50 Tons de Mentiras escrita por Carolina Muniz


Capítulo 27
Capítulo 26


Notas iniciais do capítulo

Oooh capítulo grande, mano, me empolguei kkk



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Capítulo 26

 

Cada qual sabe amar a seu modo; o modo pouco importa; o essencial é que saiba amar.

 

 

¥¥¥

Ana deixou o celular carregando no quarto e seguiu para a sala que já era regada de gargalhadas altas de Mia e zoações de Elliot. Na enorme tela plana pendurada na parede aparecia um close do rosto de Ana, ela devia ter talvez dez ou onze anos, usava um vestido rosa - muito rosa - e o cabelo solto e escorrido de um jeito que nao deveria. O problema nem era sua roupa ou seu cabelo, nem mesmo o presente -  que aquela versão de 22 anos sabia que era uma bota da Chanel - que ela desembrulhava... o problema era a droga de dois dentes quebrados bem na frente, o que dava um contraste terrível e qualquer um podia ver mesmo a distancia.

Ela lembrava daquele Natal de diversas formas diferentes.

 

Natal, 2008

Ana estava cansada de esperar para receber seus presentes, estava ansiosa porque sabia que sua mãe havia comprado um celular novo para ela e as botas da channel que havia muito sutilmente sugerido que seria um ótimo presente para a Mia, porque a própria Ana amaria ganha-las. Com certeza sua mãe havia comprado duas, uma para cada uma.

Então lá estava a garota, entediada enquanto os adultos conversavam na sala de estar, e Mia cantava Hannah Montana no karaokê do jardim numa competição com Elliot.

A morena sorrateiramente havia seguido para a cozinha, tentando não ser vista por nenhum adulto que quisesse levá-la para conversar na sala de estar, e se sentou num dos bancos do balcão cheio de travessas com doces.

A garota pegou um cupcake e o comeu sem sujar a roupa, pegou outro e mais outro. Ela estava em fase de crescimento, pelo menos era essa a desculpa que usava quando não conseguia parar de comer doces. De repente, a porta da cozinha foi aberta e Christian passou por ela.

Ana se assustou e derrubou o bolinho cheio de glacê, sujando o chão quando esquivou para que seu vestido fosse salvo.

— Droga! - sussurrou enquanto descia do banco.

— Desculpe, não vi você - Christian falou ao mesmo tempo em que a ajudava a limpar o glacê do chão.

— O que foi? - questionou ela quando ele ficou mirando seu rosto.

— Você fica linda de azul - ele murmurou, virando-se para o balcão.

Ana franziu o cenho e mordeu o lábio inferior.

Ela não estava de azul, seu vestido era rosa...

Ah!

Entendeu no momento em que Christian lhe estendeu um guardanapo.

A garota se virou para a prataria pendurada na parede ao lado da porta.

Sua boca e bochecha estavam salpicadas de glacê azul.

Pelo menos não havia sido Elliot quem havia a pegado no flagra, ele iria zoar a garota até o fim do ano que vem por estar comendo escondida e ainda sujar o rosto.

No segundo seguinte ela preferiria que Elliot passasse pela porta, e não quem realmente entrou.

— Você não estava lá fora, já é quase meia noite... Isso é glacê? - sua mãe questionou autoritária.

Ana terminou de limpar o rosto e ouviu a geladeira sendo aberta por Christian.

— Hã, mamãe...

— O que conversamos sobre comer doces e frituras? - ela continuou autoritária, dessa vez até rude.

Ana encarou o chão.

Ela tinha medo da sua mãe, admitia abertamente para si mesma.

— Mas eu estava entediada e...

— Se come quando está com fome e não entediada, olha o seu tamanho como já está! Imagina se você for comer desse jeito sempre que estiver entediada?

— Mas foi só...

— Calada! Você sabe quantas calorias tem num desses? - ela apontou para os cupcakes na mesa. - Você acaba de ganhar tudo o que consegui fazer você perder na semana inteira.

Aquela era outra coisa que Ana odiava: perder peso. Pelo menos era como sua mãe chamava o ato de colocá-la na esteira duas horas por dia e fazer trinta abdominais toda manhã e noite, ela também havia cortado todos os lanches e doces, deixando-a apenas comer as sobremesas da janta e do almoço. Sua mãe havia chegado a conclusão de que Ana estava gorda, a garota não achava, no entanto. Tudo bem que ela era um pouco mais cheinha do que Mia, e suas bochechas eram redondas demais e também suas coxas não ficavam tão bonitas quando ela usava calça jeans. Mas ela só tinha 11 anos, ser daquele não deveria desagradar ou agradar ninguém. 

A não ser sua mãe, é claro.

— Desculpa, mamãe - ela sussurrou.

— É para o seu bem, já conversamos sobre isso, comida engorda. Para você, quanto menos, melhor - Elena murmurou enquanto a empurrava para fora da cozinha.

Christian apenas continuou observando, não respondendo ao olhar de Elena quando a garota se virou, sentindo alguma coisa estranha que apertava o seu coração e o fazia se sentir irritado com a loira falando daquele jeito. Não era a forma que se tratava uma criança, e com certeza não eram coisas que uma mãe deveria dizer a filha. Mas não era problema dele de qualquer forma.

 

Dias atuais...

— Ana, meu amor - Elliot gritou quando a viu, tirando a garota do transe. - Mostra para gente o implante! - ele riu da propria piada enquanto Ana bufava e batia em sua cabeça antes de sentar ao lado de Kate que também ria.

Traidora!

— Elliot, calado! - Grace brigou. - Tudo culpa sua, toda vez que eu lembro tenho vontade de te colocar de castigo novamente...

— E não olha assim para sua mãe! - dessa vez foi Carrick quem brigou.

