Foclore Oculto. escrita por Júlia Riber


Capítulo 9
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Nesse capitulo tem sangue para todo lado, credo (mentira, isso é muito legal, huahuahua)



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Núbia estava na praça matriz, caminhando devagar por dois motivos, primeiro: queria que Cissa a alcançasse, segundo: Ela não sabia por onde ia. Iria pela trilha que viera com Cissa mais cedo, ou pela estrada que levava direto ao casarão?

Sem saber a resposta, ela prosseguiu caminhando pela cidade, com aquela cara de quem não quer nada e sempre olhando para trás para verificar se Cissa não estava perto.

Ela decidiu que iria pela estrada, que tinha a sua volta uma fazenda, com plantações de um lado e um pasto do outro, com cavalos de raça e bem tratados.

Núbia logo notou que de uma estradinha que saia da fazenda, vinha um rapaz. A garota fez cara feia e começou a andar mais rápido tentando não olhar para a pessoa logo atrás, mas não adiantou nada.

— Núbia? _ chamou André Montes. A Cabrall bufou, mas se virou, tentando ter bons modos.

— André... Que surpresa.

André sorriu convencido.

— Bem, essas fazendas todas aqui são do meu pai e eu costumo vir aqui cavalgar, sabe.

— Hum, legal, agora tenho que ir, já está tarde.

Ela deu um tchauzinho e se virou, mas André correu ficando ao seu lado.

— Eu te acompanho até em casa então.

— Realmente não precisa _ disse Núbia tentando ter paciência, algo nada fácil.

André riu em deboche.

— Olha, você não precisa se fazer de difícil.

Núbia parou bruscamente e o fitou com expressão interrogativa.

— Oi?

— É, no começo, o fato de você ser neta de Edgar pode ter me deixado com um pé atrás, mas meu pai me fez notar que temos tudo haver e que você ficou afim de mim.

André analisou Núbia de cima a baixou com malicia, o que a fez já começar a escolher qual parte da cara dele socaria primeiro.

— Seu pai pelo jeito gosta de aumentar seu ego, André, mas eu realmente sinto em te dizer que você não é tudo isso.

 Núbia sorriu sínica e se foi em passos largos, mas André a seguiu e a pegou pelo braço.

— Olha aqui garota, seu jeitinho difícil pode até ser interessante, mas já pode parar. Nossos pais são amigos, é normal que fiquemos juntos!

Núbia fez cara feia e afastou o próprio braço dele.

— Em que século vocês daqui vivem? E outra, Edgar não é amigo do seu pai, ele o suporta, mas o acha um grande otário e mesmo que não achasse, Edgar não poderia decidir com quem eu fico, então ou você fica longe de mim ou vou fazer você me temer tanto quando teme meu avô.

Núbia o encarou por alguns segundos e André enfim pareceu hesitar, ela então voltou a caminhar e o rapaz ficou parado, na estrada, até que do nada voltou a correr atrás de Núbia e dessa vez a pegou de forma rude.

— Olha aqui _ disse André fervendo em raiva _ eu nunca vou ter medo de uma garota e também nunca levei um fora de ninguém.

— Sempre tem a primeira vez, agora me solta.

André sorriu sádico e tentou beija-la a força, mas Núbia virou a cara e deu uma joelhada na barriga dele o que o fez se afastar.

— Vadia _ berrou ele colocando a mão na barriga.

—_ Escroto, filho da puta, toca em mim de novo que o chute vai ser mais em baixo! _ gritou Núbia.

André estava com os olhos vermelhos de raiva, ele tentou suportar a dor e voltar a agarra-la, mas Núbia deu passinhos para trás se afastando e preparando para chuta-lo novamente, só então notou que alguém se aproximava correndo.

Antes que André conseguisse alcança-la, Cissa se aproximou o suficiente e deu-lhe um chute em giro no ar, acertando em cheio a cabeça de André que caiu no chão, mas não desmaiou.

Cissa ofegante fitou André no chão e Núbia notou que ambos estavam com ódio cada um por seu motivo, e decidiu tentar impedir um homicídio.

— Cissa _ disse Núbia em voz chorosa, não porque estava com medo, ela estava era com muita raiva, mas sim para chamar a atenção de Cícero, e o plano foi bem sucedido, Cissa correu até ela e a abraçou.

