Kingdom Hearts: Motherland escrita por Kyra_Spring


Capítulo 20
Let it Out


Notas iniciais do capítulo

A música incluída no capítulo é, como o nome já diz, Let it Out, da trilha sonora de Fullmetal Alchemist: Brotherhood.



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            Um mês depois, Sora finalmente recebeu alta da enfermaria.

            Ele ficou com cicatrizes feias nos pontos em que a lança o atingiu, mas ficou completamente curado. A partir do momento em que despertou, sua recuperação foi muito rápida. Em pouco tempo, já estava se levantando, depois andando, e por fim estava sendo até difícil mantê-lo na enfermaria na hora da aplicação dos remédios. Visitava e era visitado por todos, e a partir dessas visitas tomava conhecimento do que estava acontecendo.

            Waterfall City se reerguendo... e pessoas indo para lá...

            Ele soube que vários dos antigos moradores de Twilight Town haviam se mudado para Waterfall City, para se estabelecerem na cidade reconstruída. E as pessoas de Crystal Fortress quase todas já se preparavam para se mudar para a superfície. Crystal Fortress, porém, continuaria ativa, abrigando o templo e as áreas de treinamento, além de servir como esconderijo de emergência. Lulu coordenava os esforços de reconstrução. Como Tsukihana do templo, ela foi apontada unanimemente como a mais indicada para liderar a cidade.

            Ele sabia, também, que todos os que haviam lutado naquela noite permaneciam na cidade, ajudando na reconstrução. Leon e Tifa estavam ajudando a implantar um sistema de comunicações integrado à rede entre Disney Castle, Traverse Town e Radiant Garden, com a ajuda de Cloud e de Cid, à distância. Donald e Goofy passavam boa parte do tempo em missões de reconhecimento pela cidade, para remapeá-la. Quistis começou a ajudar nos treinamentos do templo. Yuffie e Rikku eram as mensageiras oficiais da equipe. Leene, Kairi e o rei Mickey ajudavam a analisar uma série de livros recém-recuperados da biblioteca do Mooncastle. Riku alternava as investigações na biblioteca do templo com trabalhos nos locais de reforma. Yuna ajudava as sacerdotisas nas tarefas de purificação da cidade. Era uma forma de impedir que Nobodies ou Heartless voltassem a atacar.

            Sora também ficou sabendo que, na noite do ataque, assim que Maleficent caiu, todos o exército de Heartless que ela estava preparando em The World that Never Was desapareceu logo em seguida. Provavelmente, ela contava com o fato de Erinia tomar a Fonte rapidamente e derrotar a todos. Com isso, ela invocou uma quantidade inacreditavelmente grande de Heartless, mas eles eram incompletos e não resistiram ao desaparecimento dela.

            E uma série de coisas estranhas aconteceu. Pelo que sabia, Zell e Riku não só não queriam mais arrebentar a cara um do outro, como agora até conviviam em relativa harmonia. O mesmo acontecia com Leene e Yuffie. E, pelo que sabia também, Zell e Yuffie também estavam se dando bem. O que até era compreensível, porque os dois, de certa forma, até eram meio parecidos. E todos trabalhavam, e davam duro, para reconstruir aquela cidade.

            Era a vida se mostrando mais forte, em todas as suas formas.

            E ele percebeu isso muito claramente na primeira vez em que saiu e viu a luz do sol. Waterfall City não era mais um túmulo – pelo contrário, ela pulsava de vida. Havia lojas, e casas, e pessoas passando pelas ruas e cumprimentando umas às outras. Então era aquilo que deveria ser, certo? E era por isso que deveria continuar lutando.

            “Lindo...”, ele pôde ouvir Seth murmurando, respeitoso. “É exatamente como eu me lembro”.

            “Sim, é lindo”, respondeu Sora. “É por isso... que eu não posso fracassar.”

            Perdido em pensamentos, ele não percebeu que Kairi se aproximava. Quando a viu, abriu um sorriso. Seu dia acabava de ficar ainda mais belo. Ela sorriu de volta, e se aproximou dele, deixando-o abraçá-la pela cintura.

–É melhor que você tenha sido autorizado a vir aqui, e não ter fugido da enfermaria outra vez – ela disse, com uma risada.

–Pode deixar, dessa vez está tudo certo – ele também riu, mas logo ficou sério novamente.

            Ela percebeu, e baixou os olhos. Algo havia mudado no olhar de Sora. Ele ainda absorvia aquela cena, como antes, mas agora havia nos olhos dele a mesma nota inalcançável de tristeza que tantas vezes vira em Riku. Mas havia algo mais, também. Ele parecia mais adulto, mais firme. Mas, de certa forma... também mais solitário.

