Foclore Oculto. escrita por Júlia Riber


Capítulo 8
Capítulo 7




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Era meio dia , o sol não conseguia penetrar com intensidade na espeça mata, mas iluminava a folhagem mais alta; Curupira e Cissa estavam em um ponto especifico da mata, onde costumavam se encontrar para decidirem sobre o plano que possuíam.

Naquele dia, Curupira andava de um lado para o outro nervoso, enquanto Cissa encostado numa árvore só observava.

— Você é um idiota! Um grande idiota miserável! Como pude confiar em você? Eu devia te bater até não sobrar nada dessa sua casca para demônio! Desgraçado! _ berrava o Curupira.

— Pare de frescura, não sei por que está tão bravo, já disse, não desisti do nosso objetivo, só quero outra forma de consegui-lo, vou bolar outro plano, só isso.

Cissa abriu um sorrisinho, mas Curupira prosseguia emburrado.

— Por quê? Nosso plano está dando tão certo, tudo está ocorrendo como devia, por que quer mudar tudo? Seu demônio miserável.

Cissa respirou fundo tentando ao máximo não perder a paciência, odiava quando o chamavam de demônio. Já curupira não sabia esconder a fúria.

Raízes começaram a surgir do chão perto de Cissa, ele tentou se afastar mas logo tais o pegaram e o puxaram para chão, como se quisessem leva-lo para conhecer suas casas no subsolos. Raízes simpáticas.

— O nosso plano inicial é muito arriscado Curupira _ disse Cissa tentando se desfazer das raízes _ e pode parar de invocar essa droga?

— Não! Nosso plano era o único que daria certo! _ o monstro então franziu os olhos e as raízes voltaram para a terra, deixando Cissa em paz. _ Aliás, Cícero, o nosso plano é arriscado para quem, exatamente?

Curupira o encarou.

— Você sabe.

Curupira levantou um sobrancelha.

— Você não se preocupou com o risco que ela corria quando me fez aquela proposta. Eu já te poupei quando você não cumpriu o tempo prometido, aceitei que demorasse mais que cinco dias, mas não vou permitir que mude mais nada, que descumpra mais promessa alguma.

Curupira colocou a ponta de sua lança no pescoço de Cícero que somente revirou os olhos, definitivamente ele não levava nada a sério.

— Não meta os pés virados sobre as mãos, Curupira. Eu vou fazer exatamente o que prometi fazer, mas, não vou colocar a vida de ninguém em risco. Sou um gênio, vou dar um jeito.

Curupira estreitou os olhos e gargalhou.

— É o que estou pensando? hahahaha, Cícero Akilah, está apaixonado, e ainda por cima, por uma Cabrall?

Aquilo afetou Cissa, ele pegou a lança de curupira e o encarou com fúria.

— Ela confia em mim, só não quero fazer a coisa errada, não quero engana-la.

Curupira baixou a lança e se aproximou Cissa.

— Não quer engana-la? Sei... Se a Cabrall soubesse quem você é, será que ela confiaria tanto assim em você?

Cissa rosnou, mas não disse nada, somente foi embora, o que fez curupira abrir um sorriso demoníaco enquanto o observava partir.

...

Após chegar ao casarão Núbia rapidamente subiu para o quarto e trocou de roupa. Ela ficou um tempo ali mesmo tentando pensar no que faria. Edgar não bateu em sua porta, ela sabia que ele estava na casa, mas por algum motivo, não a atormentou.

Ela estava sentada na cama olhando o espelho e pelo canto do olhos ela viu um vulto passar, ela se virou mas não havia nada.

Ela suspirou, esperava realmente não ser um fantasma, não que ela tivesse medo, é difícil ter medo de algo que vê desde de pequena, mas ela já tinha problemas de mais, e fantasmas sempre que apreciam para era para pedir algo.

Seja como for, Núbia decidiu que ficar escondida no quarto não resolveria muita coisa então foi à procura de Edgar, e o achou no escritório, mexendo em notebook a cima da mesa, e com o corvo Noite em seu ombro.

Núbia ficou na porta sem saber o que falar, e ele, mesmo sem tirar os olhos da tela do notebook disse:

— Olá guria. Está menos nervosa ou ainda quer me matar?

