Baile de los Pobres escrita por Miss Addams


Capítulo 6
Sexto Passo




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Anahí

Eu estava sentada ali há duas horas e estava sendo completamente ignorada. Quer dizer, dava para ver a raiva dele pela minha presença, no entanto, Christopher fazia questão de não se aproximar. Isso me deixava irritada, mas estava mais envergonhada pela minha decisão, pensando bem, eu estava sendo bem paciente durante as duas horas por aqui. Mas talvez essa espera toda servisse para que eu desistisse da minha ideia estapafúrdia.

Ao menos foi melhor vir para cá do que ir para casa, pensei nisso enquanto eu deixava o dinheiro do que consumi em cima da mesa, ainda em dúvida se voltaria para casa ou não.

:- Ei, você! – Escutei alguém me chamando. Ao olhar para o balcão estava uma moça sentada em uma das cadeiras altas me encarando com curiosidade. Por ver que eu estava prestando atenção, ela me chamou para sentar ao seu lado. Sem pensar muito, me levantei, peguei minha bolsa e me sentei. – Por acaso o seu nome é Anahí Baker?

:- Sim! – Confirmei incerta. Quem era aquela mulher que não me reconhecia? Eu era muito conhecida em Miami graças a minha família. Mas, ao parar para pensar a respeito disso, talvez eu não fosse famosa em bairros mais periféricos.

A mulher a minha frente abriu um sorriso misterioso e sua expressão demonstrou uma estranha felicidade. Ela desviou o olhar do meu rosto e olhou para o lado oposto da lanchonete que estava mais movimentada naquele horário desde que cheguei. Ao acompanhar seu olhar vi que ela encarava Christopher que atendia um cliente e que seus amigos que estavam próximos dele numa mesa completamente desconfiados da minha presença. O ambiente era hostil e eu me sentia um peixe fora d’água, foi nesse instante que Christopher se afastou da mesa que atendia e nos encarou, imediatamente seus olhos se arregalaram e depois ficaram semicerrados.

:- Agora tudo faz sentido! Você é a famosa Anahí Baker. – Só agora percebi que aquela voz feminina era sedutora e gostosa de se ouvir. Prestei atenção naquela figura, era uma mulher linda, negra, cabelos trançados, diversas tatuagens pelo braço aparentemente deveria ter por volta dos trinta anos, as mãos eram calejadas. Ela notou que eu a estava analisando e isso me constrangeu. – Temos algo em comum. – Ela disparou de repente. - Quer dizer, muito mais do que eu devo supor por hora. – Se interrompeu.

:- O que nós temos em comum? - perguntei realmente curiosa.

:- Origem! – Ela respondeu e eu fiquei mais confusa, então ela se virou para tomar um gole de seu chá. – Eu me chamo Iara. – A pronúncia de seu nome me soou estranha não deveria ser inglês. – Talvez não seja comum aqui nos Estados Unidos, mas eu sou brasileira. Filha de um africano e uma índia, dessa mistura nasceu esta preta aqui, só que o mais curioso é que seu nome veio dos tupis-guaranis assim como o meu.

Fiquei sem palavras, eu nunca me interessei em saber sobre a origem do meu nome, desde pequena meu pai impôs praticamente a todos que me chamassem de Annie, foi à solução que encontrou já que não foi ele que escolheu como eu me chamaria. Ao longo do tempo, meu pai fez com que eu me envergonhasse do meu verdadeiro nome. Eram raras as situações em que “Anahí” era mencionado, Christopher, neste caso, era um especialista em me irritar.

:- Bela flor do céu! – Iara voltou a falar vendo que eu não comentaria nada.

:- Desculpe?

:- O significado do seu nome é bela flor do céu. – Ela sorriu e naquele momento apesar de estar levemente aborrecida pelo tema, acabei ficando intrigada com essa informação.

:- Obrigada por me contar, na verdade, eu não sabia. – Confessei.

:- Deveria, saber sobre nossas origens, as nossas raízes nos ajuda a se autoconhecer. – Não sei dizer se ela me falou um conselho ou foi uma reflexão sobre si mesma. Quem sabe os dois. – Sua presença nessa lanchonete é um acontecimento histórico. Afinal de contas, o que veio fazer aqui Anahí?

