Lost escrita por Gabs


Capítulo 25
XXV




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Decidiu que não desceria para checar os outros porque ainda estava muito fraca, não tinha conseguido se levantar da cama quando tentou e decidiu que não faria muito esforço até que estivesse curada.

Anastasia lhe ofereceu algumas palavras de conforto e um afago nos cabelos antes de sair, não sabia que horas eram, mas demorou várias horas para conseguir pegar no sono, as imagens das costas de Max, o rosto de Levi, a expressão no rosto dos gêmeos, tudo a assombrava. Se tivesse conseguido dominar seus poderes poderia poupá-los de tudo isso, o pensamento não a abandonava, se tivesse maior domínio das habilidades aquilo seria mais simples. 

Acordou diversas vezes enquanto dormia pelo desconforto que a faixa lhe causava e com isso teve diversos pesadelos nos quais ela falhava com os gêmeos e não sobrevivia ao corte na barriga, morrendo e tendo que observar Teagan dominar completamente corpo e alma de Thomas e Samantha. 

Já conseguia ficar de pé sozinha quando acordou, tirou o robe que cobria sua pele e o substituiu por um vestido de mangas longas e uma capa, o clima estava muito frio, observou a própria imagem no reflexo do espelho bem decorado do quarto e viu que possuía arranhões na maçã do rosto e nos braços, mas nada era tão ruim quanto a faixa que lhe apertava a cintura, tinha que se focar na própria respiração. 

Anastasia havia contado que estavam em Tamir, território de sua mãe, seu também, consequentemente. Era estranho estar ali, tentava se fazer pensar que estava onde devia estar mas se sentia mais deslocada ainda, andava pelos corredores e notava olhares esperançosos de criados e soldados aqui e ali, não se aproximavam, mas também não faziam questão de esconder a excitação ao vê-la. Os corredores eram brancos e as paredes eram decoradas com um papel de parede com flores, os detalhes nas paredes e na moldura das janelas eram dourados com desenhos de ramos, gavinhas, pétalas e caules, as janelas eram grandes e abertas e tudo era perfeitamente iluminado, era como o paraíso, Katherine conseguia enxergar seu próprio reflexo levemente destorcido no chão de mármore brilhante. 

—Princesa Katherine, fico feliz que tenha acordado. -a voz familiar de Dante a alegrou, o homem estava parado alguns metros à sua frente e estendia a mão em sua direção.

Ele parecia diferente da última vez que havia o visto, parecia melhor. Sua pele negra parecia mais brilhante e saudável, sentia que ele preferia estar ali. Desta vez ele estava com vestes escuras variando em tons de verde e seus dreadlocks estavam soltos, e cobriam mais da metade de suas costas, ele era um nobre belíssimo de postura imponente e feições agradáveis e receptivas, o posto de conselheiro lhe cabia muito bem. 

—O que faz aqui Dante? -perguntou mesmo que tivesse sorrido ao se aproximar desesperada por uma face conhecida.

—Decidi apoiar o lado certo desta vez.

Sabia que o que Teagan havia feito com Thomas havia incentivado que ele tomasse essa decisão, eles eram muito próximos e ele nunca havia aprovado o que ele fazia com o filho, talvez Dante tivesse finalmente percebido que Teagan não pararia até que destruísse Thomas, e ele não podia continuar ao lado dele sabendo daquilo.

Mas a lealdade de Dante também era algo que a preocupava, sabia que ele não a apoiava, ele estava do lado de Thomas, unicamente. Então atualmente eles não eram exatamente aliados, mas se tratariam de forma amigável até que Thomas acordasse.

Ele a levou para onde estavam tratando os feridos e a garota não se conteve ao ver que estavam bem, todos estavam acordados, limpos e muito melhores do que da última vez que haviam se visto, abraçou Leviathan com força e nenhum dos quatro conseguia parar de sorrir.

—Pensei que não te veria por um tempo. -comentou Morgana se referindo a quão ruim eram seus ferimentos.

—Eu também, mas não sinto nenhuma dor. -Max era quem mais lhe preocupava, ele sorria mas estava completamente enfaixado, o torso, a base das asas, grandes partes dos braços, os ombros. -E você?

—Vou sobreviver. -ele murmurou Katherine assentiu com a cabeça.

—Você nos salvou lá. -esclareceu esperando que ele notasse o agradecimento e a admiração por trás daquela frase. 

—Fiz o que precisava fazer. -ele respondeu contendo um sorriso.

Katherine se importava com ele, com todos eles ali, machucados e moribundos dentro daquela sala.

—Esta é a rainha Fleur, Kate. -Dante sussurrou em seu ombro ao virar a garota para encarar a mulher que devia estar ali desde que ela entrou.

