Coroa de Vidro escrita por Sof1A


Capítulo 7
Sete


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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          Exatamente às três horas e meia Lady Blonos nos deixa ir, meu corpo inteiro lateja por causa dos exercícios para a postura, ela nos ensinou até como dormir.  A professora quis enfiar as regras da corte em nossas cabeças; nos encher de nomes, alguns que eu já conhecia, protocolos e etiquetas. Nas últimas horas, fiz um intensivo de toda e qualquer coisa que devo saber. Passamos pelos protocolos por cima, mas agora pelo menos posso ir ao evento idiota da rainha com alguma ideia de como me comportar.

          Quando passamos pelas portas que levam ao Terraço de Vidro sinto uma brisa revigorante, a primeira vez que fico ao ar livre depois de me tornar Kerenna, depois de minha vida virar de cabeça para baixo.

           O Terraço de Vidro é tão decorado que chega a irritar. Um dossel de vidro, sustentado por colunas claras e engenhosamente projetadas, estende-se sobre nós e divide a luz do sol em milhões de cores dançantes que combinam com as cores das mulheres circulando pelo local. É artificialmente belo, como tudo neste mundo prateado. 

           Abro a boca para dizer alguma coisa à Mare, mas antes mesmo de algum som sair de minha boca duas moças surgem em nossa frente. Uma delas é da Casa Iral, silfos, seu vestido é azul escuro e vermelho. A outra é uma sombria da casa Haven com seu vestido preto básico, diferente de tudo nesse lugar super-extravagante.

          — Lady Kerenna, Lady Mareena — saúdam as duas em uníssono. Eu e Mare acenamos com a cabeça da mesma forma que aprendemos hoje na aula com Lady Blonos.

          — Meu nome é Sonya, da Casa Iral — ela levanta a cabeça com orgulho. Seus movimentos são precisos e ágeis como os de um gato. Silfos, são ágeis, rápidos e discretos, perfeitos espiões.

          — E eu sou Elane, da Casa Haven — complementa a outra, quase num sussurro. Enquanto Sonya é uma morena bronzeada, Elane é pálida e tem cabelo ruivo cacheado. Elane parece radiar, manipuladora de luz... é claro que ela manipula a luz ao seu redor para fazer seu corpo brilhar — Queremos lhe dar as boas-vindas.

          Seus olhos cerrados e sorrisos afiados não são nada acolhedores. Credo, esse povo parece pronto pra te matar. Tento afastar esse pensamento de minha mente e me focar na conversa com as duas moças. Qualquer deslize e... 

          Mare limpa a garganta com uma tosse que ela tenta disfarçar. As duas não deixam isso passar e se entreolham.

          — As duas participaram da Prova Real? — Digo, na esperança de tirar a atenção delas de Mare. 

          — Sim. Mas não tivemos a mesma sorte de vocês duas — A pergunta pareceu irritar elas. Sonya cruzou os braços, deixando a mostra suas unhas afiadas metálicas.

          — Não tinha a intenção de... 

         — Ainda não conhecemos suas intenções — ronrona Sonya, a mulher-gato em pessoa. Ela se volta para trás, estralando os dedos e assim fazendo meu corpo tremer — Vovó, venha conhecer Lady Mareena e Lady Kerenna. 

          Quase solto um suspiro de alívio à espera da senhora bondosa que se arrastará até nós para me salvar das presas das garotas. Em vão.

           Em vez de uma velha enrugada, deparo com uma mulher formidável, feita de sombras e aço. A pele cor de café como Sonya, seus cabelos também pretos já apresentam algumas mechas brancas. Apesar da idade, seus olhos castanhos são repletos de vida.

           — Ladys, esta é minha avó, Lady Ara, chefe da Casa Iral — explica a neta com seu sorrisinho afiado. A anciã me encara com um olhar penetrante pior do que qualquer câmera.


          — Talvez vocês a conheçam como Pantera — completa Sonya.


         — Pantera? Não...


         Mas Sonya continua falando. Parece se divertir com nossa agitação.


         — Muitos anos atrás, quando a guerra ficou menos intensa, os agentes de inteligência se tornaram mais importantes que os soldados. E a Pantera foi a melhor agente de todos.


        Uma espiã. Estou diante de uma espiã. Que incrível!


