007 Contra o Fim do Mundo escrita por Junovic


Capítulo 6
Ligações perigosas


Notas iniciais do capítulo

M vai em busca de respostas, encontrando-se com um ex-rival disposto a lhe dar informações. O que ele descobre é uma estranha relação entre corporações e a dizimada Quantum.



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James Bond ficaria pelo menos mais uma semana no hospital. Na realidade, enquanto estivesse internado, ele se chamaria David Owen, um auxiliar administrado de uma empresa de médio porte, especializada na venda de papel para escritórios da região central de Londres.

Portanto, a investigação chegara à sua fração mais burocrática, sendo o momento em que M deveria agir e encontrar uma unidade que reunida às demais peças formariam o todo.

Dessa forma, em mais um tradicional dia nublado e sem sol na capital britânica, M apressou-se para chegar o quanto antes no Hyde Park e sentar-se no banco combinado com sua fonte.

Era realmente um risco encontrar-se ali e ainda mais com o tal informante que lhe garantiu informações seguras. Mas não havia outro local mais adequado para o encontro, uma vez que lugares fechados, e até mesmo a casa de M, poderia ser facilmente invadida ou grampeada. No Hyde Park, ao menos, uma possível troca de tiros ou uma perseguição chamaria atenção de transeuntes.

Como se isso realmente importasse, agora, pensou M. Os tabloides pouco exploraram o acidente que culminou em um carro afundado dentro do Rio Tâmisa: encerraram o caso com uma manchete — que mais parecia uma nota de rodapé — explicando que um motorista bêbado perdera o controle do volante, mas, para o bem dos cidadãos, ele havia falecido no ato.

Sobre as mortes de hackers e ex-agentes do MI6 nada se falava. Por outro lado, diariamente as primeiras capas do The Sun, Daily Mail ou do The Daily Telegraph exaltavam a autoridade do Primeiro Ministro e listavam os benefícios de uma nova sessão de inteligência integrada com os EUA e França, como a anulação de planos terroristas não só em território britânico, mas em toda a Europa.

Nessas mesmas reportagens — por vezes tais opiniões eram publicadas no editorial desses jornais — encontravam-se críticas sarcásticas contra o antigo MI6 e seus líderes (M, nas últimas semanas, virara o alvo principal. Por outro lado emissoras como a Sky News e BBC, diziam que esses meios “batiam em cachorro morto, em cego”, afirmando que M era apenas o relações públicas do MI6 e se não se podia afirmar que ele estava preso pela burocracia do sistema, era porque, constatavam, ele estava abraçado com ela) e repetidos tópicos sobre os erros cometidos pela organização e as milhões de libras que eram gastas para que agentes nada secretos saíssem por aí explodindo prédios e casas noturnas.

M lia um desses jornais, quando um homem de sobretudo escuro sentou-se ao seu lado. Ele esperara por um sinal, mas não estava tão certo se realmente funcionaria.

— Sabe os resultados da Premier League? — perguntou o homem, quase sem abrir a boca.

M fingiu ler a sessão de esporte e com pouca emoção anunciou.

— O United perdeu mais uma e eu continuo não confiando na defesa do Liverpool.

O homem abaixou a gola de seu sobretudo, revelando-se.

— Ao menos o Liverpool não depende de um único jogador no ataque. O Wayne é eterno?

C era a única chance de M descobrir ao menos a superfície dos planos do Ministro. Por anos ele fora seu rival no MI6, mas ao ser relegado a um cargo muito menor do que a atual função de M, eles acabaram, pela primeira vez, unindo-se em uma única causa.

— Servindo muitos cafezinhos aos poderosos, C? — ironizou.

— Ao menos eu ainda tenho o mínimo de contato com alguns deles, não é? E você, lidando com os aprendizes?

— Aprendizes que roubaram nossos cargos, lembre-se...

— Não é tão simples ignorar esse fato.

Várias pessoas vestindo trajes sociais passavam pelos dois homens sentados no banco. Os assalariados de bancos e grandes empresas, que cortavam caminho por dentro do parque para não se atrasarem. Por vezes, a intervalos, um grupo ou pessoas solitárias, cruzavam a visão de C e M, correndo com shorts que deixavam à mostra seus joelhos.

— Quais são as novidades, C?

— Estou pensando em começar a academia. Ando sentido uma dor nas costas, ultimamente.

— Falo das novidades do Primeiro Ministro...

— Bem, nenhuma. Inaugurando calçadas, cortando gastos públicos, assinando novos acordos com corporações...

— Nada que não tenha sido omitido pelo The Sun.

— Como se fosse uma grande novidade que nosso país está entregue às grandes empresas, M.

Os dois homens não se olhavam, apreciavam a tranquilidade do Hyde Park, como se estivessem a quilômetros de Londres.

— Acordos como esse são assinados todos os dias, concedendo até nossos traseiros para serem monetizados — continuou C.

— “Acordos como esse”, C?

— Pavimentaram o paraíso e fizeram dele um estacionamento, M.

— Estão vendendo nossas árvores?

C soltara uma risadinha debochada, balançando a cabeça com desdém.

— Privatizaram nosso céu, M.

— Daqui a pouco pagaremos pelo ar que respiramos.

— Agora uma empresa controla os radares que monitoram os voos e todos os OVNIS que cruzam os céus do Reino Unido.

M ajeitara-se, incômodo, ao passo que tentava não demonstrar a comichão que nascia dentro de si com a informação.

— Mas não se preocupe, essa empresa prestará contas ao Estado.

— Como se fosse do interesse do Rei Bolacha...