Núbia deu de ombros.

— Se você me dissesse onde está Iara, quem sabe que não quisesse te matar.

Edgar a fitou e levantou uma sobrancelha.

— Sente-se.

Ele apontou para a cadeira de frente a mesa e ela sentou-se lá, com os braços cruzados e cara brava, mas sentou.

Edgar fechou o notebook para poder vê-la melhor, também estava sério, mas indiferente.

— Eu não posso lhe dizer onde está Iara, mas posso afirmar que ela está bem e que tudo isso aconteceu porque saiu do meu controle.

Núbia franziu os olhos.

— Antes de você sumir com ela, Iara disse que foi tudo um plano seu, você mandou Messias para nos cansar, depois quando não havia mais defesa, você a raptou. Você pensou em tudo friamente, não é?

— Eu sou um tanto frio e estrategista, é verdade, mas não dessa vez. Eu e Iara brigamos, soube que tu viu os corpos, então sabe o motivo. Ela foi embora, para não dar satisfação creio eu, mas estava muito nervosa, eu sei bem que Iara furiosa e solta por ai não é algo seguro nem para ela, nem para qualquer um que esteja próximo. Eu só queria que Messias fosse busca-la, pois se eu fosse atrás dela, me mataria.

— Não pensou que ela mataria Messias também?

— Pensei, mas não me importei com isso. Seja como for, Messias já estava estranho há alguns dias, quem sabe eu tenha sido um patrão um tanto cruel nesses últimos anos. Ele atacou Iara como vingança, pois sabia que nada que fizesse contra mim iria me ferir tanto quanto se fizesse contra ela.

—Quer que te ache um amor de pessoa por dizer isso? _ disse Núbia fazenda cara feia.

— Não tchê, odiaria ser visto dessa maneira, só quero que você entenda, que eu também não sou tão horrível quando você deve imaginar.

— Por que acha eu confiaria em você? _ provocou Núbia.

— Por que acha que eu mentiria? _ contra argumentou Edgar _. Além do mais, não sou eu que durmo fora de casa e age como se nada tivesse acontecido.

Indireta entregue com sucesso.

Núbia engoliu seco e Edgar somente soltou aquela risada roca e sádica. Depois se levantou revirando os olhos.

— A primeira coisa que tu tem entender para termos uma boa relação, é: Eu sempre sei de tudo, guria _ disse Edgar.

Núbia franziu os olhos, aborrecida, mas não disse nada, sequer sabia o que dizer. Edgar então foi até uma das quatro estantes repletas de livros que havia naquele cômodo e Noite voou para a mesa, ficando de frente para Núbia. Ele curvou a cabeça como se perguntasse se ela estava bem e Núbia conseguiu abrir um sorrisinho, acariciando a ave.

— Vai me castigar por ter saído ontem á noite? _ questionou Núbia natural.

— Não precisa _ disse Edgar enquanto escolhia alguns livros, _ você vai se arrepender do que fez sozinha.

Núbia riu em deboche.

— Do que está falando?

Edgar sorriu sínico.

— Tu entenderás.

Ele caminhou de volta a mesa levando cinco livros consigo e os colocou na mesa de frente á Núbia.

— Digamos que vai demorar para tu levar a sério qualquer coisa que eu diga, então prefiro que descubra as verdades sozinha. Esses livros é o que acho mais importante você ler no momento, mas pode pegar qual quiser da minha coleção e da internet também, já que esta enfim voltou. A única coisa que não quero é uma tataraneta mal informada.

Núbia franziu as sobrancelhas confusa.

— Hum... Ok.

— Daqui uma hora pode descer para almoçar _ disse Edgar já saindo do escritório _ Amenos que também se recuse a comer algo que eu faça.

Núbia pareceu surpresa

— Você vai cozinhar?

Edgar fez uma cara que claramente dizia: Óbvio.

— Ângela foi demitida e eu desconheço qualquer magia que traga uma cozinheira do além, então sim, claro que vou cozinhar.

Núbia fez sua cara emburrada e Edgar se foi.

Núbia tinha que admitir que no quesito ironia Edgar e Cissa tinham muito em comum, mas Cícero claramente era bem mais simpático.