            E foi por isso que ela tocou o rosto dele. E murmurou:

–Sabe... não precisa guardar tudo para si. E não precisa tentar parecer forte para mim.

–Pelo visto eu ainda sou bem transparente, não é? – ele deu um sorrisinho – Mas eu preciso parecer forte. Para me convencer. É como quando a gente era criança e a maior prova de coragem era entrar naquela caverna e deixar uma marca na parede. A gente podia estar tremendo de medo na hora, mas se conseguíssemos deixar uma marca, nos sentiríamos corajosos, depois. Essa... é a minha marca, eu acho. Minha forma de me sentir corajoso.

Let it all out, Let it all out (Deixe tudo isso sair, deixe tudo isso sair)
Tsuyogaranakute ii n da ne (Você não tem que fingir ser duro)
Dareka ga kaitetta kabe no rakugaki no hana ga yureru (As flores que alguém rabiscou na parede estão tremendo)

            Por alguma razão, ouvir aquilo partia o coração de Kairi. Sora sempre foi o raio de esperança do grupo. Era sempre ele quem mantinha o ânimo de todos, era sempre ele o primeiro a dizer que ia ficar tudo bem. Mas algo se perdeu naquela noite. E aquilo a entristecia muito. Ela queria poder alcançá-lo, curar aquela ferida no coração dele. E, se pudesse... se pudesse...

            Foi por isso que ela o abraçou.

            Ele ficou surpreso com a atitude repentina dela. Surpreso mas, mesmo assim, feliz. Ela o abraçava de uma forma carinhosa e protetora, repousando a cabeça sobre o ombro dele e afagando seus cabelos. Ele correspondeu ao abraço na mesma hora. Foi como naquela noite no Lago de Safira. A diferença era que, agora, não era ele quem prometia protegê-la. Não. Era ela quem prometia, sem palavras, que iria cuidar dele, e protegê-lo da dor.

–Você é incrível... – ele sussurrou – Não sei onde estaria sem você...

–Vai ficar tudo bem... – ela sussurrou de volta – Eu estou aqui. E vou continuar aqui, com você.

            E o abraço foi seguido por um beijo longo. Agora aquilo era muito natural para ele. Ele deu a ela, de bom grado, a melhor parte do seu coração, e havia aceitado parte do dela em troca. Ele nunca estaria sozinho, enquanto tivesse essa certeza. A certeza de que ela estava ali, de que aquele toque, aquele calor, aquele brilho era real.

–A gente perdeu muita coisa nesse caminho – ela murmurou, a voz dela era calma e gentil – Mas também conseguimos muita coisa. Nós fizemos a diferença. E... – sua voz baixou mais – você sempre fez a diferença para mim.

            Aquilo, sim, era uma inversão de papéis. Mas Sora não podia dizer que não gostava daquilo.

–Obrigado... – ele murmurou, a voz fraca – Muito... obrigado...

            Então, ele sentiu uma lágrima escorrendo pelo seu rosto. Droga. Ele estava chorando com mais freqüência do que gostaria. Mas, mesmo assim, ele sorriu. Era bom estar com ela. Muito bom...


Jibun rashisa nante dare mo wakaranai yo (Ninguém sabe o que as faz únicas)
Nagai nagai michi no tochuu de nakushitari hirottari (Enquanto você viaja por essa longa, longa estrada, você irá perder algumas coisas e conseguir algumas)
Kyuu ni sabishikunatte naichau hi mo aru kedo (Apesar de que haverão dias em que de repente você se sente solitário e apenas quer chorar)

            E mais alguns dias se passaram. E chegou uma noite que Sora e Riku temiam muito.

            A noite do baile de reinauguração do Mooncastle.

            Os dois se arrumavam na casa de Lulu, mas não pareciam muito confortáveis com a situação. Sora tentava pentear os cabelos para amansá-los, enquanto Riku brigava com uma gravata.

–Mas que droga... – ele resmungou – Por que tenho que me vestir como um pingüim?

–A festa é elegante – murmurou Sora, enchendo as mãos de gel e tentando amansar os cabelos pela terceira vez – Eles querem a gente bem vestido. Mas eu não consigo... fazer... essa droga... parar!

–Desista, Sora, seu cabelo deve ter molas ou algo assim – Riku deu uma risada – Droga... eu me sinto um idiota com essa roupa!

