Segredos do Destino escrita por Bia Oliveira
Christian fitava admirado a loira que caminhava na direção de sua cama. Presenciara fatos desconcertantes desde que acordara, mas a chegada daquela mulher era o mais intrigante de todos. Sem dúvida, era a mesma mulher que antes considerara um anjo.
Anastasia Steele, médica-cirurgiã. Sua aparência, ao mesmo tempo, desconcertava-o e provocava uma estranha sensação. O cabelo solto e desalinhado pelo vento, os lábios tentadores pintados de vermelho e brilhando com um aspecto úmido. As orelhas ostentavam argolas de ouro e as pálpebras tinham uma sombra brilhante cor de bronze. Comparada às mulheres decentes das quais Christian lembrava, todas sem pintura, parecia uma libertina.
Ele sentia o perfume dela se espalhando pelo quarto. Com aparência de libertina ou não, ela era a mulher mais linda que já vira... Sentindo a reação de seu corpo, Christian baixou o olhar, e experimentou um choque ainda maior.
Quando a vira pela primeira vez, depois de acordar da cirurgia, ela vestia algo parecido com um saco verde, sem forma e amarrotado, e o cabelo dela estava preso atrás, revelando um rosto pálido. Agora, Anastasia usava um blazer sobre a blusa branca havia um brilho rosado em seu rosto.
Christian estava assustadíssimo com o comprimento da saia, que mal cobria os joelhos! Então, ele lançou um olhar escandalizado e apreciativo ao longo das pernas e tornozelos elegantes, arregalando os olhos ao fitar os sapatos pretos, cujos saltos fino deviam medir, no mínimo, sete centímetros.
— Alguma coisa o incomoda? Ele sentiu um arrepio ao longo da espinha diante do som melodioso daquela voz.
— Muitas coisas... — Christian murmurou com secura, sem mencionar que a proximidade dela era a mais perturbadora de todas.
— Bem, talvez eu possa ajudá-lo. Anastasia sorriu e puxou uma cadeira para perto da cama, acomodando-se em seguida.
— Talvez — ele respondeu, pensando que Anastasia podia resolver seu problema. Ela ficou em silêncio por um momento, esperando.
— Então? Distraído, ele apenas a encarou.
— Então, o quê? Anastasia riu com suavidade.
— A enfermeira comentou sua melhora... achou surpreendente, e disse que você saiu um pouco da cama depois de acordar.
— Sim. Por ordens suas.
— É verdade. Deixei instruções. Como foi?
— Não lhe contaram? — Ele sorriu com ar de censura.
— É claro. Agora quero saber como você acha que está.
— Me senti um pouco tonto, fraco — ele admitiu. — Não gostei da sensação.
— Ninguém gosta. E como está se sentindo agora?
— Faminto. Ela pareceu espantada diante da resposta mal-humorada.
— Mas me informaram que haviam lhe servido uma refeição!
— Talvez o pessoal por aqui chame de refeição um gole de sopa, chá fraco e uma colherada de uma coisa parecida com geléia, mas eu, não.
— Mas uma dieta suave é necessária depois da cirurgia.
— Por quê?
— Por causa da anestesia. — Ela sorriu, tentando acalmá-lo, sem resultados visíveis. — Alguns pacientes sentem náuseas e às vezes até passam mal.
— Eu, não. Christian deu um sorriso cujo objetivo era provocar, senão medo verdadeiro, pelo menos temor. Christian reconhecia a coragem da médica, pois ela enfrentava seu sorriso sem se encolher, bem diferente das mulheres que conhecera.
— O que gostaria de comer?
— Algo em que eu possa enterrar os dentes — ele respondeu. Anastasia parou no corredor, ao lado do quarto do estranho. Estava ofegante e tremendo de excitação. "Por que este homem me afeta tanto?", perguntou-se espantada, fitando com uma expressão admirada as mãos trêmulas. Diferente de muitas de suas amigas, Anastasia jamais gostara de homens com aparência semelhante à daquele estranho que a enternecia. Preferia homens barbeados, cheirando a um bom perfume.
Entretanto, aquele homem em particular tivera apenas o trabalho de fitá-la com dois incríveis olhos azuis semicerrados, e nela brotou a sensação de que algo vital desmoronava em seu íntimo. E a reação que acabara de experimentar... preferia nem pensar... Sim, enquanto estava ali parada, respirando fundo, Anastasia conseguia pensar apenas no efeito espantoso do sorriso dele.
— Perdida, doutora? Anastasia assustou-se com a pergunta da enfermeira que sequer vira aproximar-se.
— Eu... Não. — Anastasia balançou a cabeça, considerando a possibilidade de "perder-se" na atração por um estranho.
— Estava pensando...
