007 Contra o Fim do Mundo escrita por Junovic


Capítulo 5
Alguma coisa lá no fundo


Notas iniciais do capítulo

Após escapar das águas do rio Tâmisa, Bond parece ainda mais descrente com o caminho que a investigação poderá tomar.

Agentes e hackers são mortos e inocentes não escampam das garras dos mercenários do Primeiro Ministro. M decide estudar os mecanismos da SPECTRE.



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James Bond subia um morro repleto de pedras com ervas daninhas e flores que espalhavam seu cheiro com a ajuda do forte vento da tarde.

A brisa batia em seu rosto violentamente, fazendo-o encolher-se em seu grosso casaco. Suas botas estavam sujas de lama e suas pernas doíam, implorando para uma pausa. Ouvindo sua dor, ele parara, olhando ao redor.

Estava rodeado por uma região repleta de penhascos que cercavam o mar. As paredes das montanhas recebiam o impacto das ondas que avançavam ameaçadoramente sobre as pedras lá embaixo. Era uma região isolada, o céu parecia próximo e imenso demais, com suas nuvens carregadas e o sol que espreitava por entre elas, sua luz fraca e esbranquiçada.

Bond recomeçou a andar e ao sentir as primeiras gotas da chuva, colocara o capuz de seu casaco impermeável. Em determinado trecho, o aclive ficava ainda mais íngreme, obrigando-o a usar todos os músculos de suas pernas. Quando finalmente conseguiu chegar à parte mais alta, sentiu o barulho das ondas quebrando mais distante e no seu peito um peso muito grande que dificultava a respiração.

Ao tentar regular a respiração, Bond deixara de notar a presença de uma pessoa a alguns metros de onde parara. Ela vestia uma capa de chuva grossa, era muito baixa e corpulenta; de perfil, Bond conseguia ver seu fino e avantajado nariz e uma mecha de cabelo que saltava para fora do capuz que usava.

Bond aproximou-se.

— Há cem mil anos atrás tudo aqui era deserto — disse a senhora, olhando para o mar e as gaivotas que voavam em círculos pelos rochedos — Não havia mar ou pedras. Tudo era plano e silencioso.

— E depois? — perguntou Bond.

— Depois... — Com os lábios entreabertos, ela começou a imitar o barulho suave do vento — As coisas mudaram e o vento trouxe a violência do mar.

Ela olhara para Bond e recomeçara a imitar o vento, suavemente, até que gradativamente fora intensificando o barulho que produzia.

— E quando o mar chegou, começou a romper com o chão e a penetrar as fendas da terra — Agora, ela remexia a língua em sua boca, produzindo um som que mais parecia uma descarga — E o vento! — e voltou a imitar o som do vento.

Bond achou graça e ainda observando a senhora perguntou:

— E os dois juntos?

Ela passou a imitar simultaneamente o barulho do vento, soprando entre os lábios, e a colisão das ondas, remexendo sua língua de um lado para o outro da boca, como uma descarga desentupindo.

Bond sorriu, chegando mesmo a rir. Mas parara quando sentiu dificuldades para respirar. Era como se seu pulmão estivesse cheio de água. A senhora continuava se divertindo imitando aqueles sons, com a cabeça apontada para o céu e suas gaivotas.

James Bond, então, passou a soltar o ar em respirações curtas e rápidas e quando sentiu-se preparado inspirou profundamente, sentindo a água fria do Rio Tâmisa penetrar todo o seu ser.

***

Ele acordara dentro do carro que se aproximava lentamente do fundo do rio. Seus movimentos eram lentos e dificultosos e se buscou forças onde não tinha, era porque ao olhar para o banco do passageiro, vira um Steve Moses inconsciente, preso pelo cinto de segurança, o que não evitava que seus braços flutuassem a frente de seu corpo.

Bond forçou a entrada do cinto de segurança com vários puxões, o que fizera a tranca romper. Em seguida, ele dera vários chutes na porta do motorista, obrigando-a a abrir. Após sair, ele nadou por cima do carro e chegou até o lado onde Moses adormecia.

Ele dera vários puxões na porta e com dificuldades conseguira abri-la. Ele colocou metade de seu corpo por de cima de Moses, alcançado o fecho do cinto de segurança, dobrando sua força para rompê-lo.

Com cuidado, Bond o tirou do carro e pusera-se a nadar para cima, com Moses colado ao seu corpo. Pouco a pouco eles foram alcançando a superfície, até que o silêncio das águas fora substituído por ruídos de todos os tipos. Sirenes, vozes, gritos, tráfego e buzinas. As luzes das ambulâncias e das viaturas da polícia cortavam o rosto de Bond, que deixou-se sugar pela escuridão que o chamava, sentindo seu corpo se erguido por várias mãos, colocando-o em terra firme.

