Segredos do Destino escrita por Bia Oliveira


Capítulo 11
Capítulo 11




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Que ideia maluca era aquela de lhe oferecer abrigo em casa? Christian era um estranho, não apenas para ela mas para toda a comunidade. Anastasia se arrependera do convite impulsivo momentos depois de tê-lo feito, mas não tivera coragem de retirá-lo. Christian parecia tão perdido e vulnerável... Enquanto ela se questionava, Christian avaliava o apartamento.

Ao vê-lo aí, reduzindo as dimensões de seu espaço particular, Anastasia sentia-se cada vez mais agitada. Trinta horas haviam se passado desde que ela o convidara, e durante aquele tempo cada minuto tivera uma atividade programada. A reação de Christian à oferta fora imediata e agradecida, seguida de uma pergunta sobre quando ele poderia deixar o hospital.

Ele vira o ferimento quando Anastasia trocara o curativo, e sabia que estava quase cicatrizado. Alegando, "estar forte o bastante para enfrentar um leão da montanha", ele a pressionou para libertá- lo. Como a opinião profissional de Anastasia coincidia com o argumento, ela propusera um acordo, comprometendo-se a dar-lhe alta se ele se comportasse por mais um dia. Christian prometeu que obedeceria às determinações médicas e Anastasia não teve opção senão manter a promessa.

Analisando a situação, ela decidira que quanto mais cedo Christian estivesse instalado em seu apartamento, e longe dos olhares e perguntas curiosos, melhor. O primeiro olhar curioso ela enfrentou quando estavam para deixar o hospital. Levando o formulário de entrada, o qual ela e Christian haviam refeito e, em sua opinião, criado uma bela obra de ficção, ela deparara com Jeff Klein, o jovem patrulheiro que estivera presente ao local da chegada de Christian ao século XX.

— Vou ver seu paciente — Jeff anunciou. — Parei aqui esta manhã antes de deixar o serviço, mas a enfermeira me disse que ele estava dormindo. — Ele sorriu com um ar cansado. — Preciso de algumas informações para o relatório. Espero conseguir encontrá-lo acordado.

— Lamento, Jeff. Acabo de sair do quarto, e ele estava dormindo. — Anastasia mentiu: — Talvez eu possa ajuda-lo. — Ela mostrou o formulário de entrada. — Tenho todas as informações importantes sobre ele, mas devo avisá-lo de que não são muitas.

— Veremos — ele resmungou, examinando o papel. Retirando um bloco do bolso, Jeff tomou notas. — Ele lhe disse algo sobre o ocorrido? Anastasia e Christian haviam ensaiado uma história, por isso ela estava preparada para a pergunta.

— Sim, mas é quase insignificante.

— Alguns policiais têm mesmo muita sorte. — Jeff suspirou. — Certo, estou ouvindo. Pode começar.

— Bem, pelas informações superficiais que ele me deu, calculo que Christian Gray seja um tanto nômade. Não vagabundo, mas um andarilho — ela se apressou a esclarecer.

— Como viu no formulário, ele é do Texas... Forth Worth, e passava por Conifer quando o acidente aconteceu.

— Acidente? — Jeff arqueou as sobrancelhas, cético.

— Isso mesmo. O Sr. Gray insiste que foi um tiro perdido, pois ele não conhece ninguém na região, e não tem inimigos. Ele acredita que talvez tenha sido um disparo acidental, um mero acaso. Ela prendeu o fôlego quando terminou, segura de que Jeff rejeitaria a teoria, mas, para seu espanto, ele só a fitou.

— É possível — Jeff murmurou com ar pensativo. — Ele possuía alguma identificação? Licença de motorista? Número do seguro social?

— Não, nenhuma. Tudo que temos é aquilo que ele me contou. — Anastasia respirou fundo e prosseguiu: — Ouça, Jeff, creio que pode arquivar este caso como um acidente causado por pessoa desconhecida e esquecê-lo.

— Ele estava armado, doutora! E eu passei o dia inteiro me recriminando por não ter tirado o revólver dele quando tive a oportunidade. — Ora, vamos, Jeff,— Anastasia forçou uma risada. — A maioria dos homens tem porte de arma e a leva consigo de vez em quando.