Núbia decidiu então analisar os livros que Edgar lhe emprestara. Dois eram sobre bruxaria e continham mais introdução do que magias em si, o que fez Núbia concluir que o objetivo inicial de Edgar era causar interesse nela sobre o assunto. O outro era de folclore e era bem parecido com o que Cissa lhe dera dias antes, também com capa de couro e escrito a mão, o que fez Núbia procurar o nome do autor.

Na ultima página o escritor também colocara um recado, como Pietro Cabrall havia feito.

" Se alguém estiver lendo isso, saiba que deu muito trabalho adquirir essas informações, então não diga que é pura fantasia se não foi tu que quase perdeste a cabeça"

Núbia levantou as sobrancelhas com aquela revolta toda do autor, mas ao ver a assinatura abaixo compreendeu.

"Edgar CABRALL"

É, quem sabe Núbia e o tataravô até tivessem bastante em comum.

O outro livro também era escrito por Edgar, mas era anotações e descrições especificas de criaturas e divindades indígenas. Núbia notou que havia uma página marcada neste livro e não ficou surpresa ao ver que se tratava das pesquisas de Edgar sobre a deusa indígena das águas, Iara. Núbia achou aquele livro muitíssimo interessante é claro, nunca imaginou que a mitologia Indígena era tão rica, mas logo sua atenção se voltou a ultimo livro.

Ele era mais recente, digitado e encadernado e não tinha relação alguma com os outros, era basicamente um livro de história que tinha como foco a escravidão no Brasil. Núbia achou aquilo curioso, por um momento imaginou que Edgar lhe dera o livro por acidente, mas desconsiderou a ideia, ele era esperto de mais para isso.

Decidiu assim, somente levar os livros para o quarto.

Depois testou o wifi da casa, chamou William no whatsapp, mas ele sequer visualizou, então iniciou a leitura, começando pelos livros de magia. Exatamente uma hora depois Núbia ouviu o chamado de Edgar e desceu para almoçar.

Quando chegou lá a macarronada, pratos e talheres já estava na mesa, Edgar estava em seu lugar de sempre tomando o vinho sem marca, também costumeiro, Núbia sentou-se e pegou a macarronada, algo dentro dela lhe dizia que comer algo feito por um bruxo psicopata não era a coisa mais inteligente a se fazer, mas ela estava com fome o suficiente para comer veneno de rato e ainda dizer "hum..."

Na primeira garfada Núbia não soube esconder a surpresa, primeiro por que não sentiu nem um gosto diferente, segundo porque estava realmente bom.

Edgar a fitou com aquela cara de terapeuta quando percebe o problema do paciente.

— Que incrível não estar envenenado não é? E ainda por cima eu sei cozinhar.

Núbia franziu o cenho.

— Você lê mentes?

— Leio olhares _ explicou Edgar.

Ele então bebeu mais goles de seu vinho e encheu a taça novamente. Núbia notou que ele podia esvaziar uma garrafa de vinho numa refeição, mas nunca estava bêbado, sempre sério e cínico, mas não delirando.

Já que o objetivo de Edgar era se aproximar da "neta", a garota concluiu que ele não ficaria muito bravo se ela fizesse uma pergunta ou outra.

— Isso que você bebe é vinho mesmo?

Edgar sorriu de canto e a fitou com seu olhar gélido.

— É uma mistura.

— Do que?

Edgar encarou Núbia enquanto mexia a taça de vinho, a garota fitou a taça, notou que aquele liquido era um tanto viscoso e sua cor muito viva. Núbia tentou não demonstrar medo quando teve a conclusão, somente encarou Edgar da maneira mais indiferente que pode.

— É sangue.

Edgar assentiu lentamente.

— Preciso de sangue tanto quanto você precisa de água. Achei que mistura-lo vinho o tornaria mais sutil, assim eu cessaria minha cede sem ser tão... Mal visto.

— É sangue humano?

— É sangue, simplesmente. Agora coma, macarrão frio é horrível.

Núbia bufou, mas fez o que lhe foi ordenado.