O que na verdade era engraçado para Elliot, não era engraçado para ninguém da família. Foi até mesmo um momento tenso entre Elena e Grace quando Elliot simplesmente atiçou o cavalo que Ana montava enquanto a garota cavalgava pelo quintal da fazenda da família Grey no interior de Connecticute, o que fez o animal correr e a derrubar bem em cima de uma pedra gigante. A garota levou dois pontos na testa, teve um traumatismo craniano tao fino quanto um fio de cabelo e, claro, os malditos dois dentes da frente quebrados. Realmente não havia sido engraçado, a menina acordou horas e horas depois no hospital, e nos primeiros dois dias nao reconhecia ninguem, seus pais tiveram que voltar de uma festa importante e sua mae nao havia deixado ela esquecer daquilo. Ana só pôde fazer um implante nos dentes mais de duas semanas depois, e Elliot só parou de ser seu escravo em dois meses.

De qualquer forma Mia colocou outra fita, dessa vez mostrando os recitais da escola, e entao os aniversarios, fazendo Ana apoiar a cabeça sobre os braços e fazer um biquinho quando foi a vez do aniversário de 16 anos de Mia.

A noite foi longa, para Ana mais ainda, a garota nao conseguiu mesmo que todas as luzes estivessem apagadas ás 2h32min da madrugada. Ela rolou pela cama com cuidado e saiu do quarto para nao acordar nem Mia e nem Kate. Seguiu para a cozinha e pegou uma garrafinha de água, não sentindo a menor sede. Seu estômago doía e sua cabeça latejava, ela sentia um enjoo estranho que deixava seu corpo parecer pesado demais para ela carregar, sem contar que sua pele estava pegajosa com o jeito que suava frio.

De qualquer forma a morena se sentou num dos bancos do balcão, bebendo a agua em goles longos e rapidos.

É claro que só piorou, mas precisava algum volume líquido no organismo.
Ela não se deixado pensar de verdade sobre aquele dia, apenas viveu e deixou passar as horas, mas ali, no meio da madrugada, sentindo a sensação de que talvez fosse morrer a qualquer segundo, era difícil não pensar.

Ela tinha BEIJADO CHRISTIAN GREY.

O que estava acontecendo com ela? Ela não era daquele jeito, depois de tudo, nunca poderia imaginar aquele tipo de coisa. E Christian era tão... Ela não sabia dizer, não sabia expressar ou achar palavras, ele era tão diferente do que sequer se deixou imaginar a vida inteira.

E beija-lo havia sido a coisa mais normal que já havia feito, pôde sentir a ironia. Mas era a verdade. Ele era tão tranquilo quanto o mar em que estavam naquela tarde. E nada nunca foi tranquilo na vida de Ana, então, ela podia entender o fascínio, aquela áurea de paz que ela estava sentindo, em vez de estar surtando como deveria.

Nada foi esquecido, claro que não, esse tipo de coisa não acontece assim do nada, Ana ao menos acha que um dia poderia esquecer, ou superar, mas pela primeira ela não estava se importando com o passado, aquele tempo em que sentia que seu mundo havia sido destruído e ela estava vagando por um ligar vazio e sem ninguém de sua espécie. Foi um tempo difícil, ainda era, ela podia afirmar, se não fosse não estava naquela situação, com a cabeça querendo tombar e o coração mais parecendo ser de alguém de 98 anos enquanto dorme.

Ana suspirou alto e então bufou quando a agua da garrafinha acabou.

Deveria comer alguma fruta ou uma bolacha, mas resolveu apenas pegar mais uma garrafinha, assim seu estômago encheria logo e com sorte ela conseguiria dormir.

Foi enquanto fechava a geladeira após pegar a garrafinha pet que ouviu os passos pelo corredor.
Eram suaves e calmos, ela quase podia imaginar aquela pessoa andando, não precisava nem sentir o cheiro do perfume que já sentia dali para saber quem era.

— Ana, acordada a essa hora - Elena falou no momento em que entrou no recinto e reconheceu a garota.

Mas a morena não se deixou reagir, Elena nem parecia surpresa por ver alguém na cozinha, provavelmente havia percebido a garota andando pelos corredores da casa e foi atrás dela.

— É... - sussurrou antes de voltar a se sentar no banco.

— Está se sentindo mal? - a loira questionou enquanto caminhava para a geladeira.

Ana levantou uma das sobrancelhas e mirou Elena. A mulher estava vestida com um robe de seda azul que dava espaço para ver a barra de sua camisola por baixo da mesma cor, o cabelo loiro e platinada estava amarrado com uma xuxa sobre um dos ombros e seu rosto estava totalmente livre de qualquer maquiagem.

Era estranho, mas Ana não lembrava de já ter visto sua mãe de madrugada, daquela forma, com o rosto meio amassado, o cabelo com alguns fios soltos se soltando, sem qualquer tipo de maquiagem ou joia a não ser a aliança de casamento que ainda usava.

— Estou bem - a morena se limitou a responder enquanto levava a garrafinha a boca e bebia um longo fome de água.

Elena fechou a porta da geladeira com o cotovelo enquanto segurava com as mãos uma bandeja com os restos de um bolo do café da tarde.

— Me bateu uma fome agora - a loira comentou ao colocar a bandeija no balcão a frente de Ana. - Você quer?

A morena balançou a cabeça enquanto observava a mulher pegar dois garfos no aparador.

— Ah que isso, deve estar com fome, não comeu nada no jantar - ela insistiu lhe entregando um dos talheres.

Ana pegou de má vontade e se afastou um pouco quando Elena simplesmente se sentou ao seu lado sem ao menos tirar os olhos do bolo.

— Huuuum... isso está tão bom! - ela praticamente gemeu.

Ana terminou a agua da garrafinha e Elena já estava na quarta garfada. A garota ainda segurava o garfo, mas sequer pensava no bolo.

— Você não vai comer? Força um pouco, os remédios abrem o apetite de qualquer forma...

Ah então por isso ela não sentia mesmo fome, não havia tomado os últimos dois remédios.

Nao fora nem de propósito, ela apenas havia esquecido. Nunca foi acostumada a tomar remédio.

— Eu não estou com fome - respondeu ao se levantar.

— Ana...

— O que, Elena? - a garota se virou.

A loira se retraiu um pouco.

— Não custa você me chamar de mãe de vez em quando - disse a mulher num baixo.

Ana bufou, desacreditada.

— Você só pode estar brincando comigo - falou rudemente. - Se bem que é muito a sua cara ser cínica assim. Sem contar que você ao menos é minha mãe de verdade.

