O Verdadeiro Mundo Pokémon escrita por Ersiro


Capítulo 24
Bem da Revolução


Notas iniciais do capítulo

É um capítulo que traz por onde Benjamin, Ben, nosso ex-gordinho favorito da fic, passou andando. Trarei um pouco mais dos Revolucionários, mas de certa forma, para não ficar somente como capítulo de transição-explicativo, trouxe alguns personagens pra dar uma movimentada (e eles me renderam palavras, viu?), haha.

É também o capítulo das homenagens. Decidi criar personagens em forma de homenagem a algumas pessoas que admiro e gosto como amigos do site Spirit: Diego (@Chanjack) será Chander; Douglas (@Chaos-D), Doug; Pablo (@Falconni), Falcon; e Leandro (@Leh_M), Lean. O último, o Leandro (Lean, aqui na fic), será apenas mencionado e futuramente posto na história.

Lembrando que são homenagens, não significa que os homenageados sejam como os construí aqui, mas possuem algumas características, sejam físicas, de personalidade, etc, mesmo que pequenas.

Boa leitura!



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HOJE:

COCHILO INCOMUM EM SEU COLO

— DESCULPE, NÃO POSSO... já fiz minha escolha. — Sua voz era vacilante. Com cautela, sem saber se deveria abraçá-la ou não, em um último ato de despedida, avançou, mas retrocedeu o passo. Seus olhos cheios de lágrimas prontas para escorrerem. — Desculpe, eu... eu... — Não terminou a frase; pegou sua mochila e correu para longe de Lucy e Baker.

Enquanto corria por entre a mata, os galhos finos das árvores e arbustos arranhando sua pele, as lágrimas finalmente caíram. Estava deixando para trás os únicos amigos que o acolheram independente de seu sobrepeso...

 

BENJAMIN ACORDOU, RESPIRANDO COM DIFICULDADE, como se a corrida que acabara de presenciar não tivesse ocorrido em sonho. Seus olhos também estavam úmidos e sua testa só não suava porque a pouca água que tinha tomado nos últimos dias não fora suficiente a ponto de se converter em sudorese.

Olhou para o cubículo escuro e apertado que se encontrava. Com esforço, conseguiu enchergar os outros Colegas de Revolução também sentados, os olhos fechados do cansaço. Aprumou o corpo que tinha escorregado um pouco durante o sono incômodo e sentou-se um pouco mais corretamente, com um esgar puxado no rosto pelos repuxões musculares. O corpo doía por não poder executar movimentos naquele espaço mínimo. Com o último movimento, o Colega ao lado, que inconsciente em seu sono tinha apoiado seu corpo no de Ben, caiu em seu colo. Com o peso, Benjamin sentiu diretamente o peso ressoar nos ossos das pernas. Tinha emagrecido muito desde... há quanto tempo? Não sabia dizer.

— Colega... — O tom de sua voz saiu rouca. O som enfraquecido daqueles que não usaram da fala durante um bom tempo. — Levante-se, não estou em melhores condições para poder aguentar seu peso...

O garoto, que não chegava a ser mais velho que ele, não deu indícios de ter escutado, pois não se mexeu.

— Colega? — repetiu.

Ben chacoalhou de leve o rapaz. Sem resposta. Benjamin temeu o pior. Estremecido, aproximou seu rosto das narinas dele e encostou os dedos no pescoço alheio. Sem respiração e batimento cardíaco. Um espaço de ar regurgitou pela sua garganta e saiu de sua boca em forma de um soluço angustiante. Levantou-se, exasperado e gritou, os lábios repuxados, horrorizado.

 

~x~

 

ANTERIORMENTE:

CORRERIAS E REFÉNS

APÓS CORRER DE LUCY E BAKER, Benjamin foi até Fishagua, uma Vila pesqueira e monótona, onde os Revolucionários montaram sua nova base após a quebra da aliança com os Rocket.

Em um ponto afastado da Vila, entrou em uma trilha, imperceptível a olhos desatentos, por entre as árvores, e lá estava a nova base, rodeada e quase completamente escondida pelos cumes das árvores verdes. Os raios de sol se filtravam e davam melhor iluminação. A uma primeira olhada, o vestíbulo cinzento de dois andares, não tinha nada de extraordinário.

Achegou para mais perto do portão metálico e bateu com a aldrava. O som rápido e seco, ao invés do que pensava, não ecoou pela propriedade. Uma portinhola na altura dos olhos abriu-se e dois olhos semicerrados o fitaram.

— É... olá! — murmurou, sem jeito. Não houve resposta daqueles olhinhos que o miravam. Então continuou: — Quero participar dos Revolucionários... sabe, acho que levo jeito...