***

Bond acordou em um quarto totalmente branco e iluminado de um hospital. Ainda sentia uma dor na altura de seu diafragma e em suas costas. Enquanto ia tomando consciência de si mesmo e do local onde estava deitado, as dores nas articulações e na cabeça foram se intensificando, pulsando no ritmo de seu coração.

Ele olhara para as janelas e vira o céu muito escuro lá fora. Tudo estava muito quieto, até que várias perguntas começaram a ser feitas em sua cabeça. Quem teria lhe trazido até ali? Onde estaria M? Os mercenários sabiam onde ele estava?

Enquanto tentava responder essas perguntas, Bond esforçou-se para se colocar em pé. Tirara as agulhas de sua veia e todos aqueles fios que mediam suas batidas cardíacas e o prendia à cama. Porém, ao colocar seu pé direito no chão para se apoiar, não sentiu a firmeza necessária para se sustentar. Ele insistiu e colocara o pé esquerdo no chão gelado, levantando-se da cama com um movimento rápido.

Não conseguiu se equilibrar, caindo no chão espalhafatosamente — a segunda queda em menos de vinte e quatro horas — derrubando o suporte para o soro. Bond sentiu seus músculos enrijecerem, decidindo — sem uma alternativa melhor — permanecer no chão até alguém vim ajuda-lo ou matá-lo de vez.

A porta abriu-se abruptamente. Bond permaneceu imóvel, com a cara no chão.

— Espere, não se mexa! — Era a voz de Moneypenny. Segundos depois, Bond ouvira passos se afastarem do quarto e tudo ficar novamente quieto.

Em seguida, ele ouviu passos vindo do lado de fora, adentrando o quarto, parando diante do corpo inerte de Bond.

— Creio que Bond acabou de criar uma nova maneira para se ocultar dos inimigos.

M, Tanner e Moneypenny observavam Bond deitado no chão e logo após chamarem os enfermeiros para colocá-lo na cama com os aparelhos, não perderam tempo em começar a discuti os acontecimentos anteriores.

A porta fora fechada e os três sentaram-se em cadeiras que rodeavam a cama de Bond. Eles esperaram o agente falar primeiro.

— Cadê o Moses? — Perguntou.

 Fizeram-se alguns segundos de silêncio, até que finalmente M falou.

— Está morto.

Com dificuldades, Bond continuou com o olhar fixo em M. Todo o seu corpo doía, agora.

— Eu também estaria se não jogasse o carro no Tâmisa. Eles atirariam até o Jaguar explodir — replicou, sem emoção.

— Entendo... Moses chegou vivo ao hospital, mas não suportou a quantidade de água nos pulmões.

Bond voltara a olhar para a janela. Continuava chovendo no escuro da noite, os pingos salpicavam o vidro.

— E o que foi exatamente aquilo?

— Moneypenny me informou que Moses disse para você que os mercenários foram enviados pelo governo.

— Sim.

— Tanner foi até a casa Moses — continuou M — e enviou as digitais dos responsáveis pelo primeiro ataque a Q. Ele descobriu a identidade deles.

— Amigos do Rei Bolacha?

— Amigos do Rei Bolacha. Faziam parte de uma sessão especial cujo MI6 não tinha acesso — concluiu M.

— Mas não acaba por aí — disse Tanner, tendo toda a atenção de Bond — Antes de irem ao encontro de Moses, eles já tinham concluído um trabalhinho para o Ministro. Três ex-agentes do MI6 foram mortos em menos de vinte quatro horas, juntando-se a outros dois hackers que tiveram envolvimento com órgãos do governo.

— E tem mais — disse Moneypenny — Ainda naquela manhã eles foram até a sua casa.

Bond ouvia com tanta atenção que percebera que deixara de respirar para poder ouvir apenas a voz de Moneypenny.

— E então... — hesitou ela — eles descobriram as duas garotas...

Bond engoliu em seco. Virou seu rosto para a janela escura e molhada, praticamente encerrando o assunto.

— Escute Bond — recomeçou M — chegamos a um momento delicado de nossa investigação...

— Não me diga.

— Sei que se torna um pouco mais pessoal a situação daqui para frente, mas...

Ainda sem olhar para os três a sua frente, Bond interrompeu M.

— Na verdade nunca estive tão alheio a uma investigação como estou a essa, M. É política. Tudo isso se trata de política. É apenas a burocracia para eles alcançarem seus objetivos.

— E estamos nos arriscando para justamente descobrir qual é o objetivo do Ministro com essa queima de arquivo, Bond.

— Bond. Bond!

Moneypenny elevou a voz, obrigado Bond a buscar seu olhar.

— Os mercenários, as mortes, nós, somos todos produtos dessa política podre do Primeiro Ministro, Bond. Devemos dar um basta nisso. Devemos ligar os pontos entre um possível ataque terrorista envolvendo os terroristas e a SPECTRE e aonde quer chegar o Ministro integrando agências internacionais na inteligência britânica.