Elena repousou o garfo na bandeja e se virou para Ana.

— Eu imagino que tenha um milhão de perguntas, eu não posso responder a maioria, com certeza, mas eu sou sua mãe sim - a loira respondeu, não se abalando em saber que Ana já sabia.

A morena cruzou os braços e balançou a cabeça, batendo um dos pés no chão numa mania irritante.

— Mãe? Você nem sabe o que é ser mãe, Elena, ao menos pode dizer que me criou, porque só o que eu lembro é de babás e freiras - a garota falou petulante. - Então, não vem com essa de que mesmo não sendo de sangue é minha mãe, eu aprendi que você não sabe ser isso e ao menos tenta, e, está tudo bem, posso conviver. Mas eu não vou sentar aí com você de madrugada e comer bolo enquanto a gente bate um papo sobre o nosso dia.

Dessa vez Elena apenas assentiu, não querendo discutir com a garota. O que foi uma surpresa para Ana. A morena está acostumada com a Elena que briga, que rebate e discute, a Elena autoritária que manipula até tudo ser do jeito, não aquela ali, aquela versão estranha e meio deteriorada, como algo que passou muito tempo guardado e agora não sabe como se portar.

— Eu vou dormir...

— Eu não queria que isso tivesse acontecido, eu sei que grande parte é culpa minha - a loira interrompeu, levantando-se. - Eu sei que eu tenho muita, muita culpa por tudo de ruim que aconteceu na sua vida, e que talvez você nunca vá poder me perdoar, e, sinceramente, Ana, eu nem sei se quero pedir perdão, eu nem sei como fazer ou quais são os motivos pelos quais eu deveria. Mas eu sei que eu errei com você de um jeito que... Nao há justificativa. É clichê e totalmente fora de moda, mas eu posso mudar também. Como você mudou e está mudando, como Link mudou, como... enfim, eu só peço, sem poder ou mecerer, eu peço a você que não use a si mesma nessa culpa toda que eu tenho, não me use para causar dor a si mesma. Você merece mais do que isso - a mulher disse tudo num fôlego só, e Ana engoliu em seco enquanto processava as palavras.

— Se sente culpada, não é? - a morena questionou. - Isso é uma droga mesmo, mas eu não posso fazer nada por você. Nao vou aliviar a culpa, talvez isso te torne mais... humana? Mas, olha, não exagera, não ache que em todos esses anos a minha vida girou em torno de você ou o que eu pensava que você iria pensar - a garota foi direta, já completamente cansada daquela conversa e querendo desesperadamente se deitar.

Elena, no entanto, apenas suspirou.

— Eu entendo que ache estranho, eu também não estou familiarizada com a sensação, na verdade, admito, mas eu só quero que fique bem - a loira declarou.

Ana levantou uma das sobrancelhas e se apoiou na parede atrás de si, ignorando a vertigem que sentiu.

— Eu beijei o Christian - declarou de repente para a supresa das duas.

Elena inclinou a cabeça e abriu a boca, mas nada disse.

— Quer dizer, na verdade, foi ele quem me beijou - corrigiu.

Elena assentiu, sentindo o misto de emoções confusas e fortes que a declaração de Ana lhe trouxe. Não era como se ela estivesse com ciúmes ou algo do tipo, Deus, não. Christian tinha a vida dele e apenas dele há muito tempo, fazia o que queria, e Elena agradecia a amizade que ele decidiu manter com ela, apesar do fim de tudo. Nao era ciumes mesmo, nao era nada com Christian, na verdade, era com Ana, o que o fato de ser Christian e Ana trazia o passado de volta à Elena, trazendo o remorso e suas atitudes imperdoáveis. Ela não conseguia imaginar o quanto deve ter sido difícil para a morena ainda ter de lidar com sua paixonite adolescente.

— E você está bem com isso? - a loira questionou à menina.

Ana bufou.

— Se eu estou bem com isso? Elena, sério, você me deixa confusa! - Ana se irritou.

Ela esperava a verdadeira Elena dando as caras com aquela declaração, algo sobre ameaças e grosseria, mas não, a loira apenas continuou com aquela faixada de mulher arrependida.

— Acredite, também não é tudo claro para mim - a outra devolveu.

Ana revirou os olhos, se arrependendo no mesmo segundo quando sua cabeça doeu mais, ela ainda suava frio e seu coração estava acelerado, o corpo pesado contra a parede, sentindo como se fosse se render a qualquer minuto.

— Ana? - Elena chamou, aproximando -se da menina.

Ana balançou a cabeça e se desencostou da parede.

— Eu vou dormir, é o melhor que eu faço - falou, mas seu corpo não obedeceu quando ela deu um passo em direção ao corredor, pelo contrário.

— Ai, meu Deus, Ana! - Elena vociferou quando o corpo da menina cedeu e sua cabeça bateu na quina do balcão antes da morena cair completamente no chão, tendo a loira dessa vez conseguindo segurar sua cabeça antes da mesma tocar o piso.

Elena não precisou olhar para as mãos para saber que era sangue que estavam as deixando molhadas. O corpo de Ana não estava parado, de um jeito assustador seu peito subia e descia muito rápido, seus labios tremiam já na cor roxa, e toda sua pele estava pálida e pegajosamente fria.

— Ai meu Deus, ai meu Deus - Elena repetia como um mantra enquanto tentava segurar a cabeça de Ana em seu colo de alguma forma que não tocasse na ferida. - Alguém me ajuda! - gritou em direção aos corredores. - Vai ficar tudo bem, você vai ficar bem - sussurrou para Ana, acariciando seu cabelo com uma das mãos enquanto observava seu peito diminuir o ritmo e sua respiração ficar lenta. - Rápido!

A partir daquele minuto, tudo se tornou um caos. Foi como se todos da casa tivessem aparecido ao mesmo tempo, e Grace fora a única que teve a decência de não ficar questionando Elena sobre o que havia acontecido, sendo rápida em encontrar o ferimento na cabeça, que descobriu vir perto da testa, e colocando um pano de prato para estancar o sangue que já havia chegado ao chão.

