O despertar escrita por Tha


Capítulo 6
VI — Para a garota que tem tudo


Notas iniciais do capítulo

OPA, TUDO BOM? Podem respirar porque eu voltei!



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Som.bra: sf. Obscuridade produzida pela interceptação dos raios luminosos por um corpo opaco.

Antes

Estou tentando sufocar o pânico crescente, o sentimento agudo de medo que eu tinha sempre que passava pelo cemitério de Ellicot. É melhor ir andando, dizia Adam quando éramos crianças, senão eles vão botar a mão para fora do tumulo e agarrar seu tornozelo.

Aqui está um fato interessante sobre a morte, mais especificamente, sobre a minha morte. Basicamente, Anjos Caídos não podem ser mortos. Eles só podem ser expulsos de acordo com rituais específicos. Somente Anjos Celestes podem ferir ou aprisionar demônios, e só o fazem, geralmente, com o consentimento de Deus, O Criador. Lembre-se, nem mesmo Jesus quando esteve na Terra, matou um demônio sequer. Acho que a essa altura do campeonato, todos nós sabemos que isso é puramente história para Nephilim dormir. Sabemos da relíquia feita por uma Bruxa poderosa demais, para um Caído poderoso demais, meio que combina. A espada feita do aço mágico de Riverland, uma terra esquecida pelo tempo, é muito pouco valorizada. Deus, como eu queria não ter dado aquela espada para Beth.

Neste exato momento, estou me sentindo como uma criancinha se aventurando pelo cemitério, tendo os tornozelos puxados pelos mortos em uma noite de halloween. Me sufocando.

— Desculpe, mas quem é você? — Ava pergunta, me tirando temporariamente do meu torpor.

— Meu nome é Amélia Bennet, a princesa de Tarsus.

— Querida, Tarsus deixou de existe há muito tempo — Ava sorri — Mas a ala psiquiátrica fica logo ali. Ei, Clove não está estagiando lá? Cara, ela é boa, acho até que...

— Ava, por favor — Toco sua mão, ainda atordoada e perdida, encarando minha ancestral que deveria ser uma múmia agora.

— Sabe, Allyson, foi realmente um choque acordar em um museu há milhares de quilômetros daqui, vendo pessoas vestindo roupas estranhas, falando palavras estranhas. Pessoas que não me conheciam. Pelos deuses, acharam que eu era uma peça — Amélia se senta com a gente como uma perfeita dama da corte, mas suas palavras a fazem uma víbora sem coração — E sabe como é completamente incabível a ideia de que eu tenha morrido no dia do meu aniversário, consequentemente, minha coroação. Bom, com toda essa confusão e uma amiga nova, acabei descobrindo que o amor da minha vida ainda estava vivo, e com o mesmo rostinho bonito, mesmo depois de anos e anos. E que tudo que passei, toda minha vida, foi tudo uma... maldição e ele sabia que eu iria morrer aquele dia! Pensei nas histórias que minha criada me dava para ler, de romances épicos e amores eternos, mas Benacci não está me esperando, está se agarrando com outra garota dessa profecia idiota que ao contrário de todas, não morre tão facilmente. Então me responda, querida, esse é o segredo para segurar um homem? Ser imortal?

— Amélia, eu sinto muito, eu... — Gaguejo sem querer acreditar naquilo, que ela estava bem ali na minha frente — Ele amou você, sei que amou, muito.

— Claro que amou, eu era da realeza, todos me amavam. Até eu ser rebaixada a ficar escondida nesse mundinho sujo. Só não entendo como ele pode amar você, tão sem classe, tão... blé.

— Pelo Anjo, como é que você tá viva? — Ava se inclina e faz a pergunta de um milhão de dólares.

— Já faz um tempinho, estamos reunindo todo mundo para partir, mas pensamos em fazer uma baguncinha primeiro.

— Quem? — É a minha vez de arrancar alguma coisa da garganta.

— Eu e umas amigas.

— Mas o que...

— Ah, não se preocupem, eu sou só uma distração divertida, não tenho todas as respostas.

— Uma distração? — Ava e eu fizemos ao mesmo tempo e meu coração começa a palpitar. Alguns segundos depois meu celular toca.

— Vem para o dormitório agora, aconteceu uma coisa terrível — Clove diz ofegando.

