Still Alive escrita por Jubs Malfoy


Capítulo 34
Eu aceito




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Lady D’Noir apenas deixava o chá quente escorrer por sua garganta, sentindo-o curar e amenizar as dores e a rouquidão que adquirira durante a madrugada. O feitiço de privacidade fora eficiente, e ninguém ouviu o choro amargo, nem os gritos agonizantes de uma garota com dor suficiente para partir o próprio coração. A maioria aceitou a desculpa dela de estar ocupada estudando durante o dia, quando, na verdade, ela não conseguia encarar o mundo além do que seria obrigada no jantar daquela noite.

Então, alguns momentos antes de precisar sair, estava sendo cuidada pelas criadas designadas a ela. Lis tinha uma satisfação interna por estar dando trabalho: os cabelos curtos dificultavam qualquer penteado elaborado e, embora sua genealogia veela ajudasse muito, suas noites em claro, mais a madrugada inteira em lágrimas eram demais até para a magia que a acompanhava, e as mulheres procuravam cosméticos que encobrissem aquele defeito sob os seus olhos.

A Lady olhou para o espelho, e não se surpreendeu com o que a olhou de volta: o fantasma de uma garota, com um olhar vazio no rosto sob uma máscara de desinteresse emoldurada por cabelos ruivos e presilhas brilhantes. Ela havia escolhido um vestido negro, cujo tecido brilhava e sussurrava ao movimento, uma casca bonita para uma alma vazia. O único acessório que usava, além do anel de herdeira, era um colar que ganhara de presente no natal; antes, colorido e pulsante, agora negro e estático, como seu próprio coração.

Antes de ser conduzida para o salão das refeições, esboçou um sorriso em frente ao reflexo. Era o mais falso e sem vida que já dera em sua existência, mas era esteticamente perfeito, e ninguém repararia na diferença. Por sorte, não seria o soldado preferido do avô a escoltá-la, e nenhum deles disse uma palavra ao ver a garota vestir e assumir o papel de Lady do condado mais sombrio de toda a corte.

O salão estava apinhado de gente. Não havia uma mesa única para as refeições, mas mesas quadradas e separadas por famílias; ou seja, sentaria com seu avô, somente. Em teoria. Por algum motivo que ela desconhecia, os irmãos Weasley estavam na mesa da família dela, milagrosamente vestidos com roupas da Corte, mas com os rostos irritados e infelizes pela companhia. Não que a própria Lis estivesse satisfeita, mas apenas os ignorou e sentou ao lado direito do avô, servindo-se de um champanhe cor de rosa e borbulhante.

A magia do castelo — vinda dos elfos, ela desconfiava — pôs as entradas nas mesas, e ela se desligou do resto enquanto entrava em uma conversa tranquila, mas forçada, com o avô e engolia a comida, que tinha gosto de papel em sua língua. Cada segundo que passava pressionava ainda mais seu coração, e a ansiedade tornou difícil respirar e comer o resto do que surgia. Ela precisava se alimentar, visto que toda e qualquer comida não permanecera em seu estômago o dia inteiro. Aquela também ameaçava sair a qualquer momento.

Onde ele estava, que não acabava com o sofrimento dela?

As sobremesas vieram, mas Lis as ignorou enquanto lançava um olhar para o outro lado do salão. Um par de olhos dourados a encarou de volta, e o rosto bonito ao qual eles pertenciam assentiu em troca. O tintilar delicado de um talher batendo contra cristal, o som de uma cadeira se arrastando, e o sorriso que acompanhava o som daquela voz a deixaram ainda mais tonta.

— Milordes, Miladies, gostaria de fazer um anúncio esta noite — Nikolai olhou para a mesa D’Noir e sorriu — É mais um pedido, na verdade.

O salão inteiro silenciou, e Lis ignorou a curiosidade no rosto de todos, e a confusão dos Weasley ao seu lado. Naquele momento, ela só tinha olhos para o garoto que usava vestes bruxas negras e douradas, combinando com as suas próprias, e que andava em sua direção. Na verdade, na direção de Arcturo D’Noir.

— Conde D’Noir — Nikolai se dobrou em uma profunda reverência, acompanhada de um sorriso. Lis fez questão de esboçar uma ansiedade em seu rosto, e expectativa. Qualquer um que a olhasse, veria que esperava, e queria aquilo — Estou aqui, como herdeiro Pelletier, Para pedir a sua autorização para ter a mão de sua neta, Lis D’Noir Snape em casamento.

