Viajantes - O Príncipe de Âmbar escrita por Kath Gray


Capítulo 18
Capítulo XVII


Notas iniciais do capítulo

Hey!
Como o meu capítulo anterior não foi muito bem-recebido (creio eu, é claro, já que não tenho como saber se alguém de fato leu nas últimas duas semanas), eu resolvi deletá-lo para manter a linha temporal fixa~
Por um lado, ninguém é muito fã de ler sobre viagens longas, mas por outro eu não enxergo Viajantes sem esses pequenos detalhes, então resolvi tentar juntar o máximo de tempo possível nesses dois capítulos. No máximo até a metade do próximo eles chegam no novo reino~~
Bom, espero que gostem! Me esforcei bastante para deixá-lo bem leve! o/



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— Ok, todo mundo no três! Um. Dois. Três!

Ao sinal de Kath, ela e o irmão fizeram força para cima. Cada um deles segurava um dos pés de Dean. Com o impulso, o garoto finalmente conseguiu cobrir a distância que faltava para subir nas costas de Gavi. Com um pouco de esforço, passou uma das pernas para o outro lado.

Era estranho sentar-se nas costas da ave. Por um lado, era como se montasse em um cavalo, mas por outro a curvatura era completamente diferente, e dava bem menos firmeza às suas pernas. Além disso, as asas dificultavam na hora de encontrar uma boa posição.

— Certo! Agora eu. Dean, pode ir um pouco mais para trás, por favor? - pediu Ty.

Dean fez o que ele disse. Com um único impulso para cima, Ty conseguiu aterrissar de lado no dorso do pássaro e rapidamente ajeitou sua postura. Enquanto isso, Kath subia em Lyssa com a mesma facilidade.

Ellie então voou até Ty e, depois de pousar, mudou de forma. Seu corpo diminuiu de tamanho e assumiu um formato de um quadrúpede arredondado, e três pequenas garras surgiram em cada pata dianteira e traseira.

Rue fez a mesma coisa e usou os novos dedos para segurar-se nas roupas de Kath no colo da garota.

— Ahn, o que elas estão fazendo? - perguntou Dean.

— Rue e Ellie são muito rápidas, mas nem elas conseguem se equiparar a Lyssa e Gavi. Eu sugiro que Pinmur faça a mesma coisa, se não quiser ser deixado para trás - brincou ela.

Pinmur apressou-se em fazer o que ela sugerira. Quando os três protetores estavam prontos e firmes, as aves prepararam-se para subir.

— Ei, espera - disse Dean. - Como nós vamos nos segurar?

— Essa parte, deixa comigo. - disse Ty. - Você só tem que se segurar em mim.

— Mas…

— Estamos prontos, Gavi!

Ei, espera…

O pedido de espera de Dean não foi atendido. Antes que ele pudesse perguntar qualquer outra coisa, um forte bater de asas os tirou do chão.

As duas aves subiram no ar em uma velocidade assustadora. Seu voo era tão vigoroso que elas se erguiam pelo menos dois metros a cada bater.

Depois de alguns instantes, elas já atravessavam as copas das árvores, fazendo com que vários dos galhos batessem em seus passageiros e várias folhas se prendessem às suas penas. O barulho dos ramos se quebrando ou torcendo-se para sair do caminho era estrondoso.

Durante todo o começo do voo, Dean segurou-se com toda a força que podia em Ty, que estava inclinado para a frente para conseguir firmeza. Ele fechou seus olhos com força, tentando protegê-los do perigo.

Eu vou cair. Eu vou cair, pensou, em pânico.

E então, o silêncio.

Dean soube que estava acima da linha das árvores quando sentiu o vento em seus cabelos. Não jogando-os para baixo, mas para trás. Todo o barulho se foi em uma fração de segundo, dando lugar a um leve e constante assobio. Com a cabeça e o bico de Gavi cortando o ar à sua frente, quase não havia resistência puxando-o para trás, comparado com o que seria de se esperar.

Lentamente adquirindo alguma sensação de segurança, Dean ergueu o rosto para ver ao redor.

Eles haviam subido algumas poucas dezenas de metros. Três ou quatro, talvez. Apesar de não ser muito, a subida súbita fez a pressão apertar em seus ouvidos. Ou melhor, a falta dela. No entanto, ele sabia por experiência própria que era só questão de minutos até que se acostumasse.