— É verdade. Mas mesmo assim pedirei uma verificação de ficha e documentação em Fort Worth e Washington, apenas para o caso do Sr. Hawk ser procurado em algum lugar. "Boa sorte", Anastasia pensou, e em voz alta concordou com a sabedoria da precaução.

— Me avise sobre suas informações a respeito dele — ela acrescentou, com mais interesse do que Jeff podia imaginar. Anastasia dormiu mal naquela noite. Chegara em casa e encontrara três recados de Richard na secretária eletrônica. Num tom magoado, ele lamentava a ausência dela. Então, sem remorsos, apagou a fita, ligou a máquina outra vez e foi dormir.

Contudo, não conseguia pegar no sono. Sua mente cansada repetia fragmentos incoerentes do dia, o primeiro dia de suas férias. "Que presente de Natal!", pensou, abafando uma gargalhada. Viagem no tempo! Era simplesmente impossível... estranho e bizarro demais. Quem acreditaria? Até ela mesma achava quase uma loucura acreditar numa história tão fantástica.

Mas Christian era real... e como! Seu beijo abrasador era uma prova. Os lábios de Anastasia ainda ardiam, e o corpo ainda estremecia ao lembrar o toque sensual das mãos dele. Viagem no tempo? Impossível. Devia existir outra explicação. Viagens no tempo eram pura ficção. Mas como se podia explicar o assombro de Christian? Quando finalmente ela conseguiu dormir, inúmeras perguntas ainda continuavam sem resposta em sua mente, mas o gosto de um homem do século XIX continuava nos lábios de Anastasia.

No outro dia, Anastasia acordou cedo, despertando assustada de um sonho no qual voava através do tempo e espaço, ao som da voz de Richard chamando-a de volta. Ainda cansada, ela se levantou e viu seu reflexo no espelho, concluindo que parecia alguém em fim de festa. Então, observando em silêncio enquanto Christian examinava os arredores, Anastasia sorriu, notando os novos trajes dele.

Armada com seu cartão de crédito e as medidas que tomara das roupas dele, ela deixara o apartamento cedo para lutar contra a multidão de compradores ansiosos para aproveitar as tradicionais liquidações de Natal. A tarefa fora exaustiva, mas os resultados definitivamente valiam o esforço.

As roupas que selecionara para ele eram idênticas aos trajes de inverno da maioria dos homens da cidade: jeans, camisas de flanela xadrez, e uma jaqueta de esqui com capuz. Comprara meias e cuecas também. Assim, Christian estaria usando o que qualquer homem do local trajava. Entretanto, a diferença não se devia apenas ao chapéu de vaqueiro ou às botas gastas, a diferença entre Christian e todos os homens que Anastasia conhecia ultrapassava a mera aparência, embora seu aspecto influísse bastante.

Agora, o tecido macio da camisa delineava a largura dos ombros e do peito musculoso. O jeans parecia sob medida para suas pernas longas e fortes, ficando baixo nos quadris e moldando-se às nádegas estreitas e firmes. Resumindo, em Christian as roupas não eram uma afetação ou uma declaração de moda, mas o reflexo de um homem de seu tempo. Observando-o enquanto ele tirava o chapéu e a jaqueta com um ar distraído, Anastasia concluiu que ele em nada se parecia com os homens de negócios do lugar. E quase involuntariamente ela começou a comparar Christian a Richard Quinter.

Foi um exercício de futilidade. Era impossível a comparação. Embora Richard fosse sem dúvida bonito, educado e moderníssimo em sua maneira de trajar, tornava-se insignificante na presença magnífica de Christian vestido com mais simplicidade. Estranho. Ela sempre considerara Richard a síntese da masculinidade... Anastasia abandonou os pensamentos quando, naquele momento, Christian virouse para fitá-la.

— É tudo tão estranho... — Ele ficou sem palavras, como se não fosse capaz de descrever seus sentimentos.

— Difícil de acreditar?

— Sim. — Ele sorriu. — Acho que ainda estou em choque por causa do passeio. Lembrando-se da expressão dele quando viu o carro pela primeira vez ao deixarem o hospital, Anastasia riu.

— Você não pareceu nem um pouco chocado. Aliás, eu poderia jurar que adorou o passeio. Os olhos dele brilharam, divertidos.