Um murmúrio começou no salão, mas foi silenciado por um gesto do Conde. Lis analisou cada expressão. Havia uma surpresa satisfeita no rosto de seu futuro sogro, exasperação incomodada nos irmãos em sua mesa, e confusão divertida nos olhos negros de Kaleen. Seu avô, no entanto, a olhou com uma pergunta sem palavras, e ela assentiu quase imperceptivelmente, indicando que aquilo era, sim, planejado.

— Como Conde, e responsável por Lis D’Noir Snape — ele começou com as palavras do protocolo da Corte — eu te dou autorização para pedir a mão da minha neta em casamento. Acredito que somente ela poderá te dar a resposta para esse pedido.

Certo, aquilo a surpreendeu. Era um protocolo quase esquecido, já que a maioria dos casamentos era arranjado com os responsáveis dos noivos antes de um pedido formal e público como aquele. No entanto, Nikolai não se abalou. Pelo contrário, seu sorriso apenas se alargou quando ele se ajoelhou em frente a ela e repetiu o pedido.

Lis inclinou a cabeça, graciosa, e sorriu com uma facilidade treinada.

— Sim, eu aceito — não eram as palavras formais, mas ela sabia que convenceria melhor os outros de seu sentimentos fingidos. Era mais fácil forjar a emoção naquela três pequenas palavras do que em uma frase inteira e ensaiada. Demonstraria, também, a surpresa em um pedido não combinado, como queriam que acreditassem que fosse. Sincero e espontâneo.

Nik prendeu uma pulseira de prata no pulso dela. Eram três correntes trançadas, simples, e representavam o mesmo que um anel de noivado para eles. Para completar o teatro, ele beijou os nós dos dedos dela antes de levantar e puxá-la para um beijo público e apaixonado. Fingir aquilo estava se tornando quase fácil. Quase.

Aplausos explodiram no salão, e ela sorriu, escondendo-se no abraço dele. Ela queria sentir o alívio de que aquilo acabara, mas estava apenas começando. Nikolai se despediu dela com um beijo na bochecha, e ela foi acompanhada por seus guardas e seu avô até o próprio quarto, já que o dele ficava não muito depois, e o caminho era o mesmo.

Arcturo a parou antes que ela entrasse pela porta, com uma sobrancelha arqueada. Ela não pôde deixar de reparar no quanto ele parecia cansado. Certamente, se deteriorara muito desde que sua avó se fora, o cabelo cada vez mais branco, o rosto com mais rugas, e o olhar exausto. Ele fora bonito, um dia, mas aquilo, aquela vida, se esvaía cada vez mais.

— Estou surpreso — ela deu um sorriso dissimulado.

— Não vejo porquê.

Ele assentiu, mas abriu a boca como se fosse dizer algo, e levantou a própria mão, como se fosse tocá-la. Acabou por beijar os dedos dela, em uma demonstração desnecessária de protocolo, antes de murmurar um boa noite e se retirar. Lis apenas se lançou no quarto, se jogando na cama e deixando as lágrimas silenciosas tomarem conta de novo. Antes que sequer percebesse, já corria para o banheiro, o estômago rejeitando o jantar diante de tanta pressão e tristeza. Ela ficou  escorada na parede do banheiro, lembrando de como se metera naquilo.

 

***

 

— Me casar — ela riu, incrédula — com você? O que te leva a achar que farei isso?

Nikolai a olhou, abrindo um sorriso cansado.

— Sei que você não quer fazer isso, mas é uma solução boa. Uma ótima, aliás — ele ainda não havia se levantado da cama dela, como se tomasse posse — No momento em que você disser eu aceito, meus soldados receberão ordens para tirar seus amigos daqui, em segurança, e levar para onde você quiser que eles estejam.

Ela sentou na poltrona ao lado da cama, pondo a mão no rosto, os cabelos curtos fazendo cócegas nas costas de suas mãos. Não poderia ser, aquela, a única saída, poderia?

— Você não pode sair com os três daqui, mas…

Mas ela podia mandar os três embora, e ficar. Nunca tinha pensado nessa possibilidade, nunca havia tido essa possibilidade, no entanto… Se ele pudesse mesmo tirá-los de lá…

— Olha… — foi a vez dele de passar a mão nos cabelos — Eu não sou o meu pai. Eu não maltrataria você, quero dizer… Eu gosto de você — ele deixou que ela absorvesse aquelas palavras — Nossa química funciona, e poderíamos aprender a conviver com isso. Eu realmente posso fazer isso, é claro, se estiver disposta.

Disposta? Se ela estava disposta a trocar sua liberdade pela dos amigos? Trocar a liberdade, e talvez a vida do homem que amava por, talvez, nunca mais vê-lo? Faria aquilo sem piscar, sem pensar duas vezes.

