O Verdadeiro Mundo Pokémon escrita por Ersiro


Capítulo 16
Capítulo Bônus — Liberdade de Parricida




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— Ô MENINA! VAI ATRÁS DE SEU IRMÃO antes que o pai chegue e dê um puxão de orelha em vocês dois! — gritou a mãe para a menina que fazia um barulho irritante batendo colheres em tampos e fundos de panelas.

Vendo que a filha não dera a mínima atenção, a mãe berrou de novo:

— Mas menina! Quem tá falando com você? Vai logo, Josefina!

A garota estremeceu ao ouvir seu nome. Como odiava ele!

Levantou — mesmo não querendo — e saiu da casa feita de bambus, que se localizava no alto de um grosso tronco de árvore. Desceu as escadas — também feitas de bambu amarrado em cordas — e firmou os pés no chão.

Andou até a floresta e adentrou nela. Após alguns pouquíssimos minutos, entrou na pequena clareira que se abriu. Lá estava seu irmão, tocando o violão emprestado de seu novo amigo que arranjara na vila e que também estava ali treinando.

— Jô — chamou a pequena. — A mãe tá te chamando, porque se não, o pai vai puxar nossas orelhas de novo!

Ele revirou os olhos. Sabia que os "puxões de orelha" não eram necessariamente puxões de orelha que o pai dava. Era coisa mais dolorida.

— Ah, de novo aquele velho chato da p... poxa? — ele resmungou, entregando o violão ao amigo. — Por que não me deixa em paz?!

 

A FAMÍLIA CATCHER ESTAVA SENTADA À MESA da pequena cozinha, almoçando. O silêncio era incômodo, até que o pai atraiu a atenção do filho, o chamando pelo nome:

— Josivaldo, tô com dificuldade pra conseguir completar a demanda de capturas por mês. A partir de amanhã você vai trabalhar comigo, já que não faz nada aqui mesmo.

O garoto olhou para o pai, depois para a mãe. Não estava acreditando.

— Eu tenho aula de manhã — respondeu o menino com a voz embargada de incredulidade.

— Estudo pode ficar pra depois. O importante agora é ganhar dinheiro.

— Mas o estudo é uma das bases que cria um bom homem!

O pai bateu as duas mãos na mesa. A força foi tanta que até o chão estremeceu levemente.

— O trabalho também faz isso! — Apontou para a cara do menino. — E a família também, em cima de tudo. Coisa que você não dá bola.

O silêncio voltou a reinar, até que depois de mastigar a comida e a engolir, o pai decretou, secamente:

— Não tem probema, amanhã mesmo a mãe troca o horário de estudo pra noite.

E foi assim, sem ter escolha que Josivaldo começou a trabalhar com seu pai.

 

A FAMÍLIA CATCHER SAIU DA ILHA DE PRAIASSOL por conta da falta de trabalho e foram morar em Bamboose.

Os dois filhos não gostaram da mudança. Não gostaram da vila. Não gostaram das pessoas que viviam ali. Não gostavam da ideia de ter que viver ali.

E os amigos e pessoas que ficaram em Praiassol? Como iriam arranjar gente tão boa quanto aquelas que moram na ilha?

Os Catcher são conhecidos pela captura de Pokémon insetos. Desde que se tem notícia da família, as gerações e gerações sempre se empenharam nesse trabalho. Pessoas e empresas contratavam os serviços de seus integrantes e eles assim viveram tranquilamente, até um tempo atrás, quando em Praiassol não mais os contratavam para isso. Parecia que ninguém mais queria o trabalho deles.

Assim que receberam uma proposta em Bamboose, sem pestanejar, os pais foram correndo e ali se fixaram. Os pedidos ali eram maiores e no momento até estavam contratados por uma empresa para capturar Pokémon que produziam seda.

 

JOSIVALDO PEGOU SEU CHAPÉU DE PALHA e o colocou. Pegou sua rede de captura e a pendurou em seu ombro. Mais um dia de trabalho.

Ao entrarem na floresta, em pouco tempo, um Pokémon apareceu. Era um Caterpie.

— Ali, filho. Pega o bicho! — sussurrou o pai.

Josivaldo se aproximou com cuidado, com a rede pronta para capturar a pequena criatura. Mas o garoto retesou quando notou que havia outro Pokémon encarando o Caterpie. O Scyther chiava para o pequenino que apesar de estar assustado, mostrava uma grande coragem por não retroceder um passo sequer.