A portinhola se fechou abruptamente com um estalo.

Então, não sou o suficiente para eles... Como sempre, nunca sou selecionado para nada...

Sugou, desalentado, o ar para dentro de seus pulmões e quando ia dando meia-volta para sair dali, o portão se moveu com atrito em um arrastar seco, indicando a necessidade de lubrificação.

Uma garota que parecia um pouco mais velha que ele o olhava desconfiado de cima a baixo. Era dela aqueles olhos que o tinham observado pela portinhola. Usava a roupa costumeira dos integrantes do grupo Revolucionário: retalhos amarronzados e amarelentos.

— Entre — disse em tom uniforme.

Ben assentiu e prosseguiu.

FORAM FEITAS UMA SÉRIE DE PERGUNTAS, como que testando a personalidade e psicológico, de forma que fosse descoberto por meio delas se Benjamin estava ou não mentindo, se estava ou não firme na escolha que fazia.

Tudo isso Ben percebeu enquanto as respondia. No começo gaguejou um pouco, pois estava nervoso, mas logo respirou e conseguiu responder o restante com calma.

Quem fez as perguntas foi Doug Hex*, um jovem pálido e de cabelo jogado para o alto; em seus movimentos um molejo peculiar reinava, que Benjamin não tinha visto em outros garotos. Entretanto logo percebeu que isso em nada interferia, pois Doug era alguém muito divertido e agradável de se ter para uma conversa. Se apresentou como um dos Norteadores — nome dado aos "líderes" Revolucionários —, posição assumida após a morte de Roger pelas mãos dos Rocket.

Em dado momento, um homem alto de pele preta, os cabelos altivos ao estilo black power, apareceu.

— Depois de terminar, o leve ao meu gabinete para as instruções — disse secamente, indicando Ben; e ao falar, dirigiu-se a Doug, mas não deixou isso explícito, parecendo ter dito aquilo às paredes, pois também não olhou para seu ouvinte e, assim, deixou a sala.

Benjamin olhou confuso para Doug que revirou os olhos e murmurou um "nojento!" pelo canto dos lábios. Ben vendo que havia ali alguma intriga, achou melhor não intervir e logo mudou de assunto.

— Quer dizer então que fui aceito na causa?

— Não — respondeu Doug, calmamente com um sorriso bondoso e se recompondo. — Você apenas passou na Fase Conversa. E irá para a próxima para ser novamente testado. Temos feito isso com o intuito de encontrar verdadeiros indivíduos que se debrucem sobre a causa e que não fujam com o rabo entre as pernas logo após um breve susto. — Benjamin concordou com a cabeça e Doug, então, concluiu: — C'mon way, ladies!

Se levantou e com um aceno da mão, pediu que Benjamin o seguisse.

Seguindo por corredores curtos e alguns mal iluminados, Doug parou na frente de uma porta de madeira simples, mal acabada, bateu com os nós dos dedos duas vezes, abriu-a.

— Terminou seu ritual macabro com o garoto? — perguntou a Doug uma voz dentro da sala.

Doug, por sua vez, fez um gesto obsceno com a mão e a língua. Quando mirou Ben, viu que o menino estava intrigado, provavelmente pensando na possibilidade de ter passado por um ritual satânico sem ter notado.

— Não ligue para o todo-poderoso ali dentro — confortou Doug —, ele só está tentando apagar meu brilho, como sempre.

E com um movimento, indicou que Ben entrasse. Quando este passou por ele e pelo umbral, antes de fechar a porta e sumir novamente pelos corredores, Doug cochichou:

— Boa sorte, gatinho. Te vejo na guerra. — E desapareceu, antes murmurando baixinho um: “Qualquer dia eu mato esse egocêntrico!”, em nível baixo, porém com entonação suficiente para que todos escutassem.

Atrás de uma mesinha que podia ser chamada de escrivaninha, estava o homem que aparecera há pouco na saleta de Doug. Ele ofereceu com um aceno de cabeça a cadeira à sua frente e Ben se sentou ali.

Observando mais atentamente, Benjamin reconheceu aquele que estava à sua frente. O vira quando entrara sem querer na favela de Rocgris. Ele... Vamos memória, lembre-se!

Um lampejo iluminou sua mente.

— Ei, você é o líder do ginásio de Rocgris, especializado em tipo...

— Pedra — respondeu o outro com uma sombra de sorriso no canto dos lábios.

— Isso mesmo, Pedra!

— Prazer, sou Chanderego Hiker**. Mais comumente conhecido como Chander, para encurtar.

— Seu nome não é Kevin?