— Eu quero que você jure. Pela sua magia, pela sua família, jure que vai tirá-los desse castelo para um lugar seguro no momento em que eu disser sim.

E ele jurou. Um juramento da Corte, feito com sangue, ainda mais poderoso que um juramento mágico. Sua magia seria arrancada dele, e sua herança pertenceria a ela, caso ele quebrasse o que prometera. E provavelmente morreria com isso. Ele jurou, e Lis não tinha lágrimas, naquele momento. Seus olhos estavam secos, sua garganta estava se fechando, e aqueles olhos dourados lhe diziam que entendiam o que ela estava sentindo.

Nikolai colocou sua mão entre as dele. A pele branca entre a bronzeada. A delicadeza entre seus dedos fortes. Ele era um Lorde, mas suas mãos nunca foram de realeza.

— Obrigado — e Lis nunca ouvira tanta sinceridade em uma palavra.

Algo despertou dentro dela, e ele já abria a porta quando ela o interrompeu:

— Por quê? — ele a encarou com a testa franzida em uma pergunta silenciosa — Por que me agradece? É um acordo, quase um favor seu. Por quê?

Ele deu um sorriso amargo, completando o giro da maçaneta.

— É uma história para outro dia.

— Não — ela o interrompeu antes que saísse, sem ainda se levantar de onde estava — Não, se vamos fazer isso. Você sabe os meus motivos, eu quero saber os seus.

Ele respirou fundo enquanto fechava a porta e voltava para a cama dela. Dourado contra azul naquela disputa sem palavras.

— Kaleen… — ele suspirou, escondendo o rosto entre as mãos, novamente — ela tem um contrato de casamento — o coração de Lis apertou — um homem horrível, pior que o meu pai, pior que… é o pior que eu conheço.

A expressão de nojo e angústia dele fez Lis querer consolá-lo. Independente do que acabara representando para ela, Lis só conseguia ver o garoto que se pendurou com ela na balaustrada da janela, sofrendo pelas crianças reféns em Beauxbatons, pelas crianças que conheceriam o mal que os dois conheceram cedo demais.

— Ele não é velho, como talvez você esteja pensando. Tem pouco mais que nossa idade. Mas eu preferiria que ela se casasse com um lorde de quarenta anos, que ao menos a deixasse em paz, ou seguir os sonhos dela, do que esse, que vai prendê-la e torturá-la por toda a sua vida.

Uma risada amarga o tomou. Ela sabia que ele apenas precisava falar, então não o interrompeu.

— E sabe o que é o pior? — ela balançou a cabeça — ela nem sabe disso — a surpresa a tomou, mas deixou que ele continuasse — Ela não faz ideia do que a espera quando acabar a escola. Convenci meu pai a esperar, a não divulgar. Tentei persuadi-lo a não casá-la. O atormentei tanto, que ele cedeu, fez um acordo. Se eu me casar até o final do verão, Kaleen pode se casar com ela quiser. O contrato será desfeito.

Ele a olhou, e ela viu o brilho das lágrimas nos olhos dele. De quantas coisas ele havia protegido sua irmã? Quantas vezes se lançara na frente dela, perdendo sua inocência e vontade apenas para que ela pudesse mantê-las?

— Não é apenas a liberdade dos seus amigos que estaremos comprando, Snape.

***

 

James foi deixado em paz por dois dias depois de acordar com a saúde quase restaurada. Seu corpo ainda doía, alguns cortes deixariam cicatrizes, mas em geral, ele estava bem. Melhor, pelo menos.

A cela que ele ficava fedia a feno e urina, das necessidades que eles o obrigavam a fazer em um balde no canto da parede. Os soldados, todos vestidos de preto, vigiavam a cela dia e noite. Pelo menos uma vez no dia, vinha um homem negro, o líder, ele percebeu, e trazia um balde com água fresca e panos para ele se limpar.

James não ousava olhar para a insígnia que todos eles carregavam no peito: luas e estrelas ao redor de uma flor-de-lis. Ele sabia o que aquilo significava, a quem todos aqueles guardas pertenciam, e por isso, não foi surpresa ver quem descia às masmorras quando avisaram que ele tinha visitas.

Arcturo D’Noir era mais belo e mais firme do que ele imaginara, pelas histórias que ouvira. Parecia bastante com o Prof. Snape, e provavelmente teria a mesma idade que ele, embora aparentasse mais jovem, por conta do porte atlético e a ausência de uma cara mal-humorada cheia de rugas. Aquele homem era impassível.