Abro a porta com tanta força que quando ela bate na parede, pequenas rachaduras se formam ao redor do batente. Entro cambaleante e encontro Jason semi-inconsciente, tão ferido e ensanguentado que o reconheço apelas pela tatuagem no braço.

— Ah meu Deus.

Parece que Jason foi atacado por um animal selvagem. Suas roupas estão manchadas de sangue, e por um apavorante segundo sou lançada ao passado, de volta às tragédias que achei que tinham acabado, de volta à Atlântida e à hidroelétrica. Mas então a visão se vai e vejo Jason de novo, de quatro, tossindo e cuspindo sangue no chão.

— O que aconteceu? — Deixo tudo cair no chão e me ajoelho ao lado dele — O que fizeram com você?

Um som gorgolejante sai do fundo de sua garganta, seguido por mais um acesso de tosse. Jason cai sobre os cotovelos, e meu peito é tomado por um medo terrível. Ele vai morrer, penso, e a certeza chega com uma onda de pânico.

Não. Isso é diferente. Isto eu posso resolver.

— Esqueça. Não tente falar — Digo.

Ele agora deslizou para o chão, está quase em posição fetal. Sua pálpebra esquerda treme, e não sei o quanto ele ouve ou entende. Coloco sua cabeça em meu colo com delicadeza e o ajudo a deitar de costas, engolindo o grito que surge em minha garganta quando vejo seu rosto: a pele completamente irreconhecível, uma coisa surrada e sangrenta. Seu olho direito está fechado de tão inchado, e o sangue brota veloz de um corte profundo acima da sobrancelha direita.

— Merda — Digo.

Já vi ferimentos graves no pouco tempo que fiquei no acampamento, mas sempre havia medicamentos e instrumentos de primeiros socorros por perto, mesmo que rudimentares. Aqui não tenho nada, e não quero levá-lo ao hospital sem antes saber se o que o atacou é humano. Então peço ajuda de Ava por enquanto.

— Fique comigo — Digo, tentando manter a voz baixa e calma, caso ele esteja consciente e me ouvindo — Vou ter que tirar sua camisa, tudo bem? Tente ficar o mais parado possível. Vou fazer uma compressa. Vai ajudar a conter o sangramento. Clove, ligue para Holland, diz que é urgente e que se foda o bar. Para a Kaleesa também.

— Tá bom — Ela responde com o celular na mão e sai do quarto parecendo aliviada.

Desabotoo a camisa imunda de Jason. Pelo menos o peito dele parece ileso, fora alguns hematomas grandes e marcas de queimaduras, do tipo que fiz em Adam na enseada. Todo o sangue deve estar vindo do rosto. Quando puxo seus braços de dentro das mangas, ele geme, mas consigo tirar a camisa. Aperto com firmeza o ferimento em sua testa, e ele geme de novo.

— Shhh — Faço. Meu coração está disparado. Ondas de calor irradiam da pele de Jason — Está tudo bem. Apenas respire, tá? Vai dar tudo certo.

Ava trouxe água, então umedeço a camisa e volto a passar em seu rosto, dessa vez com mais delicadeza. Pego também o álcool e faço uma careta ao sentir o cheiro forte e agudo, e sei que vai doer, mas é o caminho mais rápido.

— Vai arder um pouco — digo, e encosto um outro pano limpo na pele de Jason.

Ele imediatamente solta um grito, um rugido. Seus olhos se abrem de súbito, ou ao menos tentam se abrir, e seu corpo dá um solavanco, tentando levantar. Tenho que segurá-lo contra o chão com força para mantê-lo no lugar.

— Dói — Murmura ele, mas pelo menos agora está desperto e alerta.

Meu coração dá um pulo no peito. Percebo que eu mal estava respirando.

— Não seja um bebezão — Digo, e continuo a limpar seu rosto enquanto ele contrai o corpo todo e trinca os dentes.

Depois que limpo a maior parte do sangue, o coloco para dormir em minha cama e observo seu peito subir e descer lentamente. O silêncio me engolia, e o medo de perdê-lo me fazia ter dores de cabeça absurdas. Mas logo Holland chegaria e o curaria. Assim ele me falaria quem fez isso e eu faria o cretino pagar.

— Allyson — Clove surge na porta com o meu celular em mãos — Chegou uma notificação.

Na tela estava escrito:

LEMBRETE: Ouvir áudio 009.

— Não me lembro de ter gravado outra aula essa semana — Comento mais para mim mesma e estou prestes a ouvir quando Jason agarra com força a minha mão.