Chander riu e perguntou de onde que Benjamin conhecia seu "nome espião". Benjamin contou da aventura (ou desventura) de quando ele e seus amigos entraram na favela de Rocgris e bateram de frente com ele. Ben também notou que seus antigos braços musculosos deram lugar a apenas sombras do que um dia foram e que uma barriguinha se projetava pela camisa. Sua pele também estava mais escura desde o anterior encontrão.

— Aconteceram tantas coisas que as mínimas como essa, eu mal recordava. A vida de Norteador e Líder de Ginásio não é pra qualquer um. — Estufou um pouco o peito ao elucidar as últimas palavras. — Entenda que a situação era um tanto quanto inquietante visto o lugar e horas que nos trombamos. Estava eu procurando integrantes para recrutar aos Revolucionários, por isso não podia revelar para desconhecidos a minha verdadeira intenção e, da mesma forma, preferi não revelar meu verdadeiro nome1.

"Era uma missão que requeria minuciosidade, pois não podia deixar claro que estava convocando novos Colegas para os Revolucionários."

— Mas se fôssemos verdadeiros espiões, mentir sobre seu verdadeiro nome não seria deixar mais claro ainda que estava escondendo um fato? — Benjamin perguntou.

— Ora, isso é verdade, mas eu precisava saber se realmente eram espiões, e essa tentativa de dizer a verdade sobre ser Líder de Ginásio e logo após mentir meu nome, diz muito sobre a reação do próximo. Ficaria claro na maneira de agirem após ouvirem uma verdade seguida de mentira; mas esboçaram total falta de reconhecimento sobre quem eu era ou fazia.

— É... Arriscado. Enfim, e como tem conseguido conciliar ser Líder e Norteador ao mesmo tempo? — Ben estava curioso.

Chander sorriu com malícia.

— Um cara como eu consegue tudo.

E foi o fim do assunto. Em seguida, Chander explicou dos princípios e objetivos dos Revolucionários. Disse de maneira automática, quase escapando desinteresse sobre aquilo, entretanto Ben pareceu não notar e ouviu tudo atentamente.

— Acreditamos que o atual sistema adotado pelo governo de Toran não é o ideal para a Região, pois veja quanta desigualdade é gerada; e enquanto poucos regozijam do luxo, a grande massa sofre trabalhando como loucos, gerando o pouco dinheiro para sustentar sua família, sendo que os tributos cobrados à cara dura, dificultam seu estilo de vida que se encontra longe de ser considerado adequado.

"Nós, Revolucionários, acreditamos que a igualdade é algo alcançável e é por isso que lutamos; ora, se todos tiverem o olhar correto do que a igualdade pode propiciar em forma de felicidade e não se agarrarem tanto aos seus materiais que tanto lutaram para alcançar graças ao atual sistema, viveremos sim em harmonia e não haverá essa desproporção.

"Para isso, derrubaremos o governo. Mas não será tão fácil assim, visto que agora levantou-se sobre nós um muro grande que deve ser destruído: Os Rocket. Possuem uma linha de pensamento completamente diferente da nossa; enquanto prezamos alcançar nossos objetivos com o mínimo de dor, os Rocket não se importam com as aflições que podem gerar por onde passam. Não há vida civil que possa parar a ação deles, são verdadeiros monstros sem sentimentos..."

— E por que da junção entre as duas causas? — indagou Benjamin.

— De início como o objetivo final das causas eram similares, nos juntamos. Roger, que já fora um Rocket, suspeitou e não apoiou a conexão. — Chander suspirou pesadamente, em memória do amigo assassinado. — Confesso agora que foi uma decisão precipitada e desesperada para nos firmarmos no solo de Toran... — Pareceu refletir. — Ao menos conseguimos certa notoriedade e atenção. Sua morte não foi em vão.

 

BENJAMIN CONCORDOU EM PARTICIPAR DA CAUSA. Estava ciente de todos os riscos quase iminentes à sua vida.

Foi levado por Chander até a frente dos outros dois Norteadores: Doug e o apelidado Falcon Bird-Keeper***, como acabou sendo conhecido por todos, sempre com seus óculos escuros grudados no rosto, dando lhe aspecto de olhar insectóide. O corpo magro ajudava para contribuir nessa aparência. Era em geral calado, pelo atulhamento das principais tarefas administrativas e de organização da causa, e esperava as pessoas se aproximarem para iniciar uma conversa que levava de forma acolhedora.

Chander postou-se ao lado de Falcon, sem antes soltar um suspiro de insatisfação ao passar por Doug. Benjamin ficou intrigado com a inimizade ou até mesmo, quem sabe, rivalidade que havia entre Chander e Doug; afinal, eram dois dos três Norteadores!