Durante o almoço Núbia tentou pensar em uma forma de se encontrar com Cícero, sabia que era impossível sair sem Edgar saber e mesmo que achasse ridículo pedir permissão aquele monstro para sair, ela não viu outra solução.

Ao terminar o almoço Núbia se levantou.

— Eu levo os pratos, o senhor já cozinhou _ disse ela pegando os pratos e copos da mesa.

Edgar não disse nada, somente assentiu.

Ela colocou tudo na lavadeira e depois voltou para a sala de jantar e viu Edgar indo em direção as escadas, ela correu até ele.

— Edgar, posso pedir algo?

Edgar parou, voltou-se a ela e levantou as sobrancelhas esperando ela falar.

— Quero ir á vila, ver a Ângela. Posso?

Edgar franziu os olhos.

— Já estou admirado o suficiente por tu me pedir antes. Pode ir, mas volte logo e tente não ser morta.

Aquela ultima ordem pareceu um tanto difícil de ser cumprida considerando os últimos dias. Mas Núbia assentiu mesmo assim.

...

Núbia esperava realmente que Edgar acreditasse no que ela havia dito e que não lhe seguisse, pois após dar uma disfarçada, andando na estrada em direção à vila, ela entrou na mata e correu para cabana de Cissa.

Ela chegou na hora certa, viu Cissa na varando colocando corda e outros objetos estranhos em uma mochila; estava preparando-se para ir a algum lugar.

— Cissa _ chamou ela se aproximando.

Ao vê-la, Cissa sorriu.
— Olha, conseguiu dar uma fugida.

Núbia deu de ombros.

— Edgar não está me prendendo nem nada. Ou ele está indo com calma, ou está planejando algo.

— Provavelmente os dois _ disse Cissa colocando a mochila nas costas. _ Aliás, se você viesse um pouco mais tarde não me encontraria aqui, sortuda.

— Para onde vai?

— Na vila Fim do Mundo, como sempre, ver se tem algum emprego e visitar um lugarzinho que eu adoro. Bora?

— Que "lugarzinho" seria esse?

— Venha comigo e descubra, oxi.

Cissa sorriu sapeca e começou a andar, Núbia fez cara emburrada, mas foi atrás.

No caminho para a vila, em uma trilha estreita na mata, Cissa e Núbia ficaram em silêncio e somente caminharam. Aquilo pareceu estranhar aos dois, quase nunca ficavam sem assunto, porém nem um se prenunciou.

Ambos não conseguiam parar de pensar na noite anterior, no beijo e na maravilhosa sensação que sentiram ao dormirem juntos. O problema, porém é que ninguém admitiu isso, sendo assim, eles ficavam envergonhados daquele sentimento que os perturbava.

Logo chegaram á Vila e andaram por um tempo pelas ruas de paralelepípedos ainda naquele silêncio, até, Cissa parar de frente á uma grande casa.

— Aqui é a única pensão da vila, se Ângela se hospedou foi aqui _ disse Cissa a Núbia.

— Quer visita-la?

— Na verdade, vim aqui conversar com a dona do local, ás vezes ela me dá um emprego, um bico, sei lá.

— E o que você faz na pensão?

— Tudo _ disse Cissa dando de ombros,

Ele entrou na pensão e falou com a moça da recepção que apesar de ter sido muito simpática ao vê-lo, disse lamentando que não havia nada para ele na pensão.

Núbia perguntou de Ângela e a mesma moça, respondeu que ela estava hospedada na pensão, mas não se encontrava naquele momento, assim sendo, o casal se foi.

Eles voltaram a caminhar pelas ruas e Núbia notou que Cissa estava cabisbaixo, algo realmente raro de se ver.

— Você deve achar outra coisa _ disse ela tentando anima-lo _. Você é esperto, consegue outro emprego fácil.

— Acho difícil, a vila não tem o nome Fim do Mundo por pouco, ne menina. Aqui não tem nada, muito menos emprego.

Núbia entortou os lábios, queria profundamente ajudar, mas não sabia como. Por dentro ela se perguntava o porquê Cissa morava naquele lugar, ele era extremamente inteligente, jovem, podia ter qualquer carreira, mas vivia naquele Fim de mundo, fazendo qualquer serviço que lhe oferecessem. Aquilo não fazia sentido algum, mas ela não soube dizer isso para ele.