— Menina, eu vi você de longe, vi aquele filho da puta tentando te agarrar à força e vim correndo, desculpa por ter te deixado sozinha.

Núbia o afastou e o olhou nos olhos.

— Isso não é sua culpa Cissa, e, eu sei me virar, só vamos embora, está bem? Não quero mais olhar para esse bosta _ disse Núbia fitando André ainda no chão com desdém.

Cissa assentiu a acariciou o rosto dela.

André então começou a se levantar.

— Meu pai vai saber disso _ reclamou ele e tanto Cissa quanto Núbia reviraram os olhos. _ Vai expulsar esse preto da vila.

Cissa respirou fundo, já Núbia queria pular no pescoço daquele escroto que além de machista era racista.

— Você é nojento, André Montes, um verme! _ berrou Núbia.

Ela pegou na mão de Cissa e começou a andar para longe daquele idiota. Ela sentiu que Cissa resistia um pouco, ele estava de cabeça baixa, parecia segurar ao máximo uma bomba dentro de si prestes a estourar. Mas André era burro o suficiente para prosseguir a falar baboseira (merda, no linguajar popular).

— E você Núbia Cabrall, ainda vai se ver comigo, pode ser neta de Edgar, mas continua sendo somente uma vadia metida _ ele então riu em deboche e disse a frase final _ e ainda vai estar em minhas mãos, vai ser minha vadia.

Núbia rosnou, mas tentou ao máximo segurar a vontade louca de espancar aquele rapaz, já Cícero não foi tão forte. Ele repentinamente largou da mão de Núbia e correu em direção a André, que imediatamente deixou de ser corajosos e arregalou os olhos.

— Nunca mais fale assim dela! _ bradou Cissa dando um chute em André que o colocou de volta no chão.

— Cissa! _ exclamou Núbia.

Ele a ignorou e deu alguns pontapés em André, depois subiu em cima dele e começou a socar sem parar a cara do infeliz.

Núbia ficou sem ação, Cissa sequer parecia ele mesmo, estava uma fera violenta e irracional. André tentou se defender inicialmente, mas sua força não era comparável com a de Cícero e logo até mesmo gritar o Montes não conseguia, pois sua boca estava tampada por dentes quebrados e sangue.

— Cissa para, por favor  _ pediu Núbia na voz chorosa que costuma fazer os homens obedecerem (fato), mas sequer isso funcionou.

Logo, quando André não tinha mais forças, estava com cara deformada por socos e coberto de sangue, Cissa o pegou pelo pescoço e aproximou-se dele, o encarando frente a frente.

— Se seu pai não te deu essa educação, eu dou: Quando uma mulher fala não, é não. E nunca mais toque em um fio de cabelo de Núbia Cabrall, nem sequer a olhe, ou você vai entender porque me chamam de demônio.

André sequer conseguia responder, estava com os olhos esbugalhados,  engasgado com o próprio sangue, mas vivo.

Cissa enfim o largou, ele estava ofegante, olhou para André depois para as próprias mãos ensanguentadas e só então pareceu notar o que fez. Ele engoliu seco, parecia pasmo, envergonhado de si mesmo.  Cícero fitou Núbia e ao vê-la com expressão assustada sentiu um aperto no coração, Núbia notou aquilo, notou que Cissa estava tão assustado quando ela, sem dizer que a Cabrall não era a melhor pessoa para julgar o descontrole de alguém, ela também já perdeu a paciência com muitas pessoas e cometeu burrices. Decidiu assim não julgar e somente estendeu as mãos para Cissa.

— Vamos.

Ele assentiu, foi até ela, mas não pegou em sua mão. Somente prosseguiu caminhando estrada adentro e Núbia o acompanhou.

Já estavam na metade do caminho, em silêncio, cabeças baixas e um turbilhão de pensamentos.

— Me perdoe _ sussurrou Cissa.

Núbia o fitou.

— Por te me salvado? Cissa, não há nada para perdoar.

— Eu te assustei não foi? _ Cissa a encarou com o cenho franzido. _ Quando bati no André daquele jeito.

Núbia deu de ombros.