— Adorei mesmo. Com certeza é melhor do que passar o dia congelando o traseiro no lombo de um cavalo. — Ele riu. — Pensando nisso, é bem mais rápido e confortável. O som sedutor do riso de Christian a fez arrepiar-se. Num esforço para combater o calor espalhando-se por seu corpo, Anastasia mudou a expressão, passando a exibir um ar severo de reprovação.

— Você reclama muito — ela comentou num tom frio de censura. — Não é mesmo?

— Sim. — Os lábios dele se curvaram num sorriso provocante, deixando à mostra os dentes alvos, dando um testemunho silencioso de uma das comodidades do século XX à qual se habituara rápido: ele adorava o sabor de pasta dental, ficar debaixo do chuveiro e assistir televisão.

— Devo ter adquirido o hábito com as companhias com quem ando.

— Com quem costumava andar — Anastasia corrigiu, fazendo-o lembrar-se de que não estava mais no velho Oeste.

— É. — Ele suspirou. — Mesmo com tudo que tenho visto nos dois últimos dias, ainda é difícil de acreditar.

— Eu sei.

— Calculo que seja difícil para você também. — Ele observou.

— Sim. Christian sorriu e fez um gesto com a cabeça apontando para trás dela.

— Cuidado com a porta... — Ele arqueou uma sobrancelha.

— Você está perto da porta para poder fugir rápido se eu pular para o seu lado? Lembrando-se do beijo que haviam trocado no hospital, Anastasia, espantada com a intensidade de sua própria reação, evitava um contato mais próximo com Christian. Mas como conseguiria isso agora, com ele instalado no apartamento?

— Não, é claro que não temo a sua aproximação — ela negou, ao avançar para o meio da sala. — Eu estava apenas observando como você reage ao apartamento.

— Isso é o apartamento todo?

— Não — Anastasia murmurou, tirando o casaco enquanto passava por ele. — Esta é a sala. Deixe-me guardar a jaqueta e o chapéu e depois lhe mostrarei as outras dependências. O apartamento, decorado com bom gosto, aconchegante e confortável, era espaçoso e equivalia a uma casa média, com uma cozinha, uma pequena sala de jantar, sala de estar, uma suíte, três quartos, o menor dos quais funcionava como sala de leitura, um banheiro e um lavabo. Christian estava impressionado com o apartamento.

— Isso tudo é seu? — ele indagou quando voltaram á sala. — Você mora aqui sozinha?

— Sim. — Anastasia riu. — Este é meu lar.

— Você é a dona? Anastasia sentia-se contente e orgulhosa pelos frutos de sua perícia e dedicação à profissão escolhida.

— Sim, sou a dona.

— Maravilhoso... — ele murmurou, olhando ao redor.

— A casa onde cresci não era a metade em tamanho ou beleza. — Voltou o olhar para ela, surpreendendo-a com uma expressão admirada. — Você é uma mulher impressionante, doutora. Encantada com o elogio, Anastasia corou.

— Ora, obrigada! Eu... — Incerta sobre o que diria, ela desviou o olhar e mudou de assunto: — Acho melhor mostrar qual será seu quarto. Vamos? O súbito toque do telefone a interrompeu, e teve um efeito surpreendente em Christian. Ele virou o rosto, e seus olhos varreram a sala em busca da fonte daquele estranho ruído, talvez um perigo em potencial. Embora Anastasia tivesse explicado o funcionamento do aparelho, ele nunca ouvira um telefone tocar durante sua internação.

— É só o telefone, Chris — ela anunciou num tom tranquilo. — Com licença. Sorrindo, Anastasia correu para atender na cozinha. Reunindo as sacolas de compras, Christian foi para um dos quartos que ela indicara. Hesitou ao passar pela porta da cozinha, ao ouvir a respiração ofegante de Anastasia.

— Olá, Richard! Christian irritou-se enquanto caminhava pelo corredor. "Richard?", pensou, fechando a porta do quarto com força. "Quem será Richard?" Ele não tinha explicação para a pergunta. Não sabia praticamente nada sobre Anastasia. Christian aborreceu-se ao perceber que na verdade não sabia quase nada sobre aquele mundo novo.

Chegando ao quarto, deixou as sacolas sobre a cama e depois observou seu novo lar temporário. Embora Anastasia tivesse se desculpado pela simplicidade da mobília, uma única cama de solteiro, cômoda e criado-mudo, gostava do quarto. Era mais limpo, claro e melhor mobiliado que qualquer outro onde estivera. Na verdade, gostava do apartamento, com todos os utensílios e aparelhos ainda a serem investigados.

