O Verdadeiro Mundo Pokémon escrita por Ersiro


Capítulo 3
Abracadabra




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Perto da próxima cidade, vejo entre as árvores uma estreita trilha que quase se fecha, pois as grossas raízes e finos galhos das árvores por vezes se entrelaçavam entre si. Com os cantos dos olhos, noto Budew atrás de mim. Olho para a trilha novamente e desato a correr para dentro dela como um louco fugindo de um gigantesco Pokémon selvagem. Tropeço nas raízes e caio de joelhos; a calça acaba rasgando. Quando olho meus joelhos, vejo que estão sangrando e sujos de terra úmida. Ainda ouço Budew em algum lugar ao redor - incansável como sempre. Levanto com as pernas um pouco bambas e retomo numa lenta caminhada, para aos poucos ir aumentando a velocidade. 

Chega uma hora que não ouço mais nada, então me direciono para fora da floresta, para a rota. Antes de sair novamente no caminho para a próxima cidade, no chão, entre duas árvores, noto um buraco fundo, como o que tinha caído. Só que este está coberto com uma rede e um amontoado de folhas para disfarçar uma… armadilha? É uma armadilha, não há dúvidas. Dou de ombros e depois de alguns minutos, encontro a rota. 

Não cheguo a dar três passos no chão de terra batida, quando ouço gritos suplicantes vindo de dentro da floresta. Primeiro eram só gritinhos agudos, mas aos poucos vou reconhecendo o dono da voz: Budew. Ele deve estar em apuros. Meu coração dói e parece cair alguns centímetros de meu peito. Sem pensar duas vezes, corro de volta para dentro da floresta, às cegas, por entre o matagal, guiado apenas pelos gritos que ficam cada vez mais altos. 

Em certo momento saio numa clareira e vejo duas pessoas de costas para mim, rindo de algo que acontece na frente deles. Por parar bruscamente a corrida, o pó do chão sobe e entra em minha garganta, já que tinha suspirado à procura de ar. Com dificuldade, seguro a tosse. Meus olhos se enchem de água, minha garganta coça e arranha, como se garras a ferissem. Trinco os dentes, pensando que a dupla me notou, mas continuam se divertindo com o espetáculo que se sucede. 

A mulher têm cabelos longos e prateados e o homem usa um penteado bizarro para trás. Vestem o mesmo esquema de roupa: uma curta jaqueta branca usada por cima de uma camisa preta com detalhes quase apagados em vermelho e laranja que lembram uma brasa que a qualquer momento pode reacender. Nos pés, botas e nas mãos, luvas pretas. A única diferença é que o homem usa calças brancas, largas como um balão, e a mulher, uma saia branca tão apertada que dá a sensação de que a qualquer momento poder se rasgar. 

Engulo em seco e entendo do que riem. Um Sneasel batalha com um Budew que mal se aguenta de pé. Não pode ser! 

O cara, vendo uma brecha na batalha, corre e dá um chute violento no pequeno Pokémon que sai do chão por alguns centímetros até cair novamente, tremendo. Meu sangue sobe e corro para ajudá-lo.

Quando chego perto da dupla, grito e os empurro para o lado. Sneasel não me para, fica esperando uma ordem de seu dono que provavelmente está embasbacado. Pego Budew nos braços e sumo entre as árvores. Faço um caminho seguro para não voltar a encontrar os desconhecidos, sem parar nem para tomar ar. Meu peito parece querer explodir por estar sem oxigênio, até que saio de novo na rota. 

Não é por isso que paro; continuo a correr. A próxima cidade não está à vista. Droga! Calculei errado a distância! Entre as árvores, há uma grande construção feita de aço com o teto abobadado e portas arredondadas que estão arreganhadas. Corro para lá, na esperança de encontrar alguém para pedir ajuda.

Entro desesperado e descubro que o lugar está abandonado. Não tem ninguém aqui. Parece um armazém. Ouço atrás de mim uma risada gutural e medonha. Viro e ali está o homem bizarro. Seu nariz é grande com a ponta virada para baixo. Parece o bico de um Murkrow, mas o do cara consegue ser mais fino. Em sua camisa há um R estampado. Bordado em miniatura no lado esquerdo da jaqueta, há também a mesma letra. Já ouvi falar desse grupo que acabara de se instalar em algum lugar misterioso da região Toran, mas tudo não passou de rumores e infelizmente agora, eu presencio a terrível verdade de sua existência. 