Ali do alto, ele tinha uma visão clara da vila floresta que se estendia logo abaixo. Ela parecia tão grande dali quanto parecia de lá de baixo, mas ali ele podia enxergar melhor como funcionava a altura das árvores. Quanto mais longe das fronteiras, mais altas pareciam se tornar, até alcançar seu ápice próximo aos vinte e cinco metros de altura, talvez um pouco mais. De forma geral, a superfície formada pelas folhas era tão densa que lembrava às ondas de um mar inteiro tingido de verde, mas isso não impedia que pequenas falhas ocasionais na cobertura deixassem à mostra o que se passava lá no chão.

Um pouco à frente, ele via a clareira junta ao penhasco onde se encontrava o Pátio. As pessoas já tinham acordado, então ele podia ver toda a atividade que presenciara ao longo do dia anterior. Eles pareciam ter juntado as cinzas da fogueira em duas bacias, fazendo Dean se perguntar que destino dariam a elas.

E à direita, havia o mar.

O tom de azul profundo e singelamente tocado pelo verde impunha respeito. Era estranho perceber que as cores não se tornavam mais claras quando se aproximavam da costa, como normalmente acontecia; na verdade, continuavam tão escuras como em qualquer outro lugar, sinalizando o quanto as águas eram profundas ali. Ele nunca tinha visto uma costa sem praia antes, e por um momento se perguntou o que aconteceria se alguém caísse ali enquanto brincava nas bordas do continente.

A viagem seguiu relativamente em silêncio, com Dean acompanhado principalmente pelo som e o gelado do vento batendo de frente com eles. Às vezes eles conversavam, mas embora as aves tentassem seguir por correntes de ar mais tranquilas, fazer-se ouvir ali requeria muito fôlego, então as trocas de ideias costumavam ser curtas e objetivas. Por isso, Dean teve bastante tempo para mergulhar em seus próprios pensamentos.

Às vezes, quando estavam se sentindo mais entusiasmadas, Gavi e Lyssa apostavam curtas corridas e disputavam manobras. Ty tentava se segurar de forma a não machucar a amiga, então Dean só podia torcer que isso fosse o suficiente para impedí-los de cair.

Kath, por outro lado, quase não se segurava com as mãos. Dean não conseguia imaginar que músculos ela tinha nas pernas para conseguir se sentar com tanta firmeza sobre um animal de costas tão largas. Não era à toa que eles sabiam o tempo que o trajeto tomaria à pé; ela provavelmente fazia uma caminhada de uma semana a cada uma semana e meia.

Felizmente para eles, nenhum dos dois teve a ideia de ficar de pé em cima das aves e tentar surfar. Se estivesse com Will, ele muito provavelmente não pensaria duas vezes em experimentá-lo, o que certamente acabaria bem mal.

Mas de horas em horas, eles aterrissavam para esticar as pernas e se exercitar um pouco. Lyssa e Gavi aproveitavam para deitar e relaxar as asas. Apesar de terem sugerido a carona espontaneamente, devia ser complicado carregar todo aquele peso extra. Sobretudo para Gavi, que levava os dois meninos. Mais de uma vez Dean agradeceu-a durante os intervalos, tanto verbalmente quanto procurando alguma fruta comestível por perto para ela sempre que pousavam - com a ajuda de Ty, é claro.

A cada duas ou três paradas, eles desciam ao lado de algum riacho ou córrego, onde cada um tomava uns bons goles de água corrente. Nos períodos mais próximos do meio-dia, quando o sol se tornava cada vez mais quente, Dean também aproveitava para molhar o rosto e os cabelos, às vezes mergulhando a cabeça inteira dentro d’água. Enquanto não secava, ele podia aproveitar o frescor que escorria de sua nuca para sua camisa, dando uma folga do calor crescente.

Quando era pequeno, Dean tinha aprendido sobre como dizer a hora a partir da posição do Sol em um livro sobre exploração que ganhara de aniversário, mas a essa altura ele já não se lembrava de mais nada. O máximo que era capaz de afirmar era que, pela forma como o dia já estava escurecendo, eles já estavam voando havia mais ou menos meio dia quando finalmente se despediram de duas companhias.