— Ora, vamos, animem-se — disse Falcon para os dois. — Testemunharemos um novo Juramento; teremos mais um Colega!

Assim, Ben jurou debruçar-se sobre a causa, com a mão fechada em punho sobre o peito ao lado do coração.

— Eu, Benjamin Runner, prometo agarrar-me à causa Revolucionária, reverenciando-a e me esforçando ao máximo para que sejam cumpridos os seus objetivos em Toran; respeitando o direito de viver dos inocentes. Dos Revolucionários jamais entregarei informações a terceiros e sua imagem denigrirei. Revolucionário serei!

Após isso, Falcon aproximou-se segurando uma moringa de barro e derramou a água perfumada que nele continha na cabeça de Ben.

— Falcon, assim como Chander e Doug, atestamos sua entrada à causa Revolucionária e de forma a atestar tal feito, faço agora a Purificação, que limpa sua alma e espírito, de forma que consiga deixar para trás todas as preocupações antigas e consiga, assim, empenhar-se completamente como um ser Revolucionário.

Ao sentir o bálsamo suave escorrendo pelo seu rosto, Benjamin sentiu um arrepio percorrer pelo seu corpo. Como se um tampão fosse retirado do fundo de seu ser, pareceu ficar mais leve devido aos pesos da vida esvaírem de seu ser. As antigas preocupações ainda estavam ali, porém não tão pesadas quanto antes.

Recebeu suas novas vestes: Uma calça de moletom creme, uma camiseta de algodão branca, uma capa marrom para os dias frios e um par de tênis confortáveis. Não havia roupas íntimas. De certo modo, Benjamin sabia que essa era uma forma de manter-se fisicamente leve e livre.

 

NAQUELA NOITE, Benjamin Runner deitou em seu catre junto com os outros novos Aprendizes, que eram os que tinham acabado de entrar na causa. Iriam iniciar uma espécie de treinamento no dia seguinte, que os preparariam física e psicologicamente para enfrentar os futuros previstos e imprevistos envoltos em névoa densa.

Remexeu-se um pouco, incomodado e ansioso pelo que vinha pela frente, mas dormiu sem perceber.

 

PARA BENJAMIN, O TREINO FÍSICO era o que mais o deixava inquieto devido ao seu peso corporal. Tinha perdido muitos quilos desde que começara sua jornada ao lado de Lucy e Baker, e agora sobrara-lhe apenas algumas gorduras localizadas ainda precisando queimar. A palavra "gordo" fora tirada de seu corpo como estampa e rótulo; com isso, ganhou mais vitalidade, porém os antigos fantasmas que caçoavam e tentavam obrigar-lhe a ter o corpo ideal de um Runner ainda o perseguiam irritantemente, mesmo que os anteriores problemas estivessem bem mais leves depois de passar pela Purificação. Controverso? Sim.

Ele e os outros Aprendizes acompanharam um Doug gingando ao caminhar e saíram pela porta dos fundos do edifício em um campo espaçoso e rodeado por árvores.

— Seguinte, it's me o responsável pelo treinamento corporal. — Começou Doug, mas um dos Aprendizes falou em seguida.

— Por que não Chander, já que possui mais físico para isso?

Doug o fuzilou com os olhos.

— Primeiro porque vocês não estão aqui para ganhar músculo e parecerem um Machoke a ponto de explodir. O músculo não é o fator principal em situações reais. O treino físico que propomos nada mais é para aprimorar a resistência corporal. — Sorriu, maliciosamente. — E venhamos e convenhamos que o corpo de Chander já esteve em época melhor, né, amores. Agora tudo o que conseguimos enxergar é a o decaimento de um antigo físico firme que agora assume forma flácida, e, de quebra, com barriga de um Pokémon que acabou tomando por engano Poção Máxima2 em excesso. — Levantou uma das sobrancelhas, como que desafiando alguém a contrariá-lo e dizer que estava enganado. — É, ficar afastado da rotina de Líder de Ginásio com toda uma academia só para si tem suas consequências; alegando doença para ser afastado, o que mostra que não passa de um ser humano comum, que se esforça em tenta empurrar, para quem quer que seja, uma imagem de alguém todo-poderoso goela-abaixo; pelo simples fato de nunca ter tido nada na vida e ao conseguir uma oportunidade de Líder de Ginásio, o ego inflou de forma tão rápida e assustadora que até um Qwilfish se espantaria, há-há-há! — Curvou-se rindo e logo se recompôs. — E pra quem quiser pedir umas dicas de como ganhar músculos — disse essas duas últimas palavras fazendo o sinal de aspas com os dedos — com Chander, à vontade; não os impedirei se isso for para ajuda da causa. Só tomem cuidado com o monstro particular dele; o final do próprio nome do bendito já diz tudo sobre ele: Chanderego. — Frisou a última parte. — Ego! Completamente egocêntrico!