— Algum problema com seu paciente? — A jovem indicou o quarto do estranho com um gesto de cabeça.
— Sim. Ele está com fome.
— Mas ele almoçou há pouco tempo. — Ele alega que a refeição deixou muito a desejar.
— A primeira refeição após uma cirurgia sempre deixa. — A enfermeira riu.
— Mas o jantar virá em menos de meia hora. Anastasia olhou para o relógio, depois para a porta do quarto. Não gostaria de informá-lo sobre a espera de mais meia hora para jantar.
— Ele não ficará nada feliz com a demora.
— Há um bolo de frutas na sala das enfermeiras — a jovem anunciou. — Posso dar-lhe uma fatia e uma xícara de café.
— Bem, o que estamos fazendo paradas aqui? Vamos buscar o lanche, — Anastasia sorriu, apontando na direção da sala. Logo em seguida ela voltou para o quarto do estranho, com uma xícara de café numa das mãos e um pratinho com uma fatia grossa de bolo de frutas na outra.
— Isso é uma refeição?
— Não, isso não é uma refeição — ela anunciou entre dentes —, mas o ajudará a esperar até o jantar chegar. Ela imaginou uma reação explosiva dele, mas, ao contrário, Christian pareceu divertir-se. Mas, de repente, o sorriso que aflorava nos lábios dele se transformou numa careta quando tentou sentar-se sem ajuda. Anastasia não se chocou com o palavrão. Os pacientes sempre tendem a xingar quando sedados.
— Fique imóvel — ela mandou, deixando a xícara e o prato sobre a bandeja presa à cama. — Levantarei a cama. Localizando o controle, ela apertou o botão para erguer a cama, e então viuse encarando, fascinada, a expressão assombrada do olhar dele quando a parte de cima subiu.
— Que droga! — ele exclamou, agarrando-se ao colchão. — Que engenhoca é essa? Confusa com a reação dele, Anastasia olhou para a cama, e depois voltou o olhar na direção do estranho.
— Não entendo. É uma cama comum de hospital. Christian lançou um olhar dardejante para ela.
— Puxa, tudo é diferente nela!
— Nunca viu uma cama automática de hospital?
— Nunca vi as coisas que há neste lugar. Soltando o colchão, Christian procurou uma posição mais confortável e apanhou o pedaço de bolo, enquanto Anastasia se intrigava com a reação dele, diante de um quarto tão comum.
— O que você acha de estranho? Ele engoliu um pedaço do bolo e tomou um gole de café.
— Aquilo, por exemplo. — E apontou para a televisão na prateleira. — O que é isso, afinal?
— Ora, uma televisão!
— É assim que se chama? — Ele olhou desconfiado para o aparelho. — E o que isso faz? Anastasia olhou-o com ar conformado.
— Que é? Está se divertindo?
— O que quer dizer com isso? — ele quis saber.
— Está brincando comigo, não está?
— Por que eu brincaria? — Christian indagou num tom sincero, o suficiente para fazer Anastasia acreditar nele.
— Não sabe mesmo o que é uma televisão?
— Moça, não conheço as coisas que há nesse quarto...
— Céus! Ficou nas montanhas por muito tempo, mesmo, não?
— Sim, mas... —
Não importa — ela interrompeu. — Coma o bolo e tome o café antes que esfrie. Responderei a suas perguntas quando você terminar. Confusa com a tarefa à qual se oferecera, ela voltou para a cadeira ao lado da cama e, ao sentar-se, notou a prancheta sobre o pequeno armário ao lado.
— Algo errado? — Christian indagou, percebendo que ela ficara agitada.
— Não... — Ela apanhou a prancheta. — Prometi entregar estes formulários preenchidos hoje à tarde.
— Que formulários? — ele quis saber, tomando um gole de café.
— Para que servem?
— São os formulários de entrada. São as informações sobre você que o hospital exige. Deviam ter sido preenchidos antes de você ter dado entrada.
— A burocracia de sempre! Anastasia riu diante do tom zombeteiro dele.
— Exatamente. Polícia, regulamentos... e tudo isso. Mas, como não temos como escapar, é melhor acabar logo. — Ela baixou o olhar para a primeira linha da folha.
— Qual é o seu nome? — indagou, fitando-o com mais curiosidade.
— Christian Gray. — Ele terminou o café. — A que horas mesmo vem o jantar?
— Logo — Anastasia o tranqüilizou, sorrindo e balançando a cabeça. — Posso continuar?
— Claro, doutora...
— Onde você mora?
— Fort Worth. Anastasia ergueu a cabeça, fitando-o.
— No Texas?
— Existe outro?
— Mas... — ela recomeçou, intrigada.
— Vamos terminar logo isso? — ele interrompeu, irritado.