            Os dois, então, terminaram de se aprontar. Já era noite.

–Só eu tô apavorado com essa noite? – murmurou Sora, a voz engasgada.

–Eu também estou – respondeu Riku, prendendo os cabelos – Não quero estragar tudo. Não essa noite.

–Você não vai estragar tudo – Sora deu de ombros – Você nunca prestou atenção no jeito que a Leene te olha? Você poderia ir ao baile com uma roupa cor-de-laranja e isso não iria mudar.

            Riku deu uma risada nervosa. Aquilo não estava deixando ele mais calmo.

            Lulu já havia se mudado para a superfície, e a casa dela ficava na rua principal da cidade. Assim que eles saíram, depararam-se com uma belíssima noite estrelada de lua cheia, muito diferente da noite da batalha. Por um momento, os dois ficaram ali, observando o céu e a luz da lua que se refletia sobre as construções alvas da cidade.

            Sora podia sentir que Seth se deliciava com aquela cena. E isso também o fazia feliz.

–Mesmo agora... ainda é lindo... – murmurou Riku – Lembra um pouco a noite do Festival das Luzes.

–Sim... – concordou Sora, com a voz baixa – Parece que já faz tanto tempo...

            Os dois ficaram em silêncio, cada um perdido nos próprios pensamentos e lembranças. Mas, de certa forma, elas transportavam ambos para o mesmo lugar... para a mesma noite...

–Depois de amanhã voltaremos para casa – o tom de Riku era solene – Para as nossas ilhas...

–Nossas ilhas... – repetiu Sora, no mesmo tom – Eu cheguei a pensar que nunca mais as veria.

–Mas, mesmo assim, nós conseguimos! – então, o outro sorriu – Nós conseguimos. E vamos voltar. Nada pode mudar isso.

            Sora o encarou. E concordou, com um aceno de cabeça.

–Eu vi todas as pessoas de quem eu gostava chorando – murmurou Riku, agora com a voz baixa – E, então, jurei que nunca mais deixaria que isso acontecesse. Shiva disse que sou um cavaleiro – ele deu uma risadinha – Então, acho que é minha função proteger vocês, enquanto vocês protegem o resto.

–Não precisa assumir toda a responsabilidade para si – retrucou Sora – Todos cuidam de todos.

–Não, Sora, eu faço questão – ele insistiu – Ainda tem muitas pendências que preciso resolver. Até lá, farei isso... para me redimir, eu acho.

–No final das contas, todos precisam de redenção – o outro deu um sorrisinho triste – Só espero que todos nós a encontremos, quando chegar a hora...


Namida mo itami mo hoshi ni kaeyou (Mas nós transformaremos todas as lágrimas e toda a dor em estrelas)
Ashita o terasu akari o tomosou (Nós vamos acender a luz que torna nosso amanhã brilhante)
Chiisaku mayotte mo futari de tsukurou (Mesmo se ficarmos um pouco perdidos, juntos nós faremos)
Hoshikuzu o tsuyoku hikaru eien o sagasou (Poeira de estrelas, nós procuraremos pelo “para sempre” que brilhar mais forte)

            Nessa hora, porém, uma visão do outro lado do corredor os fez estacar.

            As garotas estavam vindo. E, céus, elas estavam lindas! Kairi usava um vestido lilás leve e esvoaçante, muito rodado, e tinha os cabelos presos num coque com presilhas brilhantes. Leene, por sua vez, usava um vestido branco que delineava as formas do seu corpo. A surpresa, porém, foi o penteado: ela havia cortado as longas mechas louras, e agora tinha os cabelos na altura do pescoço.

–OK, calma, calma, calma! – murmurou Sora, tentando disfarçar – Nós já passamos dessa fase, não é? Não planejamos pedi-las em namoro ou em casamento ou nada desse tipo. Vai ser apenas um baile... algumas danças, caras de fraque, garotas de vestido e salto alto... nada com que não possamos lidar.

–É, claro – Riku emendou no mesmo tom nervoso – Não pode ser tão difícil assim. Quer dizer, nós despachamos uma bruxa e um dragão, sem falar no monte de Heartless no meio do caminho... ou seja, podemos enfrentar qualquer coisa! Sim... qualquer coisa... – e lançou um olhar rápido às garotas – E então... vamos?

–Erm... ai, droga, ainda não! – gaguejou Sora – Eu tô me sentindo ridículo com essa roupa, e sei que vou pisar no pé dela quando a gente for dançar! Isso é uma idéia estúpida, eu vou ali bater a cabeça na parede até desmaiar pra ter uma desculpa pra não ir!