Algo naquela bravura encantou o garoto que olhou maravilhado para aquela criaturinha.

Rápido o bastante para os olhos acompanharem, Scyther avançou com seus braços cortantes em direção à Caterpie que evadiu tarde demais e teve uma das antenas cortadas.

Josivaldo sentiu uma pena avassaladora e avançou, esbravejando loucamente para assustar o Scyther, que fugiu. O garoto correu para o Caterpie e o tomou nas mãos.

— Muito bem, filho. Afastano o outro bicho grandão só pra conseguir pegar mais uma mercadoria! — Se orgulhou o pai. — Vejo que tá pegano o jeito Catcher de ser!

O menino olhou para o pai. Apertou contra o peito o pobre inseto.

O Senhor Catcher cerrou os olhos.

— O que tá pensano? — Cruzou os braços. — Sabe que não podemo desperdiçar nem um dos pequeno produtor de seda. Ainda mais sabeno que eles tão migrano de local aos poucos.

Josivaldo pensou rápido.

— Ele está debilitado, não podemos levar esse agora. É perigoso ele morrer no caminho até fábrica.

O menino sentiu o olhar do pai parecer atravessá-lo, mas se manteve firme. Não permitiria que aquela pobre criatura fosse explorada, assim como ele próprio estava sendo pelo pai!

 

~×~

 

O TEMPO PASSOU e aquele Caterpie ficou definitivamente com o menino.

Josivaldo e Josefina tiveram a relação fortalecida. De um jeito engraçado, ambos perceberam que queriam a mesma coisa: Sair cantando por toda Toran.

O garoto estava em sua cama, em seu minúsculo quarto, tecendo um pedaço de pano com linhas de lã de cor verde, branca e rosa. Josefina entrou no quarto do irmão e se jogou ao seu lado.

— O pai está insistindo de novo nesse papo de eu ter que ir com vocês caçar Pokémon! Ainda bem que nisso, a mãe me defende. Diz que tenho compromissos sérios na paróquia como "salvadora de jovens almas perdidas por meio da voz" — terminou a frase, forçando a voz num tom angelical.

— Amém — sussurrou Josivaldo, entre o riso. Josefina deu um tapa brincalhão em seu irmão.

— Não posso reclamar. Foi ali que me descobriram e me aperfeiçoaram. Acho que devo essa pra eles... — Pareceu pensar. — Mas será que não percebem que eu não pertenço àquele lugar? Olhe só pra minhas roupas: Todas são pretas!

— O modo de se vestir não diz muito sobre a pessoa. O que vale é o que ela é por dentro.

Josefina olhou com estranheza para o irmão.

— Você anda meio filósofo esses dias... — Um lampejo passou por seu olhar e ela vibrou: — Oh, não! Não me diga que você está apaixonado!

O garoto enrubesceu diante do que a irmã acabara de falar, mas conseguiu fechar a cara e voltou a se concentrar no pedaço comprido de pano que costurava.

— Tudo bem. Hoje não falo mais sobre isso! — disse a menina. — O.k., vamos falar sobre esse seu pano que você está fazendo. Ainda não acredito que pediu pra mãe te ensinar a bordar!

Josivaldo continuou calado e a irmã continuou.

— Ah, não... Não me diga que ele também tem relação com sua nova paixão... Quer dizer, com o que acabamos de falar e que te fez ficar vermelhinho.

O menino cerrou os olhos para a irmã e voltou ao seu trabalho, ainda calado.

— Ora, vamos, conte pra mim! — incentivou Josefina. — Se vamos sair por toda Toran, teremos que confiar os segredos que surgirão com o outro. Então por que não se abre logo pra mim?

Josivaldo começou a pensar no que ela acabara de dizer. Ela tinha razão. Não tinha motivo para esconder nada de sua irmã. Por fim, decidiu falar.

— Conheci uma garota... Megan. — Estava um pouco sem jeito. — Ela não é daqui e é bem maluquinha. Se veste como uma Gardevoir e fica dançando na frente de todo mundo, sem a menor vergonha. Dança assim como uma bailarina... Ficamos amigos, mas assim que voltei no outro dia, ela já tinha ido embora. — O tom de sua voz ficou abalado.