Eram muito parecidas, não tinha como negar. Fleur tinha o cabelo curto e mais liso que o seu, moldava perfeitamente o rosto fino e delicado que lhe encarava com os olhos cheios de lágrimas e um sorriso maior que o rosto.

Fleur a agarrou em seus braços com força, a envolvendo como se precisasse daquilo para viver.

—Estou tão feliz que está bem. -ela murmurou, a voz embargada.

Os grandes e redondos olhos castanhos distorcidos pelas lágrimas, ela era muito mais adorável do que achava que uma rainha pudesse ser.

—Também estou feliz que esteja bem. 

Dex.

Ele descia as escadas com um sorriso convencido nos lábios e carregava algumas bandagens ensanguentadas e alguns pacotes vazios de sangue nos braços, Katherine se jogou em cima dele.

—Como veio parar aqui? -não conseguia conter sua animação.

—Minha rainha me chama e eu venho. -ele deu de ombros, sendo minimamente modesto, pela primeira vez. 

Olhava do feiticeiro para a rainha e de um para o outro várias vezes tentando achar a conexão que não havia notado antes, nunca havia imaginado que Dex seria assim tão devotado à sua rainha. 

Fleur e Dex colocaram a garota sentada e lhe explicaram toda a história. Morgana e Max haviam dito para que Anastasia ficasse em Tamir para que eles pudessem pedir ajuda a alguém caso as coisas dessem terrivelmente errado, Fleur concordou em ceder alguns homens a causa, e Anastasia ficaria dentro do castelo caso Morgana precisasse de ajuda usariam telepatia para se comunicarem, então quando Katherine foi embora do mundo humano, Dex avisou a rainha que pediu para que ele retornasse para ajudar a tratar os gêmeos quando fossem resgatados.

—É claro que parece simples quando explicamos, mas tivemos muito trabalho. -murmurou Dex.

—Fizeram isso por eles? -murmurou Katherine sendo lentamente atingida por cada informação cuidadosa que eles haviam lhe dado. 

—São crianças, precisávamos ajudá-los. Fortress é um reino muito recluso, nunca ficamos sabendo quando algo acontece no norte, mas assim que Anastasia me contou, não tive outra opção. Allerick concordou imediatamente.

—Quem? -Kate se cansava só de pensar em ter que decorar mais nomes de pessoas que ela não conhecia.

—Meu marido, Allerick. -respondeu a rainha notando que falava de alguém que ela não conhecia.

Meu marido, ela havia dito, não seu pai.

—O que são todas essas coisas? -se referia às coisas que Dex trazia de lá de cima.

—Estava cuidando dos ferimentos dos Collins, os alimentando.

—Não tem medo de que eles escapem caso os alimente?

—Eles nunca conseguiriam passar pelo meu encantamento, nem com todo o sangue do mundo. -ele ria confiante. 

Fleur parecia fascinada com a presença da filha ali, não tirava os olhos dela nem por um segundo, fazia muitas perguntas e a tocava sempre que tinha a chance, como se ela fosse um sonho.

Os feiticeiros e o garoto alado faziam todas as refeições juntos e sempre davam atualizações no que estava acontecendo.

Teagan estava desaparecido assim como mais da metade de sua corte, a rainha Earyn que havia sido encontrada em seu quarto no castelo era mantida num quarto selado cercado de guardas, todos os que haviam lutado naquele dia estavam melhor e carregavam alguma cicatriz do que havia acontecido, Katherine ainda não tinha coragem para encarar os gêmeos, mas gostaria de ter, tomava seu tempo com sua mãe para que conseguissem se conhecer aos poucos, por mais que ela soubesse que a mãe estava obcecada com sua presença ali. Estavam marcando um anúncio para deixar a população a par da volta de sua princesa e lhes oferecer algumas palavras de esperança nestes tempos tão incertos.

O dia do anúncio havia chego e a princesa estava mais nervosa do que achou que estaria, a mãe parecia muito animada para o evento, o simples pensamento de anunciar a volta da filha amada, aquela de quem eles esperavam tanto, fazia os olhos da rainha brilharem. A princesa, por sua vez, se ressentia com a ideia de ser mostrada ao povo como um troféu, mas havia concordado depois de muita insistência da mãe e a justificativa de que o povo precisava de um show. 

Ouvia os sussurros, sentia a desconfiança, a insegurança e a dúvida que além de estar estampada nos rostos de todos que a olhavam, também estava cravada em seus corações, sabiam quem ela era e o que significava, todas as histórias, o mito da princesa poderosa, a que os salvaria e os levaria a um futuro próspero onde todos poderiam construir um futuro real sem medo do amanhã, e ainda assim aquela para quem eles olhavam agora era uma completa estranha.