–Nada disso, você não vai me deixar pagar esse mico sozinho! – sibilou Riku – Elas estão vindo...

            As duas se aproximaram. Por um segundo, os garotos as ficaram encarando bobamente sem dizer nada, até que Leene tomou a dianteira e murmurou, surpresa:

–Riku... seu cabelo... eu nunca o vi assim...

–Eu acho que devo dizer o mesmo – ele deu uma risadinha nervosa – Por que você os cortou?

–Ah, cabelos compridos atrapalham um pouco – ela respondeu, corando – Você gostou?

–Sim... – a voz dele amoleceu – Você está linda essa noite...

            Riku estendeu o braço a Leene, e passou a conduzi-la na direção do salão de baile. Seu coração palpitava com tanta fúria que parecia querer sair do peito. Ele sabia que não havia dúvida nenhuma sobre os sentimentos dos dois – aquele beijo antes da luta do castelo dizia isso. Mas isso não o impedia de se sentir como se estivesse em seu primeiro encontro e não soubesse nem onde pôr as mãos. Ela também parecia bem mais tímida e retraída que o normal.

            Eles continuaram andando na direção do salão, até que Leene parou e disse, a voz débil:

–Riku... tem uma coisa que eu queria... te dizer...

–Bem, é melhor você não dizer que não sabe dançar – ele disse – Porque me lembro de você dançando na festa de Pixie Hollow, e aquilo era quase profissional...

–Não é isso – ela o encarou. Os olhos dela pareciam angustiados – É que... eu não sei... mesmo agora, que tudo terminou... ainda tenho medo de você sumir da minha vida.

–O quê? – ele ergueu uma sobrancelha. Depois, porém, sorriu, e segurou a mão dela, dizendo – Leene, sua boba. Eu não vou a lugar algum. Principalmente agora. Eu não te deixaria por nada.

            Ela o encarou por um instante, e depois o abraçou com força. Riku se lembrou, por um instante, do dia em que partiram de Twilight Town. O mesmo abraço... a mesma vontade de protegê-la...

–Não vai começar a chorar agora, vai? – ele a abraçou também – Vai borrar a sua maquiagem...

–Cale a boca, Riku – a voz dela estava um pouco trêmula, mas ainda assim sarcástica.

            Eles ficaram abraçados por um instante. Então, ela disse:

–Sabe... antes de você aparecer, eu estava meio perdida – ela parecia procurar as palavras certas – Não sabia onde ir, não sabia o que procurar... não sabia nem mesmo se valia a pena continuar lutando. Mas, então, eu te conheci. E... a primeira coisa que percebi foi que o seu olhar era triste. E eu percebi que queria mudar aquele olhar, que queria te deixar feliz. Quando você me contou sua história, isso só ficou ainda mais forte... acho que, tentando te fazer feliz... acabei descobrindo algo que faltava para mim.

–E eu me lembro de quando te conheci. Lembro que pensei “uau, quem é ela? Tão expansiva, tão elétrica...” – ele disse, com um sorrisinho – E lembro que quis conhecer aquela garota tão tagarela e cheia de energia. Uma garota que não me julgou, que não me recriminou... que sempre tinha a palavra certa, a bronca certa para cada momento... é, acho que você também me completou, de alguma forma.

–Você me promete que não irá sumir? – ela sussurrou – Que vai continuar comigo?

–Sim – ele respondeu, decidido – Não vou te deixar nem se todos os mundos se voltarem contra mim.

            Então, eles se beijaram. Não foi como na noite da batalha. Não havia desespero nem medo, havia apenas carinho e amor. E a promessa de um final feliz que, apesar de não ter sido conquistado ainda, era perfeitamente possível.

–Bem... é melhor irmos logo – murmurou Leene, corando – Daqui a pouco darão pela nossa falta.

            Riku sorriu, e concordou. E, de mãos dadas com ela, seguiu para o salão de baile.


Let it all out, Let it all out (Deixe tudo isso sair, deixe tudo isso sair)
Tarinai koto darake da yo ne (Há muitas coisas das quais você carece, não é?)
Tarinakute ii n da ne dakara kimi to deaeta n da (Mas está tudo bem em ser carente das coisas – assim foi como eu te conheci, em primeiro lugar)

            O salão estava belíssimo, naquela noite.