— Eu... Não sei. Você passou do limite é claro, não precisava ter feito aquilo, mas André merecia uma surra, fico imaginando se ele já não tentou agarrar outra garota a força, esse pensamento me dá nojo. Ele falava como se toda garota tivesse obrigação de se entregar para ele.

— A grande maioria do povo daqui vive ainda no século XX, menina _ explicou Cissa.

Núbia assentiu, mas viu que Cissa, ainda estava apreensivo, parecia incomodado e no fundo, ela também estava assim, então prosseguiu.

—O meu lado malvada gostou de te ver batendo naquele filho da puta _ admitiu Núbia e Cissa deu uma risadinha _, mas... É, eu fiquei um pouco assustada, nem tanto pelos tapas, mas... Quando você disse para ele, sobre o porquê de te chamarem de demônio, aquilo sim me assustou.

Cissa prendeu a respiração, parecia ter sido pego de surpresa.

— Eu disse isso, não foi? Nem percebi, falei sem pensar, quis colocar medo nele, pois é isso que caras fazem quando batem em outros caras _ brincou ele, mas Núbia não riu.

— Por que te chamam de demônio, Cissa? _ perguntou simplesmente.

Cissa respirou fundo e desviou o olhar.

— Porque é assim que me veem menina. E você, como me vê?

Núbia parou de caminhar e pegou Cícero pelo braço. Os dois ficaram frente a frente.

— Você nunca me deixa te conhecer o suficiente para fazer uma imagem certa de você. Mas definitivamente, não consigo te ver como um demônio.

Cissa sorriu de leve.

— Isso basta. E eu juro, que de agora em diante, vou ser menos misterioso com você.

Núbia sorriu.

— Isso seria ótimo.

— Então, vamos começar pela família, eu conheço bem a sua, agora você tem que conhecer a minha também.

Núbia assentiu com um sorrisinho satisfeito e os dois voltaram a caminhar.

Cissa pegou alguns papéis do bolso da calça, os sujando com um pouco de sangue de André.

— Olha, essas são cartas da minha mãe _ ele entregou para Núbia.

Núbia pegou as cartas e as analisou por fora. Vinham de salvador, capital da Bahia e eram enviadas por Tereza Akilah.

— Nem imaginava que você tinha mãe _ admitiu Núbia.

— Ah, claro, nasci de uma flor de lótus _ disse Cissa fazendo um sinal expansivo.

Núbia lhe deu uma bofetada no braço.

— Você entendeu o que eu quis dizer, você nunca falou de mãe alguma.

— É, mas agora, eu quero que você me conheça, então ai está o que para mim representa toda uma família, Tereza Akilah, que eu carinhosamente chamo de Mainha _ Cissa se aproximou e cochichou no ouvido dela _ eu faço isso para zoar o sotaque baiano dela na verdade, ela fica doida de raiva por isso.

Núbia riu

— Até sua mãe você irrita Cissa!

— Claro _ disse Cissa _. Quanto mais eu gosto de alguém mais eu irrito.

— Você me ama então _ brincou Núbia, mas logo, tanto ela quanto Cissa pareceram envergonhados com aquela observação.

— Ela é mãe adotiva na verdade _ disse Cissa mudando de assunto. _ Ela é sobrinha do dono da biblioteca, Francisco Akilah, e após a morte dele, eu fui viver com ela, e desde então ela cuidou de mim e me registrou como seu filho.

— legal _ disse Núbia com um sorrisinho, além do mais, também teve uma mãe adotiva. _ Ela deve ser uma pessoa incrível.

— Muito. Já minha mãe biológica não existe _ prosseguiu Cissa.

— Como assim? _ perguntou Núbia confusa.

— Porque eu nasci de uma flor de lótus, oras _ disse Cissa como se aquilo fosse obvio e Núbia revirou os olhos _ é sério, aquele dia foi lindo, estava garoando, mas logo a garoa deu lugar ao Sol e seu delicioso calor, e então um arco íris surgiu anunciando a que Cicero Akilah, o belo, nasceria.

Cissa fez uma expressão encantada e apontou para si mesmo.

Núbia riu.

— Que gay.

Cissa se fez de indignado.

— você não acredita em mim?

— Você é maluco Cissa.