Cuspiu tudo aquilo em uma sequência ininterrupta. Todos permaneceram calados e estancados mesmo depois de ter terminado.

— Alguém tem alguma outra aflição? Não? O.k., let's begin.

Depois da crise de surto, o treinamento correu sem problemas e incidentes. Doug voltou ao normal e se mostrou muito prestativo para ajudar a todos em suas dificuldades.

Quando os Aprendizes estavam fisicamente cansados e sentados na grama, numa trégua de descanso, Chander apareceu e aproximou-se deles. Doug soltou um muxoxo e entrou no edifício. O treino físico tinha acabado. Vendo Doug sumir atrás da porta fechada, Chander murmurou, ainda que baixo, um sonoro:

— Afasta de mim esse cálice, Pai Arceus...

Os Aprendizes começaram a se levantar, mas Chander os deteve.

— Permaneçam sentados. — Voltaram à grama macia. — Vocês devem estar se perguntando o porquê de um treino mental logo agora que se encontram cansados. Bem, isso tudo ainda tende a piorar, he-he. O propósito é inseri-los em situação real de tudo o que pode vir ou não a acontecer, já que é ciência de todos, quando você está mais cansado e não vê escapatória para dada situação, precisamos parar, pensar e arranjar um jeito de sair da enrascada. Esta é uma forma simples de resumir nosso treino. — Deu uma pausa para respirar. — Estamos com tempo reduzido, pois a qualquer momento o embate entre Revolucionários e Rocket pode eclodir, quanto mais concentrados forem os treinamentos, melhor será para que não sejam pegos desprevenidos...

E assim foi, até o horário do almoço, onde os Aprendizes famintos esperando um banquete pronto, seguiram Chander até a costa marítima. Estando inseridos em Fishagua, conhecida por ser uma Vila costeira em que a pesca era a principal fonte de renda de muitas famílias, Chander os levou para um canto isolado, quase fora dos limites da Vila, onde não seriam vistos, muito menos incomodados.

— Terão que caçar a própria comida — disse presunçosamente, apontando para o mar. — Sem roupa alguma.

O primeiro pensamento de Benjamin foi o de que o dia não estava agradável para um mergulho. O vento frio zunia em seus ouvidos. Mas depois a última frase recaiu sobre si e sentiu seu rosto inflamar. Teria de ficar pelado?! O que...

— Por que devemos tirar a roupa para caçar a comida? — perguntou um dos Aprendizes, interrompendo os pensamentos de Ben. Muitos concordaram com o Colega.

— E por que devem caçar de roupa dentro da água? — respondeu Chander irritado, por estar sendo contrariado. — Por que se opõem a uma ordem minha? Agora vão e façam o que lhes pedi; afinal, o líder daqui sou eu!

Alguns, tiraram suas roupas bege-marrom-amareladas e se mantiveram firmes e impassíveis.

Benjamin, remoendo-se interiormente, pensava em que aquilo acarretaria. Lembrou-se do que Chander tinha dito mais cedo, de que estava os preparando para tudo.

— Pra quem quiser entrar de roupa, tudo bem, vão em frente — soltou repentinamente Chander.

Ben achou aquilo inquietante. Há poucos minutos, Chander esbravejou que lhe obedecessem e agora parecia ceder. Tinha algo de errado. Decidiu que seria melhor seguir a primeira ordem, afinal, o que tinha a perder? Tirou a roupa e se juntou aos outros que entravam no mar.

Por incrível que parecesse, a água estava morna e só sentia frio quando expunha seu corpo para fora dela, com o vento maldoso e frio fazendo questão de fustigar sua pele molhada.

Depois de algum tempo, com alguns trazendo Pokémon tipo Água e Venenoso para Chander verificar e mandar voltar com o Monstro por ser incomestível por humanos, por poder trazer riscos à saúde devido sua natureza venenosa, todos seguravam algum Pokémon Peixe entre as mãos.

Os que estavam nus, se vestiram e de imediato Benjamin entendeu: O tempo com vento gelado, os que mergulharam com roupa, sofreriam o frio até voltarem à base. Cada um pegou seu peixe e seguiram ao esconderijo dos Revolucionários.

Dirigiram-se para o campo atrás do edifício, onde fizeram o primeiro treino físico, e no meio tempo em que estavam fora "pescando", alguém colocara algumas mesas de plástico ali. Pousaram os peixes nas mesas e os que estavam com a roupa encharcada e tremendo de frio, iam voltando para dentro do edifício.