E logo atrás dele, James a viu. Um retrato da submissão e realeza como nunca antes com seu vestido cinza claro com rendas e laços, e a cabeça abaixada, sem olhar para ele. A raiva subiu por seu estômago. Lembrava de tê-la visto quando o arrastaram ao salão, assustada por vê-lo, e então sussurando para o avô algo antes de dar de ombros e sair do salão. Abandonando-o.

James nem sabia como ela saíra de Hogwarts. Não se importava. Ele fora resgatar seus primos, e ela havia prometido protegê-los de lá de dentro. Agora estava o meio de todos eles, usando aquelas roupas finas e conspirando. A raiva de James era tanta que ele nem conseguia pensar direito, mal conseguia olhar para ela.

— Então ele já está bom o suficiente — começou o conde, enquanto buscava um banquinho para sentar em frente a cela. Não era pouco digno para ele, estar sentado, já que o próprio James estava jogado, quase inútil, no chão — Tem algumas perguntas que eu gostaria de fazer, a começar com… Como você veio parar aqui?

James finalmente olhou para Lis, que estava em pé atrás do avô, enquanto ele permanecia de boca fechada. Seus olhos se encontraram, mas ela logo desviou, olhando para Arcturo enquanto torcia os lábios perfeitamente pintados. Maquiagem demais. Artificial demais para ser a Lis por quem ele se apaixonara. Ele fora enganado, não fora? Era apenas uma das muitas máscaras que ela utilizava.

— Não vai responder? — um gesto, e os guardas o arrastaram para fora da cela, jogando-o aos pés do Conde.

O soldado negro, ele percebeu, se postava ao lado da ruiva, como se a protegesse, e ela se aproximou dele quando os outros o soltaram. Arcturo deu um sorriso cruel antes de se abaixar, pegando o queixo do garoto com mãos fortes. Se James conseguisse olhar além, veria os olhos arregalados de Lis, e como ela se aproximou um passo antes de ser puxada de volta, mas ele só conseguia ver um par de olhos negros como a noite o encarando, severos.

— Eu vou te explicar uma coisa, garoto. Eu sei que você tem informações — a inclinação da cabeça dele em direção à neta disse a James o suficiente, fazendo a raiva borbulhar seu sangue como água fervente — E eu sou a única pessoa importante nesse castelo que se interessa o suficiente para mantê-lo vivo. Então é melhor começar a falar.

James sabia que ele estava falando a verdade, então achou que seria inteligente começar, realmente, a falar. Ele tentou misturar mentiras e verdades. Contou como viu o Nikolai fugir de Hogwarts, e como juntou as peças do que tinha acontecido. Disse, explicitando o próprio desgosto, como a Lis havia lhe entregado, de bandeja, uma mapa com o caminho para o castelo Pelletier, e o Arcturo deu a entender que ela marcara o caminho perigoso deliberadamente. James desconfiara daquilo, mas não se permitiu pensar muito nisso, não até que a verdade fosse posta em sua frente.

Mas também, não disse nada sobre a Lily e o Escórpio, que estavam em um lugar seguro, naquele momento, na casa de uma camponesa que os acolhera. Ou era o que James esperava. Não, ele convenceu o Conde de que fizera tudo sozinho, com algumas indicações da neta dele. Ela que se encrencasse por ser uma maldita traidora para ambos os lados. De qualquer forma, Arcturo não o pressionara muito na parte sobre acompanhantes, e ele não reparou nisso, também.

Durante todo o interrogatório, James tentava, e falhava, em não olhar para ela. Parecia injustamente bonita naquele vestido, e a luz fraca não permitia que ele visse seu rosto direito. No entanto, ele sabia que ela estaria impassível. Uma máscara de cera sobre qualquer sentimento que ela tivesse ao vê-lo e ouví-lo. James não entendia o que ela fazia ali, por que participava do interrogatório? Ou melhor, por que estar ali, parada, como parte da mobília, apenas grudada naquele soldado, cada vez mais perto? James não se permitiu imaginar o que ele seria dela.

Depois do que pareciam séculos, Arcturo mandou que os guardas o pusessem de volta na cela, e trouxessem roupas novas e baldes de água para ele se lavar direito. Ele apenas cuspiu essas ordens, antes de sair do lugar. Lis deu uma última olhada para James antes de ser empurrada levemente por Jean, que a segurava para que suas pernas, bambas como estavam, não a traíssem. Seu avô a esperava do lado de fora.

— Fez um bom trabalho, garota — ela tentou se fazer de desentendida, mas sabia que havia falhado quando viu um brilho nos olhos dele — O que ele disse será o relatório oficial. Tenha certeza de contar a mesma história também. Não que eu queira saber a verdadeira.

Então ele deixou ela voltar para o seu quarto, onde pôde começar seu plano de “Tornar-se noiva de um Lorde”  em paz.


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