— Você disse que tinha um lugarzinho legal onde iriamos _ disse a garota tentando mudar de assunto.

Cissa conseguiu abrir um sorriso.

— É... Estamos indo para lá agora. Aliás, você já escalou um prédio?

Núbia fez expressão interrogativa.

— Que pergunta é essa?

— Escalou ou não?

— Não... uma vez o Lucas me convidou para pichar um prédio abandonado, mas achei isso muita falta do que fazer.

— E é. Mas agora seria útil uma experiência como essa.

Núbia estreitou os olhos.

— Cissa... Que loucura vai fazer dessa vez?

Cissa sorriu sapeca.

— Que loucura nós vamos fazer, você quis dizer.

Ele simplesmente pegou ela pelo braço e começou a correr pelas ruas da vila.

Logo ele parou de frente a um prédio de tijolos com três andares e janelas grandes e sujas.

A porta de vidro quebrado, tinha papelão em seus buracos e era feito de vidro colorido como as janelas. O prédio parecia já ter sido um belo local algum dia, mas o tempo lhe destruiu.

— Que lugar é esse? _ perguntou Núbia tentando ver pelo vidro da porta.

— É uma antiga biblioteca, depois que o dono morreu ela foi fechada e a chave do local foi entregue a Edgar, provavelmente por ser o único que lia nesse lugar, e por ser rico também, claro.

Cissa bufou. Ele abriu a mochila que trazia e começou a tirar uma corda de lá que tinha em uma das pontas uma espécie de âncora.

— Você vai escalar até lá em cima _ supôs Núbia e Cissa assentiu.

— Edgar pode ter ficado com a chave da biblioteca, mas eu fiquei com a chave da casa do bibliotecário, mas só posso entrar por cima, já que a escada que existia foi barrada pelo vizinho ali do lado.

Cissa fez cara feia como se lembrasse da ocasião.

— Você era amigo do bibliotecário?

Cissa pareceu hesitante, mas respondeu mesmo assim.

— É... Era Francisco o nome dele. Ele cuidou de mim quando eu estive aqui pela primeira vez, foi como um pai para mim e um professor também, me ensinou a amar livros e conhecimento _ Cissa deu um leve sorriso, mas logo entristeceu _ Mas ele era idoso, cansado e logo partiu. Eu cuidei dele em seus últimos dias de vida, fiz o que pude, mas... Foi inútil. Pensei em continuar o trabalho dele cuidar da biblioteca e tal, mas sequer isso me permitiram.

— Sinto muito _ disse Núbia.

Cissa deu de ombros.

— Tudo bem, eu dei meu jeito, me virei. Mas admito sentir muita falta dele. Francisco foi o melhor amigo e conselheiro que eu tive, ele me deu uma segunda chance, me deu esperança quando eu mais precisei.

Ele tentou não demonstrar tristeza e lançou uma piscadinha para Núbia, depois jogou a ancora para o alto, puxou a corda e sorriu satisfeito.

— Há, na mosca.

— Como prendeu em algo tão rápido _ disse Núbia surpresa.

— Sou incrível, né gracinha.

Logo ele foi até um beco que havia entre a biblioteca e a casa ao lado e trouxe de lá uma escada de madeira.

— Eu sempre planejo tudo.

— Percebi _ admirou Núbia.

Cissa colocou a escada perto da corda.

— É assim, a gente sobe até o ultimo degrau da escada, que vai a uma janela do segundo andar, dai você segura na corda e sobe colocando os pés na janela e em alguns buracos da parede que eu já fiz para esse objetivo mesmo.

Núbia levantou as sobrancelhas.

— você deve fazer isso com frequência ne.

— Toda semana _ concordou ele. _ Se a senhorita não tiver medo de quebrar a unhas, pode subir, não é igual as escadas volantes dos shoppings de São Paulo, mas...

— Cala a boca _ disse Núbia se aproximando da escada. _ Eu consigo subir isso.

— Não estou dizendo que você não consegue, somente que nada ai é muito seguro.

Núbia o encarou com um sorrisinho.