            A decoração era rica e elegante, toda em tons de branco, azul e prata. Tocava uma música animada e bela, e vários casais já dançavam. O mais animado deles era justamente o rei e a rainha, trazida para Waterfall City especialmente para aquele baile. Por perto, estavam também Donald e Daisy, e Goofy e a namorada Clarabela. Vários outros casais se espalhavam pelo salão.

            Alguns, porém, apenas observavam a dança. Leon era um deles. Vestido com o antigo uniforme que usava na época em que treinava em Balamb Garden, ele estava perto da porta, decidindo-se apenas pelo melhor momento de ir embora e pensando que não deveria estar ali.

–Está esperando alguém te convidar pra dançar? – Quistis se aproximou dele, com um sorriso zombeteiro – Tem várias garotas ali só esperando um belo par como você...

–Foi um erro ter vindo aqui – ele murmurou – Eu vou embora...

–Não... fique, por favor – ela insistiu – O que aconteceu aqui naquela noite é algo a ser comemorado. Vencemos aquela luta, e não perdemos ninguém. E você teve parte nisso, também.

            Leon não disse nada. Em vez disso, apenas continuou observando a dança.

–Bem, eu vou dar uma volta por aí – disse Quistis, por fim – Tente aproveitar a festa, está bem?

            Ele apenas acenou com a cabeça, mas sem muitas esperanças. Ele até queria que aquela noite fosse boa, também. Mas, sempre que observava o salão, chegava à mesma triste conclusão, e sempre pensava que não havia realmente muito que ele pudesse comemorar.

            Ela não estava ali. Ele não pode salvá-la.

            Ele olhou na direção da sacada. Cloud estava lá, observando o céu. O que ele teria em mente? Por um momento, até pensou em se aproximar, mas logo mudou de idéia. Não havia muito que pudesse dizer. E, de qualquer forma, não sabia ao certo o que poderia dizer a ele.

            Foi então que ele viu uma garota diferente. Vestido branco, cabelos negros e lisos com uma mecha castanha, usando um anel pendurado numa corrente, ela olhava a cúpula decorada do salão com atenção. Nesse momento, seus olhares se cruzaram. E ela sorriu, fazendo um gesto de silêncio para ele. Aquilo mexeu com Leon, de alguma forma. E ele ficou surpreso ao vê-la vindo na sua direção.

–Hum... você é o rapaz mais bonito daqui – ela disse, depois de analisá-lo por um tempo – Dançaria comigo?

            Ele estacou, corando. Ele não sabia dizer o que mais o chocava, se era o convite, o elogio inesperado, ou a postura tão direta dela. Sem saber o que dizer, ele apenas ficou em silêncio.

–Deixe-me adivinhar: você só irá dançar com alguém de quem gosta... – ela disse, por fim – OK, então. Olhe nos meus olhos – e, então, ela começou a fazer um movimento circular com os dedos – Você vai gostar de mim... você vai gostar de mim... – e, num tom esperançoso – E então, funcionou?

            Dessa ele teve que rir. Ela realmente era persuasiva. Então, ele respondeu:

–Eu não sei dançar.

–Ah, sabe sim. Venha comigo – então, ela o puxou pelo braço – Não posso ficar no meio do salão sozinha – e começou a arrastá-lo.

            Agora ela realmente o assustava. Leon queria passar aquela noite despercebido, mas ela parecia não concordar de maneira alguma com aquele plano. E eles começaram a dançar. A princípio, o choque pelo quase-sequestro dela o deixou totalmente descoordenado, e levou algum tempo até que ele finalmente conseguisse articular seus movimentos da forma certa.

            Mas os olhos dela... grandes olhos negros e bondosos... e aquele rosto tão belo e gentil...

            Quando a música terminou, eles ficaram um tempo se encarando, ainda próximos. Foi então que ela viu alguém no salão e foi até essa pessoa, despedindo-se de Leon com uma piscadela. Por algum tempo, ele ficou ali, apenas parado, pensando no que havia acabado de acontecer. Era uma garota estranha. Estranha, mas, mesmo assim... encantadora.

            “E eu nem perguntei o nome dela”, ele pensou, e isso o deixou subitamente desolado. Era uma pena, sem dúvida. Talvez, com alguma sorte, eles se esbarrassem outra vez...

            Yuffie e Cid observavam essa cena à distância. A primeira disse, com um sorrisinho:

–Quem diria, Leon dançando com uma garota... quem será ela?

–Eu não sei – respondeu Cid – Mas você prestou atenção no olhar dele, agora? Está diferente, de alguma forma. Não está mais apático, como tem estado nas últimas semanas. Isso é bom...

