguntou pela quarta vez se Victor não estava sentindo calor com aquela camisa e novamente ele respondeu que não. Yuuri roía a pele do canto dos dedos de ansiedade. Os três podiam ouvir comentários calorosos dos outros participantes, sobre como era um absurdo os deixarem esperando debaixo daquele sol. Yuuri podia jurar que tinha visto alguém passando mal. E se ele passasse mal também? Ele roía os dedos com mais agonia pensando nisso.

Uma da tarde e o portão abriu. Não existia mais fila naquele momento. Todos só queriam entrar logo no ginásio e sair do sol. Os três se moviam com a muvuca, seja lá pra onde ela estivesse indo.

— A Dona Neide ficou pra trás!

— Ela vai nos achar de novo. Yuuri, não se separe de mim – Disse Victor, segurando sua mão.

O bolo de pessoas se dirigiu até uma rampa em espiral e subiu. A rampa dava em um corredor com cobertura transparente, que sinalizava o acesso do nível superior das arquibancadas. A passagem para o corredor principal do ginásio, entretanto, estava barrada por uma mesa de organizadores. Um deles tentava com muito esforço organizar a multidão esbaforida que chegava ao nível superior.

— Façam uma fila, por favor, 3 participantes de cada vez!

Aos poucos as pessoas foram se dirigindo até a mesa.

— Você já pode soltar minha mão se quiser... Ela tá suada. – Yuuri disse com o rosto vermelho. E certamente não era do sol.

Oh, é verdade, eles ainda estavam de mãos dadas. Victor deixou seus dedos desentrelaçarem lentamente, relutante. Dona Neide tinha conseguido se aproximar dos dois novamente e tentava ver o que estava acontecendo na ponta dos pés.

— Seu Victor, o que houve?

— Estão chamando os candidatos pra receberem a numeração.

— Bem que o senhor podia ter preferência, né...

— Shhhh essas pessoas não podem saber que estou aqui!

— Eu não sei como não te reconheceram ainda – Yuuri comentou – Não existem muitas pessoas com o cabelo cinza como o seu.

— Não é cinza, é platinado!

— É, tanto faz.

Chegada a vez de Yuuri, ele confirmou o seu nome na listagem e recebeu dois adesivos enormes com o número setenta e três. Um deles foi colado no meio da barriga e o outro, nas costas.

— Me sinto um produto de supermercado com esse negócio.

— 73 é um bom número! Tem 7 e a soma é 10!

Dona Neide levava superstições bem a sério.

Os três passaram pela barricada de organizadores e chegaram, enfim, ao corredor principal do ginásio. Já haviam funcionários trabalhando nas lanchonetes e seguranças passeando calmamente de um lado para o outro. Perto de onde haviam entrado, à direita, se localizava uma das entradas da arquibancada. Porém os competidores precisavam seguir um outro caminho à esquerda, que os levava para uma das entradas da quadra lá embaixo.

Victor, Yuuri e Neide se dirigiram para a esquerda e tiveram a passagem barrada por outro membro do comitê organizador.

— Desculpem-me, mas apenas os competidores podem passar por aqui.

Os três se entreolharam.

— Eu preciso entrar com ele. Eu sou o técnico.

— Regras são regras, senhor. Peço gentilmente que dê meia-volta.

— Não, você não está entendo – Victor retirou os óculos, revelando seus olhos azuis para o segurança – eu estou com ele e eu tenho que entrar.

O homem da staff, boquiaberto, reconheceu imediatamente com quem estava falando.

— MC DOIS L! Perdão por não te reconhecer! É claro que o senhor tem acesso, pode passar, desculpe pelo incômodo!

— Dona Neide, você vem também?

Ela negou com a cabeça.

— Esse espaço é de vocês. Eu fico na arquibancada.