— Ei, ei, para onde pensam que vão? — perguntou Chander.

— Pegar roupas secas, estamos morrendo de frio... — murmurou um, tremelicando.

— Não irão trocar de roupa, não! Permanecerão com essas molhadas. Eu avisei para tirarem antes de se molharem! É assim que será: Precisam analisar cada situação, não podem permitir passar nada abatido, pois toda ação trará um fim e é pensando nesse fim que agirão. Preciso que entendam que este não é só um treinamento, vocês têm de convencerem a si mesmo que estão envoltos em uma simulação real.

Para Benjamin, de início, parecia que Chander estava pegando no pé deles e sendo chato, mas agora a compreensão recaiu sobre si e entendeu que aquilo era apenas parte do treinamento mental; neste primeiro dia, Chander além de ensinar alguns métodos de sobrevivência, estava apenas fazendo com que pensassem antes de executarem ações.

— Uma dica para os que estão molhados? — Continuou o Norteador com black power. — Tirem as roupas molhadas e as deixem aqui com a tentativa de secarem-se. Sentirão menos frio sem esses panos gelados grudados no corpo.

Aos poucos, os que estavam encharcados retiraram a roupa. Finalmente assumiam com propriedade a convicção de que estavam em simulação real.

— Vamos para a próxima lição.

Para finalizar, entranharam pela floresta para caçar Berries comestíveis e que não causasse nenhum tipo de efeito colateral em humanos.

— A Chesto Berry, por exemplo, que acorda o Pokémon em batalha — Chander segurou uma fruta que parecia uma avelã, com pedúnculo cascudo e azulado, e a fruta parda e seca —, se for comida por um ser humano que não se encontrar em estado de sonolência e indisposição, produzirá efeito de excessiva energia, que pode acarretar uma arritmia cardíaca desenfreada; e ainda por cima, se por um acaso a pessoa saia correndo, torna a situação ainda mais fatal. Não é aconselhável comê-la mesmo que se saiba que irá ficar imóvel; só em último caso, de emergência, em que não há mais nada para comer. — Jogou a Berry para a floresta e bateu as mãos, limpando-as, mesmo sabendo que o fruto fosse seco. — Entretanto, quando mesclado aos ingredientes corretos, a Chesto Berry é um ótimo medicamento no auxílio para despertar humanos em coma, mas isso só com Lean, Líder do Ginásio de Vila Botânicus, especialista em tipo Grama, que possui alguns dons de ares de boticário.

 Voltaram ao campo de treinamento, pegaram os peixes e Berries e caminharam até uma clareira, onde Chander ensinou a fazer fogo e cozinhar os Pokémon pescados.

Após voltarem, para findar o dia, encontraram-se com Falcon, o Norteador, para umas rápidas palavras referentes aos Revolucionários. Ele ficaria responsável por trazer mais informações sobre o que era a causa.

Com tanto a fazer, este último encontro acabou se revertendo em uma rápida conversa, na qual Falcon explicou que os Norteadores, de início, era formado por apenas um trio que não necessariamente liderava os Revolucionários. Davam apenas o norteamento sobre decisões e ações que deviam ser tomadas, "assim como as antigas reuniões de sábios que discutiam e escolhiam o melhor caminho a seguir para o bem de todos de um vilarejo", discorreu. Disse também que pretendiam aumentar em número de integrantes após a tomada de Toran. Futuramente, assim como o agora, tomarão juntos decisões para então apresentá-las para a população; se esta aceitar, então as propostas serão postas em prática. Norteador não era um título excepcional, apenas uma forma de reconhecê-los, "pois no fim, somos todos iguais. Esta é a filosofia que pregamos."

Revelou também que os Rocket de Toran estavam com planos de capturar algum Pokémon Lendário — não sabia dizer qual era —, e havia a suspeita de manterem alguns mantidos em sono induzido envoltos em cápsulas cheias de plasma sanguíneo de Musharna. Mas não podia afirmar toda essa história; não era uma informação oficial.

Para que queriam um Lendário? Falcon também não soube responder.

 

OS APRENDIZES JANTARAM o que restara do almoço e Chander informou que dormiriam no campo de treinamento hoje e que arranjassem locais apropriados e confortáveis para passar a noite. Seria essa a última tarefa do dia.

Alguns pensaram em dormir nos galhos grossos e vistosos das árvores, e concordaram que seria uma boa ideia, mas como o tempo continuava frio, acharam melhor dormir no chão, encolhidos, os corpos colados para passar e receber calor um do outro.

 Chander aprovou a ideia e o raciocínio do calor dos corpos. Um senso de alerta, sobre todos estarem tão agrupados veio à sua mente, mas dispersou a ideia. Deixou os novos Colegas ali e se dirigiu ao seu quarto.