–Espero que ele supere essa história da Aerith logo – murmurou a primeira – Ele e o Cloud. Só que os dois são idiotas que guardam tudo para si mesmos e não nos dão abertura para ajudá-los.

–Só o tempo pode ajudá-los agora – disse o outro – Mas também espero isso...

Tashika ga nan na no ka sore ga shiritakute (Você queria saber exatamente o que era o amanhã)
Chiisa na naifu o kutsushita ni kakushiteta (Você tinha uma pequena faca escondida em sua meia)
Tsuyogatte tsuita uso no hou ga zutto itakatta (Mas fazer-se de corajoso e contar a mentira machucava muito mais)

            Enquanto isso, Tifa se aproximava da sacada onde Cloud estava. Ele não se virou na direção dela. Em vez disso, seu olhar permanecia fixo no céu estrelado. Ela ficou ao lado dele por alguns instantes, em silêncio, até que ele mesmo disse:

–O som das cascatas é mesmo muito bonito. E esse céu... não dá para ver tantas estrelas assim em Radiant Garden.

–Sim... – ela concordou, olhando na mesma direção – Quase nos faz lembrar de casa, não é?

–Acho que não vou mais voltar para lá – ele disse – No fim das contas... não sei nem se posso continuar chamando aquele lugar, ou qualquer outro, de “casa”.

–Não diga isso – Tifa o repreendeu – Traverse Town e Radiant Garden sempre estarão com as portas abertas para você.

–Você não entenderia... – ele deu de ombros. Ela, porém, estreitou os olhos na direção dele e disse:

–Então por que você não tenta me explicar?

–Você sabe que esse não foi o fim dessa guerra, não é? – ele disse, a voz impessoal – E você sabe, também, que não conseguiremos vencer sempre, e não conseguiremos salvar a todos sempre.

–Você está com medo – ela disse, simplesmente – É isso, você está com medo.

–Sim – ele deu um sorrisinho seco – Acho que sim...

–E você não acha que todos nós estamos assim? – ela reagiu, raivosa – Todos estamos assustados! Mas continuamos vivendo. E não pretendemos simplesmente dar as costas para tudo o que nos traz lembranças tristes, como você está pretendendo fazer! É disso que você tem medo, não é? Você tem medo de se lembrar, porque tem medo de sentir dor...

            Cloud a encarou, surpreso. De onde Tifa havia tirado aquilo?

            E o pior de tudo, o mais irritante... era que ela estava certa.

–E o que espera que eu faça? – ele perguntou – Quer que eu simplesmente finja que nada aconteceu?

–Não, quero que você faça exatamente o contrário – ela respondeu – Quero que você aceite que aconteceu, e que encare os fatos sem fugir deles. Esse é o primeiro passo para mudar alguma coisa.

            Eles ficaram em silêncio por um instante, antes de ela continuar:

–Você está certo, essa guerra ainda não acabou – o tom dela era neutro – Aliás, é provável que nunca acabe, realmente. Sempre haverá um desafio, sempre haverá uma ameaça. É por isso que lutamos, é por isso que estamos aqui. Mas, se perdermos a fé no que estamos fazendo, não chegaremos a lugar algum. Precisamos acreditar que o que aconteceu em Twilight Town não foi em vão e não se repetirá.

            “Acreditar...”, ele pensou. Era difícil acreditar em algo, agora.

–Além do mais... eu não quero seguir sozinha – ela murmurou, a voz baixa – Queria que você lutasse ao meu lado, enquanto pudesse. Preciso da sua ajuda para seguir, também.

–Você... precisa da minha ajuda? – ele repetiu, surpreso pela atitude confessional dela – Tifa, eu te conheço o suficiente. Você é forte, sabe se virar sozinha.

–Mas eu não quero mais me virar sozinha – ela respondeu – Se podemos contar uns com os outros, por que continuar seguindo sozinhos?

            Cloud não sabia o que responder. Mas percebeu uma coisa, também.

            Ele também não queria seguir sozinho para sempre.

            E, talvez motivado pela certeza, ele acabou sorrindo, os olhos ainda fixos no céu.

–Você acha que o céu daqui é igual ao de lá? – ele perguntou, por fim.

–Não. Nenhum lugar tem um céu como aquele – ela respondeu – Mas... nem por isso é menos bonito.

            E os dois continuaram, em silêncio, observando o céu estrelado e buscando, nele, as mesmas constelações do lugar que um dia eles chamaram de lar. Um lar muito distante... mas ainda assim vivo.