— A verdade é que não temos nenhuma conexão entre um ponto e outro — confrontou Bond, passando os olhos pelos três, que assumiram uma expressão frustrada ao ouvi-lo falar aquilo — O governo tinha muito o que perder ao deixar vinte e oito agentes jogados na sarjeta após o fim do MI6. M pode me desmentir, mas o governo já deve ter feito coisas muito piores na tentativa de jogar tudo para debaixo do tapete. — Pela expressão de M, ele não tinha mais nada a acrescentar —Quanto aos terroristas não temos nenhuma novidade, não é mesmo? Eles estão por toda a parte, planejando bombardeios ou chacinas, não é preciso se esforçar muito para acha-los pelos arredores de Londres, eu diria.

— E a SPECTRE? Se é tão óbvia sua teoria — ironizou Moneypenny, com raiva.

— O que ganharia a SPECTRE envolvendo-se com fundamentalistas?

— Não acreditamos que a SPECTRE atue em campo, Bond, mas de diferentes formas — replicou Tanner.

— Ainda assim. Buscar um bode expiatório para simplificar as coisas me parece que finalmente aderimos à política do Rei Bolacha.

— Você me enoja — Moneypenny levantou-se, afastando sua cadeira com violência. Ela saiu do quarto batendo a porta em suas costas.

M continuava em silêncio.

— De qualquer forma — retomou Tanner — seria interessante se soubéssemos o que exatamente o Moses lhe disse, antes do ataque.

Bond ajeitou o seu travesseiro, acomodando-se de um modo que indicasse sua intenção de dormir.

— Teorias. Das mais conspiratórias às mais nonsense que tive notícias.

— Estamos abertos, James — insistiu Tanner.

— Apenas perguntas insinuativas...

— Do tipo...

— Do tipo: “Não seria a SPECTRE uma organização terrorista, então para quer lidar com rebeldes?” e coisas desse naipe.

M, que ouvia tudo com os olhos baixos, ainda refletindo sobre o que fizera Moneypenny explodir e sair da sala, ergueu a cabeça em direção a um Bond prestes a cochilar ou fingir que era esse seu interesse.

— E como exatamente a SPECTRE age quando não está planejando ataques cibernéticos, Tanner? — perguntou.

— Como assim?

— Até onde eu sei é uma organização mundial. Como eles sobrevivem, como eles se organizam e...

— Ganham influência... — concluiu Bond, seguindo o fluxo de pensamento de M.

— O que quer dizer, M? — perguntou um confuso Tanner.

M levantou-se, enérgico, e com as mãos nos bolsos passou a andar de um lado para outro do quarto.

— Vamos fingir que a SPECTRE não anda muito interessada em seus negócios, como Bond tenta nos convencer. Mas só para podermos descartá-los se não encontrarmos algo realmente concreto que defina os rumos de nossa investigação.

— Onde quer chegar?

— Vamos desmontar os mecanismos da SPECTRE para descobrir como se encaixam suas peças. A SPECTRE como uma organização. Faremos um levantamento capaz de nos responder de onde vêm seus lucros, qual é a hierarquia, seus negócios, tudo.

— Assim saberemos de que maneira os terroristas lhe seriam úteis — finalizou Tanner.  

— Exato. E você Tanner poderá ajudar Q nesse levantamento.

— Entendido.

— E você, M? — Interrompeu Bond, debochado. — Continuará vestindo sua máscara para ensinar os estagiários da nova sessão de inteligência?

— Tem me sido muito útil, James. Andar livremente pelos corredores do governo, como um velho fracassado tem suas vantagens. Por outro lado — continuou M — Q até mesmo me reservou uma missão interna.

— É mesmo?

— Sim. Irei procurar os queridos diários do Primeiro Ministro.

— Hum, veja só. Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, M.

— Nada que eu não possa lidar.

Tanner e M estavam prontos para irem embora, recolheram as cadeiras, colocando-as em um canto.

— A propósito — recomeçou Bond — Espero que não seja morto até o fim da noite, dormindo nesse hospital.

— Ora, vejam só. James Bond com medo de escuro — ironizou Tanner.

— Na verdade — interrompeu M — Para metade do país, um agente secreto não identificado fora morto em um acidente de carro nada suspeito. Há essa hora alguém deve está estourando uma champanhe em sua homenagem, James.

— Foi tudo o que eles disseram sobre o tiroteio no meio do dia em Londres?

M e Tanner deram de ombros.

— Boa noite, Bond. Conto com você, ainda.

Tanner retirara-se do quanto, mas M continuou parado observando-o deitado na cama.

— Eu lamento pela morte de suas amigas, James. Profundamente.

— Eu acredito.

— Iremos vingá-las.

M fizera um gesto com a cabeça, despedindo-se, e saíra do quarto, desligando a luz e fechando a porta. Vindo de quem veio tais palavras, para Bond, significavam muito mais do que a dor que ele continuava sentindo.


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