O Verdadeiro Mundo Pokémon escrita por Ersiro


Capítulo 4
Acho que são amigos




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"...TEMPO DEMAIS.", diz alguém. A impressão que tenho é que a voz está bem longe de mim, ela parece até fazer eco. Conheço aquela voz de algum lugar. Ela diz mais coisas, mas não consigo entender, o som de sua voz vai e vem, sai e entra em foco. Estou voltando a entrar em consciência, mas as vozes ao meu redor são difíceis e incompletas peças de quebra-cabeça. Abrir os olhos é tarefa impossível; não sinto meu corpo, que parece inexistir. Tenho a sensação de que tudo que sobrou de mim foi só metade da consciência.

As vozes, com suas frases indecifráveis, continuam tagarelando. Parecem fantasmas que sussurram várias coisas das quais eu só compreendo pouquíssimas. "Não precisa disso...", diz outra pessoa. "...e o que você sugere?", pergunta a primeira. "...assim não é bom..."; "...um tapa forte..."; "...assustá-lo..."; "...mas ele acorda!"

Não sei o que me assustou primeiro: a dor intensa e aguda que sofri na parte esquerda do rosto, ou o barulho que ribombou nos meus ouvidos no mesmo instante. Levanto sobressaltado, com o coração doendo de tão assustado. Noto que um peso que estava em cima de mim, caíra para o lado com um estrondo por eu ter levantado tão repentinamente. Minha mente está confusa, mas aos poucos compreendo que aquele corpo espalhado de forma tão desengonçada no chão é a garota que tentou me salvar dos Rocket. Estou em cima de uma cama, por isso que ela caiu seguida do estrondo. O lugar onde estamos é bem iluminado e consigo ver melhor como a minha salvadora é. Uma espécie de boina encima sua cabeça, deixando escapar várias mechas onduladas de cabelo loiro escuro, que se espalham pelos seus ombros e costas. É branca e magra. Veste shorts jeans agarrados; as mangas de um pulôver grande demais cobrem parte de suas delicadas mãos, e um par de botas pretas e reluzentes cobrem seus pés.

— Ai! Não precisava me jogar assim no chão! - resmunga ela, se levantando. - Eu apenas te dei uma força para que conseguisse acordar!

Minha bochecha esquerda arde e formiga. Eu não sinto meu rosto no lado atingido.

— Uh! O que voxê feix comigo? - tento perguntar, incrédulo, mas minha boca não se mexe da forma correta.

— Bom, ela te deu um belo de um tapa - responde uma voz divertida, ao meu lado. – Pelo menos em parte deu certo, veja só! Você finalmente acordou.

Viro e me deparo com um garoto de pele oliva. Suas bochechas são um pouco rechonchudas; seus cabelos levemente ondulados são pretos como carvão e foram jogados para o alto. Usa blusa de moletom, calça jeans e um tênis bizarro que têm asas de plástico coladas nos calcanhares.

— Claro. Deve estar se perguntando o que está acontecendo – continua ele. – Eu sou Benjamin Walker, mas pode me chamar de Ben.

— E eu sou Lucy – se apresenta a garota, ajeitando a boina na cabeça. – Você está desacordado há três dias! Não aguentava mais esperar. Tive que tomar as devidas providências!

Fico olhando para eles, esperando que continuem.

— Ah, sim! Vou te contar tudo. Pelo menos até onde sei – fala Bem, com um sorriso.

Ele começa dizendo que estava procurando por Lucy que tinha saído correndo dizendo que o dever a chamava . Lucy, por sua vez, revelou agora que já tinha visto os dois Rocket e foi atrás deles para ver o que estavam tramando. Ben, num certo momento, viu uma dupla, que usava uniforme igual, saindo de um armazém. Se escondeu, pois já tinha ouvido falar daquele grupo, e assim que eles sumiram de vista, foi procurar dentro do armazém para saber se a salvadora estava ali. Assim que me viu, correu direto na minha direção e me tirou do meio da neve. Disse que eu estava roxo e que com a ajuda de seu Cyndaquil, conseguiu manter o local quente o suficiente para que minha temperatura se regulasse. Achou Lucy entre as caixas e juntos me levaram até onde estamos agora.

— Tá, mas onde estamos exatamente? – pergunto, olhando ao redor.

É um quarto grande com várias camas, uma do lado da outra. Algumas estão ocupadas. Os poucos que estão deitados, parecem, de alguma forma, debilitados fisicamente. É um quarto simples, com lençóis limpos que exalam lavanda. Antes que me respondessem, eu já havia descoberto onde estamos.