Hontou wa kowai yo dakedo ikiteku (Na verdade você está assustado, mas você continua vivendo)
Egao no kimi o kaze ga nadeteku (O significado por trás do seu sorriso está brincando no vento)
Chiisa na te kazashite futari de tsukurou (Vamos dar as nossas mãos e juntos fazer)
Hoshikuzu o tsuyoku hikaru eien o sagasou (Poeira de estrelas, nós procuraremos pelo “para sempre” que brilhar mais forte)

            E Sora e Kairi dançavam pelo salão, alheios a tudo e a todos.

            A princípio, ele estava completamente travado. O medo de errar os passos ou de pisar nos pés de Kairi faziam com que ele controlasse cada movimento. Aos poucos, porém, ele foi relaxando, e acabou descobrindo que, afinal de contas, não era um dançarino tão ruim quanto pensava. E o contato com ela... tão próximo, tão íntimo e carinhoso... aquilo era incrível.

            Se ele pudesse escolher um momento e o tornar eterno... seria aquele.

            Ele tentava não pensar no que viria pela frente. Não pensar... no que estava dentro dele.

            Será que, em algum momento, ele se esqueceria daquela sensação? De como a pele dela era morna e macia contra a sua? De como o sorriso dela era belo, e de como seus olhos eram profundos e gentis, e de como os dedos dela se entrelaçavam aos seus tão perfeitamente que pareciam ter sido feitos sob medida? Será que tudo aquilo desapareceria e deixaria de ter importância, se ele perdesse para Erinia?

            Aquilo o machucava. Mas aquela era uma dor que guardaria para si mesmo.

            A dança continuou, sem palavras. Era como naquela noite, em que os dois voaram pelo espaço, numa dança silenciosa e atemporal. Mas, agora, era diferente. Ele a sentia. E era tão fantástico, tão fantástico que parecia nem ser real. Agora que sabia o que sentia por ela, aquele sentimento havia assumido cores e formas tão belas e vivas que o preenchiam por completo.

–Sora... obrigada... – então, Kairi murmurou, de surpresa – Por tudo...

–Não me agradeça – ele respondeu, sorrindo – Eu não fiz nada de mais.

–Você está aqui, não está? – ela disse – Você... cumpriu a sua promessa. Muito obrigada... E, me desculpe por não ter cumprido a minha.

–Chorar não é errado, Kairi – ele disse – Só mostra que você é humana. Além do mais, fui eu quem te fez chorar. Então, se tem alguém aqui que deve desculpas, esse alguém sou eu.

            Eles ficaram em silêncio, mais uma vez. A música mudou, e tornou-se mais lenta.

–Vamos dividir uma fruta paopu quando voltarmos para casa – ele disse – Será a primeira coisa que faremos quando chegarmos às ilhas, está bem?

–Com certeza! – ela deu uma risadinha, mas logo ficou séria – Assim... será uma garantia que você me deixará ficar ao seu lado, não importa o que aconteça...

–Kairi... – ele murmurou, sobressaltado, mas ela continuou:

–Eu quero estar ao seu lado, e quero te ajudar... como você fez por mim.

            Sora não sabia o que dizer. Ela conseguia ler através dele, também. Droga.

            Mas, mesmo assim... isso o deixava feliz. E esperançoso.

–Você é mesmo inacreditável, Kairi – ele sussurrou – Obrigado...

            E, quando aquela música terminou, eles não se separaram. Mesmo quando uma canção animada começou, eles não se desvencilharam um do outro, e ficaram ali, apenas abraçados, alheios ao resto do mundo. Naquela noite, eles eram um do outro, e nada de fora iria perturbá-los. Aquela era a noite deles.

            Uma noite que eles jamais esqueceriam.


Tadashii koto ga machigattetara dousureba ii (O que devíamos fazer se o que pensávamos que estava certo se tornar errado?)
Kanashii koto ga tadashikattara ukeireru dake (Nós podemos apenas aceitar que algumas verdades nos causarão sofrimento)
Nakushita to omotteta demo kimi ga shitteta (Eu pensei que tinha perdido isso, mas você sabia disso o tempo todo)
Kimi ga ite hontou ni yokatta (Eu estou tão grato que você estava lá)

–Ei, pessoal! – algum tempo depois, Zell apareceu, animado, e disse a plenos pulmões para que todos no salão o ouvissem – A queima de fogos vai começar agora, venham para a sacada!