Alguém ligou para a ambulância quando Grace disse que não poderiam mexer em Ana porque não sabia a gravidade da ferida, e os paramédicos não demoraram chegar, tendo de ter paciência para convencer Elena a soltar a menina.

Talvez Ana começasse até a pensar mais sobre Elena se visse aquela cena, aquela cena em que a loira não queria deixar a menina, não queria soltá-la, mas talvez também fosse o choque, Grace não sabia dizer, também não se apegou aquilo, apenas seguiu os paramédicos junto a todos, não conseguindo convencer ninguém a ficar.

Elena ainda tinha seu robe sujo de sangue, não havia nem se preocupado em se trocar antes de entrar na ambulância com Ana e Link. No hospital, ninguém sabia o que estava acontecendo com Ana em alguma das salas, não houve nenhuma resposta durante duas horas, mas a loira não conseguia contar exatamente o tempo, não depois de ainda estar paralisada ao ter visto os paramédicos usarem um desfibrilador quando o corpo da menina ficou inerte sem um mínimo movimento.

A mulher saiu de seu transe quando um médico e um enfermeiro entrou na sala privativa em que estavam. Todos se alertaram, encarando os profissionais.

— Os pais de Anastasia Lincoln?

— Aqui - Link se levantou junto de Elena, que o seguiu. - Pode falar.

— Eu sou o Dr. Roman, estive com sua filha nas últimas horas. Eu posso dizer por enquanto que a Srta. Lincoln está estavel, dormindo a base de medicamentos após uma transfusão de sangue, essas horas sendo mantida no soro vitaminado enquanto fazíamos um curativo. A caixa craniana está perfeitamente estavel, mas foi uma batida muito forte, o que a fará ficar em observando por mais 48h. Mas o que realmente esta me preocupando no momento, é a baixa quantidade de leucocitos no sangue da Srta. Lincoln.

Elena cruzou os braços e assentiu, quando Grace fez menção de se aproximar.

— Doutor, eu sou Grace Grey, pediatra no Seattle Mercy de Seattle.

— Doutora - o médico a cumprimentou.

— Ana já foi diagnosticada com AAC, e ela vai começar o tratamento amanhã - Grey explicou.

O médico assentiu e juntou as maos uma nas outras.

— Eu sinto muito pela situação - se compadeceu. - Eu imagino que ja saibam, mas ela precisa urgentemente do transplante de medula, suas celulas estao se deteriorando a cada novo desligamento de seu corpo. Eu sei que é difícil, mas algumas coisas não podemos esperar. Talvez a possamos colocar na lista de transplante...

Elena balançou a cabeça.

— Não é necessário, ela vai receber o transplante o mais rapido possível - a loira murmurou.

Roman assentiu e pediu licença, tinha que ir dar noticias sobre outro paciente.

— Ela pode receber visitar, um de cada vez por alguns minutos, mas ela não irá acordar ate algumas horas - o enfermeiro deixou claro, e Kate foi a primeira a levantar para segui-lo.

Todos os seguiram, ficando apenas Elliot, Christian e Elena na sala.

— Vamos lá - o loiro chamou o irmao enquanto Elena se sentava em uma das cadeiras.

— Eu já estou indo, pode ir - Christian murmurou.

Elliot apertou seu ombro uma vez e entao saiu da sala, fechando a porta atras de si.

Elena encarava uma mancha grande de sangue ja seco em seu robe, nao sabendo nem mesmo por onde começar a fazer o que havia se decidido há alguns minutos.

Ainda havia alguma coisa ali, a frieza ou a falta de emoções pode ter destruído muito em Elena, mas ainda tinha um resquício, o remorso, a tal humanidade, como Ana mesmo havia ressaltado. Pelo menos era o que a loira admitia para si. Elena havia praticamente roubado uma criança, e estava matando-a indiretamente.

— O que você está tramando? - Christian questionou à loira no silêncio remoto daquela sala de hospital.

Elena o encarou, respirando fundo.

De qualquer forma, Christian era o único que ela poderia pedir ajuda sem ser julgada. Okay, ela sabia que ele iria julgar sim, iria xingar e chama-la de coisas que ela certamente é, mas ele iria fazer isso enquanto fazia cada "comparça" seu procurar o que ela queria.

— Precisamos encontrar a mãe da Ana, e então a gente torce para que ela seja 100% compatível - respondeu a loira prontamente.

**

Christian escutou o familiar toque do computador de seu escritório anunciando que havia chego outro email, e ele sabia que era de Welch, seu acessor de segurança. O Grey havia deixado o funcionário a dispor de Elena, e a loura estava fazendo o homem trabalhar como um condenado nos últimos dias, a procura da mãe biológica de Ana. Com certerza nenhum dos três imaginava que existia tantas Carlas Steele pelos Estados Unidos, isso, claro, levando em conta que a mulher ainda residisse no país.

Christian tirou os olhos do contrato enorme e maçante que lia e mirou a caixa de entrada de seu email, já na tela do computador. Mais uma vez era Welch, com mais um relatório de uma Carla Steele. Antes que Christian pudesse abrir o email, seu celular vibrou três vezes seguida, anunciando uma chuva de mensagens. A palavra Mia brilhou no aparelho e ele clicou no ícone sem hesita.

 

De: Mia

24 de dezembro, 2019 

Ana vai para casa. ❤❤❤❤

 Mamãe vai fazer um jantar.

Você está convocado, não aceito um não, é véspera de Natal.

 

Aquela era a forma gentil de Mia em colocar Christian perto de Ana o tempo todo, a garota nem disfarçava. Mas sinceramente, o Grey tbm não se importava. Não que ele ficasse o tempo todo pensando em Ana, ou em como quase entrou em choque quando viu o sangue na cabeça da garota, ou como ela estava muito parada e fria naquela cama de hospital, repleta de aparelhos... Ou como ela beijava bem. Okay, não era o tipo de pensamentos que ele deveria ter naquele momento, não quando a morena finalmente iria sair do hospital depois de três dias internada. Ele não a visitou mais, apenas a viu quando a garota pôde receber visitas e estava desacordada. Hospitais não eram a praia de Christian, assim como ver Ana tão pálida e parada naquele quarto branco. No momento em que ele teve certeza de que Ana estava mesmo bem, bom, bem o suficiente para nao morrer nos próximos minutos, ele saiu daquele hospital e voltou para Seattle. 