— O que você estava pensando quando entrou no meu caminho? - ameaça ele. 

Fico paralisado. Vendo minha imobilidade, ele dá um chute em meu estômago como um mestre de artes marciais. Caio para trás e bato minhas costas contra uma fria prateleira de metal. Procuro fôlego desesperadamente. Muitas caixas de papelão caem da prateleira na minha frente e tapam a imagem do desconhecido. Aproveito a ocasião, me levantei trêmulo e corro como posso por entre os vários corredores. Ouço as vozes que não estão muito longe. A cabeluda também chegou. 

Sinto em meu peito uma sensação gelada. Algo me diz que não vou sobreviver. 

 

~×~

 

Faço o que posso para desviar das prateleiras abarrotadas de pesadas caixas de papelão, mas meus braços, pernas e quadris sempre se encontram com as diversas quinas de metal das prateleiras e das caixas.

Viro um corredor e - para minha desgraça -, reparo tarde demais que é sem saída. 

Estão logo atrás de mim, ofegantes e com um sorriso sinistro no rosto. Jogam-me com uma tremenda força contra a parede e bato minha testa. Logo, como um boneco inanimado, caio involuntariamente no chão. 

— E então, Jeremy... Adoro ver essa expressão de puro terror no rosto desses pequenos pirralhos - diz a mulher para o outro. - Mas vamos acabar logo com isto. Quero que teu Pokémon deixe esse prematuro rostinho do garoto o mais irreconhecível possível. 

— Não precisa dizer isto como se fosse uma ordem, você sabe muito bem que só acato ordens do chefe - responde o homem, carrancudo - Mas pode deixar, Jane. Será como fazer uma obra de arte de incrível desfiguração na cara do moleque. 

Uma parte de meu cérebro guarda os nomes dos dois: o homem se chama Jeremy e a mulher Jane. 

Jane agarra meus cabelos com força, parecendo querer arrancá-los e sussurra entre dentes, no meu ouvido: 

— E aí? Pronto para morrer, pequeno insolente?! 

Sério, quem diria que a minha patética vida pacata se transformaria nesse pandemônio todo, e que a minha pequena aventura duraria tão pouco tempo? 

 

~×~

 

Aqui estou eu. Acuado, sem nenhuma esperança. 

Jane solta meus cabelos e no mesmo instante sinto uma baita pressão no alto da cabeça. Estou sem forças e minhas costas começam a escorregar da parede. Em poucos segundos já estou estirado no chão, mas não largo Budew, que não dá sinal de vida. 

— Sneasel, use Arranhão e comece a desfigurar o garoto! - ordena Jeremy animado. 

Sneasel levanta seus braços. Posso ver suas garras brilharem, mesmo com a fraca luz do sol que vem lá de fora. 

— Ei! - grita alguém, do começo do corredor. É uma voz meiga, mas que consegue sair bem firme. 

A dupla olha para trás. 

— Saia daqui, peste! - diz Jane. - Estamos resolvendo um assunto particular. 

— Ah, sério mesmo que você está fazendo isso, Jeremy? - indaga a dona da voz. Ainda não consigo vê-la com a dupla ameaçadora na minha frente. 

— Quem é você para estar falando assim comigo? - fala Jeremy, com as veias das têmporas à mostra. Pelo jeito é um daqueles que não suporta que alguém o repreenda. 

Levantando um pouco a cabeça, consigo ver a silhueta de quem havia chegado. É uma garota. Porém da onde está, realmente não dá para descobrir quem é. Seu rosto e corpo estão envoltos em sombras. Até que ela dá alguns passos em nossa direção. Jeremy arqueja; sua surpresa é aparente. Sua expressão muda subitamente e fica insegura. 

— N-não interrompa - ele gagueja. - Você sabe que temos ordem de tirar qualquer um de nossos caminhos se este estiver atrapalhando nosso caminhar. Então… Apenas vá embora. 

— Uau, você mudou mesmo – a garota suspira, parecendo decepcionada. - De qualquer forma, tenho certeza que isso que você está fazendo não é nenhum tipo de trabalho. Não queria dizer isso, mas não vou permitir que você machuque os outros - diz a garota, entre um outro suspiro. Ela mexe em sua cintura, tira uma Pokébola e a joga. - Vá! Como num passe de mágica, acabe com eles, Queridinho! 

Um Abra aparece. É isso! Vou ser salvo, finalmente. Como num show de mágica quando o mágico diz Abracadabra e a peculiar arte mágica acontece. 