— Você já devia saber que eu não tenho medo algum de morrer _ e assim começou a subir as escadas.

Cissa sorriu de canto enquanto ela subia e pensava consigo mesmo: que mulher...

Logo os dois já haviam subido a trilha maluca de Cissa e estavam na varanda de uma casa simples, empoeirada, quase sem móveis e abandonada ha muito tempo.

Cissa foi caminhando, passando pelos cômodos e Núbia foi atrás observando o local.

Os poucos móveis ali estavam de ponta cabeça ou quebrados, havia teia de aranha em todo lugar e os papéis de parede estavam rasgados.

— Não repara na bagunça _ disse Cissa com uma risadinha.

— Quase não dá para reparar _ ironizou Núbia.

Cissa riu e foi até a cozinha abrindo a porta que levava a um pequeno corredor e uma escada. Ele fez sinal para Núbia segui-lo, mesmo que isso não fosse necessário.

Eles as escadas e logo estavam na biblioteca, que diferente da casa, estava extremamente organizada, apesar de empoeirada, e, era linda. Com estantes de madeira dourada de quase três metros, cadeiras num estilo antigo e repleta de detalhes acompanhadas mesinhas simples e brancas espalhadas pelo local, uma escada em caracol e com corrimão dourado era o que juntava os dois andares da biblioteca.

Núbia fitou o lugar com encanto.

— É lindo aqui.

— Já foi mais bonito, agora tá meio largado, mas ainda é meu lugar favorito.

Cissa sorriu e pegou a mão de Núbia e juntos foram explorar o lugar. Em um momento Cissa resolveu dar um de guia, andava na frente com coluna ereta e uma voz de dondoca com nariz entupido.

— Á esquerda temos os livros de história e a direita os de geografia _ dizia ele apontando com a mão de forma delicada.

Núbia deu uma risadinha, mas entrou na brincadeira.

— E os livros de terror? _ perguntou ela como uma criança encantada com o passeio de escola.

— Me siga, por favor _ disse Cissa em seu personagem.

Ele a levou até o andar de baixo e prosseguia andando como mulher, Núbia logo a trás revirou os olhos, mas tinha que admitir amar o jeito maluco daquele rapaz.

Duas estantes após as escadas, Cissa parou.

— Aqui estão, os livros de terror, possuímos desde os clássicos como Edgar Alan Poe, até os mais ressentes como Stephen King.

Núbia analisou os livros.

— Eu gosto de livros com bastante sangue.

— Querida você é estranha _ disse Cissa fazendo cara de nojinho.

Núbia riu e deu-lhe uma bofetada no braço.

— Para de falar com essa voz de apresentadora gripada.

Cissa riu.

— Está bem... _ disse ele já da forma natural _. Posso parar de interpretar a Creusa, mas vou continuar sendo seu guia.

— Creusa? _ disse Núbia fazendo cara feia.

— Acabei de inventar _ admito Cissa. _ Mas olha, tem uns livros de bruxaria aqui que você vai gostar.

Eles foram até a estante ao lado, Núbia pegou alguns livros e os folheio o que a fez lembrar dos livros que Edgar lhe dera; ela falou sobre isso com Cissa e ele pareceu se interessar bastante, principalmente pelos livros escritos pelo próprio Edgar.

— Deve ter cada informação lá... _ disse ele com os olhos brilhando.

— É bem parecido com o do Pietro Cabrall.

— É, Edgar provavelmente quis prosseguir o trabalho do avô e foi atrás das criaturas que Pietro não pode estudar.

Núbia assentiu.

— O que não intendi foi o livro de história que ele me deu.

Cissa fez cara feia.

— Do jeito que ele é velho, pode ser que tenha algo sobre ele lá. Sabe quando você aparece no jornal e fica mostrando para todo mundo? Então, é tipo isso, mas , no caso é com livro de história, porque ele é uma múmia.

Núbia riu.

— Acho que não... Era sobre escravidão.

O humor de Cissa desapareceu.

— Ah... É, estranho ele te dar esse livro.

Núbia não notou o nervosismo de Cissa e somente assentiu e voltou a ler os livros de magia.

— Amanhã eu te devolvo o livro do Pietro, aliás.