Sua mãe entendeu, claro, seu pai... Mas Elliot não, muito menos Kate ou Mia. Eles se juntarem num trio contra Christian, aquele que simplesmente não podia deixar a empresa multimilionária dele nem mesmo por alguém que deveria ter algum tipo de consideração. 

Ele não tentou explicar também, e só deixou para lá. Então aquele era um ultimato de Mia, ele deveria pedir desculpas à Ana, mesmo que com certeza nem deveria estar ligando se ele estava lá ou não nos últimos dias em que provavelmente teve de ser furada, espetada, colocada em máquinas. Ele não gostava nem de pensar. A garota havia sido transferida para Seattle dois dias depois de dar entrada do hospital de Los Angeles, e mais ficou no Mercy Seattle para observarem se não houve alteração em seu quadro. Pelo menos era o que Grace lhe contou sem ele ao menos perguntar. Para Christian, sentimentos sempre foram uma zona difícil, demonstrar então. Sua mae entendia aquilo, ele nao tinha que ligar para perguntar como ela estava ou se precisava dele, sua mae sempre aquilo esporadicamente, ela lhe mandava mensagens, lhe mandava até fotos da família, e ele continuava na dele. Com Mia era diferente, ela era sensível e extrovertida, ela queria que ele lhe dissesse tudo e demonstrasse tudo. E aquilo fazia Christian surtar.

De qualquer forma, ele deixou a empresa mais cedo, seguiu para o Escala tendo Taylor dirigindo o Audi, assim podendo ver seus emails.

Mais uma Carla, que com certeza não era mãe de Ana, e Christian nem precisava receber uma mensagem de Elena lhe dizendo que não era. A mulher parecia ter quase dois metros de altura, tinha o cabelo ruivo e diversas sardas pelo rosto, o olho extremamente verde e parecia estar na faixa dos trinta e tantos anos. Não tinha como uma garota com aquele cabela tão preto quanto um carvão, olhos azuis demais para a sanidade de qualquer outro ser humano e estatura de alguém que parou de crescer aos 14 anos, ter saído de dentro daquela mulher. Mas também não era culpa de Welch, Elena deu um nome e algumas características, mas eram muito antigas e Welch decidiu que não serviriam tanto, então, como Elena só tinha um nome, ele varreu o país a procura, ele ao menos sabia o porque estavam procurando aquela mulher.

Taylor parou o carro na garagem do escala, e Christian seguiu para o apartamento, lá fora o sol estava se preparando para se pôr e o inverno já dava seus sinais quando a chuva de sempre de Seattle recomeçou.

O Grey não demorou a sair, pegando as chaves do carro enquanto outra mensagem de Mia já chegava, lhe perguntando se ele estava perto.

Christian chegou no condomínio onde ficava a mansão dos seus pais exatos vinte e três minutos depois, encontrando o carro de Link na garagem.

Aquilo nao era estranho para ele, e isso podia taxa-lo como o maior babaca, ainda mais porque o homem sabia que ELE era o amante de Elena. Foi uma cena aliviante, para Christian apenas. Mais ou menos dois anos depois que Ana fora embora, Link e Elena viviam ainda de aparências, como um casal feliz da alta sociedade, com uma filha prodígio que era tópico de assunto sempre nas reuniões e festas. Ana mesmo longe, não era esquecida nem mesmo pelos sócios importantes, garota realmente causava uma boa impressão que não era retirada nunca. Em todo caso, era uma festa de casamento de alguém importante que Christian ao menos se lembrava quem era o casal hoje em dia, ele se preparava para finalmente poder sair elegantemente da festa, quando Elena se aproximou dele discretamente. A loira estava um pouco alterada, e mesmo que ninguém tivesse percebido, Christian viu a discussão pequena e sucinta dela com o marido num canto.

Bom, ele não tinha nada para olhar.

Enfim, Elena chegou ao seu lado, ele já estava do lado de fora, esperando seu carro, e a loira tocou em seu braço.

— Eu não aguento mais isso - ela bufou e balançou a taça de champanhe em sua mão.

Christian levantou uma das sobrancelhas.

Aquela mulher era a pessoa mais controlada que ele  já conheceu em toda  a sua vida.

— Do que está falando?

— Disso! - ela apontou ao redor. - Festas e falsidades, fingimentos, cuidar da família, falar daquela menina...

— Está falando da Ana?

— É, estou falando da Ana, mesmo longe ela me dá trabalho - ela bufou novamente.

Christian suspirou e bateu o pé impaciente porque o manobrista não chegava com seu carro.
Ele não sabia de onde vinha, mas era só Elena tocar no nome de Ana ou usar aquele ar de desprezo ao citar ela que lhe subia uma raiva sem igual, era como se ele quisesse explodir em cima dela só de lembrar a droga da marca vermelha no rosto da garota.

— Eu vou com você - Elena falou enquanto finalmente o Audi de Christian parava em sua frente.

— Seu marido está lá dentro, ele não vai gostar nada disso - Christian murmurou enquanto o homem lhe entregava as chaves.

Elena revirou os olhos.

— Quem liga para o que ele gosta ou não?

— Você? Com certeza deveria - Christian rebateu.

— O que aconteceu com você, hein?

Christian deu a volta no carro e abriu a porta do motorista, mas Elena o seguiu.

— Eu estou falando com você, me diz, o que aconteceu!? Por que está me tratando assim? Eu entendo que você quis terminar tudo, eu não vou ficar insistindo, mas não aconteceu nada para você agir desse jeito... - ela começou a falar mais alto do que deveria.

Christian comprimiu os lábios um no outro e a encarou.

— Nada, não aconteceu nada. Eu só não acho que seria uma boa ideia para você ir embora comigo e deixar seu marido, sem ao menos falar com ele - ele foi paciente.