 

FALCON ESTAVA SENTADO na cadeira de espaldar de frente para a escrivaninha, em seu dormitório, analisando papéis que continham notificações e ocorrências relatadas por seus espiões. Suspirou. As notícias não eram boas.

 

ENTREMENTES, EM SEU QUARTO particular, Doug estava debruçado dentro dos limites de dois círculos concêntricos desenhados no chão com substâncias colorantes retiradas de plantas e flores. À volta dos círculos haviam itens um tanto quanto inquietantes para olhos desacostumados: uma vela acesa que exalava um cheiro doce e enjoativo; um vaso raso com um líquido transparente; uma foto de Chander; e o corpo de um Vulpix morto.

Enquanto murmurava e recitava seus conjuros, o líquido dentro do vaso escureceu-se gradualmente. Doug olhou para o vasilhame remoendo com rosto impassível dentro de si aquela resposta recebida, entretanto olhos atentos teriam visto que engoliu em seco.

 

AS LUXÚRIAS E PRIVILÉGIOS que a vida notória como Líder de Ginásio confundia a cabeça de um dos homens dentro daquele edifício.

— ... aceitei participar porque sei o que os oprimidos passam, afinal, passei também por isso, mas... Abrir mão de tudo o que tenho está sendo cada vez mais difícil, cada vez mais escorregadio e complicado de me ater...

Chander estava ajoelhado e apoiado em seu catre, as mãos unidas em súplica. Falava com dificuldade, como se revelar tais palavras fossem difíceis de serem proferidas.

— Sinto falta de ser respeitado, de dar ordens... Aqui, todos serão iguais e comando não mais haverá. Está sendo difícil me manter impassível diante dessa filosofia.

Ficou em silêncio, como que analisando o que tinha acabado de dizer. A contradição chegou logo em seguida. Dando ares de que estava se desculpando pelo o que acabara de dizer, rogou:

— Ó, poderoso Arceus, força é o que não me falta, sei que sou o forte, mas ao menos dê-me paciência para aguentar firme na causa com este repulsivo do Doug ao meu lado, parecendo me perseguir. — Ficou um tempo curto calado. — Não nasci para aguentar esse tipo de afronta; nasci... para comandar sozinho, sem ninguém do meu lado pra atormentar e infernizar, principalmente se esse alguém for ele! Sério, faça alguma coisa, pois se não, volto ao meu posto anterior de líder de ginásio, onde era tratado com respeito, como um... um verdadeiro rei. — Engoliu a saliva. E começou a repetir novamente: — Está sendo difícil me manter impassível diante dessa filo...

Um estrondo que fez tremer as paredes o interrompeu. Levantou-se, alerta e correu para o corredor. Doug também estava ali, os olhos arregalados de surpresa; da porta entreaberta de seu quarto, o cheiro pungente da vela aromática percorreu a passagem

Com os ouvidos perspicazes, Chander informou apontando com os dedos que o barulho viera dos fundos do edifício, no campo de treinamento. Doug fez que tinha entendido com a cabeça e na mesma hora lançou sua Mismagius, que os acompanhou pelo caminho até a porta dos fundos.

Chegando lá, encontraram Falcon montado em cima de seu Talonflame — o raro Pokémon falcão que não estava nem mesmo cadastrado na Pokédex de Toran, por pertencer a outra região —, que controlava suas asas para não queimar seu Treinador.

À frente deles, havia um helicóptero, com um R vermelho desenhado em suas laterais, planando e subindo, reverberando um barulho ensurdecedor das hélices. Abaixo deles uma rede pendida mantinha presos todos os Aprendizes que lutavam, mas tomavam choque a cada vez que tentavam arrebentar as tranças laçadas.

Aquilo abalou Chander, pois tinha o incomodado o fato de todos estarem dormindo tão agrupados, mas tinha ignorado seus presentimentos.

Chander lançou seu Pokémon da Pokébola. Um monstro gigantesco materializou-se à frente com estrondo: Era quase o dobro do tamanho do raquítico Falcon, a cor como a de tijolo de barro e uma cauda se projetava para trás. O que parecia uma juba branca espetada envolvia seu pescoço. Mantinha-se firme e de pé sobre duas garras enormes contrastando com duas patinhas dianteiras penduradas de seu torso; por último, o que aparentava ser uma coroa dourada, projetava-se da parte superior de seu focinho e "pontiagudava" para o alto, como uma verdadeira coroa de um rei.

Tyrantrum, Deslize de Pedra acima do helicóptero! — ordenou Chander, agindo sem pensar. Tinha em mente apenas resgatar os Aprendizes.