Neide tomou as mãos de Yuuri:

— Meu filho, você é o melhor de todos aqui dentro. Confie no seu esforço e a vitória será sua. Deus está sempre do seu lado torcendo por você, não se esqueça.

Yuuri concordava veemente com as gentis palavras que ouvia. Os dois se abraçaram rapidamente.

— Muito obrigado, mesmo.

Yuuri e Victor seguiram seu caminho pela esquerda e se viraram para dar um último aceno para Neide.

 

~~~~~~~~

 

A sala de recepção dos candidatos era uma bagunça.

Não havia nenhum guarda-volumes ou móveis. Era apenas uma sala amarela, de fato, com ar condicionado e alto-falantes embutidos na parede. Muitos participantes faziam alongamentos, outros apenas aguardavam sentados com seus fones de ouvido. Pouquíssimos conversavam – tinham noção que todos ali dentro eram seus rivais. Não havia clima para amistosidades.

Victor auxiliava Yuuri com os alongamentos. Os dois atraíam alguns olhares curiosos porque, afinal de contas, Yuuri era o único da sala com um acompanhante. Talvez alguns tenham reconhecido Victor, mas se o fizeram não comentaram nada. Concentração, concentração. Não havia tempo para se distrair com celebridades no momento.

Yuuri estava nervoso. Bem nervoso. Ele sempre ficava nervoso.

E Victor sabia disso. Por isso havia insistido para que entrasse. Não podia deixar que a ansiedade dominasse Yuuri, senão...

— Senão seus movimentos vão ficar travados – Victor disse segurando uma perna esticada de Yuuri, levantando-a apoiada em seus ombros, até o máximo que ele aguentava.

— Um, dois, três...

Yuuri fazia uma careta feia sentindo seus músculos arderem e se repuxarem.

— Nove, dez. Agora a outra.

— Estou sentindo músculos que nem sabiam que existiam.

— Isso é bom, então. Um, dois...

Terminado o alongamento, Yuuri aquietou-se contra uma parede. Victor o acompanhou, pensando no que poderia fazer para aliviar a tensão do seu aluno.

Uma voz soou das caixas de som da sala.

— Atenção, participantes, a entrada para a quadra está liberada para aquecimento. Vocês têm 30 minutos até o começo da avaliação.

Todos os que aguardavam no local se dirigiram para um corredor de cimento. Do final da reta, uma forte luz era emitida por conta da iluminação da quadra. Ao caminhar pelo corredor era possível avistar uma parte da arquibancada – que estava vazia, a não ser por alguns amigos e familiares que vieram acompanhar a seleção.

O chão do ginásio estava revestido com um piso removível de madeira. Havia uma mesa no canto da quadra com 5 pessoas sentadas, cada uma com um microfone de mesa, cochichando sobre algo. Outros jurados circulavam pela borda da quadra. O som ambiente era de baladas pop, daquelas que costumam tocar nos intervalos de jogos de basquete e vôlei.

Enquanto Yuuri circulava pela quadra em um ligeiro trote, tentando se acostumar com o tamanho do ambiente e a sensação da madeira sob os seus tênis, percebeu que haviam células tracejadas na madeira. “Então temos um espaço máximo pra ser utilizado”, rapidamente raciocinou. O que era sensato, já que com tantas pessoas dançando em um mesmo lugar, inevitavelmente acabariam se esbarrando se não houvesse algum tipo de contenção. Poderiam até usar esse artifício para atrapalhar propositalmente outros competidores.

Arriscou a fazer alguns passos para saber o quão derrapante era aquele piso. Um pé mais solto ou mais preso que o normal poderia fazer a diferença entre o 21º e o 20º. Ele também espiava os números dos candidatos. 38, 96, 127. Quantos eram, afinal?!

Enquanto isso, Victor o observava atentamente da saída do corredor, com o dedo indicador sobre os lábios. Mesmo com todo o trabalho de alongamento, seus movimentos ainda pareciam estranhos.

Yuuri já estava com todo o corpo aquecido quando houve o segundo anúncio.

— Cinco minutos para o começo da avaliação. Peço que os participantes de número 1 a 49 permaneçam em quadra enquanto os demais voltem para as salas de espera.

Salas? Havia mais de uma? Sério, quantas pessoas haviam se inscrito!? Ele jurava que tinha escutado um sotaque mineiro mais cedo...