— Christian... - ela falou arrastado e o Grey conhecia bem aquele tom, ainda mais quando as unhas de Elena passaram por sua gravata.

Christian retirou a mão da loira e a encarou irritado.

— Para com isso - ele pediu calmo. - Você sabe que eu odeio que me toquem, que droga! - ele passou a mão pelo cabelo e realmente irritado encarou direto os olhos de Elena. - Acabou, okay? Já tem dois anos, e eu quero que continue assim. Quando eu disse para sermos amigos eu realmente quis dizer isso, mas você não pode confundir as coisas. Foi bom, é sério. E eu não me arrependo por mais que eu com certeza deveria, mas acabou - ele decretou e então entrou no carro, dando partida rapidamente, mas ainda assim, conseguindo ver a figura de Link bem no meio fio, observando o carro enquanto ele sumia pela rua escura, e Elena ficava paralisada.

Depois daquela noite, Christian nunca mais vira Link, e Elena passou bastante tempo junto de Grace num "luto de divórcio". Link não fora até ele como Christian achou que ele faria, o cara era um filho da puta, mas pelo menos era sensato. Christian errou, mas ele não era casado com ninguém para ter que prestar contas, e parecia que Link pensava do mesmo modo.

Christian foi tirado de seus pensamentos quando percebeu que já estava até mesmo parado em frente da porta da casa de seus pais, a mesma estava aberta, e ele apenas entrou sem se anunciar.

As vozes um pouco altas vinham da sala de estar, e era possível distinguir cada um delas e seus donos.

Mia estava sentada ao lado de Grace no sofa de dois lugares, Link e Carrick estavam escorados na janela do chão ao tento e pareciam fumar charuto ou sei lá o que, Elliot e Katherine estavam no outro sofa, o maior, um ao lado do outro e conversavam com Ethan.

— Finalmente você chegou - Mia foi a primeira a detectar sua presença, sendo alvoroçada ao se levantar e correr para ele. - Você está quase atraso - resmungou ela enquanto ajeitava sem precisar a gola de sua camisa, ele sabia que era só porque ela queria tocar nele.

Christian era muito reservado, e "especial", ninguém tinham permissão para ficar lhe abraçando, ou beijando, ele sempre vetou aquele tipo de coisa, muitas vezes - ele admite que nem sempre muito gentil - apenas se afastando quando alguém se aproximava para lhe tocar.

Ele só não gostava daquela demonstração toda de afeto físico, era uma coisa dele de não querer toques, ainda mais inesperados. Era cômico o fato dele não se importar com aquilo na hora do sexo. Mas se nem ele se entendia, quem iria?

— Isso não é estar atrasado - ele respondeu à Mia e tocou em seu queixo gentilmente antes de desviar o caminho e beijar o topo da cabeça de Grace.

Cumprimentou os outros com um aceno de cabeça e se limitou a um olhar para os dois na janela, não querendo ir até lá para não ter que encarar Link.

— A Ana está lá em cima - Mia sussurrou para ele, que se sentou ao lado de Ethan.

O Grey levantou uma das sobrancelhas e cruzou os braços, se rescostando no sofá.

— O médico pediu repouso, mas não é problema ela vir aqui, é só alguns metros, mas ela ficou cansada por causa dos remédios, como a mamãe disse, então subiu para o quarto de hóspedes antes do jantar - a garota continuou explicando, como se tivesse dizer tudo sobre Ana para Christian.

— Hum - ele se limitou a responder.

— Elliot não está mais com raiva, mamãe conversou com ele, você não gosta nem um pouco de hospitais, a gente sabe, e ele entendeu. Mas eu ainda estou chateada por você nem ligar para saber da Ana, e a Kate tem a mesma opinião - Mia continuou sussurrando.

Christian balançou a cabeça em descrença. Ele queria dizer que não se importava com a opinião da outra loira, mas nunca seria grosseiro com sua irmã, claro.

— Okay - respondeu.

— Você nem trouxe flores - Mia resmungou.

— Ela morreu? - ele rebateu.

— Cruzes, Christian - Mia falou alto, recebendo atenção de todos na sala.

Grace observou o olhar feio de Mia para Christian, sabendo bem o que a garota estava fazendo com o irmão, e resolveu interromper antes que ele se irritasse. Mia era um pouco difícil as vezes.

— Bem, o jantar está quase pronto, que tal irmos para a mesa? - ela sugeriu, já se levantando.

Christian foi o primeiro a se levantar depois de Grace, mas ele seguiu o caminho para as escadas em vez da sala de jantar.

No corredor dos quartos, ele pensou em ir até ao seu antigo, conseguir respirar um pouco. Era complicado, mesmo que ele não admitisse, estar ali, com Ana ali, com Elena, Link, sua família... e, droga, ele beijou a garota! Só queria conseguir dizer a si mesmo que não queria fazer aquilo nunca mais, que fora um erro terrível, mas não dava, podia ser até crime aquela infâmia.

— Você nem está se esforçando - ele escutou a voz de Elena, e parecia bem diferente da voz autoritária e controlada que ele está acostumado a ouvir.

O negócio é que Elena toda estava diferente, e não era apenas desde o dia em que Ana fora para o hospital, fora desde que garota pousou em Seattle com aquele cabelo loiro, aqueles saltos altíssimos e atitude afiada. Era como se Elena tivesse ganhado um balde de água fria em si, e aquilo a deixou mais quente, em vez do contrário. Ele nunca vira Elena se preocupar daquele jeito, como ele viu a loira desde a primeira vez que Ana foi para o hospital, ele viu a mulher simplesmente desabar em seu escritório há alguns dias. Ele sabia que aquilo também havia mudado seu relacionamento com ela, não a mais, ele eram só amigos, nos últimos anos talvez nem tanto, mas ele não podia negar que estavam próximos, e ele nem sabia como havia acontecido.

— Você se importa com isso por quê? - ele ouviu Ana rebater, a voz num tom cadenciado, nada petulante ou sarcástico como ela sempre usa. - E quer saber? É muito injusto você ficar dizendo que eu não me esforço, eu me esforço sim. Eu estou aqui, não estou? Eu estou perto de você e do Link como se vocês não quisessem se matar quando estamos sozinhos em casa, eu estou aqui com a Mia como se eu não estivesse mentindo para ela a cada pergunta que ela me faz, eu estou arrastando a Kate para essa bagunça que você fez, eu estou aqui, Elena. Você podia me dar um crédito, e pela primeira vez na vida parar de crítica até o jeito que eu respiro.