Um silêncio se seguiu após isso.

— Eu... Eu sinto muito, Jô... — lamentou Josefina, pousando a mão no ombro do irmão.

— Tudo bem. No fim de tudo, decidi fazer esse cachecol com as cores de uma Gardevoir para nunca mais esquecê-la. Ele vai servir como um "recordador". — Fez um sinal de aspas com os dedos indicadores e médios. — Não vai deixar eu me esquecer de como é o rosto de Megan. Nem como ela é.

— Isso tudo é muito lindo, Jô.

O garoto pareceu se recompor e fez uma careta.

— Esse negócio de "Jô" me lembrou de outra coisa. — Ele olhou com espectativa para a irmã. — Você não acha que vamos sair por Toran como a dupla "Josivaldo e Josefina", né?

Urgh! Assim fica muito feio! Estava pensando em "Jô e Jô".

— Não, você ainda não entendeu! Esses nossos nomes horríveis que nossos pais nos deram não precisam ser nosso assim que sairmos da porta pra fora!

Um brilho se instalou nos olhos da garota, assim que ela entendeu.

— Está propondo que mudemos nossos nomes? — ela perguntou. Ele fez que sim com a cabeça. — Poxa, se for assim, então tem que ser nomes fora do comum, para que as pessoas se perguntem: "Quem são os pais maneiros daqueles dois ali que puseram neles nomes tão maneiros?"

— Sim! Eu estava pensando em Vitor, mas ainda assim, fic em sua forma muito simples, então lembrei de seu derivado "Victor" que melhora um pouco a situação e então pensei em trocar pelo menos uma letra. Daí formei na minha cabeça:  Vector!

Hummmm.... Gostei, aprovado! Vou pensar no meu então! — Ela começou a enrolar nos dedos alguns fios do curto cabelo preto. — Sabe, eu gosto muito daquela atriz que passa na tevê, a Helena Langsworth. E seguindo a mesma ideia que você teve, eu poderia trocar o último a por um e também! He-le-ne. Daí ficaria um nome com três es! Me diga se você conhece qualquer outro nome com três es!

Ele pensou por um momento.

— É... Por enquanto, eu realmente não lembro de qualquer outro!

 

— EI, PSIU! — CHAMOU o então Vector.

A então Helene, estava de frente para o espelho, segurando um pente, imaginando segurar um microfone e cantava, imitando os gestos insanos daquela cantora famosa de rock. Isso até ser interrompida pelo irmão.

— Venha ver uma coisa! — sussurrou Vector.

Helene revirou os olhos, um pouco irritada por ter sido interrompida no momento em que imaginava a platéia cantando enlouquecida junto com ela. Mas ainda assim seguiu Vector que tomou o caminho para seu quarto.

Na cama, deitado com cuidado, estava um violão preto e lustroso.

— Consegui comprar com o dinheiro que estava juntando. Agora o dia da nossa ida por toda Toram está mais próximo! É só esperar mais um tempo até eu ficar de maior e poder me responsabilizar por você.

— É maravilhoso, Vector! — Ela sentou na cama, ao lado do instrumento musical, passando os dedos suavemente pelo seu contorno. — Quero ouvir você tocar algo com ele.

Mas, pela janela, algo chamou a atenção de Vector, que se aproximou e ficou assistindo uma cena que se desenrolava lá embaixo.

Curiosa, Helene se levantou e também parou na frente da janela.

Lá embaixo, dois garotos esperavam uma garota que se aproximava deles pela rota com um Wooper em seu encalço. O menino mais cheinho estava com um galo enorme na cabeça e a garota riu da cara dele assim que chegou mais perto.

— Mais um grupo em jornada. Com certeza estão em jornada — murmurou Vector. — Quantas centenas deles já vimos passar por aqui?

— Não vejo problema em termos visto tantos moleques em jornada — começou Helene, voltando para a cama e oferecendo um largo sorriso sincero para o irmão. — Logo mais mais será a gente que vai estar lá. Agora venha aqui e vamos praticar um pouquinho.

 

O PAI CHEGOU FURIOSO e foi direto para o quarto de seu filho Josivaldo. Ao entrar violentamente pelo umbral sem porta, os dois irmãos deram um pulo com o susto que levaram.

— Eu sabia! Sabia que essa peste mentia pra mim! — rugiu, apontando o dedo para o menino.