Ele se reencontrou com Victor na saída do corredor de cimento.

— Conseguiu se aquecer bem?

— Uhum.

— O chão escorrega muito?

— Nem tanto.

— Eu conheço aquele jurado de gravata amarela. Ele é coreógrafo de alguém, só não lembro de quem...

Não houve resposta. Victor estava ficando irritado com o jeito que Yuuri estava o afastando com as palavras, mas mesmo assim resolveu dar espaço ao rapaz. Até porque não sabia exatamente o que fazer no momento. Sua tentativa de puxar assunto tinha sido um fracasso.

A sala de espera estava bem mais vazia que antes, porém não podiam ter o luxo de sentar no chão e correr o risco de deixar o corpo de Yuuri esfriar. De vez em quando Yuuri fazia alguns polichinelos ou apenas pulava no lugar. Ele não conseguia ficar parado.

A música agora estava mais alta que qualquer coisa, mas Yuuri a ouvia de uma forma abafada, como se houvesse algo entupindo seus ouvidos. Estranhou quando olhou pro lado e viu Victor massageando uma de suas orelhas, incomodado com o som alto. O volume não estava tão alto assim, estava?

Yuuri percebeu que não era mais pop que tocava, e sim uma batida genérica de funk. Significava que o primeiro grupo já estava dançando. E o de Yuuri seria o próximo. Oh meu deus ele seria o próximo. Vertigem. Com os olhos fechados, respirou fundo. Soltou a respiração pela boca. Pode sentir algo segurar-lhe pelos ombros. Era Victor.

— Tudo bem?

Era difícil ouvi-lo mesmo com ele estando ali do seu lado.

— Eu só... tô meio nervoso.

Meio. Suas mãos tremiam.

Victor falou algo, mas não conseguiu entender. Pelo jeito que sua boca se mexeu, deduziu que era algo com “Calma”.

“Certo, calma”. Voltou a fazer seu exercício de respiração. Não era a primeira vez que esse tipo de coisa acontecia (e certamente não seria a última).

“Vai passar. Tá passando. Passou. Passou”

A música acabou. Yuuri conseguiu segurar as rédeas bem a tempo, antes que aquele monstro o consumisse por completo. Os competidores voltavam pouco a pouco para a sala onde estavam, suados e ofegantes, se dirigindo diretamente para o corredor principal de onde vieram.

O microfone fez mais um anúncio.

— Por favor, competidores de número 50 a 99, compareçam à quadra imediatamente.

Yuuri sentiu todas as suas entranhas se revirarem. Lutando contra aquela sensação, começou a andar em direção a saída. Mas Victor não o podia deixar entrar em competição naquele estado. Ele chamou pelo nome de Yuuri. Na primeira vez, ele não ouviu. Na segunda, ele se virou atordoado.

— Vire de costas, rapidinho.

Yuuri, confuso, obedeceu.

— Assim?

Victor, então, o abraçou, passando seus braços pela parte superior do torso de Yuuri. Ele deixou escapar um grunhido de surpresa.

— Se apresente com tudo o que tem. Se você conseguir me encantar, você também vai conseguir encantar os jurados. É o que eu sempre digo nos treinos, não é? Basta fazer o que sempre fazemos e tudo vai dar certo.

Yuuri ouvia com atenção.

— A arquibancada está vazia. Todos os competidores estão na mesma situação que você. Não tem porque ter medo.

O olhar de Yuuri, antes refletindo o poço de desespero e ansiedade que gradativamente o dominava, agora se tornara estável, duro, focado. Ele tinha voltado a si. De fato, com Victor ao seu lado, ele não precisava ter medo de nada.

Victor o largou e tirou o seu boné, apenas para colocá-lo de volta sobre os cabelos pretos, porém com a aba para trás.

— Modo de batalha, ativar!

Yuuri gargalhou. Não havia mais nenhuma tensão dentro de si. Ele se virou para encarar Victor.

— Eu vou dar o meu melhor. Prometo - Disse levantando a mão até a altura do queixo, com os punhos cerrados.

Victor concordou com a cabeça respondeu com um cumprimento de soquinho. Com um sorriso, Yuuri se virou e, correndo, se dirigiu até a entrada da quadra. Victor esperou que suas costas sumissem ao horizonte claro a sua frente antes de se direcionar para a arquibancada onde Dona Neide o aguardava. Agora, tudo que ele podia fazer era torcer.

 