— Claro. Qual sua ocupação?
— Delegado dos Estados Unidos.
— Sério? Anastasia o fitava com uma expressão admirada. A maneira como os lábios dele tremeram a fez sentir um arrepio pelo corpo como se fosse uma advertência.
— Doutora, acha que eu a enganaria?
— Incrível — ela revidou. — Não tinha ideia de que o governo dos Estados Unidos contratava delegados. Christian Gray não pareceu insultado, mas interessado.
— Como assim? Você acha curioso? Anastasia ergueu os olhos para o céu, quase cansada.
— Esqueça! Data de nascimento?
— Treze de junho de 1854. "Agora chega!" pensou Anastasia. Não toleraria mais as gracinhas dele por mais um segundo sequer. Levantando a cabeça, fulminou-o com o olhar, preparada para explodir, mas as palavras zangadas perderam-se em seus lábios quando deparou com o olhar sereno dele. Ele não estava brincando! Anastasia sentiu o cabelo da nuca arrepiar-se, e teve a estranha sensação de encontrar-se no meio de uma história de ficção científica e terror. Pigarreou para tentar eliminar o nó na garganta e disse a si mesma para controlar-se:
— Quer dizer 1954... não é? — sussurrou apreensiva.
— 1954? — Ele explodiu em gargalhadas. — Moça, você é maluca? Anastasia experimentou uma sensação assustadora. Não queria nem pensar, muito menos investigar. Ele estava brincando, convenceu-se, ou era completamente louco. Sim, talvez fosse um louco... Um arrepio percorreu-lhe o corpo quando algumas cenas voltaram-lhe à memória: a maneira como ele estava vestido quando o vira pela primeira vez, o modo como ele reagia desde que recuperara a consciência.
Fitou novamente seus frios olhos azuis. Agora relembrava a expressão assustadora de seu rosto quando exigira saber o paradeiro do revólver. Aqueles olhos, cuja expressão era curiosa, deixavam-na trêmula de medo e angústia. Não era possível! Ele possuía a aparência e a fisiologia de um homem de trinta e poucos anos. A menos que tivesse descoberto a lendária fonte da juventude...
— Está me dizendo que tem mais de cem anos? Christian ficou boquiaberto.
— Mais de cem anos? — repetiu, fitando-a com um ar desconfiado. — Moça, você é maluca, completamente maluca! Anastasia balançou a cabeça bem devagar.
— Não estou entendendo nada.
— Bem, não se considere a única. Não entendi nada sobre este lugar desde o momento em que acordei. O coração de Anastasia disparou, e ela mal conseguia respirar, muito menos falar.
— Está bem — ela murmurou, dando um suspiro. — Vejamos se dá para esclarecer o mistério. Vamos, como diria o esquartejador, por partes. Quero que me conte exatamente como aconteceu o acidente.
— Que acidente? Caí numa emboscada.
— No meio da rua? — ela gritou.
—Não! Eu estava a caminho da igreja no alto da colina.
— Que colina? — Anastasia pensou na rua onde a polícia o encontrara... a rua plana.
— Onde?
— Aqui. — Ele esticou o braço, como se indicasse não apenas o quarto, mas toda a área. — Bem nas montanhas Anaconda, em Montana. Anastasia sentiu seus olhos arregalarem-se.
— Você foi baleado em Montana?
— Sim, fui baleado no peito, aqui em Montana.
— Pode fazer as brincadeiras que quiser, Sr. Gray, mas sinto dizer que está bem longe de Montana. Encontra-se num hospital em Conifer, na Pensilvânia. Nesse momento, o olhar dele se transformou: ficou duro e astuto. — Você é louca!
— Não, não sou. E, para sua informação, estamos na última década do século vinte.
— Não me diga! — ele murmurou num tom suave. — Você é a rainha da Inglaterra?
— Claro que não!
— Ah... então é Napoleão Bonaparte? A paciência de Anastasia esgotou-se.
— Chega! — ela esbravejou, levantando-se num salto e batendo a prancheta no armário.
— Que brincadeira é essa?
— Brincadeira? Para você isso é uma brincadeira? — Ele a fitou com um olhar duro, afastando as cobertas.
— Estou ferido, e você quer brincar. Não entendo você, moça. Anastasia começou a sentir-se ainda mais confusa.
— Não, não quero brincar. E aonde você pensa que vai? Christian fez uma careta de dor quando deslizou para a beirada da cama com determinação.
— Vou embora deste hospício!
— Não! — Anastasia gritou, estendendo a mão para detê-lo. — Você não está em condições de sair! — Roçou a mão no braço dele, e ficou espantada com o calor repentino na ponta dos dedos.