— Mil vezes obrigada, Lyssa. - disse Kath, acariciando o pescoço da amiga. - A sua carona diminuiu o nosso tempo de viagem consideravelmente. Espero que consigam voltar para seu ninho ainda hoje.

— Se precisarem de alguma coisa qualquer dia desses, é só chamar - acrescentou Ty, fazendo carinho na cabeça de Gavi.

— Valeu mesmo - agradeceu Dean, acenando. - Foi um prazer conhecer vocês.

Gavi fez um som distinto com a garganta e chacoalhou o pescoço, concordando. Dean sorriu.

E sem mais cerimônias, as duas aves tornaram a alçar voo, subindo rapidamente em direção ao céu.

— Com isso elas ainda devem ser capazes de chegar em casa antes do fim do dia. - afirmou Kath, seguindo-as com o olhar.

Rue reassumiu a forma de pássaro e disse alguma coisa em resposta.

— Pois é. - respondeu a garota, sorrindo. - Eu tenho que arranjar um tempo para passar lá qualquer dia desses.

Por cerca de meia hora depois de descerem ao chão, ninguém deu um passo sequer em direção ao norte. Dean não sabia quanto aos outros, mas suas pernas estavam completamente rijas de tentar se segurar em Gavi sem ter que puxar suas penas. Seus músculos da coxa queimavam como se tivesse corrido duas maratonas. Ele duvidava que Kath e Ty estivessem tão doloridos, mas era fato que os dois também tiraram um tempo para se alongar e sentar um pouco.

Finalmente, Katherine foi a primeira a fazer alguma coisa. Alongando suas pernas e costas uma última vez, ela ficou de pé e andou até o despenhadeiro a poucos metros dali. O chão acabava tão subitamente que alguns dos galhos das árvores atravessavam seus limites e pairavam acima de dezenas de metros de puro ar. Katherine se inclinou perigosamente pela beirada, erguendo os olhos para olhar para o céu acima do enorme oceano.

Então, tornou a adentrar alguns metros na floresta. Achando um espaço confortável, ela agachou-se e desenhou algo no chão rapidamente com o dedo.

— Ei, Ty! - chamou ela. - Onde você acha que estamos?

Ty foi até ela e desceu sobre um joelho ao seu lado.

— Eu diria que mais ou menos por aqui - ele circulou uma pequena área do desenho com o indicador.

— Também acho. Passamos pela árvore celeste há umas cinco frações, mas ainda não vimos nem sinal do regato de cobre…

Curioso, Dean foi até eles e se debruçou sobre suas costas.

Katherine tinha desenhado um mapa bastante simples do que Dean deduziu ser a ilha. A julgar pelo espaço que Ty indicara, eles estavam mais ou menos chegando no último quarto do continente a partir do sul, seguindo pela costa leste.

— Para onde estamos indo? - perguntou Dean.

Kath inclinou-se um pouco para frente e traçou uma curva, delimitando uma pequena parte do extremo norte da ilha.

— Esses são os Reinos do Norte. - explicou. - Como estamos indo pela parte oriental, vamos chegar mais ou menos nesse ponto. - ela apontou um trecho da curva.

Sem saber quão grandes eram a ilha e os tais Reinos do Norte, Dean percebeu que saber onde estavam e para onde iam não dava a ele uma boa noção da distância.

— E onde fica a Cidade Erguida? - perguntou ele.

Kath marcou um ponto mais ou menos a sudeste da ilha.

— Mais ou menos por aqui - respondeu.

Dean ficou surpreso. A distância que haviam percorrido não parecia tão grande no mapa. Era pouco menos de um terço do comprimento do litoral leste. Lyssa e Gavi tinham viajado a uma velocidade quase impossível de se igualar; aquele lugar devia ser maior do que ele tinha pensado a princípio.

— Enfim, - continuou a garota. - se conseguirmos manter um ritmo bom, devemos chegar aos muros em um dia, talvez um e meio. Fomos mais rápidos do que eu esperava.

Uma coisa ocorreu a Dean.

— … Vocês acham que eu não vou conseguir falar com minha família até lá? - perguntou, um pouco preocupado.

Katherine ficou em silêncio por um momento antes de responder.

— Não há como saber agora. De qualquer forma, se você conseguir e quiser ir até eles no meio do caminho, eu e Ty podemos continuar sozinhos por um tempo e você nos encontra depois.