~~~~~~~~

 

Não foi difícil encontrar Dona Neide no mar de assentos vazios. Ela estava sentada logo na primeira fileira da arquibancada, o mais próximo possível da quadra.

— Seu Victor, eu não pude me aguentar de tanto nervoso e acabei comprando um cachorro-quente. Tem um pra você também.

E passou um pacote de plástico só com um pão e uma salsicha, acompanhado de 2 sachês de mostarda e ketchup. Victor franziu a testa.

— Pelo preço que cobram aqui poderiam caprichar mais.

Da arquibancada eles identificaram Yuuri pelo boné vermelho. O quadrado que o foi designado estava na outra ponta da quadra. Os juízes passavam por entre os competidores verificando se tudo estava em ordem. Quando todos deram autorização para o começo, um homem da mesa anunciou:

— A seleção começa... agora!

Uma base de funk mesclada com sons de trompete disparou pelo ambiente. O desafio era improvisar o máximo que pudesse com a música. Yuuri e Victor treinaram este tipo de cenário exaustivamente. Desde que Yuuri fizesse seus movimentos de forma limpa, sem pisar nas linhas e com um sorriso no rosto, tudo daria certo.

E ele de fato estava levando tudo muito bem. Acabou optando por uma sequência de passinhos, julgando que era o tipo de dança que se encaixava melhor naquele tipo de batida. Além disso, por serem passos que levavam mais em conta a técnica do que o gingado, era uma ótima forma de causar impressão positiva nos juízes.

Os avaliadores agora circulavam o ginásio com suas pranchetas. Num total de 5, cada um era responsável por avaliar 10 competidores, julgando-os aptos ou não para passar para a próxima fase. Cada avaliador podia escolher somente 1 concorrente para avançar.

O juiz encarregado de avaliar o número setenta e três só precisou de alguns segundos para marcar a aprovação na sua prancheta. Yuuri certamente se destacava dos demais. O paulista ousou dar uma olhada ao redor para ver os outros participantes: como Victor mencionou anteriormente a caminho do ginásio, em sua maioria pareciam bastante despreparados. Muitos não se moviam no ritmo da música e apenas tentavam executar uma sequência de movimentos previamente ensaiada.

Ao final da música, Yuuri tinha a sensação de dever cumprido, mas ainda assim sentia-se inquieto. A dúvida do “e se?” era sempre uma constante em sua mente. Ele procurou por Victor e Neide na plateia e abriu um sorriso envergonhado quando os dois acenaram em sua direção. Yuuri saiu com os outros competidores do seu grupo e logo já estava se sentando ao lado de Victor na arquibancada.

O moreno tirou o boné e limpou o suor da testa com as costas da mão.

— Vocês acham que fui bem?

— É claro que sim! – Victor respondeu animadamente, dando leves tapinhas na coxa de Yuuri.

