Segredos do Destino escrita por Bia Oliveira


Capítulo 3
Capítulo 3




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O homem estava vestido de maneira estranha, ao estilo do Oeste, mas de um período antigo. Um chapéu de vaqueiro cinzento sobre a cabeça, com a aba larga emoldurando-lhe o rosto e realçando os ângulos tensos de sua estrutura óssea. Ele possuía um nariz aquilino, maçãs do rosto salientes e maxilar firme. O cabelo tinha uma aparência tão suja quanto o chapéu, embora os fios longos transmitissem a impressão de vitalidade, apesar da necessidade óbvia de uma boa lavagem com bastante xampu.

Um homem das montanhas? ela imaginou, fitando o corpo imóvel com um ar profissional e arregalando os olhos em seguida, ao deparar-se com um revólver no coldre amarrado à musculosa coxa direita. Um caçador? De qualquer forma, Anastasia sentiu tristeza. Era uma pena vê-lo caído ali, tão frio e inerte. Aquele estranho havia sido um homem bonito e de aparência viril.

A observação desapareceu-lhe da mente quando seu olhar encontrou a mancha, grande e vermelha, cobrindo a roupa antiquada sobre o peito largo. Uma sensação estranha, a mistura confusa de derrota e perda, instalou-se em seu coração diante do ferimento aberto onde a bala entrara do lado direito do peito, perto do ombro largo.

Anastasia não conhecia aquele homem, mas sentiu uma vontade inexplicável de chorar pelo desperdício inútil de sua vida. Ele sentia frio, muito frio. A escuridão dominava sua mente com tanta tenacidade quanto os flocos de neve agarravam-se à sua pele e cílios.

Estaria morto? Christian perguntou-se, lutando contra a nuvem escura que lhe envolvia a mente. Aquela sensação assustadora e de gelar os ossos era a morte? Um arrepio percorreu Christian. Não sentia dor. Contudo, uma sensação de ansiedade e frio o atormentava. Por alguma razão, sempre imaginara a morte como um estado de morno vazio. Mas ele sentia-se frio, na verdade mais que frio... A escuridão dissipou-se ligeiramente, dissolvendo-se em tons cinzentos. Estava molhado! E havia algo mais! Nos limites exteriores de sua consciência ele podia ouvir vozes. Talvez não estivesse completamente morto, ele ponderou.

Quem sabe pairasse em algum meio-termo, um mundo entre a doçura da vida e o vazio da morte? As vozes aproximavam-se, e ele podia distinguir tons diferentes, alguns graves e masculinos, um mais suave, agradável, feminino. Ocorreu uma súbita mudança na bruma cinzenta que lhe entorpecia a mente, uma claridade parcial. Reunindo suas escassas forças para se concentrar, Christian esforçou-se para compreender o conteúdo e o significado daquelas vozes.

Aos poucos, as palavras tornaram-se distintas e penetraram-lhe a consciência.

— Ele tem os olhos mais frios que já vi — observou o patrulheiro Raymond Horsham. Anastasia arrepiou-se ao fitar os olhos azuis de Christian.

— Bem, é claro que os olhos estão frios — retrucou Cal Singer, companheiro de Raymond. — Ele está morto. Incapaz, por alguma razão, de desviar a atenção do olhar vazio do estranho, Anastasia tirou as luvas e ajoelhou-se na neve ao lado do corpo sem vida.

Uma confusa sensação de desesperança a invadiu quando estendeu a mão na direção do pescoço dele para confirmar a ausência de pulso.

— Não estou morto. Misturando-se com o impacto dos olhos fascinantes, o som rouco e sussurrado da voz do estranho provocou um choque em Anastasia. Espantada, ela abriu a boca e retirou a mão.

Ele estava vivo! Levantou-se num pulo antes mesmo que entendesse o que estava acontecendo. Sem pensar, ela tirou o casaco para cobri-lo. Não tinha ideia de quanto tempo ele estava estirado ali, mas sabia que sofrera um trauma e estava em estado de choque. Sem se importar com o frio úmido envolvendo-lhe o corpo, Anastasia ajoelhou-se outra vez para prender o agasalho, e mais uma vez tocou-lhe a garganta para tomar a ação do pulso.