O meu nome pronunciado por Iara não foi ruim, por isso, eu não reclamei, me ajeitei na cadeira e olhei na direção de Christopher.

:- Causar um reboliço. - Defini desanimada.

:- Sem sombra de dúvidas. – Iara comentou olhando para JP, Diego e especialmente Tina que me fuzilava com o olhar. Suspirei, chegou à hora de ir embora, minha ideia de conversar com Christopher não me parece ser boa agora.

:- Eu tenho que ir para minha casa, acho que já fiquei muito tempo por aqui. – Eu falei já me levantando sem dar espaço para que ela me impedisse.

:- Tem certeza? Talvez não devesse ir sem terminar o que começou. – A forma como ela falou me fez a encarar com desconfiança. A sensação de acolhimento se evaporou. Nesse momento, Christopher passou próximo a nós duas com uma bandeja cheias de copos com cerveja.

:- Por que você fala comigo com tanta intimidade? – Eu tive que colocar Iara contra a parede, é essa sou eu. – É como se você me conhecesse.

:- De certa forma, eu sei que é uma pessoa pública, mas a verdade é que eu conheço mais a Anahí que Christopher descreve. Por isso estou surpresa por nossa conversa tanto quanto você. – Ela me esclareceu e essa foi à deixa para eu realmente ir embora, não quero dar trela para a voz na minha cabeça que quer saber o que o Christopher fala de mim.

Eu olhei ela por alguns segundos e acenei com a cabeça, essa seria minha despedida, não sei se gostaria de rever Iara novamente. Será que todos os amigos de Christopher eram sabichões como ele? Quando me virei, escutei sua voz novamente falando comigo.

:- Deveria aparecer mais vezes! – Eu parei no meio do caminho e olhei para trás, ela segurava sua xícara nas mãos e sorria para mim. – Por aqui há ótimos lugares para dançar, quem sabe, um dia podemos sair juntas.

Certo, isso foi inesperado para mim. Eu balancei a cabeça sem saber responder esse convite e saí dali. Procurei não olhar para onde o meu colega estava, essa noite já deu para mim. Mas, quer saber onde eu estava com a cabeça de vir aqui, praticamente no território inimigo, fazer uma proposta para aquele idiota?

Eu peguei em minha bolsa o meu celular para pedir algum carro para mim. E justamente nesse momento o aparelho começou a tocar, ao ver tela, parei de caminhar no meio da calçada espantada. Bridget! Atendi a chamada tensa.

:- Bridget?! – Chamei.

:- Ora ora, finalmente eu consegui falar com você vagabunda! – Ela riu, fazia muito tempo que eu não escutava sua risada. – Não responde minhas mensagens direito. – Reclamou.

:- Você não tem noção de como minha rotina está... Rígida. – Me defendi para minha melhor amiga de infância. – Desculpe! Você sabe como é a universidade e principalmente meu pai. Me conta, como você está? – Eu perguntei enquanto encostava em uma parede para não atrapalhar a passagem de ninguém.

:- Estou maravilhosa! Como sempre, não é? – Ela riu mais uma vez. – Na verdade, eu te liguei porque não conseguimos conversar por mensagens. Então, só queria contar a grande novidade. Eu vou voltar para Miami! – Bridget disse animada e aquela notícia caiu e explodiu feito uma bomba na minha cabeça.

:- Bridget... Você está voltando para casa? – Eu repeti o que ela contou como se isso fizesse cair minha ficha.

:- Isso mesmo vagabunda, Amsterdã ficou um tédio, está na hora de fazer meu retorno triunfal. Pode se preparar que vamos nos divertir juntas em breve. E fiquei alguns segundos quieta e me atropelei nas palavras ao voltar a falar.

:- Que grande notícia! Eu senti sua falta. – Respondi ainda tensa, tentando soar animada. Era verdade que pensava em Bridget vez ou outra, especialmente quando minha rotina estava maçante. Ás vezes, só ela sabia como lidar comigo.

:- Também senti sua falta, bem, eu tenho que ir agora, tenho uns negócios para resolver. Da próxima vez em que nos falarmos será pessoalmente. – Ela fez questão de deixar isso no ar.