— Estamos na cidade Granluz, em seu Centro Pokémon. No andar dos doentes – responde Lucy.

O que muitos não sabem é que o Centro Pokémon não é apenas para Pokémon. Há, geralmente, duas alas para os Treinadores. Uma é a dos doentes, onde a enfermeira Joy e suas ajudantes Pokémon curam os Treinadores doentes. A outra ala é um aposento igual ao dos doentes, porém esta serve para acomodar os que não podem pagar um quarto em um hotel. Nunca entendi como as enfermeiras trabalham 24 horas sem remuneração. Corre o boato de que trabalham em um meio ilegal e que ganham muito com isso, e também que são cobaias de vários procedimentos cirúrgicos no rosto para parecerem tão iguais. Mas aparentemente ninguém sabe se tudo isso é verdade.

Um pensamento repentino inundou minha mente. Budew. Onde ele estava?

— Cadê o pequenininho? – eu quis saber, preocupado.

— Está te esperando na ala dos brinquedos para Pokémon – diz Lucy, me ajudando a ficar de pé.

Descemos e quando Budew me vê, a alegria é aparente. Ele pula e abre seus botões, em pura felicidade.

Só eu e Budew saímos. Os outros dois ficaram procurando seus respectivos Pokémon. Do lado de fora o sol brilha intensamente. Nem parece que a poucos quilômetros atrás, uma vila coberta em neve exista.

Granluz é uma cidade um pouco mais desenvolvida, mas nem por isso se vê grandes mudanças tecnológicas - pelo menos, não do lado de fora das casas e prédios. O chão é revestido em asfalto, mas tudo isso é misturado com muito verde, o que dá uma sensação desconcertante de um intervalo entre o verde e o cinza. A cidade parece estar no meio entre as duas cores.

Me agacho para falar com Budew.

— Valeu, pequenininho. Por tudo - ele sorri. - Mas não sei se consigo dar conta de te criar. Nunca tive nenhum Pokémon.

Convicto, ele nega com a cabeça e se achega mais perto de mim, se aconchegando nas minhas pernas. Meu coração se comove e num ímpeto pego o Pokémon entre os braços e o abraço.

Coloco ele de volta no chão e neste momento Lucy e Ben saem do Centro. Ela aperta seu Abra entre os braços e um pequeno Cyndaquil segue o garoto.

— Muito obrigado por terem feito isso por mim - agradeço, enquanto me levanto. - Vocês salvaram minha vida e sou imensamente grato por isso. Não sei nem como recompensá-los...

— Deixa disso! Não nos deve nada - diz Ben, sorrindo.

— Bom, então eu vou indo... - falo, com um sorriso tímido.

— Ir pra onde? - quis saber Lucy, com uma das sobrancelhas levantadas.

— Ahm... Continuar... Meu caminho?

— Como assim? Você não percebeu que viramos uma equipe? E uma equipe não se desfaz dessa forma.

Ao ouvir a palavra "equipe", Ben olha de forma acusatória para Lucy, como querendo lhe perguntar o que estava dizendo. Vendo essa reação, Lucy repete, entoando:

— Sim. Equipe. Trio... Por enquanto.

As bochechas de Ben ficam vermelhas. Ele não gostou da ideia de eu me juntar aos dois. Parece querer ficar sozinho com ela. Hum... acho que ele... gosta dela. Mas que besteira! Como se mesmo que eu me juntasse a eles, fosse roubar a garota para mim e deixá-lo com as mãos abanando. Não. Eu gosto de outra garota da vila, não desta desengonçada.

— Não, obrigado - rechaço. – É muito precipitado dizer que somos uma equipe. E não me dou muito bem com acompanhantes em uma viagem. Sem contar que nossos objetivos provavelmente são bem distintos.

— Ah, mas objetivos diferentes não impedem de caminharmos juntos! Eu e Ben temos objetivos diferentes e estamos juntos na jornada!

— Mas você ainda nem sabe o porquê de eu ter decidido começar uma jornada! - Ben arregala os olhos ao falar.

Reviro os olhos. Havia ganhado mais dois Budew para me perseguir. Entendi na mesma hora que não adiantaria tentar fugir. Suspiro por um longo período, sentindo o convidativo calor emanado do sol.

— Tudo bem. Vamos. - concordo.