A pele estava fria ao toque, tornando a súbita carga do calor que lhe percorreu o braço até o ombro ainda mais perturbadora. Controlando um impulso de afastar a mão outra vez, Anastasia concentrouse no pulso forte mas irregular na base do pescoço do homem.

Tocá-lo, sentir-lhe a vida pulsando contra seus dedos causou a sensação mais estranha que Anastasia jamais experimentara. Sua mente ficou vazia, e a boca ficou seca quando percebeu que seu pulso, até então regular, estava se modificando, fundindo-se ao ritmo do dele. O que estava acontecendo? Paralisada por um momento, Anastasia fitou o homem.

Não ouviu a ambulância parar, nem a sirene. Tremendo, espantada com sua reação diante de alguém que nunca vira, observou-o fechar os olhos devagar. Quando ele os abriu outra vez, instantes depois, tinham um ar confuso, mas focalizado e vibrante.

— Bem, talvez esteja morto. — Christian não notou o som fraco e áspero de sua própria voz, nem mesmo o fato de ter falado. Toda sua atenção concentrava-se no rosto que parecia flutuar acima dele. Tinha de estar morto, concluiu, entorpecido, pois aquele rosto lindo, de olhar suave e iluminado por uma aura dourada só podia ser de um anjo.

— Morri e fui para o céu. O som da voz puxou Anastasia de volta à realidade. O que havia com ela? Aquele homem estava ferido, sangrando, e precisava de cuidados médicos imediatos. Piscando para quebrar o estranho encanto do olhar dele, a médica virou o rosto ao ouvir passos aproximando-se. Os enfermeiros haviam chegado.

— Procurando trabalho, Dra. Steele? — um dos enfermeiros indagou num tom brincalhão. Os dois jovens enfermeiros a conheciam, como todas as equipes de ambulância. O Conifer General era um pequeno hospital numa cidadezinha nas montanhas; quase todos os moradores se conheciam. Anastasia não respondeu e levantou-se, recuando.

— Por favor, apressem-se — murmurou num tom autoritário. — Esse homem foi baleado no peito e perdeu muito sangue. Os enfermeiros agiram rápido, imobilizando a cabeça do estranho e erguendo-o para acomodá-lo na maca sob o olhar atento de Anastasia.

Quando o moveram, ele soltou um gemido agudo de dor e desmaiou. Anastasia sentiu-se atingida por um golpe físico, forçando-a a apertar os lábios para conter um suspiro. Impotente contra o turbilhão de emoções, ela ficou olhando o homem inconsciente e indefeso. Mesmo com a arma presa à perna, ele transmitia uma impressão pungente de vulnerabilidade.

A compaixão a dominou. Ele não podia morrer. Não o deixaria morrer! Anastasia olhou ao redor, espantando-se quando um dos homens entregou-lhe o casaco. Observando em silêncio enquanto os enfermeiros cobriam o ferido e o prendiam à maca, ela rezou com fervor pelo estranho... e por sua perícia cirúrgica. Vestiu o casaco enquanto caminhava ao lado da maca em direção à ambulância, sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha.

Era uma sensação de calor e segurança, como se o casaco guardasse não apenas o calor do corpo do desconhecido, mas também a radiação protetora de sua força. Entretanto, ela sabia que devia haver bem pouco calor ou força naquele corpo esgotado. Não entendia por que reagira daquele modo diante de um estranho de roupas tão esquisitas, mas sentia que não queria descobrir.

Em todo caso, agora não havia tempo para sentimentos. Tinha trabalho para fazer. Precisava extrair uma bala do peito do desconhecido.

— Quando chegarem ao hospital, providenciem na emergência uma equipe de operação para mim — ela anunciou, virando-se rumo a seu carro enquanto o motorista fechava a porta da ambulância. — Logo estarei atrás de vocês.


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