— Você — O veneno na voz dele me surpreende.

— O quê? — Sorrio desconcertada.

— Você — Repete ele — Você fez isso. Comigo.

Meu coração começa a bater com força, de maneira dolorosa. Por um segundo penso que um dos dois está delirando, e quase torço por isso.

— Ally, deixa comigo por enquanto, eu fico com ele — Clove sussurra com voz gentil, me surpreendendo depois de tanta hostilidade.

— Tá, eu... — Passo as mãos pelo cabelo — Tá.

Saio do quarto e fico andando em círculos na porta por dez minutos até ela surgir de novo com as sobrancelhas franzidas de preocupação, é isso imediatamente me coloca na defensiva.

— É estranho. Ele diz que você apareceu com um vestido vermelho provocante no escritório da casa dele, o seduziu e depois... fez aquilo.

— O que? Passei esse tempo todo com a Ava. Isso é... loucura. Alguém deve ter dado alguma coisa para ele.

— É, vai saber, do jeito que você anda estranha...

— O que quer dizer com isso, Clove? — Tiro a mão da cintura e abro os braços — Quer dizer, para que tudo isso? 

— Pelo amor de Deus — Ela ri e meu celular toca avisando lembrete de novo. Bufo e procuro o áudio na pasta, sem muita paciência para a situação.

“— Você sempre teve pesadelos.”

É a minha voz!

“— Desde que era pequena. Você acordava gritando em seu quarto, como se fosse o fim do mundo. Mas o seu mundo não tinha sequer começado a acabar até aquele dia especial no meio do semestre do colégio. Até aquele momento você teve uma infância perfeita, uma adolescência perfeita. Nenhuma preocupação no mundo além do cabelo. Nenhum peso no coração. Você se lembra? Você se lembra como era? Mamãe e papai ainda estavam juntos e felizes e você era a filhinha amada deles. Até aquele momento na sua festa de aniversário de dezoito anos, quanto tudo mudou. Quando você foi oficialmente considerada a grande Filha da Profecia. Ali acabou a sua vida perfeita. É engraçado. A tristeza me fortalece enquanto deixa você mais fraca. Eu esperei por muito tempo, mas agora a hora está próxima. Está na hora de eu aparecer, Ally. E ninguém poderá me deter. Você vai sumir, e ninguém vai ficar sabendo. Você não pode se esconder dos seus medos, não importa o quanto tente. Não pode se esconder de mim, porque eu sou você.

— Mas que merda — Clove murmura — Você tem esquizofrenia?

Agora

— Holland? O vampiro?

— Sim, ele mesmo — Respondo e me viro para Clove, que agora já está sentada e inclinada sobre nós entre os dois bancos da frente — Por que todo mundo ainda tem essa reação ao ouvir o nome dele?

— Bom, além de ele ser de fato um vampiro? É o primeiro da Terra. E os últimos vampiros que conheci tentaram te matar. Duas vezes.

— Isso é tão legal! — Cam dá um soquinho no volante — Você já lutou contra vampiros. Parece que eu nunca te conheci de verdade, e agora fico descobrindo essas... coisas. Quer dizer, você quase morrer não é legal, mas...

— Tudo bem — Sorrio.

Cam checa de novo as coordenadas no celular antes de parar na frente do pub.

— Mas isso é um bar, tem certeza que é o lugar certo? Ele não deveria morar em uma caverna ou algo do tipo?

— Holland não é o Drácula — Clove dá batidinhas em seu ombro — E estamos no século vinte e um.

— Ele te mataria se ouvisse que disse isso — Saio do carro animada e me dirijo à porta dos fundos.

— O que? — Cameron não se afasta do carro.

— É brincadeira — Clove o puxa pela mão e eu cerro os olhos para a cena.

— Não é não — A contradizo.

Ainda está de dia, então o lugar está vazio de clientes, mas cheio de funcionários. Uns caras checam o som no palco e chuto ser a banda dessa noite. Dois ou três barman’s limpam o balcão das bebidas e os cuidam do chão e das mesas.

Não é difícil encontrar Holland, ele está sentado mais ao fundo, rodeado de papéis e com uma ruga de preocupação entre as sobrancelhas.

— É, não é fácil mesmo lidar com contas — Pigarreio e então ele levanta a cabeça.

— Ah mas eu não acredito — Ele diz — Meus queridos amigos, abram espaço para Allyson Hale passar.