— Quando se passa de um domo para o outro, é possível controlar o local onde se aparece. - contou Ty. - Bom, é a Imperatriz quem controla, na verdade, mas se você quiser visitá-los e voltar depois, ela pode mandá-lo direto para onde estamos. Embora seja possível usar isso para viagens dentro de um mesmo domo, tentamos evitar fazê-lo a não ser que seja extremamente necessário, para não forçarmos nossos corpos em excesso ao modificar nossas frequências repetidamente em curtas janelas de tempo, mas é bem útil para viagens mais longas, como as intercontinentais.

Dean ficou confuso.

— Mas se ela pode controlar onde nós chegamos, por que me mandar para o meio do mar? - perguntou. - Ela não sabia que lá ficava gelado àquela hora? E mesmo se não soubesse, eu não consigo imaginar como ela achava que eu conseguiria sair de lá se vocês não tivessem aparecido…

As imagens das pedras pontiagudas e do enorme despenhadeiro ao lado do mar aparentemente infinito ainda estavam tão claras na mente de Dean quanto o aperto que sentira em seu peito naquela hora. Ele tinha certeza de que iria morrer.

Dean demorou alguns instantes para perceber que Kath e Ty permaneciam em silêncio.

— … ela não mandaria. - disse Kath, por fim.

— …?

Dean percebeu que alguma coisa se passava em sua mente. Mas antes que ele pudesse se perguntar o que era, Ty retomou a conversa.

— Enfim! - disse ele. - Você não precisa se preocupar. Se conseguir voltar para casa, você vai e explica tudo para eles. Fique lá um pouco, se quiser. Eu e Kath seguimos nossa viagem, e assim que chegarmos lá, mandamos um aviso pelo Pinmur. Quando achar que já está a fim de voltar, é só pedir.

— Certo. - concordou Dean.

Katherine pôs-se de pé.

— Bom, nós temos duas opções. Primeira, podemos continuar andando por mais algumas horas, até que a noite caia. Mesmo um pouco depois de escurecer, ainda podemos usar as flores para iluminar ou procurar alguma trilha de Luminescentes. Ou então podemos passar a noite aqui. - Ela olhou para cima. Ali na borda da ilha, as árvores ainda eram um pouco mais dispersas, então era possível ver alguns pedaços da abóbada celeste acima deles. - A terra é bem macia aqui, e essas árvores costumam mudar de folhas com bastante frequência, então devemos encontrar um bocado para usar de forro. Enfim, o que acham?

Eles pensaram alguns minutos a respeito. Não era preciso ser um gênio para perceber que Kath estava mais do que pronta para partir a qualquer momento. Dean, no entanto, não achava que conseguiria dar muitos passos mais, e surpreendentemente Ty também votou por passarem a noite ali.

Com isso definido, Kath chamou Rue para ver se elas achavam alguma coisa para comer lá perto, enquanto os meninos juntavam as folhas, que eram de fato abundantes por aquele chão e bem mais próximas do ponto onde acabaram decidindo ficar. Ellie e Pinmur não poderiam ajudar muito ali, de qualquer forma - era basicamente trabalho braçal, o que não era exatamente a especialidade dos Protetores -, então acabaram se dispersando como Kath e Rue, por sua vez em busca de alguma fonte de água.

Eles encontraram tudo de que precisavam consideravelmente rápido. Dean e Ty já tinham estendido os lençóis que traziam nas sacolas sobre as pilhas que juntaram quando Ellie e Pinmur vieram voando e indicaram o caminho para um minúsculo córrego que encontraram a poucos minutos de caminhada dali. Kath e Rue apareceram cerca de dez minutos depois, com umas frutas semelhantes a amoras que traziam tons pálidos de azul e verde. Todos eles já tinham acabado suas tarefas antes mesmo de o sol terminar de se pôr.

Eles acabaram se sentando juntos no acampamento para a refeição. Dean fez uma careta com o gosto exótico da fruta verde-clara; Kath riu e simpaticamente trocou o resto de suas frutas azuis pelas outras verdes que tinha separado para ele. Diferente das outras, as azuladas tinham um gosto mais suave, então Dean conseguia relevar o sabor distinto. Mas, verdade fosse dita, depois da terceira ou quarta fruta ele aos poucos começou a se acostumar com suas excentricidades, e logo acabou voltando atrás em sua opinião quanto à fruta esverdeada.