Uma admiração coberta de dúvidas e uma princesa que sabia tão pouco sobre seu povo quanto eles sabiam sobre ela, o desconforto era mútuo.

E a sua frente sua mãe continuava a discursar sobre como ela ótimo tê-la de volta depois de todos esses anos, que ela iluminaria o caminho e todas as coisas maravilhosas que se poderia adicionar, sabia que tinha que aguentar aquilo, a exibição, o show. Tinha que ser o símbolo de esperança.

Mantinha um sorriso nos lábios e um semblante calmo e confiante, mas por trás do brilho e das palavras ensaiadas e da falsa confiança tudo o que havia dentro de si era preocupação, Samantha e Thomas haviam sido resgatados há poucos dias e mal haviam começado a se recuperar, o reino das ninfas havia sido brutalmente atacado há dois dias e Taegan ainda estava a solta e mesmo assim ela estava parada ali em um vestido de cetim repleto de jóias e com os cabelos trançados ao invés de estar lutando contra quem havia destruído tanto.

—Vai acabar em um minuto. -Dante tocou seu pulso e ofereceu um olhar paciente a ela.

Assentiu com a cabeça e não conseguiu não olhar para trás, onde Leviathan a esperava do lado de dentro do palácio, longe dos olhos da população. Ele observava o rosto de cada cidadão como se pudesse se lembrar de cada um deles, notou que a amiga o encarava e fez positivo com os polegares oferecendo apoio.

Acabaria em um minuto, repetiu aquilo de novo e de novo enquanto observava Fleur discursar por mais trinta minutos.

Acenou para todos e tentou esconder o quanto suas mãos tremiam no que voltavam para dentro do castelo.

—Aquilo foi ótimo, obrigada por ter participado, isso vai dar alguma esperança a eles. -Fleur não conseguia parar de sorrir e tocou o ombro da feiticeira com afeto e cuidado antes de deixá-la ir com os amigos mais uma vez.

Leviathan a envolveu em seus braços sem pudor e parecia ter ficado tão apreensivo quanto a amiga.

—Minhas mãos estão tremendo. -sussurrou no ombro do moreno.

—Quem diria que a princesa de Tamir, salvadora de todos teria medo de aparecer em público? -brincou o amigo soltando-a do abraço.

Riram por alguns segundos e sentiu aquela coisa estranha, um aperto em seu peito, aquela coisa constante, intensa e profunda no meio de seu ser.

Aguentou por alguns segundos tentando manter a face calma para não preocupar os outros que já tinham tanto com o que lidar.

—Estou preocupada com eles, me diga como estão. -Dante a encarou intensamente curvando a cabeça devagar para ela, ainda não gostava de ser tratada como realeza.

—Estão indo bem. -ele a guiava para dentro dos corredores do palácio como se já tivesse feito aquele caminho centenas de vezes antes. -Estão se recuperando mais rápido do que imaginávamos, na verdade.

Os irmãos estavam sendo tratados em seus quartos, selados com magia e com guardas nas portas e colocados pelo corredor, não para evitar que alguém entrasse, mas para evitar que os vampiros saíssem.

Ouvia as batidas intensas em uma das portas seladas e sabia que estavam indo muito bem na recuperação.

—Samantha diz que não podemos prendê-la aqui e que isso é um crime, esmurra as portas por horas a fio durante o dia e só para quando os enfermeiros entram no quarto para examiná-la. -explicou Dante sorrindo de canto, Samantha era inacreditável.

Não queria prendê-la, sabia que a garota se sentiria como um animal enjaulado, mas sendo uma Collins sabia que ela não aceitaria ficar parada e se recuperar e acabaria indo atrás do pai sozinha.

—Falarei com ela em breve. -concluiu e Dante fez uma reverência com a cabeça.

—Thomas está calmo, não resistiu ao tratamento e não fez nenhuma objeção ao confinamento. - continuou dando seu relatório e Katherine conseguia sentir o olhar do homem sobre si, na expectativa de alguma reação, um comentário.

Dante era o espião de Teagan, ele estava no castelo, provavelmente sabia o que Thomas tinha feito, como ele tinha dado seu melhor para atacá-la, como tinha lhe causado um ferimento fatal, como tinha chego tão perto de matá-la.

—Chegou ao meu conhecimento de que ele não fala com ninguém além de você, isso é verdade? -olhou-o nos olhos e notou que ele não esperava o questionamento, o conselheiro-espião jamais esperaria que alguém fosse ter uma informação que ele não queria que vazasse.

—Sim, é verdade.