Christian ouviu alguém suspirar e então fungar, o barulho de salto se movimentando pelo assoalho do chão do quarto.

— Eu não estou te criticando, eu sinto muito que ache que eu estou fazendo isso, não quero que se sinta assim, me desculpa - Elena falou. - E sobre seu pai e eu, você sabe, já assinamos o divórcio, só não queremos nos separar de você agora, é um momento complicado...

— Vocês se separaram de mim quando eu tinha 13 anos, eu sei me virar, okay?

— Pode, por favor, me dar uma chance?

— Para o que, Elena?

— Deus, eu nunca imaginei que fosse dizer isso, mas eu odeio que você me chame de Elena! - a voz da loira subiu uma oitava, e qualquer um podia detonar o quê de mágoa naquela frase.

— Quer que eu chame de que? - o tom sarcástico estava ali novamente, como a velha Ana. - Eu tenho vários adjetivos.

O bufo alto veio de Elena, ele sabia.

— Às vezes eu penso que você é realmente filha do Link, porque não é possível - a loira resmungou.

Para a surpresa da nação, Ana riu. Riu de verdade.

— Ana, é Natal...

— Você nunca se importou com o Natal, e, quer saber? Acredite, Elena, eu aprendi isso foi com você, não com o papai - a garota murmurou, e Christian podia visualizar o sorriso dela ainda ali, e com uma covinha única e as sardas salpicadas no nariz e acima das bochechas dando um brilho diferente ao seu rosto.

O barulho do salto cessou.

— Papai? Eu sou Elena, mas ele é papai— a loira reclamou. - Tudo bem, tudo bem. Como quiser, pode ficar com o papa...

Christian escutou os passos nas escadas e voltou a caminhar em direção ao seu quarto, fechando a porta a tempo de escutar a voz de Mia chamando o nome de Ana.

Ele permaneceu alguns minutos sentado no parapeito da janela, tentando entender o que estava acontecendo entre Elena e Ana, as duas não se davam bem, nunca se deram realmente, e não por falta de tentativa de Ana. Agora era como se Christian visse tudo ao contrário, ele podia escutar o esforço de Elena em sua voz.

Seus pensamentos foram para o espaço quando uma batida na porta seguida da mesma sendo aberta o fez se virar.

Era Ana, com a droga de um sorriso perfeito. A garota estava com o cabelo preso num coque, o rosto límpido e com pouco maquiagem, quase como se apenas para esconder o quao palida ela estava. Usava um short branco, uma blusa vermelha escrito F.R.I.E.N.D.S e... chinelos? De qualquer forma, o que chamou atencao de Christian é que ela estava magra, surpreendentemente mais magra do que já estava quando chegou em Seattle.

— O jantar está na mesa - ela falou com suavidade, mas tinha alguma coisa irônica ali. - E aí, sumido?

Christian revirou os olhos.

Mas ele gostava do jeitinho sarcástico dela, era diferente, era sem um pingo de maldade, e realmente engraçado.

— Não vai falar comigo? - ela questionou, e o sorriso ainda estava ali, uma das sobrancelhas levantadas, e a mão na maçaneta da porta.

Christian estava há uns três metros de distância, mas ainda assim podia enxergar dali um monte de manchinhas roxas na pele do braço dela, como tivesse sido aperto diversas vezes, ou então furado, como deve ter sido. Mas também havia em seu pescoço, e ele já tinha reparado antes e sabia o porque. Eram os sintomas da AAG, quanto as manchinhas apareciam, queria dizer que mais Ana estava reagindo à doença.

Okay, algumas noites ele fica sem sono e sem nada para fazer, então foi ler sobre aquela doença, não era nada demais. Conhecimento nunca é demais.

— Você parece bem... O máximo que pode parecer, eu acho - ele comentou, saindo de perto da janela e caminhando em direção à garota.

Ana deu de ombros.

— Eu estou perfeitamente bem - respondeu ela.

Christian assentiu com a cabeça enquanto Ana se afastava da porta, saindo do quarto e indo para o corredor.

— Vocês não vão vir? - Mia gritou da escada antes que qualquer um dos dois dissesse algo a mais.

Ana bufou e começou a andar, tendo Christian em seu encalço.

— Não sei para que eu tenho que descer, não estou com fome - ela resmungou.

— Por isso a discussão com sua mãe?

Ana parou de andar e se virou.

— Isso é muita falta de educação, ouvir a conversa dos outros... sabia?

— Eu estava passando, e vocês não estavam falando muito baixo.

A garota revirou os olhos e suspirou.

— Eu só não estou com fome, as pessoas acham que seu começar a comer como um touro agora, vai ficar tudo bem, mas não vai.

— Com certeza mal não vai fazer, você pode só...

— Me esforçar? Sério? Você também?

— Eu não ia dizer "se esforçar", eu sei que você está fazendo isso. Eu ia dizer que você pode só fingir, tentar agradar as pessoas lá de baixo que estão realmente preocupados com você e não podem fazer nada para te ajudar.

— E você não está também? - ela questionou.

Christian desviou o olhar.

— Eu sei que você não precisa de mim em cima de você o tempo todo...

Ana riu com o duplo sentido da frase.

— Fico feliz que você saiba que eu estou bem o suficiente para ficar por cima - ela ironizou.

Christian bufou.

— Isso não tem graça.

Ana bateu o pé no chão.

— É claro que não tem. Não tem graça eu ter que ficar me forçando a colocar comida na minha garganta quando eu sei que vou vomitar a qualquer momento, sem contar que isso dói. E só piora a noite.

Christian engoliu em seco.

— Eu sinto muito - sussurrou ele.

A garota cruzou os braços e voltou a caminhar pelo corredor.

— É, eu também.

— Mas por que piora a noite?