— Está bem... E será que você não poderia me dar algo em troca? Quero dizer, eu te emprestei um livro, nada melhor que retribuir da mesma forma _ disse Cissa com seu sorriso sapeca.

Núbia o encarou.

— Você quer o livro do Edgar não é?

— Quero _ disse ele com um amplo sorriso.

Núbia revirou os olhos.

— Tudo bem, mas devolva logo, antes que ele sinta falta.

— Certo _ ele a pegou pelo braço e a beijou no canto da boca, o que a deu um friozinho na barrida _ Obrigado, menina _ disse ele no ouvido de Núbia, o que a fez ficar arrepiada dos pés a cabeça.

— Por nada _ disse ela tentando não parecer nervosa.

Ele se afastou dela e pegou um livro da estante sobre orixás, aliás, e sentou-se em cima de uma mesa de madeira clara que estava do lado da estante de livros de feitiçaria diversa.

— Senta aqui _ disse Cissa dando batidinhas na mesa.

Núbia então deu de ombros e sentou-se também, e logo voltou a atenção para o livro em sua mão, sobre magia verde. Alguns segundos depois, a garota notou que Cissa a observava, ele o fitava com olhar perdido encostado na estante.

— O que foi? _ disse ela com um sorrisinho.

— Nada, é que você fica bonitinha lendo.

Núbia desviou o olhar e mordeu os lábios, nervosa. Já Cissa abriu um sorrisinho torto.

— E sobre a Thayna _ disse ela tentando mudar de assunto _ Você disse que falaria sobre ela.

Cissa deu de ombros e colocou seu livro no colo.

— Olha, eu sei o básico. Começando do começo: Edgar teve dois filhos no primeiro casamento, Henrique e Thayna. Thayna morreu, uma bruxa rival do Edgar e bem mais poderosa a matou, e após isso Henrique fugiu, digamos que ele e Edgar não se davam muito bem, então com a morte da irmã Henrique não viu motivo para ficar.

— hum... Iara conheceu os filhos do Edgar? Agora que sei o que ela é, não tenho dúvida de que está há muito tempo na vida do Edgar.

— Acho que sim, pelo o que Ângela me falou, Iara se dava muito bem com Thayna, tanto que ela ficou destruída quando ela morreu.

Muitas coisas ainda não faziam sentido para Núbia, mas ela sabia que ao menos dessa vez não era Cissa quem lhe daria respostas, se ela quisesse saber a história de sua família, ela teria que perguntar para outro Cabrall.

— Preciso voltar para casa antes que Edgar invente de me procurar ou algo assim _ disse Núbia pegando o celular do bolso da calça e vendo o horário.

Cissa assentiu, mas não parecia muito contente com aquilo.

— É melhor, mas... amanhã você vai me encontrar de novo, não é?

Núbia sorriu de canto, achou fofa aquela pergunta, depois se achou idiota por isso, jovens...

— Vou tentar.

Cissa aproximou dois dedos dos olhos e apontou para ela.

— Bom mesmo _ brincou ele.

Os dois fizeram sua habitual batida de mãos e subiram para o andar de cima. Lá desceram pela janela e saída improvisada de Cissa. Ao chegarem ao chão Cissa disse:

— Axé, esqueci. Preciso ir ao correio ver se chegou uma carta para mim.

— Vai demorar muito?

— Acho que não, mas vamos fazer assim, você vai na frente, melhor não chegar tarde no casarão, eu pego as cartas correndo e tento e te alcançar.

Núbia balançou a cabeça.

— Tudo bem... Acho que sei o caminho.

Cissa pegou no queixo dela.

— Claro que sabe, tu é esperta menina _ Ele a beijou na bochecha _. Até.

E assim se foi correndo em direção ao correio.

Núbia passou a mão sobre o rosto com um sorrisinho bobo, mas logo se repreendeu.

— Pare de se comportar como uma apaixonada idiota, Núbia _ disse ela a si mesma e seguiu o caminho de volta para casa, o mais lentamente possível, na esperança de Cícero a alcançar.

 

 


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Notas finais do capítulo

Não teve nem um monstro nesse capitulo, eu sei, mas o próximo compensa. kk



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