—Fico feliz que esteja conosco Dante, que tenha escolhido nos apoiar ao invés de ficar ao lado de Teagan enquanto ele destrói tudo ao seu alcance. -virou seu corpo para encará-lo de frente, o conselheiro tinha que sentir a verdade em suas palavras. - Não vou pedir para que jure lealdade a mim, sei que sua lealdade é de Thomas e sempre será, mas não posso permitir que você caminhe pelos corredores escondendo coisas de mim. Especialmente quando ainda não sei em quem confiar, entende isso certo?

—Sim, senhora. -ele mantinha os olhos no chão.

—Então não esconda as coisas de mim, Dante, ou eu encontrarei um quarto no palácio e o selarei dentro. 

Um aviso e uma ameaça, estava pegando o jeito nos jogos de poder.

Observou quando ele se ajoelhou a sua frente e fez uma reverência profunda.

—Levante-se, chega. - não queria vê-lo aos seus pés, queria que ele demonstrasse respeito uma vez que ela quem tinha o acolhido, queria que ele fosse seu aliado, ele era o único que podia ajudá-la a lidar com os gêmeos e com as questões burocráticas. -Me diga, como ele está?

Mesmo depois de todos os acontecimentos, o que Thomas havia lhe dito ainda pesava muito. Confiava em Dante e lhe dava tanto o benefício da dúvida porque Thomas havia lhe dito que ele merecia.

—Bem, o feiticeiro da rainha, Dex, removeu grande parte dos feitiços que haviam nele e agora ele se recupera da batalha entre vocês dois, passa o dia encarando as paredes, remoendo os próprios atos.

—Eu poderia tê-lo matado lá, sabe. -observava o piso polido com cuidado e tinha as sobrancelhas cerradas, a cada dia que passava tinha que tomar decisões cada vez mais difíceis. - E ninguém poderia ter me culpado por isso, afinal ele enfiou uma faca na minha barriga, pelo amor dos Deuses. Mas eu sabia que não era ele fazendo aquilo, eu queria salvá-lo Dante.

As batidas na porta de Samantha continuaram fortes, constantes.

—Como conselheiro, não tenho como dizer que aprovo sua decisão de trazer para dentro do palácio alguém que tentou te matar, mas como amigo digo que foi muito misericordioso de sua parte deixá-lo vivo e trazê-lo para cá para cuidar dele. -o conselheiro lhe encarou com carinho, sentia que ele estava mais feliz do que poderia expressar pelo o que ela havia feito pelo garoto. - Dizer que salvou a vida de Thomas não chega nem aos pés do que o que você realmente fez, princesa. Você devolveu o passado dele, identidade, orgulho. E lhe ofereceu um futuro.

A princesa assentiu com a cabeça e o espaço entre eles parecia gigantesco agora, observaram juntos quando os enfermeiros vieram para checar nos gêmeos, Samantha ficou num silêncio instantâneo assim que tocaram na maçaneta de sua porta e quando esta foi aberta as princesas se encararam intensamente por longos segundos enquanto os enfermeiros entravam um atrás do outro no quarto desarrumado e destruído da garota para trabalhar nas feridas dela, a loira dirigiu um sorriso sugestivo a amiga antes que a porta se fechasse, bem não chegava nem perto de descrever o estado de Samantha.

Quando a porta de Thomas se abriu entretanto, não havia mais espaço ou tempo, apenas a luz que saía do quarto perfeitamente arrumado e um garoto encolhido num canto do quarto com os cabelos grandes sob os olhos e um olhar vago aos enfermeiros que pareciam confortáveis com ele ali, muito mais calmo do que a irmã no quarto ao lado, um animal domado, dócil, frágil.

Seu peito doía como se tivessem acabado de arrancar seu coração do lugar e o colocado de volta, deu um passo para trás tentando recobrar o equilíbrio e percebeu que não aguentaria ficar ali.

De volta ao salão Max a esperava para que almoçassem juntos, haviam se aproximado depois da batalha, especialmente porque Katherine não conseguia esconder a preocupação com a saúde de Max, se sentia mal por ter deixado que ele lutasse sozinho com Samantha e tivesse as asas dilaceradas, checava seu estado todos os dias e o observava treinando quando não estava ocupada, queria ter certeza de que ele não teria sequelas ou nunca conseguiria se perdoar.

—Kate? -ele a chamava, talvez pela quinta vez.

—Sim, desculpe. -balançou a cabeça afastando seus pensamentos.

—Conseguiu vê-los?

—Sim, por um segundo quando os enfermeiros entraram, Samantha parece estar ótima, só frustrada por não a deixarem sair, e Thomas… -engoliu em seco, não conseguia achar as palavras certas para descrever o que havia visto.

—Uma casca seca do que costumava ser, é assim que ele está agora, aquele idiota. -Max parecia estressado com a postura do amigo, como se ele não tivesse o direito de se sentir vazio. - Tão ocupado sentindo pena de si mesmo

—Creio que você já foi visitá-lo então?