Avançou até ele, o pegou pela orelha e o arrastou até a cozinha. A casa de bambu se remexia um pouco com os passos pesados que o pai dava e com a luta surda de Josivaldo para se desvencilhar. Assim que chegaram à cozinha, o pai largou o garoto numa das cadeiras.

— Ora, homem! Que passa agora?! — perguntou a mãe, aflita, apagando as bocas do fogão, onde preparava o jantar.

— Esse cabra tá mentino pra mim já faz é tempo! Diz que vem aqui pra lhe ajudar nas tarefa de casa, pois tu tinha lhe pedido pelas dor nas costas que tava sentindo nos último tempo.

— Mas num faz tempo que eu já te disse que não tô com dor nenhuma nas costas? Tô até cansada de repetir isso!

— Pois é, e esse menino vem mentino pra mim esse tempo todo! Foge do trabalho pra vim brincar de música com essa outra — apontou para Josefina, acuada no canto — que também não faz nada! Eu tive esperano esse tempo todo só pra ver quando ele ia parar, mas tô veno que isso é coisa impossível de acontecer. Hoje cansei, explodi meus miolo e de hoje em diante — apontou para o menino —, tu vai ter que acordar de madrugada agora pra caçar os bicho! E ai de tu se tentar me enganar de novo!

Depois disso, pegou o filho pela orelha e o levou de novo para o quarto. Lá, fez o garoto ficar totalmente despido e bateu nele com o cabo de sua rede de captura. A conhecida varinha da rede de captura. Josivaldo já a tinha sentido na pele mais de... tantas vezes. Já a considerava uma velha amiga maldosa.

Da cozinha dava para ouvir o barulho de cada golpe que soava como uma serpente sibilando. Josefina estremecia a cada sibilo. Ela também conhecia aquela amiga varinha.

A mãe tranquilizava a menina, dizendo que aquilo um dia ia acabar, que o pai não bateria mais neles. A mãe não gostava que o pai batesse neles, mas era uma mulher impotente demais para se sobressair diante do marido.

Pelo menos Josefina tinha escondido o violão do irmão em seu próprio quarto, no guarda-roupa. Assim, o pai não quebraria o passe dos dois para a liberdade.

 

VECTOR CAMINHOU COM CUIDADO por entre a casa escura e silenciosa. Todos dormiam. Já tinha vivido ali tempo suficiente para saber andar no chão sem fazer o mínimo barulho, mas as marcas dos golpes em todas as regiões de seu corpo ainda latejavam e ardiam pelas chibatadas violentas recebidas. Segurou o violão com firmeza, enquanto descia as escadinhas que levava para a rua.

Assim que deu dez passos para longe da casa, uma mão segurou seu braço e o interrompeu. Ele sabia que ela viria.

— Porque você é burra o bastante para me seguir logo agora? Eu já já vou fazer 18 anos e venho te buscar. Aí podemos começar nossa carreira-jornada...

— Eu não vou deixar você ir sozinho. E não ia aguentar ficar sozinha naquela casa. Não quero enfrentar uma solidão causada pela sua falta. Seria insuportável, Vector.

O coração de Vector pareceu cair congelado em algum lugar de seu estômago. Ele sentiu lágrimas em seu rosto. Se achegou e abraçou a irmã com força.

— E a mãe? — perguntou ele, enquanto ainda se abraçavam.

— O pai não vai fazer nada de mau com ela. Ele deve ver ela de forma diferente pra não machucar ela. E também deixei um bilhete — Helene sorriu. — Ah, e tenho o nome perfeito para a dupla...

 

~×~

 

A senhora Catcher pegou com mãos trêmulas o pedaço de papel em cima do pote de mel. Antes mesmo de abri-lo, sabia do que se tratava. Seu instinto de mãe lhe dissera que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Suspirou. Abriu. Leu.

 

Mãe, finalmente estamos iniciando nossa jornada, para mostrar nosso talento para toda Toran!

Não se preocupe, sabemos nos cuidar!

Antes que eu esqueça, nossa dupla se chama PARRICIDAS. A senhora não deve ter ouvido isso, mas significa "AQUELES QUE MATARAM OS PAIS". O que caiu como uma luva em nós dois, já que pra gente, nosso pai morreu. A senhora não acha que combinou?!

 

Abraços,

De seus Amados Parricidas ♥


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