Os três acompanharam os outros dois grupos que faltavam, fazendo comentários sobre os que mais se destacavam – positivamente e negativamente. Terminada a apresentação, o grupo se dirigiu até o corredor principal novamente para a espera do resultado. Yuuri aproveitou o meio tempo para comprar uma garrafa d’água na lanchonete e quando voltou já pode encontrar a listagem dos candidatos pendurada.

Engoliu em seco. Victor e Neide o encaravam enquanto ele se aproximava.

— E então? – Ele perguntou, com medo de saber a resposta.

— Não sei, veja você...

Yuuri abriu caminho pela pequena aglomeração que se formara ali. 182 candidatos! Certamente era muita gente.

“Setenta e três, setenta e três...” Seus olhos corriam pela lista de nomes escritos em letra pequeninha para economizar folhas.

Quando achou o seu número, por um instante não sabia se queria continuar lendo. Olhou na direção de Victor, que apenas acenou com a cabeça, encorajando-o.

 

73           |             YUURI KATSUKI                |             AP

 

Aprovado! Ele conseguiu passar pra próxima etapa! Agora Yuuri respirava mais aliviado. Suas mãos novamente tremiam de nervoso ao redor da garrafinha, mas diferente da ocasião mais cedo, esta era causada por emoção. Não era hora de se comemorar de verdade, mas não conseguia deixar de se sentir de certa forma realizado: o seu objetivo estava cada vez mais perto. E agora que tinha passado pela primeira grande peneira – e passado bem, diga-se de passagem – podia sentir a confiança crescendo dentro de si.

Ele queria vencer mais que tudo. Ele queria provar que era capaz.

A segunda etapa também não apresentou muitas dificuldades. Os 20 candidatos, obviamente, apresentavam um nível de desafio maior do que o anterior, porém um pequeno grupo claramente se destacava. Yuuri pode sentir 3 toneladas soltarem de seus ombros após achar a sigla de aprovado ao lado do seu nome novamente.

Eram só cinco na sala de espera. Na verdade seis, já que Victor estava lá também. Se antes o clima era pesado, agora podia-se sentir a tensão densa como chumbo pairando no ambiente. Alguém que não soubesse o que estava acontecendo poderia jurar que aqueles homens em breve estariam em uma arena de gladiadores e não em uma competição de dança.

Yuuri era 70% água e 30% adrenalina. Por mais que tentasse se hidratar – já estava na sua terceira garrafinha – sua boca não deixava de estar seca.

Pela última vez, eles ouviram o anúncio pelo alto-falante da sala:

— Finalistas, por favor se dirijam ao ginásio.

Victor e Yuuri trocaram desejos de boa sorte.

— Antes de você ir... Seus lábios estão rachados.

Victor pegou lip balm guardado no bolso da sua jaqueta e passou nos lábios de Yuuri. Eles se abraçaram, com Victor descansando a cabeça nos ombros de Yuuri enquanto este o segurava gentilmente com as mãos atrás do pescoço. Nada precisava ser dito entre os dois para que seus mais sinceros desejos fossem entendidos. Com três tapinhas nas costas, o carioca se afastou e deixou Yuuri seguir o seu caminho pelo corredor de concreto pela última vez naquele dia.

Se juntando mais uma vez a Neide na arquibancada, as poucas pessoas que ainda estavam pelo Maracanãzinho gritavam seus incentivos:

— Vai, Betoooo, meu amor!

— Ô Pedrin, arrebenta essa caralha!

Dona Neide não podia deixar barato:

— Yuuri, quebra tudo!

“É verdade”— Victor pensou – “Não posso deixar que os outros o intimidem”

— YUURI ~!

Foi só ouvir a voz de Victor que ele virou o rosto imediatamente pra arquibancada. O MC fez um coraçãozinho com as mãos, combinando com o seu sorriso bobo do mesmo formato, que o fazia rejuvenescer uns dez anos. O rosto de Yuuri queimava e ele respondeu apenas com um aceno.