—Não exatamente, fiquei parado na frente daqueles dois quartos por horas, sabendo que não tinha permissão para entrar, pensando se valeria a pena arriscar a confiança que eu ganhei por uma coisa daquelas, e foi quando os enfermeiros chegaram, assim como aconteceu com você, e então eu os vi. Senti tanta raiva de Thomas quando o vi, parecia um fantasma lá sentado encarando o chão. -a garota estava prestes a interrompê-lo, não achava justo que falasse daquela forma do garoto quando ele havia passado por tudo aquilo, então Max continuou, como se estivesse esperando há algum tempo que alguém lhe ouvisse. - Tão forte e poderoso, um ótimo estrategista, sabe exatamente o que se passa na cabeça distorcida e monstruosa do pai, poderíamos ir atrás dele mais cedo do que imaginamos se ele nos ajudasse, mas ele está submerso na própria culpa e autopiedade para enxergar o que poderia fazer para se redimir.

Odiava pensar no que Teagan havia feito com Thomas, cada mostruosidade medida com cuidado para quebrá-lo e torná-lo um soldado imbatível, sem memórias, coração ou qualquer resquício de personalidade. Mas entendia o que Max falava, ele entendia como a cabeça do pai funcionava, afinal Thomas havia sido feito à sua imagem, poderiam caçá-lo e destruí-lo da forma que Katherine sonhava todas as noites com a ajuda dele, mas não podia forçá-lo a se curar, ele precisava daquele tempo, todos precisavam.

—Você é o melhor amigo que ele poderia ter, não imaginava que fossem tão parecidos. -riu Katherine. - Se a situação fosse o contrário ele arrombaria aquela porta e te diria todas essas coisas na sua cara antes de te arrastar para fora.

—Eu nunca teria a coragem de dizer essas coisas na cara dele. -ele gargalhou balançando as pernas debaixo da mesa.

Katherine, Morgana e Max haviam voltado a se falar depois da batalha, aos poucos desenvolvendo a intimidade que haviam perdido, fazendo algumas concessões aqui e ali, as coisas estavam dando certo.

Além de que Leviathan nunca saia do lado da princesa, especialmente se alguém que ele não confiasse estivesse na sala, então ele sempre estava por perto.

Saíam da sala depois de terminar a refeição e Max bateu seu ombro com o da garota de propósito tentando chamar sua atenção. 

—De todas as pessoas nesse palácio, você é a mais poderosa. De todas as pessoas nesse reino, você é a mais poderosa. De todas as pessoas de Ellarya, você é a mais poderosa. Não espero que venha até mim para conversar, sei que a cabeça que carrega a coroa é a mais pesada, mas gostaria de saber o que se passa em sua mente. Você não é nem um pouco parecida com a garota que salvei no telhado de Santa Marcelina aquele dia, você costumava xingar muito.

Não conseguiu segurar a risada, ela realmente xingava muito. Mas tinha seus motivos para ser rebelde.

Havia mudado muito naqueles dois anos, era muito rebelde quando estava em Santa Marcelina e não tinha nenhuma chance real de aprender a usar sua magia fora da teoria, e sempre tinha Thomas ao seu lado para protegê-la. 

Quando foram para Fortress a garota começou a aprender de verdade, toda a teoria estava sendo aplicada, aprendeu tudo o que sabia de ataques físicos com Morgana e Samantha.

Quando estava no mundo humano ampliou dez vezes seus conhecimentos sobre magia com Dex, sabia fazer coisas que imaginava serem impossíveis antes, mas havia deixado de lutar.

Agora em Tamir se sentia verdadeiramente poderosa, o suficiente para confrontar Dante sem medo de retaliações, o suficiente para encarar uma multidão sem medo de um atentado contra sua vida, o suficiente para não abaixar a cabeça para mais ninguém, e não planejava se contentar com o que tinha agora.

—A garota que conheceu em Santa Marcelina ficaria orgulhosa da garota que chegou até aqui. -devolve

Max sorriu, se orgulhava muito de Katherine, mais do que poderia colocar em palavras, estava feliz de poder seguir suas ordens.

—Deuses! Vocês demoraram. -resmungou Morgana quando chegaram na área de treinamento, Leviathan se alongava ao seu lado e ria da reação exagerada da ruiva.

Perto de onde treinavam, Dante lia um livro ao sol, vivendo a vida de um hóspede, algo que ele não devia experimentar há alguns anos.

