Alaric se reencostou contra o ombral da porta, camuflado entre as sombras e observou em silêncio Roslyn balançar sobre a cadeira e parar abupta. As crianças prenderam a respiração com os olhos arregalados.

Fazia pouco tempo que ele havia, finalmente, a encontrado naquela pequena saleta reclusa na ala oeste da Fortaleza. Aquela parte era mais afastada do restante das alas, principalmente, pelo fato de abrigar algumas crianças do clã que não tinham como permanecer com os pais por falta de estrutura. Ele raramente andava por aqueles corredores. No entanto, quando ele foi avisado pelos guardas que sua esposa havia desaparecido, havia esquecido completamente qualquer coisa relacionado a soldados e armas e rumou em direção a Fortaleza, vasculhando cada retrância daqueles corredores, com o coração palpitante dentro do peito. Já imaginando todas os finais possíveis para aquele noite que envolvia o corpo inerte de Roslyn em algum cômodo esquecido.

Porém, ali estava ela. Com seus gestos dramáticos narrando uma história que arrancava exclamações de horror das bocas abertas das crianças. Dando vida a cada palavra que saia de seus lábios. Criando outra realidade onde Reis mágicos e monstros das florestas existiam. 

A voz de Roslyn o trouxe de volta e ele se lembrou o porquê de estar ali.

—…e, então, o vento silenciou. As madeiras chiaram como o sussurro de uma lamúria. As árvores gemeram como se quisessem avisá-la do perigo que a rondava. O som de tecidos farfalhando ecoou pelo cômodo. - Roslyn guardou silêncio e as crianças paralisaram. O fogo crepitou ao longe. Alaric se moveu e uma criança gritou. Ele rapidamente fez um gesto para que elas guardassem silêncio. - A porta abriu com um baque surdo, ela correu...

—…e o grande monstro da floresta a matou!!!- O berro eufórico de um garotinho desdentado cortou a pequena saleta abarrotada.

— Claro que não, seu tolo. Meninas são espertas demais para morrerem. - Replicou a menina de tranças ao seu lado.

— Meninas são nojentas.

— E você é um porco!

— Não sou não!

— Você comeu o próprio cocô!

— Mas eu era bebê!

— Crianças! Silêncio. - Roslyn ordenou. Um sorriso brincava em seus lábios, mas ela rapidamente reprimiu. Mantendo-se séria. Pigarreou e alisou a saia do vestido verde musgo. - Aonde eu parei?

— Ela estava prestes a ser abocanhada pelo monstro!

— Mentira! Ela estava fugindo. - Corrigiu a menina, fulminando o menino com o olhar.

Ele revirou os olhos e bufou, cruzando os braços.

—…ela correu em direção a floresta. Os pés alçando vôo por entre os galhos caídos e as folhas secas. O sussurro das árvores era como um grito de incentivo para que continuasse correndo. E, então,…

Alaric avançou, e em um movimento rápido, a pegou em seus braços e a ergueu. Roslyn soltou um gritinho assustado, fazendo as crianças gritarem na mesma entonação.

—…o lorde das trevas a salvou das garras do monstro do mal, mantando-o e a levando para seu enorme castelo. Fim da história. Digam boa-noite, crianças.

— Boa-noite. - Responderam em um coro animado.

— O que está fazendo?! - Roslyn sibilou ainda tentando se equilibrar sobre os seus braços.

— A salvando das garras destas crianças. - Sussurrou.

— Mas, este não é o final da história!

— Eles gostaram desse final. - Pontuou quando as crianças começaram a se dispersar alegremente.

Sem dar tempo para Roslyn replicar, ele rumou em direção aos  corredores, ainda ouvindo a algazarra das crianças e a voz de uma das criadas.

— São crianças. Gostariam de qualquer final. E ponha-me no chão. - Ele continuou andando em silêncio, atravessando labirintos de corredores e subindo escadas infinitas. - Alaric! Não tem graça. Coloque-me no chão. 

Ele abriu a porta do quarto deles com o pé e a depositou no chão. A colocou no chão e observou o rubor encobrir as sardas na face zangada.