 

~×~

 

CONCORDAMOS EM NOS ENCONTRAR no começo da próxima rota, ao pôr do sol. Vaguei por toda cidade com Budew em meu encalço. Perguntei a todos que vi, se sabiam algo sobre a doença que minha mãe padece. Em vão. Ninguém sequer ouvira falar daquela peculiar doença. Quando achei que tinha conversado com todos os moradores, o sol ainda brilhava forte no céu.

Não ia ficar esperando até ele se pôr para poder me reencontrar com Lucy e Ben. Os dois ficaram zanzando pela cidade. Disseram que iam encontrar a Professora Petalia, que mora e tem seu laboratório aqui na cidade.

E é agora onde estou: Na frente da casa de dois andares da Professora Petalia. Pelo que posso ver pelas janelas, o andar de baixo é seu laboratório. Toco a campainha e espero. Não conheço a Professora, só sei que é ela quem oferece Iniciais e uma Pokédex aos que querem iniciar uma jornada, para que assim, eles possam contribuir para suas pesquisas.

A porta se abre e Lucy aparece, sorri e me puxa para dentro. O cômodo grande está abarrotado de máquinas, equipamentos e geringonças tecnológicas, além de milhares de papéis com anotações e desenhos que se espalham por todo lado. Arregalo os olhos, assustado. Lucy repara e gargalha.

— Ela não é das melhores para arrumar a bagunça que faz. Mas você vai gostar dela de cara!

Entre o labirinto de bagunça, repentinamente saímos em um espaço quase vazio, ocupado apenas por uma mesa com algumas Pokébolas e um PC no canto da parede. De pé ao lado da mesa está Ben e a seu lado uma mulher, deve ser a Professora. Usa peças de roupa que não trazem harmonia alguma entre si: Camiseta amarela berrante, calça jeans roxa, sapatos rosa de salto e jaleco branco. Seus cabelos castanhos estão soltos e desgrenhados. Seu rosto é quase totalmente preenchido pelos óculos de armação redonda. Provavelmente é uma daquelas que não perde tempo se arrumando e não se importa com sua aparência, mas sim com seu trabalho que - para ela - é mais importante.

Ela mexe em uma Pokédex e dá o objeto para Ben. Levanta os olhos para nós e sorri. O estranho é que algo nela transmite certo... conforto. Não consigo identificar bem o que é. Só sei que me sinto bem. Lucy tinha razão, eu realmente gostei da Professora de cara!

— Olhem só... Novo amigo? – indaga ela, me chamando para me aproximar.

— Sim! Foi ele quem encontrei em apuros! – exclama Lucy, entusiasmada. – Ele é o... Hã...

É. Ainda não tinha dito meu nome para Lucy e Ben.

— Ber-Bernardo... Bernardo Baker! – gaguejo. – Mas todos me chamam de Baker.

— Hum... Ainda não tinha falado seu nome para eles? He-he! Que loucura! – ri Petalia.

— Baker... Não gosto assim – diz Lucy. – Prefiro... Bake! Bem melhor!

— Mas, Lucy! – indigna-se Ben. – Você só tirou um R!

Ela finge que não ouviu.

A Professora Petalia acaba de explicar para Ben como se usa a Pokédex. Ele comenta, para Lucy e eu, que queria iniciar uma jornada, mas não tinha um Pokémon, então decidiu se candidatar para ajudar Petalia e escolheu Cyndaquil dentre todos os outros.

Antes de sairmos, pergunto se posso usar o PC, e Petalia concorda com um "mas é claro que sim!" Coloco o fone para que ninguém escute minha conversa e conecto o instrumento com o único de minha vila, que fica dentro da casa de um lenhador. Ele aparece na tela e peço para que chame Drim, a garota que minha mãe está ensinando a fazer pães. Eu não quis chamar seus pais para conversar porque provavelmente iriam ficar dando rodeios para falar de minha mãe. Já Drim não, ela é sincera e diz tudo diretamente.

— Ela está na mesma – fala Drim, com um olhar triste. – Mas ainda conseguimos fazer a quantidade suficiente de pães para um dia inteiro.

— Obrigada, Drim. Você sabe que é uma ótima menina – eu realmente estava agradecido.

— Sabe... Minha mãe não está cuidando da sua, mas eu estou! Eu capturei um Deerling e pedi para ele usar o Aromaterapia, mas... não deu certo...

— Tudo bem Drim. Não precisa se entristecer. Prometo que encontrarei uma cura! – falo com tanta convicção que transmito encorajamento para mim mesmo. – Diga para ela que eu a amo muito e que se cuide. Novamente, obrigado por tudo, Drim!