C olhara pela primeira vez para M, que ignorava seu espanto.

— Era assim que chamavam o Ministro na sua sessão?

M continuara em silêncio, mas em seus lábios surgira o que poderia ser um meio-sorriso.

Vendo o sorriso canastra de M, C repetira sua risada irônica.

— Dávamos apelidos muito piores para você e sua corja — falou.

— Nos referíamos a você com um nome especial, também, C. Não que isso venha ao caso agora.

Os dois permaneceram em silêncio por longos segundos, silêncio esse interrompido apenas por risadas distantes de crianças brincando pelo Hyde Park.

— Por que deveria considerar essa informação importante, C? — retomou M.

— Terceiros vão controlar o nosso céu, M. Primeiro americanos intrusos na nossa inteligência, agora quem sabe quem é que pode apertar o botão e abater nossas naves?

— Corporações sempre controlaram nosso país. Você mesmo me disse isso.

— Não nesse nível de profundidade. Estão se introduzindo no funcionamento básico de nossa soberania. Em breve estarão sentados ao nosso lado, vendo TV com nossa família.

— A TV já é uma forma de controle bem útil, C. E agradável, por que não? Soube que você era um espectador ávido do Downton Abbey.

— Não se ignora uma série com a Dama Smith no elenco, M.

— Não te culpo — M finalmente virara-se para encarar C — Qual o nome da empresa responsável pelos radares aéreos?

C pousou seus olhos na expressão de M e displicentemente fingira que uma corredora chamara sua atenção, seguindo-a com a cabeça, até ela desaparecer na curva da trilha.

— Toda informação tem seu preço, M — falou, suas palavras carregadas de significados.

— Não tenho dinheiro. Você deveria saber disso — replicou M.

— O que está tramando?

M continuou a encará-lo, esperando o suficiente para C revelar suas reais intenções.

— Sei que Bond terminou no fundo do Tâmisa ao cumprir uma missão para você. E sei também que ele esteve em Peckham no mesmo dia. Os mercenários que o seguiu avisaram o departamento.

M ouvia atentamente C, ora ou outra confirmando a informação com pequenos movimentos com a cabeça.

— Ah, e o mais importante: Steve Moses estava com ele e acabou morto. Sei da relevância das informações que ele poderia lhe passar, M.

— Quem mais sabe disso?

— Todos. O que eles não sabem é o que M e sua turma esperavam tirar de um idoso senil.

— Idoso senil que estava na lista dos que deveriam ser morto — replicou M, com astúcia.

— Eles sabem que você está tramando algo, M. Vai mesmo voltar para seus estagiários?

M arrumou-se novamente no banco, cruzando suas pernas.

— Darei o benefício da dúvida a eles. Sempre soube das intenções do Ministro ao aceitar o cargo, C.

— Você dará o benefício da dúvida ou eles lhe farão pensar que você está com tudo sob controle?

— E não está? — perguntou M, com simplicidade.

Não havia mais nada a ser dito. O céu escurecera consideravelmente, como se não fosse apenas a hora do almoço. Agora os engravatados andavam pelo parque comendo seus lanches, despreocupados.

— Heydrich Corporate Industries — disse C — É a matriz, mas acredito que seja mais conhecida pelas suas subsidiárias. Normalmente elas mudam de nome visando o mercado local de outros países. A verdade é que relacionar a Heydrich com os negócios feitos ao redor do globo é bem difícil.

Com um movimento com a cabeça, M agradeceu C, até mesmo lamentando o fato de não confiar inteiramente nele para lhe contar detalhes de seu plano.

C repetiu o gesto e levantou-se, afastando-se do banco, deixando M sozinho.

Só quando C sumira de seu campo de visão, M recomeçara a falar.

— Anotou tudo?

Ele poderia está falando sozinho, mas a verdade é que o ponto em seu ouvido lhe incomodava desde o momento que saíra de casa. Mais incômodo ainda era tentar fazer que C não o notasse.

Heydrich Corporate Industries — começou Q — Faz tratos com governos do mundo inteiro. Em 1997, uma de suas subsidiárias fora levada a julgamento na Suprema Corte Britânica, acusada por formação de truste e cartel. Foi inocentada; e o melhor de tudo: o governo nunca ligou essa subsidiária à matriz Heydrich, que mais parece um fantasma no meio corporativo.

— Quando o dinheiro é muito quem se preocuparia com a sua fonte? — comentou M — Consegue identificar alguns de seus acionistas?

A Heydrich assumiu o monitoramento dos radares aéreos do Reino Unido através da Monitor Air, seu principal acionista é mais conhecido como Mr. White.

M recebeu a informação com um sobressalto. Não imaginava ouvir falar desse nome tão cedo.

— Mr. White? Responsável pela Quantum? A Quantum que dizimamos pessoalmente? — perguntou M, chocado.

Ele mesmo. A verdade é que nunca conseguimos liga-lo formalmente a Quantum — respondeu Q.

— Só não acreditava que ele seria capaz de voltar aos negócios no Reino Unido.

Não creio que pessoas como Mr. White sigam algum código de ética — replicou Q, irônico.

— Teremos que nos encontrar, Q. Descubra mais sobre o relacionamento de White com a Heydrich e finalize o relatório sobre a organização da SPECTRE.

Tanner me informou que já concluiu, M. Poderemos nos ver essa noite.

— Vai me revelar sua caverna, Q? — perguntou M, arrumando o ponto em seu ouvido.

Sim. Mas não espere sair vivo daqui, M.

— Avisarei Moneypenny — concluiu, finalizando a ligação.


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