A ligação acabou. E eu fiquei segurando meu celular tentando absorver ainda a notícia da volta de Bridget, inevitavelmente acabei me lembrando da forma conturbada como ela foi embora. Me senti mal porque esse tempo em que ficamos afastadas foi estranhamente bom.

:- Então quer dizer que a demônia vai voltar? – Eu tomei um susto enorme com a voz grave e presença de Christopher do meu lado. Há quanto tempo ele estava ali?

:- O que diabos VOCÊ faz aqui? – Coloquei a mão no meu peito sentindo meu coração bater mais rápido. – Essa foi uma conversa particular, não é da sua conta.

:- Você está falando no meio da calçada e ela pelo o que eu saiba é pública ainda. – Ele foi irônico e percebi que estava sem o avental. Deveria ser alguma pausa de seu trabalho.

:- É você está certo, eu só acho engraçado que você me evitou a noite inteira e agora está aqui me seguindo feito uma assombração. – Minha vez de ser irônica e ele ficou desestabilizado. Ponto para mim.

:- Baker, você ultrapassou um limite de nossa guerra. O que você veio fazer aqui? – Ele me pressionou.

:- Achei que tivéssemos erguido a bandeira branca. – Eu cruzei os braços. – Quando você entra na minha casa para limpar a piscina não é como se você também ultrapassasse esse “limite”?

:- Responde minha pergunta. – Ele ignorou o que eu disse porque eu estava certa.

Fiquei em silêncio saboreando esse momento em que eu o tinha em minhas mãos. Ao encará-lo tive que decidir realmente se deveria abrir o jogo ou abandonar minha ideia, me lembrei da forma como ele dançou na aula mais cedo e voltei a admirá-lo no meu íntimo.

:- Eu vim te fazer uma proposta, mas eu não estou mais certa de que daria certo. Esse momento tenso na lanchonete me fez ver isso.

:- Olha se veio falar sobre nosso trato, perdeu seu tempo, não quero negociar.

:- Não é nada disso. – Eu o interrompi. E Christopher se calou, dava para ver que ele estava dividido, a raiva por eu ter ido até o seu trabalho estava passando, agora o seu olhar só transmitia curiosidade. Ele me pedia com os olhos para eu falar de uma vez o que eu queria, mas estava divertido torturá-lo assim.

:- Para de fazer seus jogos, Baker. – Ele se irritou e ficou na minha frente. – Meu tempo está acabando, logo tenho que voltar, então abre logo o bico.

:- Eu vim aqui te propor pagar o concertar a motocicleta que você foi atropelado por Logan.

:- O quê? – Ele fez uma expressão de espanto. Provavelmente ele estava pensando que eu era maluca, pelo o que eu soube Logan se safou de pagar os custos do acidente. Christopher estava trabalhava dobrado para pagar o estrago da moto, dava para ver o seu cansaço quando ele dormia pelos cantos até em algumas aulas da universidade. – Em troca do que você faria isso?

:- Você me daria aulas de reggaeton! – Eu ponderei revelar meu desejo e fiquei até constrangida por que Christopher ficou sem reação por alguns segundos. Até que ele começou a rir zombando de mim. – Do que está rindo idiota? – Eu perguntei com raiva.

:- Essa foi uma das piores piadas que você já contou na sua vida, disso eu tenho certeza. – Ele falou passando a mão na cabeça sorrindo. Após alguns segundos, ao notar que eu não disse nada e continuei o encarando com raiva ele se tocou que eu estava falando sério. – Você não está brincando. – Christopher constatou. – Mas que ideia é essa? Porque quer dançar reggaeton, não faz o seu estilo nem de vida e nem de dança, você quer ser uma bailarina clássica.

:- Primeiro porque eu quero! Você pensa muito pequeno, Christopher, eu sou uma bailarina quero poder me desenvolver por completo assim eu tenho maiores chances de entrar para a companhia de dança. Eu quero ser a melhor e vou ser!

:- E porque eu?

:- Não se faça de tonto, porque você não é. Passou uma eternidade se vangloriando e agora não entende porque eu te chamei?