Os dois passaram o resto do caminho rindo e falando besteiras aleatórias, se esquecendo de qualquer coisa ruim, como por exemplo, que haviam quase matado alguém minutos atrás. Mas quem nunca?

...

Ao chegar no casarão, Núbia abriu a porta e observou a sala e as escadas, não havia ninguém. Ela então entrou e tentou subir em passos rápidos, mas silenciosos, porém logo ouviu uma voz vinda do escritório.

— Até que enfim _ disse Edgar encostado na porta.

— Demorei muito? _ perguntou Núbia cautelosa.

— Um pouco, mas tanto faz, preciso da sua ajuda, venha.

Núbia não gostou muito da ideia, mas se aproximou de Edgar, ele fez sinal para que ela o acompanhasse e ela o seguiu.  Eles se aproximaram de uma taça de prata, acima da escrivaninha, repleta de detalhes estranhos, entre tais, relevos em formato de serpente e descrições que Núbia não roube identificar.

— O que o senhor vai fazer? _ perguntou a garota fitando aquela taça que ela podia jurar não servir para bebidas.

— Um ritual, e, vou precisar de você, mais especificamente do seu sangue _ explicou Edgar sem delongas.

Núbia arregalou os olhos e cruzou os braços escondendo os pulsos.

— Está maluco. Eu não vou dar meu sangue para você.

Edgar revirou os olhos.

— Gosta do Noite?

— O corvo? Gosto, mas o que isso tem haver?

— Ele está envelhecendo, um corvo comum tem estimativa de trinta anos de vida, Noite tem 50, e acredite, não é só graças a uma boa alimentação. O mesmo método para envelhecer de maneira devagar que eu faço em mim, eu faço nele, e digamos que está na hora de renovar o feitiço.

— E por que precisa do meu sangue?

— Você é jovem e tem alma pura.

Núbia levantou uma sobrancelha.

— A parte do jovem até vai, mas de alma pura, eu não teria tanta certeza _ debochou ela.

Edgar assentiu lentamente pensativo.

— Animais e crianças pequenas costumam gostar de tu, guria?

Núbia achou a pergunta estranha, mas respondeu mesmo assim.

— Sim.

— Você costuma ficar realmente nervosa quando fazem algo contra você, ou contra outro alguém?

— Hum... Ás vezes em que briguei sério foi para defender alguém, mas..

— Mas nada. Você tem alma pura _ concluiu Edgar.

Ele apertou em um relevo do seu cajado negro e na ponta deste surgiu uma garra afiada de prata.

— Me dê seu braço _ ordenou Edgar.

Núbia olhou a arma que surgira do cajado e depois olhou Edgar, definitivamente aquilo não lhe parecia boa ideia.

— Não vou te matar, guria, são só algumas gotas _ insistiu Edgar já perdendo a paciência.

— Você é um chupa-cabra, bebe sangue, como posso acreditar em você?

Edgar revirou os olhos e bufou.

— Bah, tchê. Odeio o nome chupa-cabra, não me chame mais assim, por favor. E eu sei me controlar, está bem? Pensei que fosse mais corajosa.

A frase final conseguiu irritar Núbia, se tinha uma coisa que ela não gostava era de ser chamada de covarde. A Cabrall então estendeu o braço, o que fez Edgar sorrir de canto.

Ele colocou a mão da garota acima da taça de prata, e com a ponta retrátil do cajado, cortou a palma da mão dela.

Núbia contraiu os lábios, mas não gritou, mesmo que dor fosse grande. Ela fechou o punho com força derramando mais sangue na taça.

— Ótimo _ disse Edgar analisando o sangue derramado na taça. _ Já está bom.

Núbia imediatamente contraiu o braço, analisou o corte na mão que ainda sangrava, depois fitou Edgar, que pegava a taça e sentia o aroma do sangue, como se analisasse a qualidade de um vinho.

Os olhos dele ficaram pretos por alguns segundos, depois ele  colocou a taça de volta na mesa e voltou ao normal.

— Seu sangue parece ótimo _ observou Edgar e ao ver a cara de assustada de Núbia, abriu um leve sorriso _. Ótimo para um ritual, calma.

— Bem, então, agora não vai mais precisar de mim?