        Abro um sorriso, nunca vi um espião em minha vida, só nos filmes e séries. Até esqueço que qualquer deslize com ela pode levar a minha morte.


        — É um prazer conhecê-la, Lady Ara.


       Ara simplesmente inclina a cabeça.


      — Conheci seu pai, Mareena. E sua mãe.


      — Sinto tanto a falta deles — respondo na tentativa de acalmá-la.


      Pantera inclina a cabeça para o lado. Parece perplexa. Por um segundo, sou capaz de ver milhares de segredos de guerra, conquistados a custo, desfilarem nos seus olhos.


      — Você lembra deles? — ela pergunta, sondando minha vida.


     Minha voz falha, mas tenho que continuar a conversa, a mentira.


      — Não, mas sinto falta de ter pais — Mare sou disfarçar muito bem, embora a Viuva Negra aqui não aparente estar convencida.


      — Queria que estivessem aqui para me ajudar a entender tudo isto — completa.


      — Hum — a velha rumina, me examinando mais uma vez. Sua desconfiança me assusta, só posso imaginar como Mare está se sentindo. — Seu pai tinha olhos azuis, assim como sua mãe.


      E os seus são castanhos.

     — Sou diferente em tantas coisas. Muitas ainda não entendo.


     É tudo o que ela diz. Espero que essa explicação seja suficiente para ela. Mas a voz da rainha nos salva.

     — Que tal sentarmos, senhoras? — ela diz, sobressaindo à multidão.

     Isso basta para que eu escape de Lady Ara, Sonya e da discreta Elane e escolha um assento onde possa tomar um ar sozinha com Mare.


     Quando a hora da aula se aproxima, começo a me sentir calma de novo. Tratei todas de maneira adequada e só falei o necessário, como me recomendaram. Evangeline falou o suficiente por nós três, regalando as mulheres com seu "amor eterno" por Cal e a honra de ser escolhida. Apenas a avó Iral e Sonya pareciam se importar com minha presença e a de Mare, embora não continuassem o interrogatório.

      Quando Maven surge no canto do terraço, estou tão orgulhosa de ter sobrevivido ao almoço que nem me incomodo tanto com sua presença. Sorrindo, ele se aproxima com alguns passos largos.

     — Sobreviveram? — pergunta.

     — Vocês deviam mandar Lady Iral de volta para a batalha. Lakeland ia se render numa semana — brinco.

     Ele força uma gargalhada sem vida.


     — Essa aí é um tanque de guerra. Não consigo entender por que não trabalha mais. Ela perguntou alguma coisa para vocês?

     — Ela praticamente me interrogou. Acho que está com raiva por eu ter ganhado da neta — Responde Mare. Um lampejo de medo brilha no olhar de Maven. Entendo o motivo. Se a Pantera farejar uma pista...

     — Ela não vai mais incomodar você — ele murmura. — Vou informar minha mãe. Ela tomará conta disso. 


     — Obrigada... vai ser de grande ajuda.

     Maven já não está mais de uniforme. O traje militar deu lugar a roupas informais feitas para a ocasião. Ver finalmente alguém tão casual me tranquiliza um pouco. Mas não posso me consolar com nada que tenha a ver com ele. Ele é um traidor. Não posso me esquecer disso.

     — Você está livre durante o resto do dia? — ele pergunta apenas a Mare, com uma expressão mais leve e um sorriso ansioso. — Posso mostrar o palácio se quiser.

     — Não. — Seu sorriso desaparece assim que a palavra sai da boca de Mare — Temos aula depois — acrescenta na esperança de diminuir a decepção — E sua mãe é louca pelos horários.

     — Ela é mesmo. Bem, não vou mais incomodar.

     Ele toma a mão de Mare se despedindo dela. Em seguida ele olha para mim, repetindo a mesma coisa. Suas mãos não são frias como eu imaginei, estavam mornas. Um calor agradável, agradável até demais. 

     Lucas nos dá uns instantes para nos recuperarmos antes de comentar:

     — Sabe, a gente chegaria lá mais rápido se você se movesse de verdade.


     — Calado, Lucas. — Rebate Mare.

****

     Julian nos espera em uma sala cheia de livros do chão ao teto, tudo o que uma leitora como eu gostaria de ter em casa. Alguns parecem antigos, me pergunto se nessa dimensão também existem os clássicos que existem na minha, como Orgulho e Preconceito, Jane Eyre ou se eles consideram J.K. Rolling e Rick Riordan autores clássicos.