— Como você ama tanto chamar atenção continua um mistério para mim — Sorrio quando o abraço forte.

— E você ama quando faço isso.

— Bom, a Clove você já conhece, e esse é o Cameron.

— Claro, e aí — Os dois trocam aqueles cumprimentos de garotos que eu nunca entendi muito bem e sentamos.

— Então, a encrenca da vez?

— A barra tá pesada, Ally — Holland me joga um olhar conspiratório que Clove logo entende, puxando Cam para o balcão: a conversa não é para novatos — Sua amiguinha levou Jason para Riverland, e estão aprontando bastante, preocuparam a Ava, e ah, você sabe como sou com aquelas pessoas do abrigo. Ele tá diferente, essa Allyson é uma diaba. Ava acha que as outras podem invadir o local a qualquer momento.

— Mas o que ela iria querer lá?

— Não sei, para fazer o ritual de transformar Jason, talvez. E ela tem a Ayla, sabe como todos são com a Ayla.

— É, eu sei — Digo a contragosto e engulo em seco — O que podemos fazer?

— Reunir o pessoal, partir e tentar resgatar o pouco de humanidade que sobrou nele. Você deixou as coisas meio loucas por aqui.

— Sempre foi uma loucura — Suspiro e me viro para checar Clove, conversando animada com Cam enquanto bebia alguma coisa rosa — Eu acho que... as coisas vão começar a melhorar — Tento soar otimista, mas foi a última coisa que Clove me disse antes de eu ir embora e não ajudou muito.

— Nós vamos encontrá-lo, e quando isso acontecer, ele vai derrubar esse muros que você construiu ao redor do seu coração. E quando o amor voltar para você, você deve fazer todo o possível para lutar por ele. Eu sei.

— Não acho que Jason... seja o principal motivo dessa missão para mim. Eu o amo, mas Ava, o acampamento, meus amigos...

— Eu entendo — Ele diz e quando não pareço muito convencida, ele pega minha mão — Allyson, eu entendo.

— Obrigada.

♕♕

— Allyson Hale, então quer dizer que vivo pedindo para que volte para casa, ou que passe ao menos os feriados comigo, mas quando Clove vai até Nova Iorque, você volta correndo — Minha mãe bebe um longo gole de vinho.

— Jason precisa de mim.

— Eu preciso de você, é minha filha!

— Você não foi sequestrada pela minha versão do mal e levada até a Grécia para um ritual macabro, mãe — Sorri e bebi também, mas quando a olhei esperando uma resposta, ela estava com aquela cara — Tudo bem, você está certa, mas como eu já disse, sabia das consequências quando me adotou.

— Ouça, Ally, sobre essa... cópia, há algo que precisa saber.

— Não, espera, já pensou em arrumar um namorado? Isso não seria trair o papai, você precisa ser feliz também.

— Por Deus, não! — Ela ri balançando a cabeça, mas para se lembrando de algo — Quando viaja?

— Talvez na semana que vem, mas não mude assunto, o que houve com o Jack?

— Não deu certo.

— Mae! Você vai envelhecer com uma dúzia de gatos — Meu celular toca e o nome Ian aparece na tela — Desculpa, mas preciso atender.

— Claro.

— Hey! Você tá vivo! — Sorrio ao deslizar o dedo pela opção verde, mas me parece meio forçado — Achei que nunca mais iria querer falar comigo depois de...

— Eu te chamar para sair e você recusar?

— É — Escuto Ian rir do outro lado da linha — Não é uma boa hora, estou com a minha mãe e...

— Não, tudo bem, eu só queria ouvir sua voz.

— Já conversamos sobre isso, Ian — Coloco a mão na cintura e ando em círculos, cerrando os olhos por causa do sol de meio-dia e chutando pedrinhas pelo caminho.

— Eu sei, não vai rolar, mas me peguei me lembrando do dia em que nos conhecemos.

— É, foi legal, o “não beijo” e a queda do banquinho, você não lembrando das cantadas no dia seguinte... — Sorri.

— Ah, pois é, a verdade é que...

Não ouvi mais nenhuma palavra, e não sei se deixei o celular cair ou se simplesmente entrei em um estado de transe completo. Tudo à minha volta desapareceu quando meus olhos se focaram em uma garota ruiva. Para ser mais exata, Adina estava sentada debaixo de uma árvore com um livro na mão e um sorriso pequeno, mas arrebatador nos lábios.


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