— E então, Dean - disse Kath. - Você tem algum plano para o futuro?

— Aah, sei lá. Que tipo de planos? - perguntou Dean. Colocou uma fruta na boca.

— Qualquer um - respondeu ela, vagamente. - Profissão? Família? Outros tipos de relacionamento?

— Bom… - Dean pensou um pouco. - Eu deveria prestar o vestibular no ano que vem… Ah, “vestibular” é tipo uma prova que você faz para entrar numa escola especializada depois de se formar - explicou, sem saber se os dois saberiam do que se tratava. - O ideal seria eu saber o que quero como profissão até o ano que vem, mas… ah, não sei, nada me vem à mente.

— Você não tem nada que goste de fazer? Nenhuma atividade que te chame a atenção? - perguntou Ty, jogando outra fruta para Ellie. Na forma de um pequeno mamífero, a protetora saltou e pegou-a com a boca em pleno ar.

— Nada que se destaque. Uma coisinha lá, outra aqui, mas nada de mais.

— Hm… parece complicado. - comentou Ty.

— Ei, você quer uma ajuda com isso? - perguntou Kath, inclinando-se para frente.

— Ajuda? - ecoou Dean.

— No que está pensando, Kath? - perguntou Ty.

— Lembra da Annia? Ancalla, a amiga do Shiva e do Ahriro - disse ela.

O rosto de Ty se iluminou brevemente.

— Aaah! Lembro! Eu não falo com eles faz um bom tempo. Como será que ela está? - perguntou ele, para ninguém em especial.

— Da última vez que estive lá, estava muito bem. - riu Kath. - Ela e Shiva estavam deixando Ahriro maluquinho.

— Sério? Eu achei que isso era coisa de irmãos - brincou Ty. Compreensão surgiu em seu rosto. - Ah! Você acha que ela pode ajudar?

— Bom, eu não me lembro de já tê-la visto falhar alguma vez - respondeu Kath, otimista. Virou-se para Dean. - Se você estiver realmente preocupado com essa escolha, nós podemos visitá-la depois que tudo voltar ao normal.

— O que ela faz? - perguntou o garoto.

— Sua magia áurea. Ela é especialista em descobrir as habilidades ou vocações das pessoas. Geralmente usa isso para descobrir qual é o seu tipo de magia, mas também pode ser usado para outros tipos de afinidades. - contou Kath.

Dean se perguntou se tinha ouvido direito.

— Magia… áurea?

— Sim. É a magia única de cada pessoa - respondeu Ty. - É quase impossível achar duas completamente idênticas. Shira entende bastante disso; ele pode explicar melhor para você quando chegarmos ao Norte!

— Aliás, por falar em norte, já está ficando bem escuro, não? - comentou Kath, olhando para cima. Poucas estrelas eram visíveis através das copas, mas cada pontinho luminoso naquele lugar completamente tomado pela noite parecia brilhar três vezes mais do que quaisquer três pontos do mundo de Dean juntos.

Por causa da transição lenta e gradual da tarde para a noite, ele não tinha percebido quanto tempo havia se passado desde que haviam decidido acampar ali. Ele nem se lembrava mais de como a conversa havia começado, mas aparentemente tinha sido bem estimulante. Apenas agora que parava para olhar em volta ele se dava conta de que mal era possível enxergar qualquer coisa a alguns metros de distância.

No entanto, havia algumas singelas fontes de luminosidade espalhadas pelo chão da mata. Um brilho discreto conseguia atravessar o tecido de suas sacolas, sem chamar muita atenção, mas fazendo-o lembrar-se da flor que trazia, e das que os dois irmãos possivelmente traziam também. Se olhasse ao redor com atenção, também podia ver algumas plantas rasteiras, pequenos animais e pequenos seres parecidos com pedras achatadas, mas com uma aparência mais macia e suave, todos eles brilhando graciosamente em alguma cor, quase sempre clara. Branco, amarelo, verde, lilás, azul.

Uma possibilidade passou pela mente do garoto.

— Ei, por acaso aqueles são os “Luminescentes” que você mencionou mais cedo? - perguntou.