     Além dos livros as paredes também possuem mapas. Mapas tão antigos mas tão conhecidos por mim. Havia até me esquecido que A Rainha Vermelha se passa no futuro, porém em outra dimensão. Um grande mapa com o dobro de meu tamanho é o mais chama a atenção na sala, Mare parece intrigada com tudo aquilo, para mim é como estar mais perto de casa. 

    — É estranho olhar para o mundo como era antes — diz Julian, saindo de trás das pilhas de livros. Sua túnica amarela, manchada e desbotada pelo tempo. — Consegue adivinhar onde estamos?

    — Posso tentar — diz Mare. Eu me lembro dos mapas feitos pela autora na minha dimensão, mas se eles são correspondentes à Norta de verdade eu não sei. Depois de um minuto de procura Mare aponta para um lugar próximo de um rio.

    — Aqui — Julian assente e Mare parece aliviada. 

    — E a senhorita? — quando percebo que ele está falando comigo sinto um frio correr pelo meu corpo. Espero que os mapas da Victoria estejam certos — Reconhece algum lugar?

    — Archeon fica ali. E Delphie ali — aponto no mapa os locais que eu lembro de ter visto nos mapas da internet. Para minha surpresa e alívio Julian sorri.

    — Por que ninguém nos observa?

    Ele apenas pisca para Mare.


    — Há uma diferença na minha aula — ele murmura. 

    — O quê?


    — Mare, estou aqui para ensinar a vocês sua história, para ensiná-las a serem prateadas e serem, hum, úteis — diz, com uma expressão amarga. — Mas também vou tentar compreender exatamente como vocês existem e como seus poderes funcionam.

    — Meus poderes funcionam porque... porque sou prateada. Os poderes dos meus pais se misturaram: meu pai era oblívio e minha mãe tempestuosa — gagueja a explicação que Elara nos ensinou. — Sou prateada, senhor 

    Julian nega com a cabeça, ele é diferente do que eu imaginava, mais novo e com menos cara de pessoa que não sai da biblioteca.


    — Não, você não é, Mare Barrow, e jamais pode esquecer isso — Mare gela ao ouvir isso, eu permaneço calma pois sei que posso confiar nele. 

    — Isso não é necessário. Não tenho planos de avisar ninguém sobre sua ascendência. 

    — Por quê? O que quer de nós duas?

    — Sou, acima de tudo, um homem curioso. Vocês entraram na Prova Real como criadas vermelhas e sairam como nobres prateadas perdidas. Tenho que dizer que fiquei bastante curioso.


    — É por isso que não há câmeras aqui? — dispara enquanto da um passo para trás. — Para que não existam registros de você me examinando? 

    Eu não consigo me segurar e solto uma risada. Os dois se viram para mim e eu levo minha mão rapidamente até minha boca. Agora vou ter que dizer alguma coisa.

    — Mare. Eu acho que podemos confiar nele, não é mesmo Julian?

    — Isso mesmo eu estou aqui para ajudá-las — Ele olha para Mare quando diz isso, mas logo se volta para mim novamente com uma expressão confusa no rosto — Como sabe meu nome? Eu não me lembro de ter dito. 

    — Não disse? Quer dizer... — eu paro e penso por um segundo, e a coisa mais ridícula me veio à cabeça — Se eu disser que posso ler mentes... 

    Julian me olha fascinado, ele acreditou. Mas sei que essa não é uma desculpa permanente. Para minha alegria ele volta sua atenção a Mare que ainda parece desconfiada.

    — Não há câmeras aqui porque tenho o poder de desligá-las, Mare.

    — E que poder é esse? — pergunto, trêmula. Talvez ele seja como eu.

    — Mare, quando um prateado diz "poder", quer dizer "autoridade". Embora poder também tenha a ver com todas essas bobagens que fazemos.

    — O que quero dizer — ele prossegue — é que minha irmã já foi rainha, e que isso ainda tem algum valor por aqui.

    — Lady Blonos não me ensinou isso.

    Ele ri sozinho.


    — Isso é porque Lady Blonos está lhe ensinando baboseiras. Jamais farei isso.

    — Então, se a rainha era sua irmã, você é...