            Todos foram na mesma hora. E, assim que todos já estavam na sacada, um belíssimo espetáculo começou a se desenrolar, fazendo com que cada um deles ficasse com os olhos fixos no céu. Uma seqüência espetacular de fogos de artifício foi surgindo no céu, e cascatas, explosões e nuvens de faíscas de todas as cores se sucediam e se misturavam às estrelas.

            E, diante daquela cena, cada um fazia suas próprias promessas.

            Alguns, como Yuna e Rikku, prometiam nunca mais deixar seus amigos se perderem. Outros, como Donald, Goofy e o rei Mickey, prometiam continuar protegendo aqueles que deles dependiam.

            Havia, ainda, aqueles como Lulu e Quistis, que juravam continuar preparando e treinando jovens para impedir que aquilo se repetisse. E aqueles, como Tifa, Cloud, Yuffie e Leon, que prometiam seguir em frente, e continuar lutando independente do que tivesse ficado para trás.

            Mas havia também aqueles que se lembravam de promessas antigas. Promessas feitas numa noite como aquela, sob estrelas e fogos de artifício.

–“O que quer que aconteça, estaremos sempre prontos para lutar uns pelos outros” – murmurou Riku. Naquele momento, ele, Kairi, Sora e Leene estavam próximos, observando o show – “Mesmo distantes, seremos sempre um por todos e todos por um”. Vocês se lembram, não é?

–É claro que sim – disse Kairi – Nós todos prometemos, naquela noite. Donald e Goofy estavam conosco. E não vou esquecer essa promessa jamais.

–E eu prometi isso no momento em que começamos a lutar juntos – acrescentou Leene – Então podem me incluir nessa contagem, também!

–Então acho que está na hora de prometermos mais uma coisa... – disse Sora, e então ele lançou um olhar a todos – Vamos prometer, aqui e agora, que não importa o que aconteça, não vamos olhar para trás. Daqui para frente, não temos mais o direito de nos arrepender de nada que fizermos. Não temos esse direito, e nem temos tempo para isso. Se vamos seguir em frente, se vamos continuar lutando... precisamos ter a certeza de que nada poderá nos impedir.

            Os outros o encararam, com seriedade no olhar. E ele continuou:

–Pode ser que chegue o dia em que teremos que trilhar caminhos separados – agora ele observava o céu estrelado – E, se esse dia chegar, precisaremos estar prontos para qualquer coisa. Mas... se eu souber que todos vocês estão bem, e lutando por aquilo que é certo... então não terei com o que me preocupar.

            Ele os encarou outra vez. Os olhares de todos estavam firmes e determinados. Então, Sora estendeu a mão a eles. A primeira a reagir foi Kairi, colocando sua mão sobre a dele. Riku foi logo depois, seguido por Leene. Os quatro se entreolharam, antes de Sora dizer:

–Não vamos olhar para trás – e, todos, ao mesmo tempo – É uma promessa!

            Um pouco afastados, o rei conversava com Donald e Goofy, enquanto os observava.

–É triste, sem dúvida – ele disse – O olhar deles... já é o olhar de adultos, e não mais de crianças despreocupadas, como antes. Essa é uma forma triste de crescer.

–Mas iria acabar acontecendo, uma hora ou outra – observou Donald – O fim da inocência...

–Sim, mas mesmo assim... é triste – disse Goofy – Jovens não deviam lutar assim. Não é certo.

–Eles sabem o que estão fazendo – então, o rei sorriu – Eles podem ser jovens, mas tem um coração forte e muito teimoso. Se há alguém em quem podemos confiar, é neles.

            Os três continuaram observando-os, E, então, Goofy e Donald também sorriram.

            Eles haviam, sim, amadurecido muito. Mas algo em seus corações nunca mudaria.

            E, naquela noite, enquanto a queima de fogos acontecia, e todas as promessas eram feitas, uma mesma certeza preencheu os corações de todos. Uma certeza que era reconfortante e gentil.

            Os ferimentos se fechariam. E eles seguiriam em frente.

            Eles podiam ficar perdidos. E a dor poderia tentar cegá-los. E todo o mundo poderia mudar.

            Mas eles seguiriam em frente. E nada mudaria isso.

Sayonara itsuka wa kuru kamoshirenai (Pode chegar um dia em que nós teremos que dizer adeus)
Kisetsu wa sore demo meguri megutteku (Como as estações que vêm e as estações que vão)
Chiisaku mayotte mo aruiteku (Mesmo se ficarmos um pouco perdidos, eu estou andando, eu estou andando com você)
Kimi to aruiteku sore dake wa kawaranaide iyou ne (E isso não irá mudar, não importa o que aconteça)


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