— Por enquanto não, mas fico feliz em saber que não preciso mais sair por ai à procura pessoas com alma pura para fazer meus feitiços _ admitiu Edgar.

Núbia fez cara feia.

— quer me usar como sua bolsa de sangue para bruxaria, sério?

Edgar deu de ombros.

— Por que não? Agora vá para seu quarto e estude os livros que te emprestei, de preferência.

Núbia bufou, mas não contra argumentou, ela realmente queria logo sair dali, precisava cuidar do ferimento da mão e não queria mais ajudar Edgar em feitiço algum. Ainda sim, havia várias perguntas que ela precisava fazer, então não poderia evita-lo.

— Edgar... Mais tarde, quando não estiver ocupado, posso fazer umas perguntas?

Edgar levantou uma sobrancelha.

— Claro, minha nova bolsa de sangue favorita.

Núbia rosnou não gostando nada do novo apelido, mas simplesmente se foi.

Ela estrou em seu quarto, e após enrolar a mão com ataduras, sentou-se na cama e fitou o celular em cima do criado mudo. Havia uma notificação do whatsapp. Ela sorriu esperançosa, pegou o celular e confirmou a ideia. Era William.

“Eu tô bem, apesar da saudade e vc ruiva?” _ respondera William há meia hora.

Núbia imediatamente tratou de responder.

“bem melhor agora que tenho internet, tbm estava com saudade”

Núbia saiu do whatsapp, mas ficou fitando a tela do celular esperando uma resposta. Logo apareceu uma chamada de vídeo e ela atendeu, se deparando com William sorridente e com seu cabelo liso, com franja azul e aqueles olhos castanhos e alegres.

— Núbia! _ disse ele histérico.

Núbia riu e levantou o celular para que rosto dela ficasse mais visível.

— William, você pintou cabelo de novo?

William passou mão nos cabelos com um sorrisinho.

— Cansei daquele rosa, mas achei que essa cor super combinou _ disse ele em seu jeitinho delicado.

— Muito.

Ele então a analisou.

— Nossa, você também mudou um pouquinho, está sem maquiagem, nem um lápis de olho, meu Deus.

Núbia deu ombros.

— Ah, não vejo mais motivo para me maquiar, para dizer a verdade.

William revirou os olhos.

— Ai amiga, apesar de você ficar uma gracinha sem maquiagem, estou te achando muito para baixo, o povo desse lugar tá te tratando mal, não está?

William a encarou como sempre fazia quando queria ouvir a verdade dela e Núbia suspirou. Não queria mentir para o melhor amigo de anos, mas também não poderia falar a verdade.

— É... digamos que as pessoas daqui não são as melhores, mas também não é tão mal assim. Eu estou me adaptando.

— aham _ disse William não muito convencido _. E quando vai voltar para São Paulo?

Aquilo pegou Núbia de surpresa.

— Eu... Não faço ideia William, de verdade, não sei.

William contraiu os lábios, desanimado e Núbia prosseguiu, tentando deixar a situação menos desagradável.

— Mas enquanto eu não volto, não vamos deixar de nos falar, ne?

William revirou os olhos.

— Claro, ne, boba.

Os dois riram e começaram a falar de suas ultimas semanas, William parecia ter continuado com a mesma rotina de sempre, nas férias ele trabalhava numa loja de sapatos, e assim prosseguiu, ele também falou de alguns lances com alguns garotos, mas nada sério. Núbia por sua vez, tentou contar sobre seus dias tirando as partes sobrenaturais das histórias, algo bem difícil. Ela falou obre seus tutores, Iara e Edgar, brigarem bastante, falou sobre Cissa, sobre a vila Fim do Mundo que realmente era um fim do mundo, sobre Cissa novamente, sobre o quão grande era o sítio em que vivia, e, sobre Cícero Akilah.

Não precisou muito para William notar a queda de Núbia por Cícero, e muito menos para ele falar sobre isso.

— Você está apaixonada, ruiva?

Núbia sorriu nervosa.

— Não! Quem sabe. Olha, por enquanto eu e Cissa somos só amigos, nada mais que isso.

— Aham sei _ disse William com um sorriso malicioso.

A chamada em vídeo então começou a dar defeitos, a imagem piscava, travava e falhava.

— Tem algum problema com a net _ disse Núbia.