— Eu sei lá - ela deu de ombros. - Eu não consigo comer a noite, de jeito nenhum.

— E se alguém te chama para jantar?

— Eu sempre recuso. Eu não janto. E se estiver só eu e mais outra pessoa, claramente a outra pessoa vai perceber que eu não estou começo, então...

— Você está brincando, não está?

— Não, é sério. Eu não janto, então se alguém me chama para jantar, eu não posso aceitar.

— E se eu te chamasse para jantar?

A conversa acabou quando eles se encontraram com Mia e Elena no fim da escada, sem dar tempo de Ana responder, as duas estavam entretidas numa conversa sobre o vestido de noiva de Mia, e quase não perceberam que os dois estavam descendo as escadas.

Até que finalmente os olhares foram redirecionados a eles. Elena continuou impassível, Mia tinha um sorrisinho diabólico após ter insistido para Ana chamar Christian no quarto.

— Vamos? Mamãe mandou fazer costeletas - a garota bateu as mãos uma na outra e correu para a cozinha.

Ana não se demorou, logo seguindo a menina.

Ela parou no vão da porta, tendo a atenção virada para si de todas as pessoas na mesa. Ela era a garotinha do momento, aquela coisinha especial que precisava de todo o cuidado do mundo.

Era péssimo!

Mas mais péssimo ainda era tudo o que aquele lugar lhe trazia, ela tinha bons momentos, teve uma infância incrível, e sabia que aquilo se devia aos Grey. Mas Seattle também lhe seus piores momentos.

2009, véspera de Natal

— Você viu o que fez hoje? Você não percebe!? - Elena vociferou enquanto empurrava Ana pelo corredor da academia.

— Do que está falando, mãe? Eu estava...

— Comendo como um monstro.

Ana fechou a boca e engoliu em seco.

— Meu Deus, parece que tudo o eu falo entra por um ouvido e sai pelo outro.

A garota baixou a cabeça e mirou seus novíssimos tenis all star, eles vieram com o brinde de uma pulseira que brilhava no escuro, uma estrelinha banhada a outra platina. Ana sabia que custou vários zeros na fatura do cartão de crédito, mas sua mãe não se importou nem um pouco quando ela disse que não sabia qual cor escolher, e a loura simplesmente mandou a vendedora separar um de cada. Não, claro que sua mãe não se importava em gastar milhares de dólares em cada tenis mesmo que fossem iguais, ela se importava mesmo era se Ana estava com um kilo a mais do que o que a loira decretou que ela deveria ter.

Aquilo chateava Ana, mas a garota não dizia, ela não queria contrariar sua mãe. Sem contar que Elena estava certa, seu quadril não iria ficar bom no uniforme de líder de torcida se ela continuasse ganhando peso daquele jeito.

Ana tinha doze anos e pesava 37,430kg. Sua mãe havia acabado de tira-la da balança depois do almoço, e ela estava ali, com roupas confortáveis para começar a correr por uma hora na esteira, em vez de estar com Mia decorando a árvore de Natal da casa dela.

— Qual a dificuldade em parar de comer tanto? Você come bolinhos o tempo todo, repetiu o almoço duas vezes e ainda comeu sobremesa, sem contar nas garrafinhas de refrigerante em cima do balcão que eu sei que com certeza são todas suas - sua mãe continuou falando e seus olhos ardiam com as lágrimas.

O problema era que ela não conseguia parar, e ela tentava muito, mas quando percebia já estava comendo o terceiro bolinho, ainda estava com fome depois do almoço, já estava abrindo a geladeira para comer outro pedaço de torta...

— Desculpa, mamãe - ela sussurrou.

— Desculpa? É tão simples o que eu te peço, mas você não pode fazer isso por mim, e fica me pedindo desculpa.

— Eu sinto muito, vou tentar mais, prometo.

Elena bufou enquanto a empurrava em direção à esteira.

— Vamos começar com a corrida, melhor forma de queimar calorias, depois você faz as abdominais, e então volta para corrida. Até o fim do mês você deve comseguir ficar bem no uniforme de lider de torcida, hoje também vai manerar, não é porque é Natal que precisa comer a ceia inteira. Talvez seja melhor comer apenas um biscoito light hoje, nada de jantar, okay? Do jeito que você gosta do seu prato, vai ganhar o dobro que perder aqui hoje...

Ana amarrou o cabelo e tentou nao dar muita importância para as palavras que atingiam o seu coração já machucado aquela altura, subiu na esteira e continuou encarando seus tênis nada convencionais para academia, seus olhos ainda estava embaçados com as lagrimas, então ela não podia olhar para Elena.

Mas a loira a pegou pelo queixo com gentileza, e fez seus olhos azuis muito eletricos encontrar os brilhantes tambem azulados de Elena.

— Você sabe que eu só quero o seu bem - a loira murmurou, um meio sorriso no fim frase, e então soltou a menina, afastando-se alguns centímetros depois de colocar uma garrafinha de água no surpote da esteira. - Eu quero você bonita e elegante, assim como eu. Quero você digna de ser minha filha.

Aquela frase doeu. E doeu por todo o tempo restante como se fosse uma faca cravada diretamente em seu peito.

Ana sabia que Elena era um pouco diferente, que ela não conseguia demonstrar sentimentos ou talvez uma emoção fácil de felicidade, também era difícil agrada-la ou receber um elogio. Mas ela era sua mãe, e ela a amava daquele jeito. Acreditava que sua mãe também a amava, mesmo que ela não dissesse o tempo, acreditava que sua mãe não percebia que a magoava de vez em quando por que dizia coisas que ela nao queria ouvir. Mas aquilo ali foi um baque. Ser perfeita para Elena era seu objetivo de vida, mas ela não imaginava que também era o único objetivo de sua mãe.

A garota engoliu o bolo na garganta e ligou a esteira, determinada como nunca esteve. Naquela noite, Ana não jantou, ela também não tomou café no outro dia, e só almoçou a salada enquanto observava o sorriso discreto de sua mãe. É um pouco estranho e até exagerado, mas Ana nunca mais jantou, e não havia nada a ver com a dieta de Elena, infelizmente, sua mente havia sido corrompida.


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