— Que pena — ele resmungou, quando tirou uma perna de debaixo das cobertas. A camisola curta do hospital expunha a perna do pé descalço até a coxa, recoberta de pelos finos e de músculos rígidos. — Onde está minha calça? — rosnou, olhando ao redor. — E onde está o resto de minhas coisas... as roupas e minha arma? Distraída, confusa, Anastasia afastou o olhar da coxa nua para apontar o armário diante da cama.
— Ali dentro, imagino. Mas você não pode ir embora agora. Você não está bem! Ele sorriu friamente.
— Quem vai me impedir? "Quem?", Anastasia pensou rapidamente na segurança do hospital e até na polícia, mas desistiu da ideia de imediato. Em vez disso, ela cedeu.
— Olhe, lamento tê-lo aborrecido, Sr. Gray, fique na cama. Tenho certeza de que podemos solucionar esse problema... de alguma forma. Ele hesitou, fitando-a com uma expressão desconfiada.
— Quero minhas coisas. Você pode trazê-las para mim se eu ficar na cama? — Sim, se você insiste em vê-las.
— Insisto. Movendo-se devagar, com os dentes cerrados por causa da dor intensa no ombro, ele começou a voltar para o meio da cama e então hesitou outra vez.
— Tem outra coisa — acrescentou. Ele retesou o corpo, imediatamente em guarda.
— O que é? — indagou num tom cauteloso.
— Me chamam de Chris. Anastasia soltou o ar preso nos pulmões. Ela não percebera a essência do pedido, nunca esperara que ele lhe pedisse para usar o diminutivo de seu nome. O alívio que a invadiu a fez sentir-se fraca e provocou um sorriso trêmulo.
— Está bem... Chris.
— E para mim você será Ana, apenas.
— Prefiro Anastasia — anunciou num tom destinado a demonstrar quem controlava a situação. Mas o sorriso dele a fez duvidar de seu domínio.
— Eu prefiro Ana. Anastasia deu de ombros.
— Que seja.
— Então... está bem? Ela lhe lançou um olhar duro de advertência.
— Sim, Chris. Ela deixou a frase no ar quando uma enfermeira entrou e murmurou num tom alegre:
— Acho que o paciente ficará satisfeito quando provar este jantar especial. — Ela colocou a bandeja no acessório estreito, parecido com uma mesa, preso à cama. Depois se virou e sorriu para Anastasia:
— Oi, Dra. Steele.
— Olá, Marsha. Anastasia ajudava Christian a acomodar-se mais perto da comida quando a enfermeira, a caminho da porta, parou e voltou-se.
— Oh, posso lhe trazer chá ou café, doutora?
— Sim, obrigada — respondeu por fim.
— Não almocei...
— Então um jantarzinho será ótimo, não? Anastasia ia recusar quando sentiu o delicioso aroma. Lembrou-se de que não comia nada desde a noite anterior. Quando deixara o apartamento acreditava que suas tarefas no hospital, como observar o paciente e preencher os formulários, lhe tomariam pouco tempo, talvez menos de uma hora.
Depois disso, estaria livre, já que cancelara o compromisso da ceia com a família de Richard. Até mesmo pensara em voltar para casa, preparar uma comida leve e assistir televisão até tarde. "O plano fracassou", lamentou, suspirando. Logo depois, Marsha voltou com a bandeja, enquanto Anastasia puxava a cadeira para mais perto da cama.
Anastasia observava fascinada Christian com a refeição nas mãos, e sentiu um nó na garganta quando ele lhe lançou um olhar confuso de súplica. Numa onda de compaixão, ela permaneceu em silêncio, e então rasgou o plástico e retirou o garfo, a faca e as colheres.
Com um sorriso de autocensura, Christian seguiu ao pé da letra o exemplo. Depois de libertar os talheres, soltou com cuidado o guardanapo preso ao redor dos talheres. Demonstrando com a expressão do rosto que estranhava os utensílios de plástico branco, ele os deixou de lado, e então prendeu o guardanapo na gola. Esperando vê-lo atacar a comida com as mãos, Anastasia ficou perplexa quando ele sequer tocou o prato, encarando-a com uma expressão paciente.
— Algo errado? — ela indagou, olhando confusa para o rosto de Christian.
— Não, senhora.
— Então, por que não está comendo? Christian pareceu chocado nesse momento.
— Minha mãe me ensinou boas maneiras quando eu ainda usava fraldas. Estou esperando você começar. Aquela demonstração de antigo cavalheirismo comoveu Anastasia. Ele estava ferido, confuso, desorientado e faminto. Contudo, aquele homem, estranho e atraente, esperava que ela começasse a refeição. Anastasia sentiu uma sensação de proteção, mas naquele momento isso não importava. Comovida, ela sorriu e levantou a cobertura do prato.
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