— O que? Não estou te entendendo Núbia _ disse William que também notou defeito no áudio e na imagem.

Logo a tela ficou preta e depois, voltou ao inicio do celular, Núbia fungou com raiva e viu que a net havia caído.

Ela revirou os olhos, se levantou para achar o roteador e resolver o problema, mas ao tentar abrir a porta, a mesma pareceu trancada. Ela mexeu a maçaneta, a chave estava para o lado de dentro e não havia sido tocada, a porta não poderia estar trancada.

— Por que essa droga não abre? _ reclamou Núbia novamente tentando abri-la.

— Precisamos conversar _ disse uma voz feminina logo atrás.

Núbia se virou imediatamente, mas não viu nada, nem ninguém, ela caminhou cautelosa, notou que a janela estava fechada e a porta do banheiro também.

— Quem disse isso? _ questionou Núbia, mas não houve resposta.

Núbia engoliu seco e foi até o guarda roupa, abrindo-o com cuidado, mas não havia nada lá. Ela então olhou o grande espelho que havia na porta do guarda roupa e gritou.

No reflexo Núbia via uma moça atrás dela, de cabelos ruivos escuros e lisos, olhos negros rasgados e pele meio avermelhada, ela usava um vestido longo, cinza e ensanguentado.

Núbia estava acostumada a ver fantasmas para dizer verdade e era comum eles parecerem em espelhos, mas o que mais a assustou naquele em quentão, era a semelhança com ela mesma.

Núbia olhou para trás,  não havia ninguém, depois voltou a fitar o próprio reflexo no espelho e viu a mulher ensanguentada ao seu lado, ela tentou não demonstrar medo, engoliu seco e encarou o fantasma pelo reflexo.

— O que quer? _ perguntou a menina.

— Quero que o salve _ disse a moça com voz fraca _. Quero que salve a alma dele. Ele nunca conseguiu me ver, seu ódio não o permite, mesmo eu estando nessa casa ás vezes, mas você consegue, é uma grande Cabrall.

— De quem está falando? Quem precisa ser salvo?

— Meu pai, seu tataravô.

Núbia levantou as sobrancelhas compreendendo.

— Edgar. E você, é a Thayna.

A moça sorriu de canto e assentiu com a cabeça.

— Ele já foi um grande homem, Núbia, o salve.

— Salvar do que?

Núbia viu Thayna se aproximar dela pelo reflexo do espelho e cochichar em seu ouvido, o que a fez sentir um arrepio pelo corpo todo.

— Dele mesmo, você precisa salva-lo dele mesmo. Mas jamais, jamais pergunte sobre mim para meu pai, isso lhe será como uma facada.

Núbia franziu o cenho.

— Como assim?

A imagem de Thayna começou a desparecer, Núbia olhou para a lado depois voltou-se ao espelho  e ela havia sumido.

— Droga! _ reclamou Núbia.

Para Núbia o fato mais irritante em fantasmas nem era eles a atormentaram desde a infância e faze-la parecer maluca, e sim, a mania que todos eles tinham de desparecer nas melhores partes da conversa.

— Thayna _ chamou Núbia olhando para todos os cantos do quarto. Ela então fechou a porta do guarda roupa com raiva _ Fantasmas idiotas, sempre querem minha ajuda, mas não respondem nem uma mísera pergunta.

Núbia sentou-se de frente com a penteadeira e fitou o reflexo.

— Você disse para eu jamais falar sobre você com Edgar, não é? Mas se não me der respostas vou sim tentar consegui-las com seu paizinho _ provocou Núbia.

E sua chantagem foi um sucesso. Logo Thayna reapareceu, dessa vez, de pé atrás de Núbia.

— Sua persistência é digna de uma Cabrall _ admirou Thayna e Núbia sorriu convencida.

Logo a fantasma colocou as mãos sobre a cabeça de Núbia e imediatamente tudo ficou escuro.

Núbia sentiu-se tonta e quando sua visão voltou, ela se viu deitada na grama do quintal do casarão, mas com certas diferenças, as flores plantadas eram outras, e tanto o casarão como a baia de cavalos não eram vermelho sangue, tão pouco pareciam desgastado, muito pelo contrário, pareciam ter sido construídas a pouco tempo e eram pintados de branco.