— Você fugiu dos soldados mais uma vez. - Ela abriu a boca para replicar, mas ele rapidamente a interrompeu. - Estou falando sério, Roslyn. Não a quero andando sozinha pela Fortaleza.

Um vinco se formou entre as sobrancelhas ruivas. Ela recuou desconcertada.

— Não estava sozinha. Marion estava comigo.

— Marion é o equivalente a nada. Não irei repetir.

— Não iria acontecer nada. Além disso, não precisava ter me interrompido daquele jeito. Eu já estava terminando. As crianças gostam de escutar as histórias.

— E eu gosto da sua cabeça em cima dos seus ombros.

Roslyn cruzou os braços e crispou os lábios. Girou a cabeça para o lado, privando-o de olhar sua face. Alaric deu um passo a frente e ergueu o queixo inflado pela raiva.

— Não fique brava. Só estou preocupado com você. - Ela acentiu, mas não desmanchou a careta brava. - E a propósito, não a quero contando histórias para os nossos fedelhos. Não quero crianças choronas dormindo na nossa cama.

— Crianças? - Guaguejou com os olhos arregalados em prantos. 

— Elas surgiram em algum momento, eventualmenre, já que eu obviamente sou incapaz de manter minhas mãos longe de você. - Retrucou com as sobrancelhas baixas, deslizando as mãos pela cintura feminina.

Alaric avaliou a expressão confusa da ruiva e inclinou a cabeça, avaliando a expressão de perplexidade de Roslyn.

— Deixe-me adivinhar. Marion nunca lhe ensinou da onde surgem os bebês.

— Suponho que não sejam dos ovos de galinhas. - Sussurrou ainda se recuperando do choque.

Alaric riu e a enlaçou com os braços, atraindo-a contra si.

— Não, céu. Eles não vem dos ovos de galinhas. - Ele deslizou a mão até a parte onde uma liga de couro formava um pequeno intricado em sua cintura, alisando a barriga lisa por cima do vestido. - Elas crescem na sua barriga até estarem prontas para sair.

As mãos de Roslyn voaram até a sua barriga, esbarrando na dele. Ele inspirou fundo e um sentimento de pura proteção nasceu e contaminou aos poucos o seu coração, fazendo-o prender o fôlego.

— Como? - Sussurrou ainda chocada, os dedos pressionando os dele com força contra a barriga. 

Ele a beijou e deslizou os dedos pela face corada, sentindo-a se derreter aos poucos com um suspiro de prazer. Deslizou os lábios pelas sardas e rumou até a orelha escondida entre os caracóis acobreados. 

— Realmente precisa que eu explique? 

— Não. Acho que tenho uma pequena ideia agora. - Recuou com a expressão ainda confusa, porém parecendo maravilhada e êxtase ao mesmo tempo. 

Alaric a puxou contra si novamente, mergulhando naquele espiral de paixão que Roslyn sempre despertava nele. Porém, logo rompeu o contato. Não podia esquecer o motivo pelo qual havia a levado até o quarto.

— Por mais que eu queria fazer bebês com você agora, céu. Teremos que deixar para mais tarde. - Sussurrou contra os lábios úmidos. Pigarreou e a afastou. - Preciso falar com você.

Roslyn ainda mantinha uma expressão confusa no rosto, porém assentiu como se sentisse a seriedade em sua voz. Sua face logo se tornou preocupada e ela apertou seus dedos envolta dos dele.

— Aconteceu alguma coisa?

— Alguns dias atrás, Sebastian e eu fomos até o cemitério…

— Cemitério? - Roslyn balbuciou com as sobrancelhas franzidas.

— Sim. Ele ouviu umas coisas e…isso não importa. O que importa é o que descobrimos ao chegarmos lá.

— E o que descobriram? - Sussurrou engolindo em seco.

Alaric apertou os dedos dela. Seu olhar marcou cada ruguinha da testa enrugada até descer para os olhos azuis.

— Seu pai não morreu, Roslyn. Na verdade, ele está tão vivo quanto qualquer um de nós.