Eles possuíam um treinador, os quatro treinavam intensamente focando em coisas diferentes, uma vez que possuíam talentos e conhecimentos distintos. Katherine sentia-se muito mais confortável ao treinar com um treinador e não se incomodava com a intensidade uma vez que estivesse aprendendo algo, seus treinos ainda eram leves uma vez que se recuperava do ferimento no abdômen, mas ela não aceitava ficar de repouso.

Precisava saber o que estava fazendo se queria lidar com Teagan e sabe-se lá quem ele traria consigo.

Teagan era uma incógnita, ele ocupava boa parte dos pensamentos de Katherine durante o dia, quem estava ao lado dele? O que ele era capaz de fazer? Porque ainda não havia vindo em busca dos filhos? Porque havia deixado a esposa para trás? O que ele planejava fazer com Katherine e porque a desejava tanto?

Claro, ele desejava usar seus poderes, mas sabendo que ela se recusava a ajudá-lo, qual era o benefício em tê-la como prisioneira? Não conseguiria colocar feitiços em sua mente e matá-la seria dar a ela o que ela queria, uma vez que preferia a morte a ajudá-lo. Não entendia.

O dia havia sido longo e cansativo, havia visto o pôr do sol na área de treinamento entre um golpe e outro, Leviathan caminhava ao seu lado, haviam acabado de voltar do jantar e ele parecia animado sobre algo.

—Sua mãe disse que podemos sair para ver o reino se quisermos, ela parecia ter medo de que achássemos que ela está prendendo você aqui. 

—Imagino, ela se preocupa muito comigo. -murmurou com pouco interesse no assunto.

—Já pensou em sentar para conversar com ela? É estranho que ela esteja tão disposta a te dar todas as respostas do mundo e você nem sequer queira fazer as perguntas.

—Honestamente eu não penso muito nisso… -murmurou, sabia que Leviathan não a julgaria, mas se sentia um pouco mal por não compartilhar a mesma intensidade que a mãe tinha em querer conhecê-la. -Fico pensando em Teagan e em Thomas e Samantha, e em como melhorar meus feitiços e ficar mais forte.

—Entendo que existem coisas mais importantes se passando na sua cabeça agora, mas talvez você possa dar uma chance a ela, quando tiver tempo.

Pensava nela às vezes, se sentia grata por tudo que ela havia feito desde que ela havia chego, especialmente por ceder seu território para que Katherine escondesse os gêmeos, por receber e cuidar de seus amigos, por ser tão boa sem esperar nada de volta.

Entretanto não imaginava que conseguiria conversar com ela agora, sua mente estava abarrotada de preocupações e pensamentos caóticos, não conseguiria dar a atenção que a mãe gostaria e não seria boa companhia, então enquanto não lidasse com seus problemas, manteria certa distância.

—Quando eu tiver tempo, quem sabe. -respondeu dando boa noite ao amigo e indo se lavar para ir dormir.

Tinha problemas para dormir, toda noite, sempre os mesmos sonhos de fracasso dos quais acordava suada e sem ar. Aquela noite parecia disposta a lhe dar algum descanso uma vez que ela não conseguia dormir de jeito nenhum, não sentia calor ou frio que a atrapalhasse, não sentia fome, apenas não conseguia cair no sono.

Caminhar pelo palácio a noite era muito melhor, descobriu.

As luzes fracas que vinham das velas nas paredes emitiam uma luz suave o suficiente para iluminar seu caminho sem ferir seus olhos, não havia ninguém ali fora os guardas, que não emitiam som ou se movimentavam quando ela caminhava por eles como um fantasma, era tranquilo, vazio, um tanto frio e reservado. 

As portas azuis brilhavam em sua direção, inconscientemente havia caminhado até aquele lado do castelo, carregada até ali por suas preocupações, estava descalça e sentia que de alguma forma o chão ali era mais gelado que em outros lugares, tocou a porta de Samantha e sentiu pela primeira vez em semanas, que sentia muita falta dela.

Havia sentido muita falta de diversas coisas enquanto estava no mundo humano, da comida, das roupas, até mesmo das pessoas, por mais que odiasse admitir que sentiu falta dos amigos, mas agora sentia falta da forma específica que Samantha fazia a garota se sentir. Sua energia era tão forte e dominante, a forma que olhava para as pessoas, que falava com elas, a forma que ela falava com Katherine a fazia se sentir poderosa, capaz. Samantha nunca deixava ninguém passar por cima dela, não gostava de mantê-la trancada num quarto sozinha como uma criança que havia feito algo de errado, odiava não poder confiar nela, queria tê-la de volta ao seu lado.

A porta de Thomas implorava ao lado daquela, emitindo vibrações em sua direção.

—Princesa. -o soldado chamou sua atenção no que a garota tocou a maçaneta sem notar, achou que ele fosse impedi-la de abrir a porta ou coisa parecida, então uma única chave foi posta em sua mão  e ele voltou a sua posição como se nunca a tivesse visto ali.