— Não! Está louco?! — Vociferou Doug.

Mas Falcon foi mais rápido, dirigindo seu Talonflame para a frente do Pokémon tiranossauro e impedindo que ele finalizasse o movimento.

— Irá matar os novos Colegas. Não podemos atacar o helicóptero diretamente.

— M-mas... eles estão sendo raptados! — urrou Chander, o corpo tremendo.

O helicóptero alçou altitude e foi se afastando.

— Sabemos que foram raptados. — Disse Falcon, controlado, mas respirando com rapidez. Desmontou de seu Pokémon e murmurou algo em seu ouvido. — Agora vá — finalizou para o pássaro.

Rápido como um vulto no céu, Talonflame voou com destreza por cima das árvores e desapareceu.

 

ANTES DE POUSAREM, OS ROCKET'S fizeram com que uma forte corrente elétrica percorresse os fios da rede, e então os Aprendizes desmaiaram.

Acordaram em um cômodo escuro e apertado. Não faziam ideia de onde estavam. Seus corpos doíam, tanto pelo pequeno espaço em que se encontravam quanto por provavelmente terem sido jogados ali de qualquer jeito.

Uma pequena portinhola abriu-se e foi empurrada uma enorme vasilha cheia de uma comida viscosa, e em seguida outra com um líquido que parecia água.

— Sejam bem-vindos ao inferno, utópicos otários — disse a voz por trás da porta, que empurrou a "refeição". Riu malignamente antes de fechar com estrondo a portinhola e deixá-los no escuro novamente.

 

~x~

 

HOJE:

PÚTRIDO DENTRO DA CELA

APÓS SEU URRO DE HORROR, os outros Colegas imediatamente acordaram e se dispuseram em pé.

Debateram que era melhor não chamar alguém para retirar o corpo, pois ia saber onde o depositariam. O Colega que ali jazia, merecia ser enterrado com dignidade.

Até que uma das vozes alertou, solitária e sombriamente:

— Em dois dias, vai começar a feder...

Aquilo pareceu calar a todos e assim permaneceram durante os dois próximos dias.

Entrementes, os Rocket trouxeram a escassa comida para todos que estavam ali jogados comerem com as próprias mãos sujas. A água, do mesmo modo.

Comiam calados. Não falavam mais nada.

 

O CORPO DO COLEGA COMEÇOU a exalar um mau cheiro após dois dias como morto.

Repentinamente, a porta se abriu e a claridade cegou todos ali. Ouviram uma voz conhecida.

— O resgate chegou, vamos Colegas, desnorteamos os inimigos e ganhamos alguns minutos para retirá-los daqui em segurança, mas corram, temos que ser rápidos.

Era Doug, um dos Norteadores, com Mismagius ao seu lado.

Os Colegas se levantaram com dificuldade, os membros completamente enrijecidos, mas no desespero pela liberdade, conseguiram apressar o passo. Doug em conjunto com outro, ajudou a levar o Colega morto para longe daquele lugar.

Benjamin Runner aos poucos deixou o abalo emocional esvair de seu interior e uma convicção maior ainda, da certeza de sua escolha ter sido a correta, o tomava. Estava mais firme na crença do que jamais a teve de fazer dos Revolucionários o grupo que acabaria de vez com aquele governo fajuto e derrotaria os Rockets de Toran.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Os sobrenomes dos personagens têm origem aos tipos de Classe de Treinador:
* Doug Hex: Maníaco de Feitiços;
** Chander Hiker: Montanhista;
*** Falcon Bird-Keeper: Ornitólogo

1 Se quiserem recordar, podem verificar o curto trecho do encontro do grupo com Chander/Kevin no capítulo "Primeira Briga". É só dar CTRL+F e pesquisar pela palavra "Kevin".
2 Ou Max Potion.

Se me lembrar, penso em deixar nas notas finais os livros que estarei lendo enquanto escrevo os capítulos e/ou os reviso. É uma maneira bacana para entenderem de onde retiro algumas formas de levar a história, narrações, personalidade de personagens, etc.
Lendo: Enquanto escrevia: • Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda / Howard Pyle. • O Diabo Veste Prada / Lauren Weisberger. Enquanto Revisava: • Diário de um Banana: Rodrick é o cara / Jeff Kinney; • Cidade dos Etéreos / Ransom Riggs.
De certa forma, Chander tem ares e fala próximos ao livro de Pyle; já Doug, é quase um dos personagens assistentes de moda da revista Runway, do livro de Weisberger, há-há!

Link do mapa de Toran até agora: https://i.imgur.com/pHx2fK6.jpg

Obrigado por virem!



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