Jane ri. Não entendo o porquê. Olho novamente para Abra e compreendo. Ele está dormindo. 

— Uh! - balbucia a garota, com os olhos arregalados. - Abra, acorde! E acabe com eles! 

O Pokémon acorda assustado e, sonolento, olha para seus rivais. 

— Tonta! - ofende Jane. - Seu Pokémon Tipo Psíquico não faz nenhum tipo de dano contra um Noturno, como o Sneasel - volta a desatar a rir. 

É.. verdade... Ataques psíquicos nem chegam a atingir um monstrinho do tipo Noturno. Merda! Se a sorte existe, tenho certeza que ela não vai nem um pouco com a minha cara. 

Quando Abra olha para Sneasel, posso ver seu total desespero. 

— Não se intimide, Abra! Ataque-o! - encoraja a menina. 

Abra dá dois passos para trás e usa o Teletransporte. Some como em um verdadeiro “abracadabra”. Que belo show de mágica! 

— Opa… Acho que… - murmura a intrusa. 

Jane não para de rir. Repentinamente, olha ameaçadoramente para a garota e com um puxão, gira e a joga contra uma das prateleiras. Feito uma boneca, a menina bate o rosto na quina de metal e desaba no chão, inconsciente. Como se não bastasse, caixas caem em cima dela. 

— Você está louca?! - grita Jeremy. - Por que fez isso com ela? 

— Vai se danar, Jeremy! Apenas estou fazendo o que me foi ensinado no treinamento! Lembra? Tirar todo tipo de obstáculo que impeça o caminhar de um Rocket! - grita Jane, agarrando Jaremy pelo colarinho da camisa e o pressionando contra uma das prateleiras. - Desde que essa pirralha apareceu você começou a se comportar de um jeito estranho. Parece até mesmo que seu coração voltou a bater e assim deu lugar para sentimentos! 

— Sneasel! - exclama o Pokémon, pronto para separar Jane de seu mestre. 

Jeremy olha para o lado. Com a cara fechada, tira a mulher de cima de si, guarda seu Sneasel na Pokébola e começa a caminhar de volta para o início do corredor. 

— Vamos embora. Estou cheio - murmura ele, dando uma última olhada para a garota caída e depois retomando a caminhada. 

Jane fica ali, olhando seu companheiro sumir no corredor. Ela fecha os punhos e tira uma Pokébola de onde, silenciosamente, sai um Snorunt que não é normal. Suas cores são diferentes. O habitual amarelo e laranja de seu manto triangular dão lugar ao azul celeste e amarelo. Sem contar em seus olhos que normalmente seriam de um azul calmo, os deste são vermelhos, como se estivesse possuído. Algo no meu cérebro trabalha e envia a informação para meu consciente de que aquele provavelmente é um Pokémon Shiny. Caraca! Shiny? Onde ela conseguiu achar um desses? São extremamente raros! 

Minha admiração é soterrada pelo medo diante do olhar duro de Jane. 

— Não é assim que as coisas funcionam comigo - diz ela, de maneira fria. - Ninguém se mete na minha frente e sai intacto. 

— Snorunt, use Pó de Neve - continua ela, dando a ordem para o seu Pokémon. 

Não! Não pode ser! Ela não pode fazer isso! Pode parecer estranho, mas queria que Jeremy estivesse aqui. Pelo menos ele iria impedí-la de fazer qualquer coisa comigo, já que a garota ainda permanece desacordada no chão, escondida entre as caixas. Mas é claro que ele não vai voltar. 

Da frente dos dentes de Snorunt, entre suas mãos, começa a sair uma quantidade grande de um pó azulado, que vai se acumulando e criando neve onde cai. Em contato com a minha pele, percebo que a neve está muito gelada. Começo a tremer involuntariamente, depois, sinto várias geladas ondas de dor que parece que vão fazer cada ligação de meus membros se desprenderem um dos outros. Em pouco tempo, começo a não sentir mais nada, meu corpo fica dormente e por fim não resiste e começa a se desligar. A última coisa que vejo é Jane recolhendo seu Pokémon e saindo como se não tivesse feito nada. 

Meus olhos se fecham aos poucos, contra minha vontade. Em um último esforço, tento não fechá-los por completo, mas as pálpebras pesam como chumbo e vencem a luta. Depois disso, não me lembro de mais nada. Só a escuridão reina.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo!



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