— Ei, essa voz, esse cabelo... Aquele ali não é o MC Dois L?

Oops. Finalmente haviam descoberto sua identidade. Victor tinha certeza que alguém estava tirando fotos suas e de Yuuri. Logo estariam por toda a internet... Não era algo que ele poderia esconder por muito mais tempo também.

A música da final da seleção não era uma batida genérica como as outras. Era um funk que serviu de trilha sonora para uma famosíssima novela brasileira. A apresentação, agora, se assemelhava muito ao perfil da competição real do Rei do Baile. Se alguém iria ser escolhido para a semifinal, os jurados precisavam saber do potencial de cada um para a competição de verdade.

Era tudo ou nada. Yuuri precisava dar o melhor de si se quisesse ser eleito. E felizmente aquele era o tipo de música que ele conseguia brilhar mais que qualquer um.

 

Ela desce, desce, desce, gosta de ir até o chão

Ela fica me olhando com o dedo da boca descendo no chão

 

Yuuri estava literalmente interpretando a letra da música. Victor, pela primeira vez desde aquela festa, pode vislumbrar o magnetismo de Yuuri. Ninguém no complexo esportivo conseguia tirar os olhos dele.

Jogava o corpo de um lado pro outro exatamente como Victor havia ensinado. A escolha da bermuda branca foi uma ótima ideia, pois o branco dava o realce perfeito a suas curvas.

Dois L precisou se segurar no assento de plástico quando Yuuri quase pisou na maldita linha tracejada. E assim permaneceu até o final da apresentação, completamente mesmerizado pelos movimentos do dançarino. Yuuri não parecia ter nenhum osso sobrando nos quadris e ainda fazia caretas pros juízes, praticamente os convidando para sua dança. Victor estava convicto de que se fosse ele ali naquela mesa, já teria perdido a razão há muito tempo.

— Ele rebola mais que muita mulher, né, seu Victor?

— Mais do que qualquer um – Ele disse sem tirar os olhos um segundo sequer de Yuuri.

O final da música foi seguido de aplausos. Nem Victor fazia ideia de como os outros competidores haviam se saído. Ele foi tomado completamente pelo efeito da “visão de túnel”, como se o mundo ao redor tivesse desaparecido e só houvesse uma pessoa brilhando no centro da escuridão.

Os participantes agradeceram os aplausos e aguardavam os juízes contarem os seus votos. Eles estavam reunidos na longa mesa logo em frente aos 5 concorrentes, passando os papéis de um lado para o outro. Não demorou muito para que entrassem em um acordo.

— Senhoras e senhores – o homem de gravata amarela começou a anunciar - a banca avaliadora escolheu o vencedor.

O coração de Yuuri batia tão forte que podia sentir seus batimentos pulsando em seus ouvidos. Neide rezava o mais rápido que conseguia. Victor tampava os olhos com as mãos porque, afinal, o que os olhos não veem o coração não sente – mas escuta da mesma forma.

— O vencedor da etapa de seleção do Rio de Janeiro para o Rei do Baile de 2017 é...

A tensão no ginásio só crescia.

— ... Número setenta e três, Yuuri Katsuki!

Victor e Dona Neide gritaram, se levantaram num salto e se abraçaram. Yuuri simplesmente desabou em seus joelhos na quadra. Ele estava dentro! Ele ia pra semifinal! Ele foi o melhor entre 182 participantes! Podia sentir as lágrimas se formando no canto dos olhos.

Victor precisava encontrá-lo, precisava alcançá-lo o quanto antes. Dona Neide tentou impedi-lo, mas era tarde demais: Victor saiu correndo e pulou a mureta que separava a arquibancada da quadra.

— Yuuri!

Ele se pôs de pé novamente.

— Victor!

Eles corriam na direção um do outro. Yuuri se jogou na direção de Victor, esperando que este o segurasse, mas ao invés disso seu técnico acabou, no reflexo, se desviando para o lado.