Desligo. Ninguém parece haver notado minha conversa. Estão tagarelando sobre vários assuntos desconexos.

Nos despedimos da Professora Petalia e nos encaminhamos para a rota. Depois de andarmos por algum tempo, decidimos entrar entre as árvores mais próximas do caminho para descansarmos, pois já começa a escurecer. Montamos uma precária barraca que Ben trouxe e entramos. Não compramos nada para comer, já que Lucy garantiu que tinha muita coisa dentro de sua mochila.

Ela joga os alimentos no piso de lona da cabana: Balas, chicletes, pirulitos, brigadeiros, bombons, maria-mole, biscoitos e cookies, rosquinhas e fatias de bolo de chocolate.

Bem, incrédulo, tapa a cara com as mãos. Olho para Lucy, esperando que ela estivesse brincando.

— Vamos, comam! – diz, empolgada.

Ela não está brincando.

— Lucy, doce não satisfaz e só dá dor de barriga se comido em uma quantidade absurda como essa! – repreende Ben.

Suspiro, pesadamente. Não acredito nisso. Abro a minha mochila. De consumível só têm quatro pães endurecidos.

— Bom, tenho isso. Dá pra sobreviver até acordarmos. Amanhã pegamos frutas das árvores – coloco os pães no chão. – Eles estão duros, mas não estragaram.

— Não tem problema, se não está estragado, está bom - Ben suspira, aliviado.

— Ah, sim! Já sei! – exclama Lucy, remexendo na bolsa. – Tenho algo que pode ajudar nessa situação! E... voilà! – ela tira o objeto e nos mostra. – Aqui temos uma...

— Garrafa de azeite?! – interrompo, revoltado.

— Sim, não é legal? – responde Lucy, com cara de idiota.

— Que tipo de pessoa traz uma garrafa de azeite na bolsa, ao invés de algo que realmente dá para comer?!

— Tipo... A Lucy – murmura Ben, revirando os olhos.

— Ei! Essa sou eu! – ri Lucy, dando um leve soco no braço de Ben, que após o toque, por um segundo, pareceu hipnotizado.

Cortamos os pães em fatias pequenas e as embebemos no azeite. No fim de tudo, admito que ficou bom. O azeite deu um toque especial no gosto. Separamos uma rosquinha e um pedaço do bolo para cada um. Tivemos que dividir uma pequena parte com nossos Pokémon, que comem pouco por serem tão pequenos. Os outros doces, guardamos para comermos como sobremesa durante os próximos dias.

Lucy e Ben guardam seus Pokémon na Pokébola. Nos deitamos e Budew se aconchega ao meu lado. Não o guardo em uma Pokébola, porque ainda não levo jeito para isso.

Penso em Lucy e Ben. Eles têm sido legais comigo e conversamos naturalmente, como se nos conhecêssemos desde criança. Ninguém comentou seu objetivo e a verdade por estar nessa jornada. Ainda não nos sentimos seguros o bastante para conversarmos sobre esse tipo de coisa, mas algo me diz que, mais cedo ou mais tarde, essa informação individual será do conhecimento de todos. Mais cedo ou mais tarde, saberíamos por que cada um decidiu sair de casa e se empenhar nesta jornada. Mas de qualquer forma, é prazeroso estar ao lado deles. É bom tê-los aqui, nesta viagem. Alguém com quem conversar e espantar a solidão. Acho que é isso que as pessoas chamam de amigo. É... acho que eles são amigos.

Adormeço sorrindo.

Amanhece. Acordamos com os variados cantos de Pokémon pássaros. Coletamos algumas frutas na floresta. Abra e Cyndaquil foram tirados da Pokébola para ajudar. Ao voltarmos para guardar a barraca e continuar o caminho, Cyndaquil começa a chamar a atenção de Ben e por fim consegue. Anda até onde Budew e eu estamos, e com o focinho aponta para nós.

— Baker, acho que... – diz Ben, com um sorriso. – Que meu Cyndaquil quer batalhar contra seu Budew.

Batalhar? Nunca participei disso. Apenas vi batalhas, apenas servi como um espectador. Olho para Budew e ele sorri encorajadoramente.

— Oh... Nossa... – falo, um pouco atordoado – Então acho que... sim. É! Aceitamos o seu pedido de batalha!

— Oba! Eu serei a juíza! – grita Lucy, entre pulos.

Ben sorri e vocifera:

— Então que comece a batalha!


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