Núbia se levantou ainda confusa e logo ouviu um grito vindo do bosque, que não estava tão diferente.

Um rapaz então surgiu dentre mata, correndo. Ele tinha cabelos cobres, olhos azuis gélidos e era um tanto magricela, parecia ter uns 20 anos. Ele corria desesperado e pareceu não notar Núbia parada com cara de idiota no meio do quintal.

— Pai! Iara! _ berrou ele.

Logo a porta do casarão se abriu e um homem belo, com camisa branca, calça preta e um chapéu negro apareceu segurando um cajado também negro, junto a uma mulher que Núbia reconheceu de cara, era Iara, vestida com roupas azul da década 20, mas era Iara. E quando o homem tirou o chapéu Núbia pode ver seus cabelos ruivos e olhos azuis gélidos, concluindo que era Edgar, com a aparência de uns 40 anos.

— Henrique, cadê sua irmã? _ perguntou Edgar nervoso.

O rapaz magricela estava ofegante.

— Estávamos no bosque quando ela apareceu, aquela maldita bruxa, não consegui impedi-la de leva-la _ dizia ele aos prantos.

Iara colocou a mão na boca pasma, já Edgar ficou com os olhos totalmente negros.

Ele praticamente jogou Henrique para o lado e avançou em direção a floresta.

— Não foi minha culpa! _ disse Henrique em desespero.

— Ele sabe disso _ murmurou Iara para o rapaz tentando acalma-lo, depois foi atrás do marido.

Logo, porém todos pararam bruscamente fitando algo no bosque, Núbia seguiu o olhar de todos e viu Thayna da mesma que forma que aparecera para ela, de vestido cinza e ensanguentado.

Ela estava curvada para frente com sangue saindo pelos olhos, orelhas, nariz e boca.

— Pai _ gemeu ela caindo de joelhos.

Todos imediatamente correram até a moça, mas uma parede invisível os proibiu de se aproximar.

Edgar berrou e fumaça negra saiu de seu cajado e foi contra a parede, Iara invocou água do subsolo, Henrique se transformou em chupa cabra e avançou contra a parede, mas nada destruiu aquela magia.

Os três tentaram de tudo, mas tiveram que ver Thayna morrer aos poucos, sem poder fazer nada.

Edgar era o mais despertado, suas veias soltavam para fora, ele via sua filha vomitar sangue e pedaços dos próprios órgãos, a viu ficar pálida, sem vida até desabar no próprio sangue.

Enfim a parede magica se desfez, Edgar correu até a filha, se ajoelhou, jogou o cajado para longe e a pegou no colo, mas já não havia o que fazer.

Edgar tremia em desespero e dizia baixinho o que provavelmente eram feitiços, mas nada foi útil. Henrique voltou a forma humana e berrava em desperto.

— Temos que fazer algo! Faça algo Edgar! Qualquer bruxaria, faça!

Iara se ajoelhou e colocou a mão com delicadeza sobre a testa de Thayna, logo começou a chorar.

—_ Nunca vi magia mais negra... Não podemos fazer nada _ soluçou ela acariciando o rosto desolado de Edgar.

Edgar abraçou o corpo ensanguentado da filha e expressou profunda dor.

— NÃO!

O grito de dor emitido por Edgar Cabrall foi ficando distante, logo Núbia se viu novamente sentada na penteadeira de seu quarto, fitando a si mesma pelo espelho.

Thayna não estava mais lá e nem precisava, ela já havia respondido o suficiente para Núbia.

Ela respirou fundo, tentou não pensar naquelas cenas horríveis, mas era impossível, imaginou se era difícil para ela ver Thayna morrer daquele jeito, como era para Edgar?

Aquela visão sem dúvida fez nascer um sentimento forte dentro dela, um sentimento de afeição por Edgar, uma identificação, pois Núbia também viu quem amava morrer ao poucos sem poder fazer nada para impedir, sabia o quão isso doía, o quão isso podia destruir a alma de alguém.

— Obrigada Thayna _ disse Núbia baixinho _. Eu... Vou tentar salvar seu pai, não sei como, mas vou.


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Notas finais do capítulo

Obrigada á todos que estão acompanhando e até a próxima.



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