:- Você pode aprender com os professores da universidade ou até mesmo pagar algum coreógrafo da elite, além do mais você me odeia.

:- É. – Tive que concordar. - Eu poderia fazer tudo isso que está dizendo, mas nenhum professor é bom o suficiente para o que eu quero. A sua turma de bolsistas foi criada justamente para superar esse déficit de nosso ensino, no começo você mais ensinava os outros do que estudava. – Eu o relembrei. – Um coreógrafo é uma boa opção, mas ninguém entenderá minha rotina verdadeiramente quanto um aluno. Pense bem no que eu estou te propondo, você vai se livrar das horas extras, terá sua dívida quitada, sairá da sua zona de conforto e terá até mais tempo livre. - Listei nos dedos as vantagens da minha proposta.

Ele ficou quieto pensando no que eu disse, o entendo, agora verbalizando tudo isso parece ser uma loucura. Nos dois... juntos.

:- Fizeram algo com você Baker, você está muito estranha ultimamente. – Ele comentou.

:- Não vim aqui para você ficar me destratando, ok? Se sua resposta é não, tudo bem, quem perde é você. Agora deixa eu ir, é melhor do que eu perder ainda mais o meu tempo aqui. - Eu fiz menção de sair, mas ele me impediu segurando meu braço.

:- Não sei se isso dará certo. – Soltou.

:- Nem eu.

E ficamos mais uma vez calados, um olhando para o outro, pensando naquela possibilidade absurda que eu propus. Ele segurando meu braço com segurança e eu ficando incomodada com o aquele contato, me lembrei do que aconteceu recentemente entre nós dois. Me lembrei dele dançando.

:- Você já me viu dançar?

:- Não. – Ele respondeu o que eu já sabia.

:- Nem eu havia te visto dançar até hoje. Quer dizer, prestar atenção na sua apresentação.

:- Então quer dizer que está dizendo que eu sou bom? – Ele chegou a abrir um sorriso torto deformando sua barba rala que eu tive que retribuir.

:- Me recuso a responder essa pergunta. – Falei e ele alargou o sorriso. – E tem algo que gostaria de acrescentar, nossas aulas tem que ser mantidas em segredo. - Christopher juntou a sobrancelha em sinal de confusão, mas logo entendeu o que eu quis dizer somos de mundos diferentes.

:- Eu tenho que pensar.

:- Tem até amanhã à noite para me dizer. – Eu exigi e tirei meu braço de sua mão. Ele parecia ter se esquecido que estava me segurando, depois disso, sem graça, ele colocou as mãos no bolso para dar alguma utilidade para elas.

:- Eu tenho só uma pergunta para lhe fazer. – Christopher deu um passo para trás pensativo. Eu imaginei que ele falasse qualquer coisa relacionada a minha proposta, mas não.

:- Por que você não tratou Day de uma forma diferente quando foi em minha casa?

Porque Christopher desenterrou esse assunto? Ele estava realmente interessando na minha resposta.

:- Por que eu a trataria de forma diferente? – Devolvi a pergunta.

:- Ela é pobre, negra e minha filha.

:- Felizmente ela não tem culpa do pai que tem. – Dei meus ombros. – Eu a tratei como menina fofa que ela é, geralmente eu trato as pessoas como elas merecem. – Joguei uma indireta assim de leve.

Christopher ficou muito sério e isso me deixou intrigada, por que ele falaria da filha simplesmente do nada. Será que ele pensava que eu faria algo contra ela?

:- Eu vou pensar na sua proposta. – Se limitou a dizer e me deu as costas e começou a andar de volta ao seu trabalho.

:- Amanhã! – Falei mais alto e ele olhou para trás. – Eu tenho uma apresentação de balé amanhã no teatro da avenida principal na parte da manhã, vai lá me ver dançar. É meu convidado.

Christopher fez um aceno que eu não soube interpretar se era um sim ou um não, eu fui totalmente impulsiva em chamá-lo, mas quando fui me dar conta às palavras já tinham saído da minha boca. No fundo eu só queria que ele sentisse o que eu senti. Pensei ao vê-lo se afastar de mim.

 

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