—Obrigada. -sussurrou.

Girou aquela chave devagar, com medo de que Dex tivesse colocado um feitiço ou que a porta tivesse um alarme, mas nada aconteceu e em segundos estavam sozinhos.

Ele a encarava e seu olhar intenso parecia queimar sua pele, estavam distantes mas ela conseguia ver o brilho em suas íris, o puro predador que ele nunca deixara de ser, sentado naquela cama sem poder sair ou comer sem permissão, com as veias marcadas na pele pela má alimentação e os lábios rachados e pálidos pela falta de interação com outro ser. Ele parecia um cadáver e um deus ao mesmo tempo. Lhe julgando e sentenciando, com suas íris azuis e seu halo dourado. 

—Sabe quem eu sou? -murmurou com medo de que tivessem mexido demais em suas memórias, se ele não se lembrasse dela talvez também não se lembrasse dos amigos.

Ele não mostrava interesse, seus olhos se moviam dos lábios da garota enquanto ela falava para seus olhos quando estava em silêncio, não importava quanto poder tivesse nem quanta certeza tinha de que poderia se defender se ele tentasse algo, um arrepio sombrio ainda percorria sua espinha ao estar dentro daquele cômodo. Queria ir até ele e o queria longe ao mesmo tempo, mente e coração não entravam num acordo.

—Você mudou muito. -a voz era baixa e rouca, quase inaudível. 

Teve que passar a frase várias vezes em sua mente para ter certeza de que ela não havia imaginado aquilo sozinha. 

Já não sabia mais se estava dormindo ou não.

—É você se tornou exatamente o que ele queria que fosse. - acusou, pela primeira vez falava com ele sem receio de retaliação ao acusá-lo diretamente, mas ali não era local para que lidassem com o que havia acontecido entre eles. 

Ele manteve seu silêncio anterior, sem encará-la, apoiava os braços nas pernas e mantinha a cabeça baixa, como se ela fosse pesada demais para mantê-la erguida. 

Nunca pensou que o veria naquela situação, derrotado, sem vontade alguma de revidar.

Se sentia angustiada, se lembrava de algumas coisas que os conselheiros reais haviam lhe dito para que perguntasse a ele quando decidisse encará-lo, mas eles eram tão estúpidos e alheios a tudo que tinha acontecido, não conseguia fazer aquilo com ele.

—Não havia nada que pudesse fazer? 

—Crescendo como um vampiro, mesmo da realeza, nunca se tem uma vida fácil. Nunca tivemos opções. 

Talvez Samantha tivesse menos opções ainda, e pensar naquilo a fez refletir como ela ainda conseguia ter uma personalidade tão brilhante tendo levado uma vida tão miserável. 

—Sam está bem, está se recuperando. Vi o que ele fez com ela. -tentou abordar o tema com cuidado, mas existe uma forma aceitável de falar sobre os horrores que Teagan havia feito com a própria filha? 

—Me ofereci centenas de vezes para ficar no lugar dela, mas ele sabia o que machucá-la fazia comigo. Era para que eu sofresse duas vezes, quando era comigo e quando era com ela. -ele murmurava, as mãos soltas do lado do corpo e as pernas coladas ao peito enquanto encarava a luz suave da lua que entrava pela janela.

Não conseguia mais tocar no assunto, não queria, pelos Deuses, não queria mesmo. Já havia evitado mais da metade das perguntas que havia sido ordenada a fazer, mas não podia, não quando ele ainda era uma pessoa, não quando ela ainda sentia muito por ele, por não ter chego antes, ninguém merecia passar por aquilo. 

—Você está salvo aqui, Thomas. 

Seus olhos voltaram a se encontrar e ele parecia querer rir da fala da garota, mas depois de quase sorrir conseguiu murmurar. 

—É engraçado que agora é você quem me protege. 

—Eu devia ter estado lá, eu poderia ter ajudado você, vocês dois. -ergueu o tom de voz, a cada dia que passava a garota se culpava ainda mais pelo sofrimento deles.

—Ele teria feito pior com você.

Todo o ar lhe foi roubado de uma vez, o chão parecia querer ceder sob seus pés, o olhar que ele dirigia a ela ali era tão intenso e carregava tantas coisas das quais ele nunca diria em voz alta. Sabia que não era páreo para Teagan ainda, mas imaginava que pudesse ter feito algo, de alguma forma, acreditava naquilo religiosamente, para ouvir aquilo da boca de Thomas… Doía.

—Fizemos tanta coisa errado, fizemos pouco caso de você e dos seus sentimentos e mesmo assim aquela foi a melhor forma de te proteger. -sério, não brincava, não tratava a situação com menos importância do que devia, sentia a própria culpa. -Tê-la me odiando, o que posso dizer? É pior do que muitas coisas que ele já me fez passar, mas aguentei porque sabia que estaria a salvo. 