Já meio acostumado com a falta de claridade, Dean conseguiu ver Kath acenando afirmativamente com a cabeça.

— Sim. É como chamamos os seres vivos que possuem algum tipo de lumis; é uma substância que absorve energia do sol. Enquanto não é utilizada para produção de energia ou de alguma outra forma, ela corre pelos vasos sanguíneos ou se difunde pelas camadas superficiais de pele das criaturas, fazendo elas brilharem no escuro. É um processo que você não deve estar acostumado a ver no seu domo… ao invés de usar a energia solar para começar um processo químico, eles acumulam energia luminosa em sua forma mais pura e primitiva, convertendo-a quase diretamente em algum outro tipo assim que necessário.

— Isso realmente soa um pouco estranho para mim… - admitiu Dean. - Mas até que faz um pouco de sentido, perto das outras coisas que vi aqui.

— Imagino - a garota deu um sorriso torto.

Por fim, os três resolveram que seria uma boa ideia se deitarem para dormir. Afinal, se acordassem cedo no dia seguinte, conseguiriam andar mais antes de terem que parar para a refeição do meio-dia, quando Kath e Ty planejavam fazer o primeiro intervalo.

Deitado sobre o tecido fino, Dean pôde ouvir a harmonia suave que a floresta trazia ao cair da noite. Quando era mais novo, Dean pensava que a floresta era igualmente barulhenta fosse de dia ou de noite, e que ele só percebia isso ao escurecer porque era quando ele estava mais quieto. Mas conforme crescia, por vezes acampando com Will e algum de seus primos no parque perto de casa, ele começou a pensar que não era bem assim. Havia várias criaturas que ficavam acordadas de dia e dormiam à noite, assim como havia várias outras que acordavam à noite e dormiam de dia. Com sua visão limitada, sua audição também se tornava mais atenta, e o som do vento e das folhas balançando se fazia mais audível.

Enquanto olhava para cima, esperando o sono alcançá-lo, Dean se lembrou de algo que seu irmão o ensinara quando ele começou a mexer com as cores. Algo sobre existirem dois tipos de preto… como ele dizia que se chamavam, mesmo…?

Ah, sim. Cromático e acromático. O preto cromático era aquele que tendia para alguma cor em especial - o preto azulado, o esverdeado, o avermelhado, o puxado para o violeta.

Enquanto olhava para o céu atrás das folhas, Dean observou que aquele devia ser o outro tipo de preto - o preto acromático. O preto mais puro, do tom mais absolutamente neutro que poderia encontrar.

As sombras perto do chão se aproximavam mais do azul e do verde. Era sutil, tão sutil quanto a imagem de uma brisa, mas quando se comparava, era fácil de notar.

Mas não o céu. Dificilmente Dean poderia imaginar um negro mais absoluto do que o salpicado de estrelas que se estendia acima dele.

Pessoalmente, Dean se lembrava de ter passado não mais do que dois dias ali. Racionalmente, ele sabia que estava naquele domo havia mais ou menos cinco dias. Se não voltasse para casa em dois dias, teria ficado ali por quase uma semana. Aquele era o máximo de tempo que Dean tinha passado longe da família desde que se entendia por gente. É claro, às vezes eles viajavam nas férias, e não necessariamente com seus pais; às vezes passava algum tempo com algum tio ou tia, ou então com algum parente de Will, embora a família de Júlia não fosse tão receptiva a visitantes.

Mas fora isso, ele sempre fora mais do tipo caseiro.

Porém, curiosamente, ele não estava mais tão nervoso. Pensar em Dan, Simon, seus pais, Júlia e Will o deixava um pouco inquieto, por saber que eles deviam realmente estar preocupados. Mas Katherine e Ty haviam dito que os avisariam assim que pudessem, e Dean sabia, pelo tanto que os conhecia, que não perderiam um instante a mais que o necessário.

Além disso, apesar de estar em um lugar inteiramente desconhecido, cada vez mais ele se sentia confortável naquele ambiente. Se sentia bem-vindo ali.

Enquanto estava perto de adormecer, um pensamento surgiu em sua mente. Vago, quase vago demais para que ele o percebesse.

Mas antes que o fixasse na memória, ele já não estava mais acordado. Sua mente já estava em outro lugar.

 


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