— Opa, cuidado com todo esse suor aí!

Yuuri deu praticamente de barriga no chão e ficou estatelado assim por algum tempo tentando entender o que havia acontecido.

— Victor, por que você fez isso? – Yuuri resmungou enquanto esfregava a parte da barriga que tinha batido com toda a força no chão.

— Me desculpa, foi sem querer, foi sem querer!

O carioca dessa vez o abraçou, apertando o corpo de Yuuri muito forte contra o seu.

— Eu estou tão feliz por você e pelo seu desempenho! – Ele esfregava sua bochecha na do seu aluno. Yuuri parecia estar em outro plano ainda sentindo a dor do impacto.

O homem de gravata amarela, que Victor dizia conhecer de algum lugar, se aproximou dos dois.

— Dois L, huh? Eu sabia que isso devia ter dedo seu.

E então ele o reconheceu: era Masumi, o coreógrafo do Chris, atual campeão do Rei do Baile.

— Se você pode treinar um competidor, por que eu não poderia?

Os dois trocavam faíscas com o olhar.

— Faça como quiser. Mas saiba que esse ano não estamos de brincadeira. O título vai ser nosso novamente.

— É o que veremos.

E passou de forma fria e indiferente pelos dois até a saída do ginásio.

 

~~~~~~~~

 

Yuuri precisou ir até a emissora de TV para gravar uma rápida entrevista que usariam para promover o evento do Rei do Baile, tanto na internet quanto nos comerciais televisivos.

E é claro que perguntariam sobre o seu técnico.

— Supostas fotos suas com o MC Dois L no Maracanãzinho estão rodando a internet e as pessoas não param de comentar sobre isso. Elas são verdadeiras? Vocês estão treinando juntos?

Yuuri respirou fundo antes de dar sua resposta.

— Sim, elas são verdadeiras e sim, o Vic- digo, o MC Dois L está me ajudando com as coreografias.

— E o que você pode dizer aos espectadores que irão assistir sua apresentação no final de semana? O que eles podem esperar?

— Nós dois colocamos toda nossa paixão em jogo. Dois L foi quem me ajudou a perceber todo esse sentimento, então eu espero que o público consiga captar exatamente o que sinto e quero transmitir.

— Você está falando... de amor?

Yuuri, um pouco envergonhado, coçou a cabeça.

— Sabe, eu sempre achei que estava lutando sozinho. Mas desde que Dois L apareceu como meu coreógrafo, eu vi algo diferente. O amor que falo não é algo definitivo como amor romântico, é algo mais abstrato. Algo que sinto por ele, pela minha família, pelos meus amigos e pela dança também. Não tenho palavras certas para descrever o que sinto, mas se precisasse escolher alguma, seria amor.

— Essa é sua principal motivação para a semifinal?

— Sim! Agora que entendo o que é amor e como sou mais forte com ele, eu vou conquistar o título do Rei do Baile custe o que custar!

Da primeira vez que Victor viu o comercial, ele não podia acreditar.

De todas as roupas possíveis, Yuuri tinha que ter escolhido justamente aquela polo horrorosa?

— Quando você sair do banho vamos precisar ter uma conversa a respeito do futuro dessa camisa... Talvez seja melhor queimá-la – Victor falou consigo mesmo enquanto desligava a TV e se espreguiçava no sofá.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Para aqueles que não estejam sabendo, Masumi é aquele cara misterioso que aparece na casa do Chris lá pelos últimos episódios. O fandom assume que eles são namorados kkkk e sinceramente eu também shippo. Recentemente, no evento de Yuri!!! on Ice que teve no Japão em fevereiro/17, Kubo afirmou que não havia pensado propriamente num nome pra ele, mas o chamou de "Masumi-san" por ser muito parecido com o personagem Masumi de Glass no Kamen. Acabei adotando o nome na fic também!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rei do Baile 2017" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.