—E agora que não está nas mãos dele? Vai desistir?

Entendia plenamente o que Max havia dito, estava claro como cristal.

Imerso na própria autopiedade, se sentindo incompetente o suficiente para nunca mais querer se levantar, buscando aprovação alheia. Ele havia desistido.

Não respondeu a pergunta, mas a observou da cabeça aos pés, absorvendo sua nova imagem.

—Porque está descalça?

—É com isso que está preocupado? -não acreditava, o odiava por aquilo, não conseguia concordar, queria dar espaço a ele, mas aquele não era Thomas. -Samantha tenta quebrar aquela porta todos os dias para sair e se vingar dele enquanto você, a pessoa que mais o conhece, que poderia nos ajudar a acabar com ele, está sentada no canto sentindo muita pena de si mesmo e de mim por ter sido enganada. Eu lidei com os meus problemas, Collins. Aceitei tudo o que aconteceu, voltei a falar com Max e Morgana, estou disposta a fazer sacrifícios para manter essas pessoas a salvo, todas elas. Eu preciso de aliados agora, preciso que me diga que vai tentar.

Ele se apoiou na parede para se levantar, sua figura antes moldada por músculos agora estava visivelmente mais esguia, ele se espreguiçou e sorriu, finalmente.

—Você é uma princesa de verdade agora, então?

—Sim, e preciso de você como meu aliado, Thomas.

Não estavam perto um do outro, mas não ficavam tão perto um do outro há meses, as mãos de Katherine suavam nas palmas.

—Mas é claro que tem um aliado, eu lutaria uma guerra sozinho se me pedisse.

—Espero poder te ver fora desse quarto logo, não vou voltar aqui mais uma vez, quem sabe isso te dê alguma motivação.

—Nos vemos em breve então, princesa.

Não aguentaria mais um segundo ali, entraria em combustão espontânea se tivesse que dirigir mais uma palavra a ele, abriu a porta com alguma dificuldade levando em conta suas mãos molhadas e a bateu ao fechar de forma desajeitada.

—Você é tão previsível querida. -Dex vestia um robe de oncinha e calçava pantufas amarelas com desenhos de pintinhos e a encarava com todo o deboche do mundo. -Mas levou mais tempo do que eu imaginava para vir até ele.

Se sentiu ofendida que mesmo que não tivesse perdoado completamente as ações dos três Dex ainda assim achasse que ela viria rastejando até ele mais cedo ou mais tarde.

—Vou caminhar com você. -ele colocou o braço da garota entre o seu e caminharam para fora daquele corredor devagar, com o som leve das pantufas do maior arrastando suavemente no chão. 

—Não consegui dormir e tive uma conversa com Max hoje que me fez pensar em algumas coisas então… Quando saí para caminhar acabei aqui sem perceber e imaginei que não havia motivo para não entrar. -gaguejou algumas vezes tentando se explicar, sabia que Dex se reportava diretamente a sua mãe e não queria que ela se preocupasse com ela.

—Pensei que a cicatriz em sua barriga seria lembrete o suficiente do porque não deveria entrar.

Ele tinha um ponto, tinha sido descuidada. Caso ele não estivesse tão dócil como ela imaginava, poderia ter feito coisas piores com ela sozinha naquele quarto.

—Mas é claro que eu não deixaria isso acontecer, fiz questão de deixar claro como cristal as coisas que faria com ele caso tocasse num fio de cabelo seu sem permissão. -ele sorria enquanto dava tapinhas suaves na cabeça da garota.

—Não devia ter feito isso.

—Era melhor que ele soubesse. Mas duvidei desde o princípio que ele fosse capaz de te machucar, estava lá quando ele acordou e quando me apresentei como seu amigo e mentor ele rosnou e me disse para ficar longe de você. -ele riu, eles eram apenas crianças na visão do feiticeiro, ele não levava a ameaça a sério.

—Falei algumas coisas rudes pra ele agora há pouco, mas precisava que ele se levantasse e saísse daquela bolha. -apertava o tecido das roupas de Dex conforme falava, pensava ter ficado mais forte mas ainda era facilmente afetada por situações como essa.

—E conseguiu? Ele se levantou? 

—Sim.

Ele sorriu e segurou sua mão com carinho, Dex gostava muito de Katherine, via tanto potencial nela como feiticeira, líder, rainha. Se sentia honrado de ter sua confiança, de poder estar ao lado dela para ajudá-la em momentos incertos como esse.

—Vou te levar de volta para o seu quarto agora, majestade. -brincou.

 


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