Mas, acima de tudo, gostava de Anastasia, e estava ansioso por conhecê-la melhor. Christian sentia-se emocionado ao relembrar como Anastasia entrara em seu quarto na manhã de Natal: alta, esguia, encantadora, com o cabelo loiro e brilhante solto sobre os ombros, exibindo as pernas mais lindas que ele já vira com seu ávido olhar. Ele até julgara ter morrido e que estava diante de um anjo. Entretanto, Christian não demorara a aprender algumas coisas sobre esse novo mundo. Aquela espantosa "caixa" que Anastasia chamava de televisão, mostrara a ele que as roupas, a maquilagem e a aparência de Anastasia eram a moda da época. Ela se assemelhava a qualquer outra mulher, só que... muito melhor.

Desde o início, ela despertara desejos incontidos em Christian. Ele a queria como jamais sonhara querer alguém na vida. Mas, de repente, aconteceu sua grande frustração: ela se afastara. Christian a beijara apenas naquela vez, porém o beijo alimentara as chamas do desejo, transformando-a num apetite insaciável. Christian estremeceu ao pensamento que brotara em sua mente e desejou acender um cigarro. Ah... Anastasia... Para Christian ela era a mais perfumada e estonteante mulher do mundo.

Tentando controlar o desejo, ele guardou seus poucos pertences nas gavetas da cômoda. Quando terminou, sentou-se na cama e tentou ignorar os pensamentos. "Como cheguei aqui neste mundo?", perguntou-se, olhando ao redor do quarto, cem anos à frente de seu tempo. Embora Anastasia tivesse explicado a teoria da viagem no tempo, era difícil para ele acreditar em algo tão absurdo. Entretanto, tudo que vira desde que recuperara a consciência confirmava a diferença de tempo.

As coisas, realmente haviam mudado. Fazendo um enorme esforço mental, Christian concentrou-se nos acontecimentos daquela noite, véspera de Natal. Ia a caminho da igreja, buscando o quê? Conforto? Redenção? Ou apenas ia pedir a Deus uma outra chance, uma vida decente? Assim, tentando ordenar as lembranças, Christian relaxou e dormiu profundamente. E sonhou que não haveria segunda chance de vida decente, não teria uma esposa e morreria.

Então, invocando o nome de Deus, recusou-se a morrer. Nesse momento, um sobressalto arrancou Christian do pesadelo. Ele estava ali, vivo. Havia conseguido outra chance ao apelar pelo nome de Deus? Alguma força espiritual o teria tirado das colinas de Montana e o deixado nas montanhas da Pensilvânia, bem no caminho daquela mulher? Ele balançou a cabeça com violência. "A ideia é louca", disse a si mesmo. Ainda mais louca que a opinião de Anastasia sobre a viagem no tempo.

Por quê, ele argumentou, o Todo-Poderoso o mandaria cem anos para o futuro? Mas, também, o que era o tempo para Deus? Como acontecera naquela noite, palavras velhas e esquecidas voltaram-lhe à mente. "Deus escreve certo por linhas tortas." Christian ainda estava sentado na cama, ponderando sobre o que pensara, quando uma batida leve na porta interrompeu sua divagação. — Entre. Ele estava em pé ao lado da cama, com uma expressão curiosa, quando Anastasia entrou sorrindo no quarto.

— Já se instalou?

— Sim... mas, por favor, posso saber quem é Richard?

— Um amigo. — O sorriso dela diminuiu um pouco.

— Um amigo especial? Anastasia ficou séria de repente.

— O que quer dizer com isso?

— Você sabe, Ana.

— Não — ela murmurou num tom gélido e distante. — Talvez seja melhor você explicar. Isto, Sr. Grey, não é da sua conta.

— Desculpe, não quis ofendê-la. Anastasia continuou a encará-lo, aumentando ainda mais o respeito de Christian por ela.

— Você é meu hóspede. Não tem nenhum direito de perguntar sobre minha vida.

— Oh, Anastasia, me desculpe... — Ele baixou a cabeça, confuso e magoado. — Pensei que pudesse perguntar coisas assim, porque você é a resposta de Deus à minha prece de Natal...


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