    — Julian Jacos, como sua amiga já disse, ao seu dispor — ele faz uma reverência cômica — Chefe da Casa Jacos, herdeiro de nada além de um punhado de livros velhos. Minha irmã era a falecida rainha Coriane, e o príncipe Tiberias VII, que chamamos de Cal, é meu sobrinho.

    — Então você não vai me transformar em alguma experiência científica esquisita para a rainha? 

    Em vez de ficar ofendido, Julian gargalha alto.


    — Minha cara, a única coisa que a rainha quer é que você desapareça. Descobrir o que você é e ajudá-la a entender é a última coisa em que ela pensa.

    — Mas você vai fazer isso mesmo assim? — Digo, mais como uma afirmação do que uma pergunta.


    Algo brilha em seus olhos, algo como ódio.

    — A influência da rainha não é tão abrangente como ela quer que vocês pensem. Quero saber o que vocês são, e tenho certeza de que vocês desejam o mesmo.
    — Sim. — Respondemos em coro.


    — Foi o que pensei — diz, sorrindo. — Sinto muito em informar, porém, que terei de fazer o que me pediram: prepará-las para o dia da sua apresentação ao mundo.

    — Eles querem nos usar para acabar com a rebelião. De algum jeito — Observo, pensativa.

    — Sim. Meu caro cunhado e sua rainha creem que vocês podem fazer isso, se usadas adequadamente — ele confirma amargurado.


    — É uma ideia idiota e impossível. Não serei capaz de fazer nada e então... — A voz de Mare desaparece. Ela pensa que eles vão nos matar. E eles vão.

    Julian segue a linha de raciocínio de Mare.


    — Está errada, Mare. Não compreende o poder que possui agora, quantas coisas pode controlar.

    Ele faz uma pausa para levar as mãos atrás das costas de um jeito estranho.


    — A Guarda Escarlate — retoma — é drástica demais, muito, muito rápida. Mas vocês são a mudança controlada, do tipo em que as pessoas podem confiar. Vocês são a chama lenta que pode dissipar uma revolução com um punhado de discursos e sorrisos. Vocês podem falar aos vermelhos, dizer-lhes quão nobres, benevolentes e corretos são os prateados. Vocês podem convencer seu povo a voltar para os grilhões. Mesmo os prateados que questionam o rei, aqueles que têm dúvidas, podem ser convencidos por vocês. E o mundo permanecerá igual.

    — E você não quer isso? Você é prateado. Tem que odiar a Guarda e... me odiar.


    — Pensar que todos os prateados são maus é tão errado quanto pensar que todos os vermelhos são inferiores — ele rebate com a voz grave. Minha frase favorita do livro. — O que meu povo vem fazendo com você e seu povo é uma ofensa aos fundamentos da humanidade. Oprimir e aprisionar os vermelhos num círculo perpétuo de pobreza e morte, apenas por pensarmos que vocês são diferentes de nós? Não é certo. E como todos que conhecem história podem lhe contar, termina em desastre.

    — Mas somos diferentes. Não somos iguais.

    — Estou diante da prova de que você está errada.

    — Vai deixar que eu prove que está errada, Mare?

    — Pra quê? Nada vai mudar.

    Julian suspira enfadado. Passa a mão pelos cabelos castanhos e escassos.


    — Por centenas de anos os prateados caminharam sobre a terra como deuses de carne e osso, ao passo que os vermelhos não passam de escravos sob seus pés. Até vocês aparecerem. Se isso não é uma mudança, não sei o que é.

Ele pode me ajudar com meus poderes. Só agora me toco dessa possibilidade, não serei a Elsa trancada no quarto. 

    — E o que fazemos, então? — Pergunto, determinada. 

N/A:


Eu não gosto muito de fazer notas aqui no wattpad mas dessa vez é preciso. 

Primeiro queria pedir desculpas por demorar tanto para postar, esses últimos dias foram mais corridos do que eu esperava. 

Segundo, queria dizer que minha frequência de posts vai cair um pouco, principalmente por que começaram os trabalhos da escola e eu não terei tanto tempo para escrever.

Terceiro, queria muito agradecer a você que lê, vota e comenta. É você quem me motiva a continuar escrevendo. Muito obrigada.

Quarto, obrigada se você leu até aqui e espero que vocês possam entender.

Beijos ♥

Até o próximo capítulo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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